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METABOLISMO GLICIDICO EM RUMINANTES

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UNIVERSIDADE VILA VELHA - UVV
HUDSON LOPES ROMÃO 
INGRID MARY BLASER ARCANJO
JULIA DA SILVA SANTOS
METABOLISMO GLICIDICO EM RUMINANTES 
VILA VELHA 
1
2018
INTRODUÇÃO 
A nutrição de ruminantes pode ser considerada mais complexa que a nutrição de monogástricos. Devido à anatomia do trato digestivo, os microrganismos presentes no rúmen fermentam alimentos fibrosos e sintetizam nutrientes, principalmente proteína e algumas vitaminas (BARCELOS et al., 2001).
Os carboidratos são compostos que, em geral, apresentam a fórmula empírica (CH2O)n e cujos representantes mais simples são chamados açúcares, como, por exemplo, a glicose que é o principal carboidrato na Terra, entrando na constituição monomérica de celulose e amido. É também o único combustível utilizado por todas as células do nosso corpo (USP, 2013). 
O amido é o principal polissacarídeo de reserva das plantas formado pela união de açúcares simples em ligações α-glicosídicas e que juntamente aos carboidratos estruturais, como as hemiceluloses e celuloses, representam o maior componente nas dietas de bovinos. Tendo uma alta taxa de digestão ruminal é uma das maiores fontes de energia usadas na alimentação de ruminantes (OLIVEIRA, 2011). 
O amido, classificado em amilose e amilopectina, é o mais importante polissacarídeo de reserva vegetal; a amilose é um polímero linear constituído de até cerca de 6.000 unidades de glicose que se unem por ligações glicosídicas α (1-4) (Figura 1). O número de resíduos é variável e a sua hidrólise parcial produz oligossacarídeos e a sua hidrólise total produz glicose (OLIVEIRA, 2011).
Os ruminantes apresentam como principal característica a presença de um estômago composto, formado por quatro compartimentos: rúmen, retículo, omaso e abomaso; nos quais a digestão fermentativa precede a digestão enzimática. A estrutura do aparelho digestivo dos ruminantes os capacita a aproveitar com maior eficiência os alimentos ricos em fibra (PINEDO, 2008). 
A glicemia é notavelmente diferente daquela que nos animais monogástricos, porque enquanto que nestes os monossacarídeos constituem o final das transformações glicídicas na digestão, nos ruminantes o principal nutriente glicídico é representado pelos ácidos graxos de cadeia curta, proveniente do desdobramento da celulose pelos microrganismos do rúmem. Os sais destes ácidos são veiculados pelo sangue e podem ser considerados como forma circulante dos nutrientes glicídicos. A glicemia nos ruminantes baixa a medida que o rúmem se desenvolve, sendo maior nos ruminantes jovens (100mg/100ml), e menor nos adultos (40 a 70mg/100ml), (FERREIRA, 2000?). 
A digestão nos ruminantes é um processo complexo, que envolve interações entre a dieta, os microrganismos e o animal (OLIVEIRA et al, 2007). O rúmen fornece o ambiente propício e fonte alimentar para o crescimento e reprodução dos microrganismos. A ausência de oxigênio no rúmen favorece o crescimento de algumas bactérias em particular, e algumas delas conseguem degradar a parede celular das plantas (celulose) em simples açúcares (glicose). Os microrganismos fermentam a glicose para obter energia para crescer e durante o processo de fermentação eles produzem ácidos graxos voláteis (AGV). Os AGV atravessam a parede ruminal os quais são a principal fonte de energia dos ruminantes (OLIVEIRA et al, 2007). 
Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão da bibliografia sobre o processo de digestão e o metabolismo dos glicídios em ruminantes.
DESENVOLVIMENTO 
Nos ruminantes o processo de digestão do amido a glicose exige muitas enzimas e vários processos iniciando com a mastigação e ação da amilase salivar, a ação dos microrganismos ruminais, a hidrólise ácida pelo ácido clorídrico do abomaso e as enzimas presentes no intestino; A produção de amilase salivar por ruminantes é pequena e a sua ação no amido é restrita ao tempo de mastigação e deglutição. (SWENSON et al.,1986).
Chegando ao rúmen, inicia-se o processo de fermentação do amido juntamente aos outros carboidratos da dieta, onde bactérias amilolíticas como: Bacteroides amylophilus, Bacteroides ruminocola entre outras, irão aderir aos grânulos e realizar a hidrolise do amido. Após a adesão das bactérias ao grânulo de amido inicia-se a produção de endo e exo-amilases para hidrólise das ligações α 1-4 e α 1-6 da amilose e amilopectina (COTTA, 1992).
Após a degradação do amido, estes produtos (oligossacarídeos, dissacarídeos ou monossacarídeos) são absorvidos pelas bactérias e utilizados para a produção de proteína microbiana ou ácidos graxos voláteis, sendo estes a principal fonte de energia para os ruminantes (KOZLOSKI, 2002). O transporte de nutrientes nas bactérias é feito através das membranas bacterianas e é dependente da afinidade e especificidade pelo substrato e da regulação do sistema de transporte de membrana. Os tipos de transporte são: Difusão passiva, difusão facilitada, transporte ativo (OLIVEIRA, 2011). 
Uma parte dos monossacarídeos absorvidos pelas bactérias serão utilizados nas reações de síntese principalmente pela rota glicolítica, está rota é considerada a forma mais comum de conversão de hexose-fosfato a piruvato utilizada pelos organismos vivos. Após a glicose ser fosforilada para glicose-6- fosfato, ao longo desta rota, a glicose fosforilada é isomerizada e clivada formando duas trioses-fosfato. Cada gliceraldeído-3-fosfato é, então, desidrogenado e desfosforilado até formar piruvato a partir do fosfoenolpiruvato (DEHORITY,1987). Neste processo dois ATPs são consumidos e quatro são formados (FIGURA 2). 
FIGURA 2: Glicolise. 
Fonte: (KOZLOSKI, 2002)
O piruvato é o principal metabólico intermediário no rúmen. Ele é formado através do catabolismo de açúcares pelas bactérias ruminais. Durante a glicólise NAD é convertido para NADH, e é essencial que o metabolismo de piruvato resulte na reoxidação de NADH para que a fermentação continue; a partir do piruvato várias rotas diferentes podem ser utilizadas até a formação dos produtos finais da fermentação, que são principalmente os ácidos graxos voláteis (acetato, propionato e butirato), CO2 e metano (HOBSON e STERWAT, 1997).
ÁCIDO ACÉTICO 
Para a formação do ácido acético a molécula de piruvato é degradada a acetil-SCoA e CO2 pela ação da ferridoxina oxirredutase, e na última fase é liberado o acetato e um ATP (CHURCH, 1979). (FIGURA 3)
FIGURA 3: Via de formação do ácido acético.
Fonte: (KOZLOSKI, 2002)
ÁCIDO PRÔPIONICO
As principais vias de formação do propionato pelas bactérias são as vias do succinato, onde o piruvato e o fosfoenolpiruvato são convertidos a fumarato e tem a geração de um ATP pela ação da enzima fumarato redutase, após formado o metil-malonil-CoA, pela ação de uma transferase e após uma mutase, que será perdido um CO2 e liberando a Coenzima A formando assim o propionato (KOZLOSKI, 2002). Esse ácido tem importância fundamental para o animal, por servi como fonte de energia (FIGURA 4). 
FIGURA 4: Via de formação do propionato pelo succinato.
Fonte: (KOZLOSKI, 2002)
ÁCIDO BUTÍRICO
A sequência de reações que acontecem na síntese de butirato se dá a partir do piruvato e a adição de uma acetil coenzima A que é reduzido, desidratado e reduzido novamente e finalmente o grupamento Coenzima A substituído por um grupamento fosfato e por uma desfosforilação há a liberação de um ATP e o butirato (CHURCH, 1979). (FIGURA 5)
FIGURA 5: Via de formação do ácido butírico.
Fonte: (KOZLOSKI, 2002)
ABSORÇÃO DOS ACIDOS GRAXOS VOLATEIS 
Estes ácidos graxos voláteis são absorvidos pela membrana runimal, no epitélio da parede ruminal do retículo e omaso, através da diferença de concentração entre o conteúdo dos pré-estômagos e do sangue; Parte do acetato absorvido, é transformado a acetil-coenzimaA na mitocôndria das células das paredes ruminais, entra no ciclo do ácido cítrico (ciclo de Krebs) e oxidado à CO2 e H2O, e a outra parte convertida a corpos cetônicos que entrarão e serão levados pelo sistema porta-hepático ao fígado para a sua biotransformação(CHURCH, 1979). (FIGURA 6)
FIGURA 6: Ciclo de Krebs.
Fonte: KOZLOSKI (2002).
O ácido propiônico, pode ser transportado intacto ou oxidado até CO2 e H2O ou originar lactato que também será transportado pelo sistema porta hepático e no fígado transformado principalmente em glicose; O ácido butírico por sua vez também é absorvido intacto e transportado via sistema porta-hepático ou então é convertido a corpos cetônicos nas mitocôndrias das células da parede ruminal ou totalmente reduzido a CO2 e H2O (OLIVEIRA, 2011). 
DIGESTÃO PÓS RUMINAL DO AMIDO
O amido que escapa da fermentação é digerido semelhante aos animais monogástricos. Quando é consumido em grande quantidade, ocorrera a digestão do amido no abomaso pelo suco gástrico. Chegando ao duodeno é corrigido o pH para a faixa de 7 pela secreção da bile, que contém bicarbonato, e adicionada então a amilase pancreática, α-dextrinase limite, maltase e a isomatase que transformará o amido em oligossacarídeos e glicose (CHURCH, 1979). 
A glicose gerada pela hidrólise do amido pelas enzimas será absorvida pelo intestino, com o gasto de energia, e parte será utilizada pelos tecidos do sistema gastrointestinal; na absorção intestinal de glicose, serão utilizadas duas proteínas transportadoras membranares, uma é transportadora ativa de glicose e é dependente do sódio (SGLT1); a outra é constituída por um transporte facilitado de glicose independente do sódio (GLUT2). O SGLT1 presente na membrana apical do enterócito funciona como um sensor de glicose, regulando a inserção membranar da GLUT2 apical. O mesmo processo ocorre com a frutose, mas a proteína membranar apical do enterócito envolvida no processo de transporte é a GLUT 5. Em conjunto, o GLUT2, o GLUT5 e o SGLT1 são responsáveis pela absorção intestinal de glicose e frutose (ARAUJO, 2009). (FIGURA 7) 
FIGURA 7: Mecanismo de absorção da glicose pelo enterócito. 
Fonte: (ARAUJO, 2009)
A digestão química desse amido ocorre no intestino delgado, pela ação bacteriana em um processo semelhante ao ocorrido no rumem, com a formação de ácidos graxos voláteis em proporção semelhante a proporção ruminal (CHURCH, 1979). A absorção dos ácidos graxos voláteis pela parede do intestino é feita por difusão passiva quando o ácido graxo se encontra na forma não ionizada, e por transporte ativo quando está na forma ionizada, envolvendo um fluxo de íons Na+ e H+ (KOZLOSKI, 2002). A digestão do amido no intestino delgado é eficiente porque aumenta a absorção de glicose pelo sistema porta, e esta é enviada para o metabolismo visceral, poupando a glicose via propionato proveniente da gliconeogênese (CAÑIZARES, 2009). O amido que escapa da digestão é excretado nas fezes e dependendo da digestibilidade significa perdas em desempenho e representa prejuízo (CAETANO, 2008). 
CONCLUSÃO 
Nos ruminantes é no rúmem e no retículo que se inicia a transformação dos alimentos através da digestão (fermentação) microbiana. No Omaso ocorre grande parte de absorção de água não se processando a digestão por fermentação. O abomasso chamado de estomago verdadeiro é onde ocorre o início da digestão propriamente dita, enzimática e ácida pelo suco gástrico (ANDRIGUETTO, 2006). 
A digestão fermentativa anterior à ação gástrica confere uma condição especial dos ruminantes em relação aos demais mamíferos. A ação dos microrganismos no rúmen torna possível transformar substâncias não digestíveis em produtos que serão utilizados na absorção de nutrientes pelos animais (UFRGS,2012?). 
Conclui-se que é de grande importância a compreensão dos aspectos relacionados à digestão dos carboidratos, sendo essencial para intervenções no manejo nutricional dos ruminantes, já que esta classe nutricional representa sua principal fonte energética.
REFERÊNCIAS
ANDRIGUETTO, J. et al. Nutrição animal: bases e fundamentos. v. 1, São Paulo, SP, 2006. 
ARAUJO, J.R.; MARTEL, F. Regulação da Absorção Intestinal de Glicose. Arquivos de medicina. V 23, n 32, 2009.
BARCELOS, A.F.; PAIVA, P.C.A.; OLALQUIAGA PEREZ, J.R. Fatores antinutricionais da casca e da polpa desidratada de café (Coffea arabica L.) armazenadas em diferentes períodos. Revista Brasileira Zootecnia. v. 30, n. 4, 1316-1324, 2001.
CAETANO, M. Estudo das perdas em confinamentos brasileiros e do uso do amido fecal como ferramenta de manejo de bovinos confinados. 2008. 76p Dissertação (Mestrado em Agronomia), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba.
CAÑIZARES, G.; RODRIGUES, L.; CAÑIZARES, M. Metabolismo de carboidratos não-estruturais em ruminantes. Programa de Pós-Graduação em Zootecnia - FMVZ/Unesp-Campus Botucatu/SP, 2009. 
CHURCH, D. C. 1979. Digestive physiology and nutrition of ruminants. Digestive Physiology. 2nd ed., Corvallis, OR. 1979.
COTTA, M. A. Interaction of ruminal bacteria in the production and utilization of maltooligosaccharides from starch. Applies Environments of Microbiology. 58:48, 1992.
DEHORITY, B.A. Rumen microbiology. The Ohio State University, 1987. 125p.
FERREIRA, W. Cadernos de nutrição de não ruminantes. Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, 2000? 
HOBSON, P.N.; STEWART, C.S. The rumen microbial ecosystem. 2.ed. London: Blackie Academic & Professional. 1997, 719p.
KOZLOSKI, V. G. Bioquímica microbiana ruminal. In: Bioquímica dos ruminantes. 1 ed. Santa Maria: UFMS, 2002, cap. 1, p. 140p.
NELSON, DAVID L.; COX, MICHAEL M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2011. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
OLIVEIRA, L. Metabolismo do amido em ruminantes. Universidade Federal de Goiás, UFG, Goiânia, 2011. 
OLIVEIRA, J. ZANINE, A. e SANTOS, E. Processo fermentativo, digestivo e fatores antinutricionais de nutrientes para ruminantes (Process fermentativo, digestive and factors antinutricionais of nutrients for ruminant). Revista electrónica de Veterinaria. v.8, n. 2, 1695-7504, UFV, Viçosa, MG, 2007. 
PINEDO, L.A., BERENCHTEIN, B., SELEM, A. Estudo dos processos bioquímicos da fermentação, degradação e absorção de nutrientes dos alimentos em ruminantes. PUBVET, Londrina, V. 2, N. 44, 2008.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, USP. Metabolismo de carboidratos. e-Disciplinas, sistema de Apoio às Disciplinas, São Paulo, 2013? 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Metabolismo ruminal dos glicídios. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2012? 
SWENSON, M.J.; REECE, W.O. Dukes: Fisiologia dos animais domésticos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1996. 856p.
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FIGURA 1 – Estrutura molecular da amilose 
Fonte: Google imagens .

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