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Desnutrição Proteico-energética DPE grave é uma doença séria e frequentemente letal que afeta preferencialmente crianças. É comum em países de baixa renda, onde afeta até 30% das crianças e é um fator importante nas altas taxas de mortalidade entre crianças com menos de 5 anos de idade. Estima-se que a desnutrição seja a responsável por aproximadamente 50% das mortes anuais na infância nos países em desenvolvolvimento. Em países desenvolvidos, a DPE frequentemente ocorre em pacientes mais velhos e debilitados, em casas de repouso e hospitais, mas também ocorre com uma frequência perturbadora em crianças que vivem na pobreza, mesmo nos Estados Unidos. A desnutrição é determinada de acordo com o índice de massa corporal (IMC peso em quilogramas dividido pela altura em metros quadrados). Um IMC abaixo de 16 kg/m2 é considerado desnutrição (média normal de 18,5 a 25 kg/m2). De maneira mais prática, uma criança cujo peso está reduzido em menos de 80% do normal (fornecido por tabelas padrão) é considerado desnutrida. Entretanto, a perda de peso também pode ser mascarada por edema generalizado, conforme discutido mais adiante. Outros parâmetros úteis são a avaliação da gordura armazenada (espessura das pregas cutâneas), massa muscular (redução do perímetro braquial) e proteínas séricas (os níveis de albumina e transferrina fornecem uma medida da adequação de proteínas no compartimento visceral). Marasmo e Kwashiorkor Em crianças desnutridas, a DPE apresenta-se como uma gama de síndromes clínicas, todas caracterizadas pela ingestão dietética inadequada de proteínas e calorias para acompanhar as necessidades corporais. As duas extremidades do espectro das síndromes de DPE são conhecidas como marasmo e kwashiorkor. Do ponto de vista funcional, há dois compartimentos de proteínas regulados diferentemente no corpo: o compartimento somático, representado por proteínas dos músculos esqueléticos, e o compartimento visceral, representado pelas proteínas armazenadas nas vísceras, principalmente no fígado. O compartimento somático é afetado de maneira mais grave no marasmo, e o compartimento visceral, depletado intensamente no kwashiorkor. Considera-se que uma criança tem marasmo quando o peso é reduzido em 60% do normal para o sexo, altura e idade. Uma criança com marasmo sofre retardo no crescimento e perda muscular, sendo a última resultante do catabolismo e depleção do compartimento proteico somático. Isso aparenta ser uma reação de adaptação que fornece ao corpo aminoácidos como fonte de energia. O compartimento visceral, que é presumivelmente mais precioso e crítico para a sobrevivência, é apenas marginalmente depletado, e assim os níveis séricos de albumina são normais ou discretamente reduzidos. Além das proteínas musculares, a gordura subcutânea também é mobilizada e utilizada como combustível. A produção de leptina (ver adiante) é baixa, o que estimula o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal a produzir altos níveis de cortisol, que contribuem para a lipólise. Com tais perdas musculares e de gordura subcutânea, as extremidades ficam adelgaçadas; em comparação, a cabeça aparenta ser grande demais para o corpo. Anemia e manifestações de múltiplas deficiências vitamínicas estão presentes, e há evidência de deficiência imunológica, especialmente da imunidade mediada por células T. Por isso, infecções concomitantes geralmente estão presentes, o que impõe demandas nutricionais adicionais. Kwashiorkor ocorre quando a falta de proteínas é relativamente mais grave do que a redução de calorias total. Essa é a forma mais comum de DPE vista em crianças africanas que desmamaram muito cedo e foram alimentadas, quase que exclusivamente, com uma dieta de carboidratos (kwashiorkor, do dialeto Ga, de Gana, descreve a doença de um bebê que ocorre devido à chegada de outro bebê). A prevalência do kwashiorkor também é alta em países empobrecidos no Sudeste da Ásia. Formas menos graves podem ocorrer no mundo todo em indivíduos com estados diarreicos crônicos, nos quais a proteína não é absorvida, ou em indivíduos com perda proteica crônica devido a condições como enteropatias perdedoras de proteína, síndrome nefrótica, ou após queimaduras extensas No kwashiorkor, a escassez de proteína é marcante e está associada à depleção intensa do compartimento proteico visceral, e a hipoalbuminemia resultante desperta edema generalizado ou gravitacional. A perda de peso nesses pacientes é mascarada pela retenção de líquidos. Ainda em contraste com o marasmo, a massa muscular e o tecido subcutâneo são relativamente poupados. Crianças com kwashiorkor possuem lesões cutâneas características, com zonas alternadas de hiperpigmentação, áreas de descamação, e hipopigmentação, dando uma aparência de “pintura descamada”. Alterações no cabelo incluem perda total da cor ou alternância entre fios claros e escuros. Outras características que diferenciam o kwashiorkor do marasmo incluem um fígado grande e esteatótico (devido à redução na síntese da proteína carreadora das lipoproteínas) e o desenvolvimento da apatia, indiferença e perda de apetite. As deficiências vitamínicas provavelmente estão presentes, assim como defeitos na imunidade e infecções secundárias. Marasmo e kwashiorkor são os dois extremos de um espectro, e existe uma considerável superposição entre as duas entidades. A perda de peso de mais de 5% associada à DPE aumenta o risco de mortalidade dos pacientes em casas de repouso em quase cinco vezes. Os sinais mais óbvios da DPE secundária incluem: (1) depleção do tecido subcutâneo nos braços, parede torácica, ombros ou regiões metacarpianas; (2) atrofia dso quadríceps e deltoides; e (3) edema nos tornozelos ou na região sacra. Pacientes desnutridos acamados ou hospitalizados têm um aumento no risco de infecção, sepse, dificuldade de cicatrização e morte em período pós-operatório. Morfologia As principais alterações anatômicas na DPE são: (1) insuficiência de crescimento, (2) edema periférico no kwashiorkor; (3) perda de gordura corporal e atrofia muscular, mais marcantes no marasmo. O fígado no kwashiorkor, mas não no marasmo, está aumentado e gorduroso (esteatose); cirrose associada é rara. No kwashiorkor (raramente no marasmo) o intestino delgado apresenta uma redução no índice mitótico nas criptas das glândulas, associada à perda de vilos e microvilos. Em tais casos, ocorre perda concomitante de enzimas do intestino delgado, manifestada com mais frequência como deficiência de dissacaridase. Logo, bebês com kwashiorkor inicialmente podem não reagir bem a alimentações à base de leite integral. Com o tratamento, as alterações na mucosa são reversíveis. A medula óssea tanto no kwashiorkor quanto no marasmo torna-se hipoplásica, principalmente como resultado da redução no número de precursores eritroblásticos. O sangue periférico geralmente revela anemia leve a moderada, que com frequência tem origem multifatorial; deficiências nutricionais de ferro, folato e proteínas, assim como os efeitos supressivos de infecções (anemia de doença crônica), podem contribuir. Dependendo do fator predominante, as hemácias podem ser microcíticas, normocíticas ou macrocíticas. O cérebro de bebês nascidos de mães desnutridas e que sofrem de DPE durante os primeiros 1 a 2 anos de vida,segundo alguns, apresentam atrofia cerebral número reduzido de neurônios, e prejuízo da mielinização na substância branca. Diversas outras alterações podem estar presentes, incluindo: (1) atrofia tímica e linfoide (mais marcante no kwashiorkor do que no marasmo); (2) alterações anatômicas decorrentes de infecções intercorrentes, especialmente pelo diversos tipos de vermes e outros parasitas endêmicos; (3) deficiências de outros nutrientes essenciais, como iodo e vitaminas. Caquexia A DPE é uma complicação comum em pacientes com AIDS ou cânceres em estágio avançado, e nesses cenários isso é conhecido como caquexia. A caquexia ocorre em cerca de 50% dospacientes com câncer, sendo mais comum em indivíduos com câncer gastrointestinal, do pâncreas e do pulmão, e é responsável por cerca de 30% das mortes por câncer. É uma condição altamente debilitante, caracterizada por perda extrema de peso, fadiga, atrofia muscular, anemia, anorexia e edema. A mortalidade geralmente é consequência da atrofia do diafragma e de outros músculos respiratórios. As causas exatas da caquexia ainda são desconhecidas, mas está claro que mediadores secretados pelos tumores e durante as reações inflamatórias crônicas contribuem para o seu desenvolvimento: • O fator de indução de proteólise, que é um polipeptídio glicosilado excretado na urina de pacientes que perdem peso devido a câncer de pâncreas, mama, cólon e outros. • O fator mobilizador de lipídios, que aumenta a oxidação dos ácidos graxos e as citocinas pró-inflamatórias, como o TNF (originalmente conhecido como caquexina) e IL-6. O fator de indução de proteólise e as citocinas pró-inflamatórias causam decomposição dos músculos esqueléticos através da ativação induzida por NF-kB da via ubiquitina-proteossomo, a qual promove a degradação das proteínas estruturais do músculo esquelético, como a miosina de cadeia pesada, através do aumento da expressão das ubiquitina ligases músculo-específicas. Outros estudos implicam anormalidades adquiridas no complexo distrofina-glicoproteína miofibrilar, o mesmo complexo de membrana que é defeituoso em diversas formas de distrofia muscular. Doenças da Lactância e da Infância As crianças não são meramente adultos pequenos, e as suas doenças não são simplesmente variantes das doenças do adulto. Muitas condições infantis são únicas, ou pelo menos apresentam formas distintas neste estágio de vida. As doenças que se originam no período perinatal são importantes porque envolvem morbidade e mortalidade significativas. Como seria de se esperar, as chances de sobrevivência dos recém-nascidos aumentam a cada semana que passa. Cada estágio no desenvolvimento do lactente e da criança é suscetível a um grupo de desordens um pouco diferente. Os dados disponíveis permitem uma divisão em quatro períodos distintos: (1) o período neonatal (as primeiras 4 semanas de vida); (2) a lactância (o primeiro ano de vida); (3) de 1 a 4 anos de idade; (4) de 5 a 14 anos de idade. Anomalias congênitas, desordens relacionadas com a gestação curta (prematuridade) e baixo peso ao nascimento e a síndrome da morte súbita do lactente (SMSL) representam as principais causas de morte antes dos 12 meses de vida. Uma vez que a criança sobrevive no primeiro ano de vida, as perspectivas do lactente melhoram sensivelmente. Nas duas faixas etárias seguintes — 1 a 4 anos e 5 a 9 anos —, as lesões não intencionais resultantes de acidentes tornam-se a principal causa de morte. Dentre as doenças naturais, em ordem de importância, as anomalias congênitas e as neoplasias malignas têm maior significado. Poderia parecer então que, de certo modo, a vida é um caminho com obstáculos. Felizmente, para a grande maioria, os obstáculos são confortavelmente superados. Anomalias Congênitas Anomalias congênitas são defeitos anatômicos que estão presentes ao nascimento, porém alguns, tais como os defeitos cardíacos e as anomalias renais, podem não ser clinicamente manifestos até anos mais tarde. O termo congênito significa “nascido com”, porém isto não implica ou exclui uma base genética para o defeito ao nascimento. Elas são a causa mais comum de mortalidade no primeiro ano de vida e contribuem significativamente para a morbidade e mortalidade em todos os primeiros anos de vida. Na realidade, as anomalias encontradas em lactentes nascidos vivos representam as falhas do desenvolvimento menos graves durante a embriogênese, que são compatíveis com o nascimento vivo. Talvez 20% dos óvulos fertilizados são tão anômalos que estão condenados desde o início. Outras malformações podem ser compatíveis com o desenvolvimento fetal inicial, somente para levar ao aborto espontâneo. Malformações menos graves permitem uma sobrevida intrauterina mais prolongada, com alguns distúrbios resultando em natimortos, e aquelas ainda menos significativas permitem o nascimento, apesar das desvantagens impostas. Definições O processo da morfogênese (desenvolvimento de órgãos e tecidos) pode ser comprometido por uma variedade de erros diferentes. • As malformações representam erros primários na morfogênese, na qual existe um processo de desenvolvimento intrinsecamente anormal. As malformações podem ser o resultado de um único defeito genético ou cromossômico, porém suas origens são mais comumente multifatoriais. As malformações podem apresentar-se em vários padrões. Algumas, tais como os defeitos cardíacos congênitos e a anencefalia (ausência de cérebro), envolvem sistemas corporais isolados, enquanto em outros casos, malformações múltiplas envolvendo vários órgãos podem coexistir. • As disrupções resultam da destruição secundária de um órgão ou de uma região do corpo, cujo desenvolvimento prévio era normal; logo, em contraste com as malformações, as disrupções surgem a partir de um distúrbio extrínseco na morfogênese. As bandas amnióticas, denotando ruptura do âmnio, com a resultante formação de “bandas” que envolvem, comprimem ou prendem-se a partes do feto em desenvolvimento, são um exemplo clássico de disrupção. Compreensivelmente, as disrupções não são hereditárias e, portanto, não estão associadas com o risco de recorrência nas gestações subsequentes. • As deformações, como as disrupções, também representam um distúrbio extrínseco do desenvolvimento, em vez de uma morfogênese com erro intrínseco. As deformações são problemas comuns, afetando aproximadamente 2% dos recém-nascidos em graus variados. O fundamental na patogenia das deformações é a compressão localizada ou generalizada do feto em crescimento devido a forças biomecânicas anormais, levando, finalmente, a uma variedade de anormalidades estruturais. Geralmente o fator subjacente responsável pelas deformidades é a restrição uterina. Entre a 35a e a 38a semana de gestação, o rápido crescimento do tamanho do feto ultrapassa o crescimento do útero e a relativa quantidade de líquido amniótico (que normalmente age como um amortecedor) também diminui. Assim, mesmo o feto normal está sujeito a alguma forma de coerção uterina. Vários fatores aumentam a probabilidade da excessiva compressão do feto, resultando em deformações. Os fatores maternos incluem a primeira gestação, útero pequeno, útero malformado (bicorno) e leiomiomas. Os fatores placentários ou fetais incluem oligoidrâmnio, fetos múltiplos e apresentação fetal anormal. Um exemplo de uma deformação é o pé torto, frequentemente um componente da sequência de Potter. • Uma sequência é uma cascata de anomalias desencadeadas por uma aberração inicial. Aproximadamente na metade dos casos, as anomalias ocorrem isoladamente; nos restantes, múltiplas anomalias congênitas são identificadas. Em algumas situações, a constelação de malformações pode ser explicada por uma aberração única, localizada na organogênese (malformação, ruptura ou deformação), com efeitos secundários em outros órgãos. Um bom exemplo é a sequência de oligoidrâmnios (ou de Potter). O oligoidrâmnio (líquido amniótico diminuído) pode ser causado por uma variedade de anormalidades maternas, placentárias ou fetais, não relacionadas. As causas do oligoidrâmnio incluem o extravasamento crônico de líquido amniótico devido à ruptura do âmnio, insuficiência uteroplacentária secundária à hipertensão materna ou à toxemia grave e agenesia renal no feto (porque a urina fetal é um componente importante do líquido amniótico). A compressão fetal associada ao oligoidrâmnio significativo, por seu lado, resulta em um fenótipo clássico no neonato, incluindo fácies achatada e anormalidades posicionais das mãos e dos pés. Os quadrispodem estar deslocados. O crescimento da parede torácica e dos pulmões também é comprometido, e, por isso, os pulmões são frequentemente hipoplásicos, ocasionalmente a um grau em que são causa da morte fetal. Com frequência, há nódulos no âmnio (âmnio nodoso). • Uma síndrome de malformação é uma constelação de anomalias congênitas, que se acredita que sejam patologicamente relacionadas, e, em contraste com a sequência, não pode ser explicada na base de um defeito único, localizado, desencadeante. As síndromes são mais frequentemente causadas por um agente etiológico único, como uma infecção viral ou uma anormalidade cromossômica específica, que afeta simultaneamente vários tecidos. Em adição às definições gerais anteriormente mencionadas, alguns outros termos órgãos-específicos devem ser definidos. Agenesia refere-se à ausência completa de um órgão e seu primórdio associado. Um termo intimamente relacionado, aplasia, também se refere à ausência de um órgão, que ocorre devido a uma insuficiência no crescimento do primórdio existente. A atresia descreve a ausência de uma abertura, usualmente em um órgão visceral oco, como a traqueia e o intestino. Hipoplasia refere-se ao desenvolvimento incompleto ou ao tamanho decrescido de um órgão com número reduzido de células, enquanto hiperplasia refere-se ao oposto, isto é, ao aumento de um órgão devido ao número aumentado de células. Uma anormalidade em um órgão ou tecido resultante do aumento ou diminuição do tamanho (em vez do número) de células denomina-se hipertrofia ou hipotrofia, respectivamente. Finalmente, displasia, em um contexto de malformação (versus neoplasia) descreve uma organização anormal das células. Causas de Anomalias Outrora, acreditava-se que a presença de uma anomalia externa visível era uma punição divina para a maldade, uma crença que, ocasionalmente, ameaçava a vida da mãe. Embora estejamos aprendendo bastante sobre as origens moleculares de algumas anomalias congênitas, a causa exata permanece desconhecida em pelo menos metade a três quartos dos casos. As causas comuns conhecidas das anomalias congênitas podem ser agrupadas em três categorias principais: genéticas, ambientais e multifatoriais. Causas genéticas de malformações incluem todos os mecanismos de doença genética, praticamente todas as síndromes cromossômicas estão associadas com as anomalias congênitas. Os exemplos incluem a síndrome de Down e outras trissomias, a síndrome de Turner e a síndrome de Klinefelter. A maioria das desordens cromossômicas surge durante a gametogênese e, portanto, não é familiar. As mutações monogênicas, caracterizadas por herança mendeliana, podem ser a base das principais malformações. Por exemplo, a holoprosencefalia é o defeito do desenvolvimento mais comum do prosencéfalo e do meio da face em humanos; a via de sinalização de Hedgehog tem um papel crítico na morfogênese dessas estruturas, e as mutações com perda de função dos componentes individuais nesta via são relatadas em famílias com histórico de holoprosencefalia recorrente. As influências ambientais, como as infecções virais, fármacos e irradiação, às quais a mãe foi exposta durante a gestação, podem causar anomalias fetais. Dentre as infecções virais, a rubéola foi um flagelo no século XIX e início do século XX. Felizmente, a rubéola materna e a consequente embriopatia por rubéola foram praticamente eliminadas nos países desenvolvidos devido à vacinação materna. Suspeita-se que uma variedade de fármacos e substâncias químicas podem ser teratógenos, porém, provavelmente, menos do que 1% das malformações congênitas é causado por esses agentes. A lista inclui a talidomida, álcool, anticonvulsivantes, warfarin (anticoagulante oral) e o ácido 13-cis-retinoico, usado no tratamento de acne severa. Por exemplo, a talidomida, usada como tranquilizante na Europa, causa uma incidência extremamente alta (50% a 80%) de malformações dos membros. O álcool, mesmo quando consumido em quantidades modestas durante a gestação, é um importante teratogênico ambiental. Os lactentes afetados manifestam retardo dos crescimentos pré-natal e pós-natal, anomalias faciais (microcefalia, fissuras palpebrais curtas, hipoplasia do maxilar) e distúrbios psicomotores. Esses aspectos combinados são denominados síndrome alcoólica fetal. Embora a nicotina derivada do cigarro não tenha sido convincentemente comprovada como um teratógeno, há uma alta incidência de abortos espontâneos, parto prematuro e anormalidades placentárias em gestantes fumantes; os bebês nascidos dessas mães muitas vezes apresentam baixo peso ao nascimento e podem ser suscetíveis à síndrome da morte súbita do lactente (SMSL). Com base nesses achados, é melhor evitar completamente a exposição à nicotina durante a gestação. Entre as condições maternas, o diabetes melito é uma doença comum, e apesar dos avanços no monitoramento obstétrico antes do nascimento e no controle da glicose, a incidência de malformações em lactentes nascidos de mães diabéticas está entre 6% e 10% na maioria dos casos. A hiperinsulinemia fetal causada pela hiperglicemia materna resulta em macrossomia fetal (organomegalia e aumento da gordura corporal e da massa muscular); anomalias cardíacas, defeitos do tubo neural e outras malformações do sistema nervoso central (SNC) são algumas das principais anomalias observadas na embriopatia diabética. A herança multifatorial, que implica a interação de influências ambientais com dois ou mais genes de efeito pequeno, é a causa genética mais comum de malformações congênitas. Incluídas nessa categoria estão algumas malformações congênitas relativamente comuns, como fenda labial, fenda palatina e defeitos do tubo neural. A importância das contribuições ambientais à herança multifatorial é ressaltada pela redução drástica na incidência de defeitos no tubo neural através da utilização de ácido fólico na alimentação antes da concepção. Patogenia A patogenia das malformações congênitas é complexa e ainda mal compreendida, mas dois princípios gerais da patologia do desenvolvimento são relevantes, independentemente do agente etiológico. 1. O momento do insulto teratogênico pré-natal exerce um impacto importante na ocorrência e no tipo de malformação produzida. O desenvolvimento intrauterino dos humanos pode ser dividido em duas fases: (1) o período embrionário, que representa as primeiras 9 semanas de gestação; (2) o período fetal, que termina ao nascimento. • No período embrionário inicial (primeiras 3 semanas após a fertilização), um agente nocivo danifica as células o suficiente para causar a morte e o aborto, ou danifica apenas algumas células, presumivelmente permitindo que o embrião se recupere sem desenvolver defeitos. Entre a 3ª e 9ª semanas, o embrião é extremamente suscetível à teratogênese, e o pico de sensibilidade durante esse período ocorre entre a 4ª e 5ª semanas. Durante esse período, os órgãos estão sendo formados a partir das camadas de células germinativas. • O período fetal que sucede a organogênese é marcado pelo crescimento adicional e pela maturação dos órgãos, com uma redução acentuada da suscetibilidade aos agentes teratogênicos. Em vez disso, o feto está suscetível ao retardo no crescimento ou à lesão de órgãos que já estão formados. Portanto, é possível que um determinado agente produza malformações distintas de acordo com o momento da gestação em que ocorre a exposição. 2. A relação entre os teratógenos ambientais e os defeitos genéticos intrínsecos é exemplificada pelo fato de que esses aspectos de dismorfogênese causados pelos agressores ambientais podem ser frequentemente recapitulados pelos defeitos genéticos nas vias-alvo desses teratógenos. Isto é ilustrado pelos seguintes exemplos representativos. • A ciclopamina um teratógeno vegetal, e ovelhas grávidas que se alimentam desta planta dão à luz carneiros que apresentam anormalidades craniofaciais graves, incluindoa holoprosencefalia e a “ciclopia” (olho único fusionado, justificando a origem do termo ciclopamina). Esse composto é um inibidor da via de sinalização de Hedgehog no embrião e, como dito anteriormente, as mutações dos genes Hedgehog estão presentes em subgrupos de pacientes com holoprosencefalia. • O ácido valproico é um antiepilético, reconhecido teratógeno durante a gestação. Ele interrompe a expressão de uma família de fatores de transcrição altamente conservados e críticos no desenvolvimento conhecidos como proteínas homeobox (HOX). Nos vertebrados, as proteínas HOX têm sido implicadas na formação dos membros, vértebras e estruturas craniofaciais. Não é de surpreender que as mutações na família dos genes HOX são responsáveis pelas malformações congênitas que simulam os aspectos observados na embriopatia do ácido valproico. • O ácido todo-trans-retinoico, derivado da vitamina A (retinol), é essencial para o desenvolvimento normal e a diferenciação, e a sua ausência durante a embriogênese resulta em um conjunto de malformações que afeta múltiplos sistemas e órgãos, incluindo os olhos, sistema geniturinário, sistema cardiovascular, diafragma e pulmões (efeitos da deficiência de vitamina A no período pós-natal). Por outro lado, a exposição excessiva ao ácido retinoico também é teratogênica. Os lactentes de mães tratadas com ácido retinoico para acne severa apresentam um fenótipo previsível (embriopatia do ácido retinoico), incluindo defeitos no SNC, cardíacos e craniofaciais, tais como a fenda labial e a fenda palatina. Este último defeito pode derivar da desregulação mediada pelo ácido retinoico da via de sinalização dos componentes do fator transformante do crescimento-β (TGF-β), os quais estão envolvidos na formação do palato. Camundongos nocaute do gene Tgfb3 desenvolvem uniformemente fenda palatina, ilustrando mais uma vez a relação funcional entre a exposição às substâncias teratogênicas e as vias de sinalização atuando como causa para as anomalias congênitas. Defeitos do Tubo Neural A falha no fechamento de uma porção do tubo neural ou a reabertura de uma região do tubo após o fechamento bem- sucedido pode levar a malformações que envolvem alguma combinação de tecido neural, meninges e osso ou tecidos moles sobrejacentes. Coletivamente, os defeitos do tubo neural são responsáveis pela maioria das malformações do SNC, com os defeitos mais comuns envolvendo a medula espinal. • O disrafismo espinal ou a espinha bífida pode ser um defeito ósseo assintomático (espinha bífida oculta) ou uma malformação grave com um segmento aplanado e desorganizado da medula espinal, associado a uma bolsa meníngea externa sobrejacente. • A mielomeningocele (ou meningomielocele) se refere à extensão do tecido do SNC através de um defeito na coluna vertebral; o termo meningocele se aplica quando existe apenas uma extrusão meníngea. As mielomeningoceles são mais comuns na região lombossacral. Os indivíduos afetados apresentam déficits motores e sensoriais nas extremidades inferiores, assim como distúrbios de controle vesical e intestinal. Elas são frequentemente complicadas por infecção sobreposta que se estende para a medula a partir da fina pele sobrejacente. • A encefalocele se refere a um divertículo de tecido encefálico malformado que se estende através de um defeito da calota craniana. Ela ocorre com mais frequência na fossa posterior, embora extensões comparáveis do encéfalo ocorram através da lâmina crivosa na fossa anterior (por vezes erroneamente chamada de “glioma nasal”). A frequência dos defeitos do tubo neural varia muito entre os diferentes grupos étnicos. Evidências para uma base genética incluem a alta taxa de concordância entre gêmeos monozigóticos. A taxa de recorrência geral para defeito do tubo neural em gestações subsequentes foi estimada em 4% a 5%. A deficiência de folato durante as primeiras semanas da gestação é um fator de risco estabelecido; as diferenças nas taxas de defeitos do tubo neural entre as populações podem ser atribuídas em parte aos polimorfismos de enzimas envolvidas no metabolismo do ácido fólico. A suplementação de folato pode reduzir o risco desses defeitos, porém, como normalmente o fechamento do tubo neural está concluído ao 28° dia do desenvolvimento embrionário (antes do reconhecimento da maioria das gestações), ela deve ser administrada a mulheres ao longo de sua vida fértil para ser totalmente eficaz. Não se sabe precisamente como a deficiência de folato aumenta o risco; há suspeita de que as causas sejam defeitos no momento da síntese de DNA e efeitos na metilação do DNA (um importante método epigenético de regulação gênica). A anencefalia é uma malformação da extremidade anterior do tubo neural, com ausência da maior parte do encéfalo e da calvária. O desenvolvimento do prosencéfalo é interrompido em torno dos 28 dias de gestação, e o que fica em seu lugar é a área cerebrovasculosa, um resquício aplanado do tecido encefálico desorganizado, com mistura de células ependimárias, do plexo coroide e meningoteliais. As estruturas da fossa posterior podem ser poupadas, dependendo da extensão do deficit do crânio; conforme esperado, os tratos descendentes associados às estruturas rompidas estão ausentes. Anomalias congênitas Além de responsáveis por elevada mortalidade, pré e pós-natal, as malformações do SNC são a causa mais frequente de encefalopatia crônica na infância. Podem ser causadas por anomalias cromossômicas (p. ex., trissomia dos cromossomos 13, 18, 21), por fatores ambientais (álcool, deficiência de ácido fólico, irradiação, infecções virais) ou por distúrbios genéticos transmitidos por herança autossômica ou ligada ao cromossomo X, recessiva ou dominante. Durante o desenvolvimento embrionário do SNC, três etapas devem ser consideradas. Esquematicamente, os diferentes padrões malformativos conhecidos refletem a etapa na qual incidiriam os eventos perturbadores da morfogênese. Distúrbios da neurulação (estados disráficos) O período indutivo, que ocorre nos primeiros 30 dias de gestação, refere-se à capacidade que uma camada germinativa tem de produzir modificações em outra. O mesoderma induz o ectoderma suprajacente a fomar a placa neural, processo que ocorre por volta da segunda semana. Na terceira semana, forma-se a goteira neural e, no 21o dia, esta se fecha, surgindo o tubo neural (neurulação). Este induz o mesoderma adjacente a formar os ossos vertebrais e do crânio. Alterações nessa fase da neurulação comprometem o fechamento do tubo neural e determinam os estados disráficos que compreendem desde a grave craniorraquisquise total até a assintomática espinha bífida oculta. Deficiência de ácido fólico durante a gravidez resulta em aumento da frequência de defeitos de fechamento do tubo neural; suplementação vitamínica para as gestantes reduz significativamente o risco dessas malformações. Craniorraquisquise total, anencefalia e mielosquise. São lesões incompatíveis com a vida que resultam, respectivamente, da ausência total de neurulação e do não fechamento anterior e posterior do tubo neural. Na anencefalia, há ausência da maior parte das estruturas encefálicas e dos ossos da abóbada craniana, que permanece aberta e desprovida de pele na sua parte superior. Aderida à base do crânio, existe massa irregular de tecido nervoso residual e vasos sanguíneos dilatados, denominada área cerebrovascular. Os olhos são afastados e protrusos e as órbitas prolongam-se diretamente com a base do crânio (aspecto de sapo). Meningoencefalocele. É a herniação do tecido encefálico e das meninges através de aberturas dos ossos do crânio, por distúrbios no fechamento anterior do tubo neural. Em 75% dos casos, são occipitais, sendo os restantes frontais ou nasais. Outras malformações cerebrais ou cerebelares podem estar presentes, como agenesias comissurais ou hidrocefalia (50% dos casos). Na síndrome de Meckel-Gruber, doença genéticade herança autossômica recessiva, há encefalocele occipital associada a microcefalia, arrinencefalia, rins policísticos, polidactilia e fenda palatina. Meningomielocele. É a herniação por defeito no fechamento da porção posterior do tubo neural. Em 80% dos casos, ocorre na região lombar, sendo os restantes nas regiões cervical, sacral e torácica. Em cerca de 90% das meningomieloceles lombares e 60% das localizadas em outras áreas, há hidrocefalia associada, fazendo parte da malformação de Arnold-Chiari; esta se caracteriza por deslocamento caudal do bulbo e parte inferior do cerebelo, que se projetam no interior do canal vertebral. Os primeiros segmentos de medula cervical, geralmente hipoplásicos, também se acham rebaixados, de modo que as raízes nervosas correspondentes apresentam um trajeto oblíquo para cima. Várias outras malformações podem estar associadas, como displasias corticais, heterotopias neuronais e deformidade em forma de bico da porção posterior do mesencéfalo, com fusão dos colículos inferiores. Tais alterações constituem a malformação de Arnold-Chiari tipo II, a mais frequente; existem outros dois tipos, caracterizados por deslocamento caudal restrito às tonsilas cerebelares (tipo I) e encefalocele occipitocervical (tipo III). Quando a herniação contém apenas meninges, seja cranial ou espinhal, denomina-se meningocele. Espinha bífida oculta. Trata-se de anormalidade da porção caudal do tubo neural que leva a anomalias do cone medular, do filum terminal e dos segmentos medulares baixos. A pele que recobre os defeitos permanece intacta. Compreende: (a) diplomielia ou diastematomielia, condição na qual a porção caudal da medula é bífida e cujos segmentos são separados por um esporão ósseo ou cartilaginoso ancorado na parede ventral do corpo vertebral; (b) tethered spinal cord, na qual o cone medular e o filum terminal são espessados e fixos por fibrose ao estojo ósseo, levando ao quadro de medula espinhal fixa; (c) lipomeningocele, que é herniação meníngea associada a lipoma; (d) anomalias ósseas, como falta de fechamento dos arcos vertebrais, vértebras fendidas etc., presentes em mais de 80% dos casos. Em 80% dos casos de espinha bífida oculta, há alterações da pele da região sacrococcígea, como tufos pilosos, nevos, angiomas ou fístulas de fundo cego ou não. O fígado e os ductos biliares O fígado adulto normal pesa de 1.400 a 1.600g. Ele possui suprimento sanguíneo duplo, com a veia porta fornecendo 60% a 70% do fluxo de sangue hepático e a artéria hepática fornecendo os 30% a 40% restantes. A veia porta e a artéria hepática entram no fígado através do hilo ou porta hepatis. No interior do fígado, os ramos das veias porta, artérias hepáticas e os ductos biliares seguem paralelamente nos tratos portais, ramificando-se de modo variável até 17 a 20 ordens de ramos. A terminologia mais comum da microarquitetura hepática se baseia no modelo lobular. De acordo com esse modelo, o fígado é dividido em lóbulos de 1 a 2 mm de diâmetro, que são orientados em torno dos afluentes terminais da veia hepática (veias hepáticas terminais), com tratos portais na periferia do lóbulo. Esses são muitas vezes desenhados como estruturas hexagonais, embora em humanos as formas sejam muito mais variáveis. No entanto, acaba sendo uma simplificação útil. Os hepatócitos vizinhos à veia hepática terminal são denominados como “centrolobulares”; aqueles situados próximos ao trato portal são “periportais”. A divisão do parênquima em zonas é um conceito útil, pois certos tipos de lesão hepática tendem a afetar preferencialmente zonas específicas. Isso resulta em parte do gradiente zonal de oxigenação e das atividades metabólicas. Dentro do lóbulo, os hepatócitos são organizados em lâminas ou “placas” anastomosantes, que se estendem dos tratos portais até as veias hepáticas terminais. Entre as placas trabeculares de hepatócitos estão os sinusoides vasculares. O sangue atravessa os sinusoides e passa para as veias hepáticas terminais por numerosos orifícios na parede da veia. Os hepatócitos são, desse modo, banhados nos dois lados por sangue venoso portal e arterial hepático bem misturado. Os sinusoides são revestidos por células endoteliais fenestradas. Abaixo das células endoteliais, está localizado o espaço de Disse, para o qual ocorre a protrusão de abundantes microvilos de hepatócitos. As células de Kupffer dispersas, do sistema mononuclear fagocítico, são anexadas à face luminal das células endoteliais, e células estreladas hepáticas miofibroblásticas contendo gordura são encontradas no espaço de Disse. Entre os hepatócitos contíguos estão os canalículos biliares, que são canais de 1 a 2 μm de diâmetro formados por sulcos nas membranas plasmáticas de hepatócitos situados em oposição e separados do espaço vascular por junções oclusivas (tight junctions). Esses canalículos drenam para os canais de Hering que, por sua vez, se conectam aos dúctulos biliares na região periportal. Os dúctulos se esvaziam nos ductos biliares terminais dentro dos tratos portais. Um grande número de linfócitos também está presente no fígado normal, contabilizando até 22% de outras células não hepatócitos. Aspectos Gerais da Doença Hepática O fígado é vulnerável a uma grande variedade de insultos metabólicos, tóxicos, microbianos, circulatórios e neoplásicos. As principais doenças primárias do fígado são as hepatites virais, a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), a doença hepática alcoólica e o carcinoma hepatocelular (CHC). A lesão hepática também ocorre secundariamente em algumas das doenças mais comuns em humanos, como a insuficiência cardíaca, o câncer disseminado e as infecções extra-hepáticas. A enorme reserva funcional do fígado mascara o impacto clínico da lesão hepática leve, mas, com a progressão de doença difusa ou interrupção do fluxo biliar, as consequências da perturbação da função hepática podem causar risco de morte. Com exceção da insuficiência hepática aguda, a doença hepática é um processo insidioso no qual a detecção clínica e os sintomas de descompensação hepática podem ocorrer semanas, meses ou muitos anos após o início da lesão. As flutuações da lesão hepática podem ser imperceptíveis para o paciente e detectáveis apenas por exames laboratoriais anormais, e a lesão e cicatrização do fígado também podem ocorrer sem detecção clínica. Assim, os indivíduos com anormalidades hepáticas que são encaminhados para hepatologistas mais frequentemente apresentam doença hepática crônica. Mecanismos de Lesão e Reparo Hepatócitos e Respostas Parenquimatosas Os hepatócitos podem ser submetidos a uma série de alterações degenerativas, mas potencialmente reversíveis, tais como o acúmulo de gordura (esteatose) e de bilirrubina (colestase). Quando a lesão não é reversível, os hepatócitos morrem principalmente por dois mecanismos: necrose ou apoptose. Na necrose dos hepatócitos, as células sofrem tumefação devido à regulação osmótica defeituosa na membrana celular: o fluido flui para dentro da célula, que incha e se rompe. Mesmo antes da ruptura, formam-se bolhas na membrana, levando os conteúdos citoplasmáticos (sem organelas) para o compartimento extracelular. Os macrófagos se aglomeram em tais locais de lesão e marcam os locais de necrose dos hepatócitos, assim as células mortas se rompem e desaparecem. Esse tipo de lesão é o modo predominante de morte em lesões isquêmicas/hipóxicas e uma parte significativa da resposta ao estresse oxidativo. A apoptose de hepatócitos é uma forma ativa de morte celular “programada” que resulta em encolhimento dos hepatócitos, condensação da cromatina nuclear (picnose), fragmentação (cariorrexe) e fragmentação celular em corpos apoptóticos acidófilos. Os hepatócitos apoptóticos foram descritos com clareza pela primeira vez na febre amarela por William Thomas e têm sido muitas vezes chamados de corpúsculosde Councilman; uma vez que a apoptose ocorre em muitas formas de doença hepática por convenção esse epônimo fica restrito a esta doença. Nas configurações mais frequentes em que os hepatócitos apoptóticos são vistos, (p. ex., na hepatite aguda e crônica), o termo corpúsculos acidófilos é utilizado devido às suas características de coloração profundamente eosinofílica. Quando há perda generalizada do parênquima, muitas vezes há evidências de necrose confluente, uma perda zonal severa de hepatócitos. Isso pode ser observado em lesões isquêmicas ou tóxicas agudas ou na hepatite viral ou autoimune grave. A necrose confluente pode começar como uma zona de perda de hepatócitos em torno da veia central. O espaço resultante é preenchido por detritos celulares, macrófagos, e os remanescentes da rede de reticulina. Na necrose em ponte essa zona pode unir as veias centrais aos tratos portais ou tratos portais adjacentes (muitas vezes com uma veia central inaparente dentro da zona de lesão). Mesmo em doenças como a hepatite viral, em que os hepatócitos são os principais alvos dos ataques, as agressões vasculares secundárias à inflamação ou trombose levam à extinção do parênquima devido às grandes áreas de morte de hepatócitos contíguos. O processo ilustrado ocorre em vários tipos de doenças hepáticas nas quais há perda extensiva de hepatócitos e colapso da estrutura de suporte. A cirrose resultante é uma forma comum de doença hepática. A regeneração dos hepatócitos perdidos ocorre principalmente pela replicação mitótica dos hepatócitos adjacentes àqueles que morreram, mesmo quando há uma necrose confluente significativa. Os hepatócitos são bastante semelhantes às células-tronco na sua capacidade de continuar a replicar mesmo durante anos de lesão crônica, e, desse modo, a participação de células-tronco geralmente não é significativa no reparo do parênquima. Nas formas mais graves de insuficiência hepática aguda, há ativação do nicho primário de células-tronco intra-hepáticas, ou seja, o canal de Hering, porém a contribuição das células- tronco para a substituição dos hepatócitos em tal cenário permanece incerta. No entanto, eventualmente em muitos indivíduos com doença crônica, os hepatócitos alcançam a senescência replicativa e, por isso, há uma clara evidência de ativação de células-tronco observada na forma de reações ductulares. Essas estruturas tipo ductos (duct like), algumas vezes sem luz, se desenvolvem a partir das células-tronco e contribuem significativamente para a restauração do parênquima. Curiosamente, nas doenças biliares a descendência “ductular” de células-tronco pode dar origem a colangiócitos. Formação e Regressão de Cicatrizes A principal célula envolvida na formação de cicatrizes é a célula estrelada hepática. Na sua forma de repouso, ela é uma célula que armazena lipídio (vitamina A). No entanto, em várias formas de lesão aguda e crônica, as células estreladas podem ser ativadas e convertidas em miofibroblastos altamente fibrogênicos. A proliferação de células estreladas hepáticas e sua ativação em miofibroblastos são iniciadas por uma série de alterações, que incluem o aumento na expressão do receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas β (PDGFR-β) nas células estreladas. Ao mesmo tempo, as células de Kupffer e os linfócitos liberam citocinas e quimiocinas que modulam a expressão dos genes, nas células estreladas, envolvidos na fibrogênese. Essas incluem o fator transformante do crescimento-β (TGF-β) e seus receptores, a metaloproteinase 2 (MMP-2) e inibidores teciduais de metaloproteinases 1 e 2 (TIMP-1 e 2). Quando são convertidas em miofibroblastos, as células liberam fatores quimiotáticos e vasoativos, citocinas e fatores de crescimento. Os miofibroblastos são células contráteis; sua contração é estimulada pela endotelina-1 (ET-1). Os estímulos para ativação das células estreladas podem ter origem em diversas fontes: (1) inflamação crônica, com produção de citocinas inflamatórias como o fator de necrose tumoral (TNF), linfotoxina e interleucina-1β (IL-1β) e produtos de peroxidação lipídica; (2) produção de citocinas e quimiocinas por células de Kupffer, células endoteliais, hepatócitos e células epiteliais do ducto biliar; (3) em resposta a alterações da matriz extracelular (MEC); (4) estimulação direta das células estreladas por toxinas. Se a lesão persistir, a formação de cicatriz é iniciada, muitas vezes no espaço de Disse. Isso é particularmente importante em doenças hepáticas gordurosas alcoólicas e não alcoólicas, mas também é um mecanismo generalizado de formação de cicatrizes em outras formas de lesão crônica do fígado. As zonas de perda do parênquima se transformam em septos fibrosos densos através de uma combinação do colapso da reticulina subjacente a grandes áreas de perda de hepatócitos e células estreladas hepáticas ativadas. Eventualmente, esses septos fibrosos envolvem hepatócitos sobreviventes e regenerativos nos estágios tardios de doenças hepáticas crônicas, dando origem à cicatrização difusa descrita como cirrose. Outras células provavelmente contribuem significativamente para a formação de cicatrizes em diferentes aspectos, incluindo fibroblastos portais. Reações ductulares também desempenham um papel, tanto através da ativação e recrutamento de todas essas células fibrogênicas, como também, talvez, através da transição epitelialmesenquimal. Os papéis relativos desempenhados por essas outras células e processos são menos compreendidos. Se a lesão crônica levando à formação de cicatriz for interrompida (p. ex., eliminação da infecção pelo vírus da hepatite, interrupção do uso de álcool), então a ativação das células estreladas também cessa, as cicatrizes condensam-se, tornando-se mais densas e finas, e, em seguida, devido às metaloproteinases produzidas pelos hepatócitos, começam a se romper. Dessa forma, a formação da cicatriz pode ser revertida. Deve-se manter em mente que, em qualquer doença hepática crônica, há provavelmente áreas de progressão e regressão fibróticas, mas o equilíbrio na doença ativa favorece a primeira, e com a remissão da doença, a última é favorecida. Inflamação e Imunidade Não é nenhuma surpresa que sistemas imunes inatos e adaptativos estejam envolvidos em todos os tipos de lesão e reparo do fígado. Os antígenos no fígado são fagocitados por células apresentadoras de antígenos, incluindo células de Kupffer e células dendríticas derivadas de sangue, que os apresentam aos linfócitos. Os receptores Tolllike detectam as moléculas hospedeiras e também aquelas derivadas de invasores, tais como bactérias e vírus. Esses processos levam à elaboração de citocinas pró-inflamatórias, que possuem diversos efeitos sobre o fígado, incluindo o recrutamento de células inflamatórias, lesão hepatocelular, alterações vasculares, formação de cicatrizes e, talvez, até mesmo transformação maligna. A imunidade adaptativa desempenha um papel ainda mais importante na hepatite viral. Células antígeno-específicas e células T CD8+ estão envolvidas na erradicação das hepatites B e C, as principais causas de hepatite viral crônica, em grande parte, através da eliminação dos hepatócitos infectados. Os linfócitos, por sua vez, não só desempenham um papel destrutivo como também ajudam a induzir a replicação local dos hepatócitos através da secreção de citocinas. Doenças Colestáticas (ICTERÍCIA E COLESTASE) A bile tem duas funções principais: (1) a emulsificação da gordura alimentar na luz intestinal pela ação detergente dos sais biliares; (2) a eliminação de bilirrubina, excesso de colesterol, xenobióticos e outros produtos residuais que não são suficientemente hidrossolúveis para que sejam excretados na urina. A deposição tecidual da bile se torna clinicamente evidente como uma coloração amarela da pele e da esclera (icterícia e íctero, respectivamente), devida à retenção de bilirrubina, e como colestase,quando há retenção sistêmica não apenas de bilirrubina, mas também de outros solutos eliminados na bile. A icterícia ocorre quando há superprodução de bilirrubina, hepatite, ou obstrução do fluxo da bile, alterando o equilíbrio entre a produção e eliminação de bilirrubina. Para compreender a fisiopatologia da icterícia é importante estar inicialmente familiarizado com os principais aspectos da formação e do metabolismo da bile. O metabolismo da bilirrubina pelo fígado consiste em quatro eventos separados, mas inter-relacionados: a absorção da circulação; o armazenamento intracelular; a conjugação com ácido glicurônico e a excreção biliar. Esses são descritos a seguir. Formação da Bilirrubina e da Bile A bilirrubina é o produto final da degradação do heme. A maior parte da produção diária (0,2 a 0,3 g, 85%) é derivada da decomposição das hemácias senescentes pelo sistema mononuclear fagocítico, especialmente no baço, no fígado e na medula óssea. A maioria da bilirrubina restante (15%) é derivada do metabolismo de heme ou hemoproteínas hepáticos (p. ex., os citocromos P-450) e da destruição prematura de precursores eritrocitários na medula óssea. Qualquer que seja a fonte, a heme oxigenase intracelular converte o heme em biliverdina (etapa 1), que é imediatamente reduzida até bilirrubina pela biliverdina redutase. A bilirrubina formada desse modo, fora do fígado, é liberada e ligada à albumina sérica (etapa 2). A ligação à albumina é necessária para o transporte da bilirrubina, porque a bilirrubina é virtualmente insolúvel em soluções aquosas em pH fisiológico. O processamento hepático da bilirrubina envolve a captação mediada por transportador na membrana sinusoidal (etapa 3), conjugação com uma ou duas moléculas de ácido glicurônico pela bilirrubina uridina difosfato (UDP) glicuroniltransferase (UGT1A1, etapa 4) no retículo endoplasmático, e a excreção dos glicuronídeos de bilirrubina hidrossolúveis e atóxicos na bile. A maior parte dos glicuronídeos de bilirrubina é desconjugada na luz intestinal pelas β-glicuronidases bacterianas e degradada até urobilinogênio incolores (etapa 5). Os urobilinogênios e os resíduos do pigmento intacto são excretados primariamente nas fezes. Aproximadamente 20% dos urobilinogênios formados são reabsorvidos no íleo e no cólon, devolvidos ao fígado e reexcretados na bile. Uma pequena quantidade do urobilinogênio reabsorvido é excretada na urina. A enzima de conjugação hepática UGT1A1 é um produto do gene UGT1 localizado no cromossomo 2q37. Ela faz parte de uma família de enzimas que catalisam a glicuronidação de uma série de substratos, como hormônios esteroides, carcinógenos e drogas. Em humanos, UGT1A1, gerada a partir do éxon 1A do gene UGT1, é a única isoforma responsável pela glicuronidação da bilirrubina. Mutações em UGT1A1 causam as hiperbilirrubinemias não conjugadas hereditárias: a síndrome de Crigler-Najjar de tipos I e II e a síndrome de Gilbert. Dois terços dos materiais orgânicos da bile correspondem aos sais biliares, que são formados pela conjugação de ácidos biliares com taurina ou glicina. Os ácidos biliares, os principais produtos do catabolismo do colesterol, constituem uma família de esteróis hidrossolúveis com cadeias laterais carboxiladas. Os ácidos biliares humanos primários são o ácido cólico e o ácido quenodesoxicólico. Os ácidos biliares nos sais biliares são detergentes altamente eficazes. Seu principal papel fisiológico é a solubilização de lipídios insolúveis em água secretados na bile pelos hepatócitos e também a solubilização de lipídios alimentares na luz intestinal. Noventa e cinco por cento dos ácidos biliares secretados, conjugados ou não conjugados, são reabsorvidos da luz intestinal e recirculam para o fígado (circulação êntero-hepática), ajudando, assim, a manter um grande pool endógeno de ácidos biliares para fins digestivos e excretores. Fisiopatologia da Icterícia Tanto a bilirrubina não conjugada quanto a bilirrubina conjugada (glicuronídeos de bilirrubina) podem sofrer acúmulo sistêmico. Existem duas diferenças fisiopatológicas importantes entre as duas formas de bilirrubina. A bilirrubina não conjugada é praticamente insolúvel em água em pH fisiológico e existe na forma de complexos estáveis com albumina sérica. Essa forma não pode ser excretada na urina, mesmo que os níveis sanguíneos estejam elevados. Normalmente, uma quantidade muito pequena de bilirrubina não conjugada está presente como um ânion livre de albumina no plasma. Essa fração de bilirrubina não ligada pode se difundir para os tecidos, particularmente o cérebro em lactentes, e produzir lesão tóxica. A fração plasmática não ligada pode aumentar na doença hemolítica severa ou quando medicamentos deslocam a bilirrubina da albumina. Consequentemente, a doença hemolítica do recém-nascido (eritroblastose fetal) pode levar ao acúmulo de bilirrubina não conjugada no cérebro, o que pode causar uma lesão neurológica grave, conhecida como kernicterus. Em contraste, a bilirrubina conjugada é hidrossolúvel, atóxica e está ligada apenas frouxamente à albumina. Em virtude de sua solubilidade e fraca associação com a albumina, o excesso de bilirrubina conjugada no plasma pode ser excretado na urina. Os níveis séricos de bilirrubina no adulto normal variam entre 0,3 e 1,2 mg/dL, e a taxa de produção sistêmica de bilirrubina é igual às taxas de captação hepática, conjugação e excreção biliar. A icterícia torna-se evidente quando os níveis séricos de bilirrubina aumentam acima de 2 a 2,5 mg/dL; níveis de até 30 a 40 mg/dL podem ocorrer com uma doença severa. Embora mais de um mecanismo possa estar operando, em geral um deles predomina; portanto, o conhecimento da principal forma de bilirrubina plasmática é útil para avaliar as possíveis causas da hiperbilirrubinemia. As duas condições a seguir resultam de defeitos específicos no metabolismo hepatocelular da bilirrubina. Icterícia Neonatal Uma vez que o maquinário hepático para conjugação e excreção da bilirrubina não amadurece completamente até cerca de 2 semanas de idade, quase todo recém-nascido desenvolve uma hiperbilirrubinemia não conjugada leve e transitória, conhecida como icterícia neonatal ou icterícia fisiológica do recém-nascido. Essa pode ser exacerbada pela amamentação, como resultado da presença, no leite materno, de enzimas que desconjugam a bilirrubina. Entretanto, uma icterícia que persiste no recém-nascido é anormal. Hiperbilirrubinemias Hereditárias Múltiplas mutações genéticas podem causar hiperbilirrubinemia hereditária. Por exemplo, a enzima de conjugação hepática UGT1A1 é um produto do gene UGT1A1 localizado no cromossomo 2q37. Ela faz parte de uma família de enzimas que catalisam a glicuronidação de uma série de substratos, como hormônios esteroides, carcinógenos e fármacos. Em humanos, a UGT1A1, gerada a partir do gene UGT1A1, é a única isoforma responsável pela glicuronidação da bilirrubina. Mutações em UGT1A1 causam as hiperbilirrubinemia não conjugadas hereditárias: a síndrome de Crigler- Najjar tipos I e II e a síndrome de Gilbert. A síndrome de Crigler-Najjar tipo 1 é causada pela deficiência grave de UGT1A1 e é fatal perto da época do nascimento, enquanto na Crigler-Najjar tipo II e na síndrome de Gilbert há alguma atividade de UGT1A1 e os fenótipos são muito mais leves. Em contraste, a síndrome de Dubin-Johnson e a síndrome de Rotor resultam de outros defeitos que levam à hiperbilirrubinemia conjugada. Ambas são distúrbios autossômicos recessivos e inócuos. A síndrome de Crigler-Najjar de tipo II é um distúrbio menos severo e não fatal, no qual a atividade da enzima UGT1A1 está grandemente reduzida e a enzima é capaz apenas de formar bilirrubina monoglicuronidada. Ao contrário da síndrome de Crigler-Najjar de tipo I, a única consequência significativa é a pele extraordinariamente amarela. O tratamento com fenobarbital pode melhorar aglicuronidação da bilirrubina pela indução de hipertrofia do retículo plasmático hepatocelular. A síndrome de Gilbert é uma condição hereditária, relativamente comum, benigna, que se manifesta por hiperbilirrubinemia leve, flutuante, na ausência de hemólise ou doença hepática. Afeta 3% a 10% da população dos EUA. Na síndrome de Gilbert, a atividade de glicuronidação da bilirrubina hepática corresponde a aproximadamente 30% do normal, uma redução menos severa que nas síndromes de Crigler-Najjar. Na maioria dos pacientes, ela é causada pela inserção homozigótica de duas bases adicionais na região promotora 5′ do gene de UGT1, provocando redução da transcrição. A hiperbilirrubinemia leve pode não ser descoberta por muitos anos e não está associada a perturbações funcionais. Quando detectada na adolescência ou na vida adulta, tipicamente ocorre em associação com um estresse, como uma doença intercorrente, exercício extenuante ou jejum. A síndrome de Gilbert em si não tem consequências clínicas, com exceção da ansiedade que um portador de icterícia possa, justificavelmente, sofrer com esta condição inócua sob outros aspectos. Contudo, indivíduos que apresentam a síndrome de Gilbert podem ser mais susceptíveis aos efeitos adversos de drogas metabolizadas por UGT1A1. A síndrome de Dubin-Johnson é um distúrbio autossômico recessivo caracterizado por hiperbilirrubinemia conjugada crônica. É causada por um defeito na excreção hepatocelular de glicuronídeos de bilirrubina pela membrana canalicular. A base molecular desta síndrome é a ausência da proteína canalicular, a proteína associada à resistência a múltiplos medicamentos 2, que é responsável pelo transporte dos glicuronídeos de bilirrubina e ânions orgânicos relacionados para a bile. O fígado exibe uma pigmentação escura devida a grânulos pigmentados grosseiros no citoplasma dos hepatócitos. A microscopia eletrônica revela que o pigmento está localizado nos lisossomos: ele parece ser composto por polímeros de metabólitos de epinefrina. O fígado é normal sob outros aspectos. Com exceção de uma icterícia crônica ou recorrente de intensidade flutuante, a maioria dos pacientes é assintomática e tem uma expectativa de vida normal. A síndrome de Rotor é uma forma rara de hiperbilirrubinemia conjugada assintomática associada a múltiplos defeitos na captação hepatocelular e excreção dos pigmentos de bilirrubina. A base molecular precisa desta síndrome é desconhecida. O fígado é morfologicamente normal. Como na síndrome de Dubin-Johnson, pacientes com a síndrome de Rotor apresentam icterícia, mas têm vida normal sob outros aspectos. Colestase A colestase é causada por defeitos na formação de bile e no fluxo biliar, originando o acúmulo de pigmento biliar no parênquima hepático. Ela pode ser causada pela obstrução extra-hepática ou intra-hepática dos canais biliares, ou por defeitos na secreção biliar dos hepatócitos. Os pacientes podem apresentar icterícia, prurido, xantomas cutâneos (acúmulo focal de colesterol) ou sintomas relacionados à má absorção intestinal, incluindo deficiências nutricionais das vitaminas lipossolúveis A, D ou K. Um achado laboratorial característico é a elevação dos níveis séricos de fosfatase alcalina e γ- glutamil transpeptidase (GGT), enzimas presentes nas membranas apicais (canaliculares) de hepatócitos e células epiteliais do ducto biliar. Morfologia: Os aspectos morfológicos da colestase dependem de sua severidade, duração e causa subjacente. Uma característica comum, tanto à colestase obstrutiva quanto à não obstrutiva, é o acúmulo de pigmento biliar no interior do parênquima hepático. Tampões verde-acastanhados alongados de bile são visíveis nos canalículos biliares dilatados. A ruptura dos canalículos leva ao extravasamento de bile, que é rapidamente fagocitada pelas células de Kupffer. Gotículas de pigmento biliar também se acumulam nos hepatócitos, que podem assumir uma aparência fina, espumosa, conhecida como “degeneração plumosa”. Obstrução dos Grandes Ductos Biliares A causa mais comum de obstrução dos ductos biliares em adultos é a colelitíase extra-hepática (cálculos de vesícula), seguida por malignidades da árvore biliar ou da cabeça do pâncreas e estenoses resultantes de procedimentos cirúrgicos prévios. As condições obstrutivas em crianças incluem a atresia biliar, a fibrose cística, cistos do colédoco e síndromes nas quais há ductos biliares intra-hepáticos insuficientes. Os aspectos morfológicos iniciais da colestase (ver adiante) são completamente reversíveis com a correção da obstrução. Uma obstrução subtotal ou intermitente pode provocar colangite ascendente, uma infecção bacteriana secundária da árvore biliar que agrava a lesão inflamatória. Organismos entéricos como coliformes e enterococos são agressores comuns. A colangite geralmente se apresenta com febre, calafrios, dor abdominal e icterícia. A forma mais severa de colangite é a colangite supurativa, na qual uma bile purulenta preenche e distende os ductos biliares. Como a sepse, mais do que a colestase, tende a dominar esse processo potencialmente grave, a avaliação diagnóstica e a intervenção imediata são imperativas. Morfologia A obstrução biliar aguda, seja intra- ou extra-hepática, causa distensão dos ductos e dúctulos biliares retrógrados, que muitas vezes ficam dilatados. Além disso, ductos biliares proliferam na interface portalparênquima, acompanhados de edema estromal e neutrófilos infiltrantes. Esses dúctulos labirínticos reabsorvem os sais biliares secretados, para proteger os ductos biliares subsequentes, obstruídos, de sua ação detergente tóxica. De fato, a marca histológica de colangite ascendente é o influxo desses neutrófilos periductulares diretamente no epitélio e na luz do ducto biliar. Uma inflamação secundária não tratada, resultante da obstrução biliar crônica e reações ductulares, inicia a fibrose periportal, eventualmente causando formação de cicatrizes hepáticas e de nódulos e gerando cirrose biliar secundária ou obstrutiva. As características da colestase no parênquima podem ser graves, com extensa degeneração plumosa de hepatócitos da região periportal, balonização citoplasmática, frequentemente com corpos de Mallory-Denk (diferentes daqueles na doença hepática induzida pelo álcool e na doença hepática gordurosa não alcoólica por sua predominância periportal), e formação de infartos biliares a partir do efeito de detergente da bile extravasada. Contudo, após a formação dos nódulos regenerativos, a estase biliar pode se tornar menos evidente. A colangite ascendente parece estar sobreposta também nesse processo crônico, às vezes desencadeando insuficiência hepática aguda crônica. Uma vez que a obstrução biliar extra-hepática frequentemente é passível de alívio cirúrgico, o diagnóstico rápido e correto é imperativo. Em contraste, a colestase derivada de doenças da árvore biliar intra-hepática ou de insuficiência secretora hepatocelular (coletivamente conhecidas como colestase intra-hepática) não se beneficia com a cirurgia (com exceção de transplante), e a condição do paciente pode ser agravada por um procedimento cirúrgico. Portanto, existe certa urgência em fazer um diagnóstico correto da causa de icterícia e colestase. Colestase da Sepse A sepse pode afetar o fígado através de vários mecanismos: (1) por meio de efeitos diretos de infecção bacteriana intra-hepática (p. ex., a formação de abscessos ou colangite bacteriana); (2) isquemia relativa à hipotensão causada por sepse (particularmente quando o fígado é cirrótico); (3) em resposta a produtos microbianos circulantes. Esse último é mais suscetível de conduzir à colestase da sepse, particularmente quando a infecção sistêmica é devida a organismos Gram-negativos. A forma mais comum é a colestase canalicular, com tampões biliares dentro de canalículos predominantemente centrolobulares. Essa entidade pode ser associadacom as células de Kupffer ativadas e inflamação portal leve, porém a necrose dos hepatócitos é insuficiente ou ausente. A colestase ductular é uma descoberta mais ameaçadora, na qual canais de Hering dilatados e ductos biliares na interface de tratos portais e parênquima se tornam dilatados e contêm tampões biliares óbvios. Essa alteração, que não é uma característica típica de obstrução biliar, apesar do surgimento da bile em grandes dúctulos dilatados, muitas vezes acompanha ou mesmo precede o desenvolvimento de choque séptico. Hepatolitíase Primária A hepatolitíase é um distúrbio da formação de cálculos biliares intra-hepáticos, que leva a repetidas crises de colangite ascendente, destruição inflamatória progressiva do parênquima hepático e predisposição à neoplasia biliar. A doença tem alta prevalência na Ásia Oriental, mas em outras regiões é rara, essa doença era conhecida como colangite piogênica recorrente, focando em seus achados clínicos mais comuns, e como colangite oriental com base na sua predileção étnica, porém a doença subjacente é uma de formação de cálculos, daí o nome atualmente aceito, hepatolitíase. Existem diferenças regionais quanto à composição dos cálculos, mas as consequências são praticamente as mesmas. Morfologia A hepatolitíase causa cálculos de bilirrubinato de cálcio pigmentado nos ductos biliares intra-hepáticos distendidos. Os ductos apresentam inflamação crônica, fibrose mural e hiperplasia das glândulas peribiliares, sempre na ausência de obstrução do ducto extra-hepático. A displasia biliar pode ser observada e pode evoluir para colangiocarcinoma invasivo. Aspectos Clínicos Os pacientes podem apresentar episódios repetidos de colangite devido a infecções secundárias dos ductos envolvidos, caracterizadas por febre e dor abdominal. Devido às repetidas crises de inflamação, colapso do parênquima e formação de cicatrizes, a doença às vezes se apresenta como uma lesão pseudotumoral confundida com malignidade e é, portanto, às vezes, diagnosticada na ressecção. Essa doença parece aumentar o risco de colangiocarcinoma por mecanismos desconhecidos. Colestase Neonatal A hiperbilirrubinemia conjugada prolongada no recém-nascido, conhecida como colestase neonatal, afeta aproximadamente um a cada 2.500 nascimentos. Como a icterícia fisiológica de recém-nascidos diminui em 2 semanas, crianças que têm icterícia 14-21 dias após o nascimento devem ser avaliadas para colestase neonatal. As princi pais causas são (1) colangiopatias, primariamente atresia biliar (ver adiante), (2) uma variedade de distúrbios que causam hiperbilirrubinemia conjugada no recém- nascido, coletivamente chamados de hepatite neonatal. A hepatite neonatal não é uma entidade específica, nem representa distúrbios necessariamente inflamatórios. Em vez disso, a descoberta de colestase neonatal deve evocar uma pesquisa diligente para doenças hepática infecciosas, tóxicas e metabólicas reconhecidas. Com maior conscientização sobre a etiologia e melhores ferramentas de diagnóstico, a hepatite neonatal idiopática constitui apenas de 10% a 15% dos casos de hepatite neonatal. A diferenciação de atresia biliar da colestase neonatal não obstrutiva é bem importante, uma vez que o tratamento definitivo da atresia biliar requer intervenção cirúrgica (procedimento de Kasai), enquanto a cirurgia pode afetar adversamente o curso clínico de uma criança com outros distúrbios. Felizmente, a discriminação pode ser efetuada pelos dados clínicos em aproximadamente 90% dos casos, sem biópsia hepática. Em 10% dos casos, a biópsia hepática pode ser crítica para distinguir a hepatite neonatal de uma colangiopatia identificável. Os lactentes afetados apresentam icterícia, urina escura, fezes claras ou acólicas e hepatomegalia. Graus variáveis de disfunção hepática sintética, tal como a hipoprotrombinemia, podem estar presentes. Morfologia As características morfológicas da hepatite neonatal incluem desorganização lobular, com necrose e apoptose de células hepáticas focais. Há transformação de células gigantes panlobulares dos hepatócitos; colestase hepatocelular e canalicular proeminente; infiltrado mononuclear leve das áreas portais; alterações reativas nas células de Kupffer e hematopoiese extramedular. Esse padrão de lesão predominantemente parenquimatosa pode misturar-se imperceptivelmente a um padrão de lesão ductal, com reação ductular e fibrose dos tratos portais. Nesses casos, a distinção de uma atresia biliar obstrutiva pode ser difícil. . Atresia Biliar A atresia biliar é definida como uma obstrução completa ou parcial da luz da árvore biliar extra-hepática nos 3 primeiros meses de vida. Ela é um dos principais contribuintes para a colestase neonatal, digna de menção especial, e que representa um terço dos lactentes com colestase neonatal. Embora a definição para a doença seja baseada na obstrução biliar extra-hepática, fibrose e inflamação progressivas não se restringem necessariamente a esses locais; em alguns pacientes há também a perda progressiva de ductos intra-hepáticos. A atresia biliar é a causa mais frequente de morte por doenças hepáticas na primeira infância e é responsável por 50% a 60% das crianças encaminhadas para transplante de fígado. Patogenia Duas formas principais de atresia biliar são reconhecidas, com base no suposto momento de obliteração luminal. A forma fetal representa até 20% dos casos e está comumente associada a outras anomalias resultantes do estabelecimento ineficiente da lateralidade de órgãos torácicos e abdominais durante o desenvolvimento. Esses incluem má rotação (situs inversus) das vísceras abdominais, veia cava inferior interrompida, poliesplenia e doença cardíaca congênita. A causa presumida é o desenvolvimento intrauterino aberrante da árvore biliar extrahepática. Muito mais comum é a forma perinatal de atresia biliar, na qual uma árvore biliar com desenvolvimento supostamente normal é destruída após o parto. A etiologia da atresia biliar perinatal permanece desconhecida; a infecção viral e as reações autoimunes são possíveis causas. Reovírus, rotavírus e citomegalovírus foram implicados em alguns casos. A atresia biliar com malformações de órgãos tem base genética. Morfologia As características predominantes da atresia biliar incluem inflamação e estenose fibrosante dos ductos biliares hepáticos ou comuns; em alguns pacientes, a inflamação periductular também progride nos ductos biliares intra- hepáticos, levando ocasionalmente à destruição progressiva da árvore biliar intra-hepática. Na biópsia hepática, as características floridas da obstrução biliar extra-hepática, conforme descritas, são evidentes em cerca de dois terços dos casos. No restante, a destruição inflamatória dos ductos intra-hepáticos leva à escassez de ductos, muitas vezes sem o acompanhamento de reações ductulares, edema e neutrófilos característicos da obstrução. Quando a atresia biliar não é reconhecida ou não é corrigida, a cirrose se desenvolve dentro de 3 a 6 meses após o nascimento. Existe uma variabilidade considerável na anatomia da atresia biliar. Quando a doença é limitada ao ducto comum (tipo I) ou aos ductos biliares hepáticos esquerdo e/ou direito (tipo II), a doença pode ser corrigida cirurgicamente (procedimento de Kasai). Infelizmente, 90% dos pacientes apresentam atresia biliar tipo III, na qual também ocorre obstrução dos ductos biliares na porta hepatis ou acima dela. Esses casos não podem ser corrigidos, uma vez que não existem ductos biliares patentes passíveis de anastomose cirúrgica. Além disso, na maioria dos pacientes, os ductos biliares no interior do fígado inicialmente estão patentes, mas, em seguida, são progressivamente destruídos. Aspectos Clínicos Lactentes com atresia biliar apresentam colestase neonatal, mas exibem peso normal ao nascimento e ganho de peso pós-parto. Observa-se uma ligeira preponderância em mulheres. Fezes inicialmente normaisse alteram para fezes acólicas à medida que a doença evolui. No momento da apresentação, os valores de bilirrubina sérica geralmente estão na faixa de 6 a 12 mg/dL, com níveis apenas moderadamente elevados de aminotransferases e fosfatase alcalina. O sucesso da ressecção cirúrgica e derivação da árvore biliar é limitado pela colangite ascendente e/ou progressão intra-hepática da doença. O transplante de fígado continua sendo a principal esperança de salvação nesses pacientes jovens. Sem intervenção cirúrgica, a morte geralmente ocorre dentro de 2 anos após o nascimento. COLESTASE NEONATAL A hiperbilirrubinemia conjugada prolongada no recém-nascido, chamada de colestase neonatal, afeta aproximadamente 1 a cada 2.500 nativivos. As principais condições causadoras são: (1) colangiopatias, primariamente atresia biliar (discutida adiante), (2) uma variedade de distúrbios que causam hiperbilirrubinemia conjugada no recém-nascido, coletivamente referidos como hepatite neonatal. A colestase e a hepatite neonatal não são entidades específicas, nem representam distúrbios necessariamente inflamatórios. Pelo contrário, o achado de uma “colestase neonatal” deve estimular a pesquisa cuidadosa de doenças hepáticas tóxicas, metabólicas e infecciosas reconhecíveis. Quando as causas identificáveis tiverem sido excluídas, resta a síndrome da hepatite neonatal “idiopática”, que exibe uma sobreposição clínica considerável com a atresia biliar. Apesar da longa lista de distúrbios associados à colestase neonatal, a maioria é bastante rara. A hepatite neonatal “idiopática” representa até 50% dos casos, a atresia biliar representa outros 20% e a deficiência de α1-antitripsina representa 15%. A diferenciação de atresia biliar da colestase neonatal não obstrutiva tem grande importância, uma vez que o tratamento definitivo da atresia biliar requer intervenção cirúrgica (procedimento de Kasai), enquanto a cirurgia pode afetar adversamente o curso clínico de uma criança com outros distúrbios. Felizmente, a discriminação pode ser efetuada pelos dados clínicos em aproximadamente 90% dos casos, com ou sem biópsia hepática. Os lactentes afetados apresentam icterícia, urina escura, fezes claras ou acólicas e hepatomegalia. Graus variáveis de disfunção sintética hepática podem ser identificados, como a hipoprotrombinemia. Portanto, a biópsia hepática é crítica para distinguir a hepatite neonatal de uma colangiopatia identificável. Morfologia. Os aspectos morfológicos da hepatite neonatal incluem desorganização lobular com apoptose de células hepáticas e necrose focal e transformação panlobular de hepatócitos em células gigantes, colestase hepatocelular e canalicular proeminente, infiltração mononuclear leve das áreas portais, alterações reativas nas células de Kupffer e hematopoiese extramedular. Este padrão de lesão predominantemente parenquimatosa pode misturar-se imperceptivelmente a um padrão de lesão ductal, com proliferação ductular biliar e fibrose dos tratos portais. Nesses casos, a distinção de uma atresia biliar obstrutiva pode ser difícil. Kernicterus Kernicterus (icterícia nuclear; do alemão Kern = núcleo) é o dano cerebral provocado por aumento de bilirrubina não conjugada no sangue. A causa mais comum é hemólise excessiva por incompatibilidade Rh ou ABO, como ocorre na eritroblastose fetal; nesse caso, o excesso de bilirrubina não consegue ser conjugado no fígado pela enzima UDP- glicuroniltransferase. Outras causas são deficiência da glicose-6-fosfato desidrogenase, que leva a anemia hemolítica grave, e deficiência congênita da enzima UDP-glicuronil-transferase, como ocorre na síndrome de Crigler-Najjar. Lesão cerebral ocorre em recém-nascidos, prematuros e/ou com acidose e hipoxemia, quando os níveis plasmáticos de bilirrubina não conjugada excedem a 30 mg%, permitindo que atravesse a barreira hematoencefálica ainda não completamente desenvolvida ou lesada por agressão hipóxico-isquêmica. As causas da seletividade de certas estruturas do SNC ao efeito tóxico da bilirrubina e seu mecanismo patogenético permanecem ainda parcialmente desconhecidos. Admite-se que a lesão neuronal depende de mecanismo excitotóxico mediado pelo receptor N-metil-D-aspartato. Observa-se coloração amarelo-ovo em certas áreas, principalmente no globo pálido, núcleo subtalâmico, hipocampo, núcleos cranianos pontinos, oliva bulbar e núcleo denteado. Histologicamente, nos casos agudos, as lesões são pouco evidentes, podendo-se observar, ocasionalmente, neurônios picnóticos e com cromatólise. Nas lesões subagudas ou crônicas, há perda neuronal nos núcleos afetados e gliose reativa. A ameaça mais séria na hidropisia fetal é o dano do SNC, conhecido como kernicterus. O cérebro afetado apresenta-se aumentado e edemaciado e, quando seccionado, tem uma coloração amarelo brilhante, particularmente nos núcleos basais, tálamo, cerebelo, massa cinzenta cerebral e medula espinal. O nível preciso de bilirrubina que induz o kernicterus é imprevisível, porém o dano neural usualmente requer um nível de bilirrubina no sangue maior do que 20 mg/dL em recém-nascidos a termo; nos neonatos prematuros este limiar pode ser consideravelmente menor. Kernicterus. Observe a coloração amarelada do parênquima cerebral devido ao acúmulo de bilirrubina, a qual é mais proeminente nos núcleos da base profundos relacionados aos ventrículos. Degenerações Degeneração é a lesão reversível secundária a alterações bioquímicas que resultam em acúmulo de substâncias no interior de células. Morfologicamente, uma degeneração aparece como deposição (ou acúmulo) de substâncias em células. Quando a substância acumulada é um pigmento, a lesão é estudada à parte, entre as pigmentações. Tomando-se por base a composição química das células (água, eletrólitos, lipídeos, carboidratos e proteínas), as degenerações são agrupadas de acordo com a natureza da substância acumulada. Por esse critério, as degenerações são classificadas em: (1) degenerações por acúmulo de água e eletrólitos – o exemplo clássico é o da degeneração hidrópica; (2) degenerações por acúmulo de proteínas – as mais importantes são as degenerações hialina e mucoide; (3) degenerações por acúmulo de lipídeos – as de maior interesse são a esteatose e as lipidoses; (4) degenerações por acúmulo de carboidratos. Na maioria dos casos, o acúmulo de carboidratos em células deve-se a deficiências de enzimas responsáveis por sua metabolização – glicogenoses e mucopolissacaridoses são os exemplos principais. Degeneração hidrópica Degeneração hidrópica é a lesão celular reversível caracterizada por acúmulo de água e eletrólitos no interior de células, tornando-as tumefeitas, aumentadas de volume. Trata-se da lesão não letal mais comum diante dos mais variados tipos de agressão, independentemente da natureza (física, química ou biológica) do agente agressor. Degeneração hidrópica é provocada por distúrbios no equilíbrio hidroeletrolítico que resultam em retenção de eletrólitos e água em células. O trânsito de eletrólitos através de membranas (citoplasmática e de organelas) depende de mecanismos de transporte feito por canais iônicos descritos anteriormente; são as chamadas bombas eletrolíticas, que são capazes de transportar eletrólitos contra um gradiente de concentração e de manter constantes as concentrações desses eletrólitos no interior dos vários compartimentos celulares. Para seu funcionamento adequado, algumas bombas eletrolíticas dependem de energia na forma de ATP; outras, que não gastam ATP, dependem da estrutura da membrana e da integridade das proteínas que formam o complexo enzimático da bomba. Desse modo, uma agressão pode diminuir o funcionamento da bomba eletrolítica quando: (1) altera a produção ou o consumo de ATP; (2) interfere com a integridade de membranas; (3) modifica a atividade de uma ou mais moléculas que formam a bomba. Degeneração hidrópica, portanto,
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