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1 Vanessa Telles- Medicina UFMT Hemoglobinopatias hereditárias: Anemia Falciforme Definição: Sinônimo de anemia drepanocítica, caracteriza-se por produção anormal de hemoglobinas no corpo, sendo mais comum aquelas em forma de foice associadas ao gene HbS, gerando quadros de anemia por defeitos estruturais de hemoglobina e por hemólise. O termo Doença Falciforme engloba todas as anemias genéticas com predomínio de Hemoglobina S, sendo que a Anemia Falciforme faz parte desse grupo e é associada à homozigose de Hb SS. Quanto à genética, a AF é uma hemoglobinopatia autossômica recessiva relacionada a homozigose HbSS no cromossomo 11. Heterozigotos simples vão apresentar o traço falciforme, sendo assintomáticos. Heterozigotos compostos apresentam HbS + outro defeito de Hb. A AF faz parte do grupo das anemias hereditárias, que também englobam as deficiências enzimáticas (G6PD, piruvato quinase), defeitos de membrana (esferocitose hereditária, eliptocitose hereditária) e outras hemoglobinopatias como talassemias e hemoglobinas instáveis. Epidemiologia: Mais frequente na África Subsaariana Ocidental, Arábia Saudita e Índia. É observada também em regiões endêmicas da Malária, por haver associação em anemia falciforme e resistência à malária. No Brasil, cerca de 35mil pessoas são portadores de doença falciforme. Fisiologia: Existem diferentes tipos de hemoglobinas, que diferem quanto à estrutura: Hemoglobina A (2 cadeias alfa + 2 cadeias beta, sendo 95% das hemoglobinas encontradas em adultos), Hemoglobina A2 (2 cadeias alfa + 2 cadeias delta, sendo 3% das hemoglobinas em adultos) e Hemoglobina F (2 cadeias alfa + 2 cadeias gama, sendo produzida no período fetal e só restando 2% em adultos). Existem ainda variantes comuns da hemoglobina, que possuem déficits funcionais: Hemoglobina S (associada a alteração no gene beta que gera anemia falciforme se houver homozigose βSβS), Hemoglobina C (alteração no gene beta predominante na África Ocidental, associada a anemia hemolítica e leve esplenomegalia em homozigotos βC) e Hemoglobina E (associada a anemia hemolítica branda, microcitose e leve esplenomegalia em homozigotos βE). Variantes incomuns da hemoglobina incluem a persistência da Hemoglobina F, Hemoglobina H (4 cadeias beta normais, gerando afinidade excessiva pelo O2 e pouca liberação dele para as células) e Hemoglobina de Bart (4 cadeias gama, estando associada a alfa talassemias em fetos). No caso da anemia falciforme, a hemoglobina S consegue transportar O2, mas em casos de desoxigenção, suas moléculas se aglutinam e induzem a conformação de foice da hemácia. Isso pode ser revertido pela oxigenação, mas não se a membrana for totalmente alterada. Essas hemácias são prematuramente destruídas pelo sistema fagocitário do corpo, podendo haver hemólise intra e extravascular. A hemólise intravascular gera vasculopatia proliferativa e alterações endoteliais que geram estado inflamatório crônico e exposição de fatores teciduais desencadeantes da cascata de coagulação. Por conseguinte, há vaso-oclusão, isquemias e infarto tecidual, gerando lesões orgânicas crônicas e crises dolorosas agudas. Manifestações Clínicas: Existem grande heterogenicidade mutacional associada a fatores ambientais e socias, levando a amplo espectro clínico. Portadores do traço falciforme costumam ser assintomáticos ou apresentam anemia leve. Possíveis manifestações são: anemia, hemólise, hiperbilirrubinemia/icterícia, vasculopatia cutânea (úlceras de MMII), expansão de medula óssea, crise de aplasia, AVE, priapismo, tubulopatias ou insuficiência renal crônica, retinopatias proliferativas, osteomielite, fibrose esplênica progressiva. Em fígado e vias biliares pode haver: litíase biliar, crises vaso-oclusivas no fígado com icterícia e hepatomegalia. Síndrome Torácica Aguda pode ocorrer, havendo dor torácica, tosse, dispneia, taquipneia, hipoxemia, febre, hipercapnia e infiltrado pulmonar novo ao RX de tórax, podendo ser precipitadas por infecções. Em casos ainda mais graves, pode haver AVC associado a déficit focal agudo, alterações de consciência, crises epilépticas. Complicações englobam sequestro esplênico (redução de Hb com reticulocitose e esplenomegalia, havendo palidez, mal estar, dor abdominal, hipotensão, taquicardia; tratada com transfusão 2 Vanessa Telles- Medicina UFMT de hemácias e estabilização clínica), crise aplásica (parada transitória da eritropoiese e queda abrupto de Hb e reticulócitos, gerando anemia sem esplenomegalia e hipovolemia, com tratamento sintomático), crises de dor (causadas por isquemia e precipitadas por infecções, febre, desidratação, acidose e hipotermia, gerando dor em extremidades/abdome/dorso, tratando com repouso, analgesia e manejo do fator precipitante). Sinais de alerta são: febre, desidratação, letargia, cefaleia intensa, palidez, vômitos, sintomas neurológicos, resistência a analgesia. São pacientes mais suscetíveis a bactérias como Pneumococo, E. coli, S. aureus e Salmonela, além de serem mais infectados por apresentarem hipoventilação, hipoperfusão tecidual e imunodepressão por asplenia funcional. Em quadros de febre, letargia e instabilidade hemodinâmica, iniciar imediatamente antibióticos. Diagnóstico: Clínica e/ou história familiar + Triagem neonatal pelo Teste do Pezinho + Eletroforese de Proteínas (em adultos, será normal se houver >96% de HbA, > 2,5% de HbA2 e <2% de HbF; se anemia falciforme, haverá detecção de HbS) + Hemograma (Hb 8-10, Ht 10-30%, reticulocitose, leve leucocitose, anemia normocrômica e normocítica, ferritina baixa < 25ng/ml, transferrina sérica alta). Podem ser feitos ainda PCR, TC de abdome, tórax e/ou crânio, USG de articulações, hemocultura, Doppler transcraniano para detectar risco de AVCI. Diagnósticos diferenciais: Artrite séptica, febre reumática, abdome agudo, pneumonias, osteomielite. Tratamento: Se febre, letargia e instabilidade hemodinâmica: antibioticoterapia com Ceftriaxona 1-2g EV 12-12h. Se alergia, Clindamicina. Se AVC, cefaleia, crise epiléptica e alterações de consciência: afastar infecção + exsanguineotransfusão de urgência + transfusões programadas para manter HbS <40% e Hb a 10 g/dl. Se Sindrome Torácica Aguda: oxigenioterapia, fisioterapia respiratória, evitar hidratação excessiva, transfusões simples ou exsanguineotransfusão, Ceftriaxona 1g EV 12-12h + Azitromicina 500mg 24-24h. Em neonatos, cefotaxima. Internar se: < 3anos; febre >38,5; leucócitos > 30mil ou < 5mil; queda de Hb >2g/dl; bacteremia prévia; instabilidade hemodinâmica; suspeita de meningite; toxemia; crise dolorosa/ crise aplásica/ sequestro esplênica/ síndrome torácica aguda. Transfusão sanguínea se: crise aplásica, crise hiper hemolótica, sequestro esplênico, priapismo, síndrome torácica aguda, insuficiência cardíaca, pré-operatório, AVE, doença pulmonar com hipóxia progressiva. Objetivo de Ht 30%, Hb 10g/dl e HbA <30%. Podem ser utilizados concentrados de hemácias filtradas ou lavadas. Exsanguineotransfusão se; AVE isquêmico, pneumonia grave, hipoxemia aguda, pré-operatório com anestesia geral e priapismo agudo. Profilaxia antimicrobiana para suspeita de meningite: Penicilina Benzatina 300mil UI 28/28dias dos 3 meses aos 2 anos e 600 mil UI28/28dias doas 2 aos 5 anos. Se alergia, eritromicina. Hidroxiureia pode ser utilizada se: eletroforese de proteínas compatível com doença falciforme + igual ou maior que 2 anos+ BHCG sérico negativo para mulheres em idade fértil + possibilidade de comparecer nas reavaliações + pelo menos uma complicação no último ano (crises vasoclusivas, IR, proteinúria, anemia grave persistente, alterações no eco- Doppler, retinopatia proliferativa). Transplante de células tronco hematopoéticas se: AVE, doença cerebrovascular, crises vasoclusivas, osteonecrose.
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