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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS - CCJP Curso: Ciência Política Disciplina : Sistemas Eleitorais Docente: Guilherme Simões Reis Discente: Ágatha de Medina Eiras Avaliação: Resenha Crítica Resenha Crítica de: LESSA, Renato (2006). “Notas sobre o desperdício e a ubiquidade: uma perspectiva da ciência política”. In: Presidencialismo de animação. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, pp. 46-57. Renato Lessa desenvolve nesse artigo uma crítica ao desperdício de votos e aos dois tipos de sistemas eleitorais que identifica como causa dos eventos de maiores desperdícios. Sua crítica parte do pressuposto de que “Em uma sociedade democrática é de se esperar que o sistema eleitoral tenha por finalidade fazer com que o maior número possível de votos apresente-se como relevante para a configuração do mundo político” (Lessa, 2006), contudo, apesar de ser válido, é necessário explicitar que o autor realizou uma escolha normativa ao tomá-lo. Segundo Cristian Klein (2007, p.24-25), regras eleitorais podem ser justas, mas não neutras porque expressam visões normativas sobre o que deve ser priorizado numa sociedade política. Klein explica que há duas visões normativas antagônicas, cujos princípios não podem ser maximizados ao mesmo tempo: as que priorizam os valores da eficiência e da governabilidade, ou seja, governos estáveis, majoritários, efetivos, de partido único e as que priorizam o valor da representação, no sentido de que as diferentes tendências políticas e a diversidade da população devem estar espelhadas no parlamento (Shugart e Carey, 1992 apud Klein, 2007). Há teóricos elitistas da democracia como, por exemplo, Giovanni Sartori cuja preocupação é garantir a governabilidade, que almejam a estabilidade.Sartori (apud LIMONGI, 2003, p.464) inclusive afirma que a representação proporcional é “fraca” porque “não faz nada”, apenas espelha diretamente a vontade do eleitor. Nesse sentido, para tais autores, maximizar uma correspondência entre votos e cadeiras, evitar o desperdício como defende Lessa, é indesejável porque pode ameaçar a estabilidade que tanto prezam. Após apontar essa corrente alternativa ao seu pressuposto, é necessário analisar as críticas aos sistemas eleitorais que, segundo Lessa, desperdiçam votos. Os sistemas criticados são: sistema majoritário uninominal e sistema (proporcional) de lista, mais especificamente, a lista aberta brasileira. Sobre o sistema majoritário uninominal, Lessa critica as “maiorias manufaturadas”, que são realmente uma tendência nesse sistema que, como explica Reis (2013, p.209), “(...)pode levar um partido a ter maioria legislativa mesmo sem receber mais da metade dos votos”, todavia, o autor não discute o efeito psicológico desse sistema que, segundo Reis, induz o eleitor ao voto estratégico (oposto ao sincero), que prioriza os maiores partidos para não desperdiçar seu voto. Além disso, o autor não aborda o outro efeito mecânico observado por Reis, que é o de sub-representar partidos com votação mais difusa, permitindo que um partido com menos votos, porém mais concentrados nos distritos, consiga mais mandatos do que outro partido com mais eleitores. Dessa forma, ignora além desse ponto que é relativo ao desperdício de votos, o propósito de sua discussão ao longo de todo o artigo, bem como outras questões sobre a territorialidade de sistemas majoritários uninominais, como por exemplo, o benefício da maior facilidade de acompanhar o mandato do eleito pela proximidade que o distrito de magnitude 1 proporciona, a possibilidade de accountability (Nicollau, 2004, p.21), e os riscos de paroquialismo, partidos e candidatos priorizando pautas muito restritas às pequenas localidades, nos limites do distrito eleitoral, enfraquecimento de pautas mais nacionais. No que concerne o sistema brasileiro de lista aberta, Lessa critica a porcentagem expressiva (39%) de votos em candidatos derrotados, a desproporcionalidade entre votos em candidatos e cadeiras, além de descrever como problemática a transferência do voto tanto em listas de coligações, quanto em listas partidárias. O autor entende o sistema de lista aberta, no qual há voto nominal, como um sistema de “non-transferable vote” e, portanto, considera tal transferência indevida em ambos os casos. Entretanto, como explicam Jairo Nicolau (2003) e Cristian Klein (2007), no sistema de lista aberta, os votos são agregáveis - nas listas dos partidos ou das coligações - e transferíveis entre os candidatos dessas listas. O voto nominal é o mecanismo que ordena as listas, dos candidatos mais votados aos menos votados, enquanto o voto permanece sendo da lista. Os sistemas de listas são todos sistemas proporcionais mais pró-partido, centrados no partido, a diferença entre a lista fechada e a lista aberta está apenas no ordenamento que deixa de ser pré- eleitoral e, portanto, de ser realizado pelo partido, dando uma margem um pouco maior de intervenção ao eleitor no processo. Dessa forma, a transferência na lista partidária não é problemática, inclusive evita o desperdício enquanto mantem uma proporcionalidade no que se refere aos votos dos partidos e cadeiras, o que faz muito sentido num sistema que prioriza partidos. Apesar disso, sua crítica sobre as coligações não é infundada, coligações resultam em desproporcionalidade entre votos dos partidos e cadeiras. Isso é problemático porque, além de constituírem elemento de desproporcionalidade interpartidária, os votos na legenda - permitidos no sistema de lista aberta brasileiro - vão para o agregado da lista da coligação sem interferir na colocação dos candidatos do partido votado. Lessa aponta a lista fechada e o STV, voto único transferível, como sistemas que reduzem o desperdício de votos, além de evitar a transferência de votos que ele considera indevida. Entretanto, faz uma afirmação equivocada sobre o STV, afirma que ambos os sistemas “solução” são proporcionais e, por isso, sua característica central é a “(...)busca pela correspondência entre número de votos obtidos pelos partidos e número de cadeiras conquistadas” (LESSA, 2006), quando o propósito do sistema desde sua origem é precisamente permitir que opiniões relevantes na sociedade sejam representadas, estejam elas ou não abrigadas em partidos. Considerando sua posterior explicação sobre o STV, afirmando que o STV permite que o eleitor ordene suas preferências de forma interpartidária e detalhando o processo de transferência que deixa, mesmo que de forma implícita, o fato do sistema não ser agregável em listas partidárias. No que concerne a lista fechada, o autor argumenta que, apesar do controle excessivo dado ao partido e suas cúpulas, como o eleitor não vota em candidatos, acaba o problema da transferência. Entretanto, como discutido anteriormente nesse trabalho, o voto nominal apenas ordena os candidatos, é um voto na lista. Assim, essa transferência não é indevida. Sobre o STV, Lessa defende que neste sistema a transferência de voto é autorizada e o desperdício de voto é mínimo, já que sua origem está no eleitor que decide não transferir seu voto. Todavia, há problemas, esse é um sistema que possui muitas dificuldades em sua aplicação, o que o próprio Lessa admite, para que seja viável são necessários distritos menores, de magnitude mais baixa, o que também pode produzir alguns efeitos negativos da territorialidade como o risco de paroquialismo, candidatos se elegendo com pautas muito localizadas em detrimento de projetos nacionais. Apesar de alguns equívocos, como os sobre os princípios dos sistemas de lista, e da ausência de alguns pontos muito relevantes para a discussão sobre o desperdício, principalmente em relação aos efeitos do sistema majoritário uninominal, sua defesa de um sistema que torne o máximo possívelde votos relevantes ao distribuir os mandatos é válida. Principalmente quando nos deparamos com a criação de uma “cláusula de barreira individual”, elemento de desproporcionalidade muito maior que coligações num sistema de lista aberta e possibilidade de voto em legenda. Criada em lei ordinária, em 2015, a lei 13.165/15 determina que um candidato só será eleito se alcançar individualmente 10% do quociente eleitoral, o que além de acabar com o propósito do voto de legenda, fere os princípios do sistema de lista aberta discutidos nesse trabalho e torna o sistema tão desproporcional que necessitará nova nomenclatura. Bibliografia: KLEIN, Cristian (2007), O desafio da reforma política: Consequências dos sistemas eleitorais de listas aberta e fechada. Rio de Janeiro, Mauad X LIMONGI, Fernando (2003). “Mesa ‘Voto distrital, voto proporcional e coligações’”. In: M. V. Benevides, P. Vannuchi, F. Kerche (orgs.), Reforma política e cidadania. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, pp. 462-466. NICOLAU, Jairo (2003). “A reforma da representação proporcional no Brasil”. In: M. V. Benevides, P. Vannuchi, F. Kerche (orgs.). Reforma política e cidadania. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, pp. 201-213. ______________ (2004). Sistemas eleitorais. Rio de Janeiro, FGV, 5ª ed. REIS, Guilherme Simões (2013). “A exceção seria norma: governos de coalizão em um Reino Unido com eleições proporcionais”. Paraná Eleitoral, v. 1, p. 205-223
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