Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fisiopatologia Cirrose Hepática Introdução: A cirrose, que pode ser o estádio final de qualquer doença hepática crônica, é um processo difuso caracterizado por fibrose e pela conversão do parênquima normal em nódulos estruturalmente anormais. Esses nódulos regenerativos perdem a organização lobular normal e são circundados por tecido fibroso. O processo envolve o fígado de uma forma geral e é essencialmente irreversível. Embora a cirrose seja histopatologicamente um diagnóstico de “tudo ou nada”, ironicamente ela pode ser classificada como compensada ou descompensada. A cirrose descompensada é definida pela presença de ascite, sangramento/hemorragia varicosa, encefalopatia hepática ou icterícia, que são complicações resultantes das principais consequências da cirrose: hipertensão portal e insuficiência hepática. Fisiopatologia: Existem várias causas que levam a lesão dos hepatócitos, como álcool, vírus e toxinas. No fígado normal, só existe matriz extracelular (MEC) na capsula hepática e ao redor das veias centrais. Na presença de fatores infamatórios, como espécies reativas de oxigênio, fatores de crescimento e citocinas, as células estreladas podem ser ativadas e transformadas em miofibroblastos que produzem MEC, sobretudo com colágenos tipos I e III. Acredita-se que são as células de Kupffer ativadas (tipo de macrófago fígado), hepatócitos lesionados e células endoteliais sinusoidais que produzem esses fatores ativadores das células estreladas. Além disso, células estreladas possuem a capacidade de se auto estimular através de citocinas e quimiocinas produzidas por ela mesma, como o fator de transformação do crescimento b (TGF-b). Com a deposição de colágeno no espaço de Disse, ocorre a perda de fenestrações dos sinusoides, levando ao espessamento da membrana basal e ao surgimento de alta pressão sinudoidal, além de reduzir a troca natural de solutos por esses espaços. Com o aumento da pressão intra-sinusoidal, ocorre o desenvolvimento de shunts vasculares entre veia porta-veia hepática e artéria hepática-veia porta. Isso gera uma pressão anormal dentro do fígado e contribui para a disfunção hepática e a hipertensão portal. No decorrer da lesão hepática, ocorre síntese, deposição e reabsorção de componentes da MEC e com isso, é possível até a restauração da função hepática. No entanto, quando ocorre um remodelamento significativo e progressivo fígado perde sua capacidade regenerativa, levando a um quadro irreversível. Com isso, os hepatócitos normais, são substituídos por nódulos parenquimatosos derivados de hepatócitos sobreviventes e de novos hepatócitos gerados, além de septos fibrosos ao redor dos nódulos. O sangue que circula dentro dos sinusoides não consegue entrar em contato com os hepatócitos e ter seus componentes metabolizados de forma eficiente. Macroscopicamente o fígado cirrótico possui um aspecto nodular e endurecido e em casos avançados, encontra-se atrófico. Com isso, podemos resumir que a cirrose hepática é um processo resultante da deposição de matriz extracelular, morte dos hepatócitos e reorganização vascular e hepatocitária. Fisiopatologia da Icterícia: Icterícia é uma coloração amarelada dos tecidos do corpo resultante da deposição de bilirrubina. A deposição de bilirrubina nos tecidos ocorre apenas quando há hiperbilirrubinemia sérica e é um sinal de doença hepática ou, o que é menos comum, de um distúrbio hemolítico ou do metabolismo da bilirrubina. A bilirrubina – um pigmento tetrapirrólico – é um produto da degradação do heme (ferroprotoporfirina IX). Cerca de 80 a 85% da quantidade total de 4 mg/kg de peso corporal de bilirrubina produzida diariamente são derivados da decomposição da hemoglobina das hemácias senescentes. O restante provém de células eritroides destruídas prematuramente na medula óssea e do turnover das hemoproteínas, como a mioglobina e os citocromos, encontradas nos tecidos corporais. A formação da bilirrubina ocorre nas células reticuloendoteliais, principalmente no baço e fígado. o 1ª reação: catalisada pela enzima microssômica hemeoxigenase, cliva por reação oxidativa a ponte alfa do grupo porfirina e abre o anel do heme. Os produtos dessa reação são biliverdina, monóxido de carbono e ferro. o 2ª reação: catalisada pela enzima citosólica biliverdina-redutase, reduz a ponte de metileno central da biliverdina e a converte em bilirrubina. A bilirrubina formada nas células reticulo endoteliais é praticamente insolúvel em água em razão de uma ligação de hidrogênio interna firme entre a fração hidrossolúvel da bilirrubina – isto é, a ligação dos grupos carboxila de ácido propiônico na metade dipirrólica da molécula com os grupos imino e lactâmico da metade oposta. Essa configuração bloqueia o acesso de solventes aos resíduos polares da bilirrubina e coloca os resíduos hidrofóbicos voltados para fora. Para ser transportada no sangue, a bilirrubina deve estar solubilizada. A solubilização é obtida pela ligação não covalente reversível da bilirrubina à albumina. A bilirrubina não conjugada ligada a albumina é transportada ao fígado. Nesse órgão, a bilirrubina – mas não a albumina – é captada pelos hepatócitos por meio de um processo que, ao menos em parte, envolve transporte pela membrana mediado por carreador. Depois de entrar no hepatócito, a bilirrubina não conjugada é ligada no citosol a diversas proteínas, incluindo a superfamília da glutationa S-transferase. Essas proteínas atuam tanto para reduzir o efluxo de bilirrubina para o soro quanto para disponibilizá-la para conjugação. No retículo endoplasmático, a bilirrubina é tornada solúvel em água por conjugação com o ácido glicurônico – um processo que quebra as ligações internas de hidrogênio hidrofóbicas e forma monoglicuronídeo e diglicuronídeo de bilirrubina. A conjugação do ácido glicurônico com a bilirrubina é catalisada pela bilirrubina uridina-difosfato-glicuronosiltransferase (UDPGT). Os conjugados de bilirrubina, agora hidrofílicos, difundem-se do retículo endotelial para a membrana canalicular, onde o monoglicuronídeo e o diglicuronídeo de bilirrubina são ativamente transportados para dentro da bile canalicular por um mecanismo dependente de energia, que envolve a proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 2 (MRP2). Uma parte dos glicuronídeos de bilirrubina é transportada para dentro dos sinusoides e para a circulação portal por meio da MRP3 e está sujeita à receptação pelo hepatócito por ação das proteínas 1B1 e 1B3 de transporte de ânions orgânicos sinusoidal (OATP1B1 e OATP1B3). A bilirrubina conjugada excretada dentro da bile drena para o duodeno e atravessa inalterada a parte proximal do intestino delgado. A bilirrubina conjugada não é reabsorvida pela mucosa intestinal em razão de sua hidrofobicidade e do seu peso molecular alto. Quando atinge a parte distal do íleo e o intestino grosso, a bilirrubina conjugada é hidrolisada em bilirrubina não conjugada pelas β- glicuronidases bacterianas. A bilirrubina não conjugada é reduzida pelas bactérias do intestino normal para formar um grupo de tetrapirrois incolores conhecidos como urobilinogênios e outros produtos, cuja composição e quantidades relativas dependem da flora bacteriana existente. Cerca de 80 a 90% desses produtos são excretados nas fezes, quer na forma inalterada, quer oxidados em derivados alaranjados denominados urobilinas. Os 10 a 20% restantes dos urobilinogênios entram no ciclo entero-hepático. Uma pequena fração (geralmente < 3 mg/dL) escapa da captação hepática e é filtrada pelos glomérulos renais, sendo excretada na urina. A excreção urinária aumentada de urobilinogênios pode ser causada pelo aumento da produção de bilirrubina, aumento da reabsorção hepática de urobilinogênio originado do cólon, ou eliminação hepática reduzidade urobilinogênio. A bilirrubina presente no soro representa um equilíbrio entre o estímulo decorrente da produção de bilirrubina e a remoção hepática/biliar do pigmento. A hiperbilirrubinemia pode resultar: 1. de produção excessiva de bilirrubina; 2. de deficiência na captação, conjugação ou excreção de bilirrubina; 3. de regurgitação da bilirrubina não conjugada ou conjugada a partir de hepatócitos ou ductos biliares danificados. O aumento na bilirrubina não conjugada no soro resulta de produção excessiva, da captação reduzida ou da conjugação da bilirrubina. O aumento na bilirrubina conjugada é causado por redução da excreção para dentro dos dúctulos biliares ou por extravasamento retrógrado do pigmento. Etiologia alcoólica: O uso crônico e excessivo de álcool pode causar vários tipos diferentes de hepatopatia crônica, incluindo esteatose hepática alcoólica, hepatite alcoólica e cirrose alcoólica. A ingestão crônica de álcool pode produzir fibrose na ausência de inflamação associada e/ou necrose concomitante. A fibrose pode ser centrolobular, pericelular ou periportal. Quando a fibrose alcança um determinado grau, ocorre ruptura da arquitetura normal do fígado e substituição de células hepáticas por nódulos regenerativos. Na cirrose alcoólica, os nódulos têm em geral um diâmetro < 3 mm; essa forma de cirrose recebe a designação de micronodular. Com a cessação do uso de álcool, poderão formar-se nódulos maiores, resultando em uma cirrose micronodular e macronodular mista. PATOGÊNESE: O etanol é absorvido principalmente pelo intestino delgado e, em menor grau, pelo estômago. A desidrogenase alcoólica (ADH) gástrica inicia o metabolismo do álcool. Três sistemas enzimáticos são responsáveis pelo metabolismo do álcool no fígado. Isso inclui a ADH do citosol, o sistema microssomal de oxidação de etanol (MEOS) e a catalase do peroxissomo. A maior parte da oxidação do etanol ocorre por meio da ADH para formar acetaldeído, que é uma molécula altamente reativa capaz de induzir múltiplos efeitos. Por fim, o acetaldeído é metabolizado em acetato pela aldeído desidrogenase (ALDH). A ingestão de etanol acarreta maior acúmulo intracelular de triglicerídeos por aumentar a captação de ácidos graxos e reduzir sua oxidação, assim como a secreção de lipoproteínas. A síntese, a glicosilação e a secreção de proteínas são afetadas. O dano oxidativo das membranas dos hepatócitos ocorre em razão da formação de espécies reativas de oxigênio; o acetaldeído é uma molécula altamente reativa que se combina com proteínas para formar complexos de inclusão de proteínaacetaldeído. Esses complexos de inclusão podem interferir na atividade de enzimas específicas, incluindo a formação microtubular e a movimentação (o trânsito) das proteínas hepáticas. Com o dano dos hepatócitos mediado pelo acetaldeído, algumas espécies reativas de oxigênio podem resultar em ativação das células de Kupffer. Como resultado, serão produzidas citocinas pró- fibrogênicas que iniciam e perpetuam a ativação das células estreladas, com a produção subsequente de quantidades excessivas de colágeno e matriz extracelular. O tecido conectivo aparece nas zonas tanto periportal quanto pericentral e, por fim, acaba conectando as tríades portais com as veias centrais, formando nódulos regenerativos. Ocorre perda de hepatócitos e, com uma produção e deposição cada vez maiores de colágeno, junto com a destruição contínua de hepatócitos, o fígado se contrai e diminui de tamanho. Em geral, esse processo leva de anos a décadas para acontecer e requer agressões repetidas. QUADRO CLÍNICO: Os pacientes com hepatopatia alcoólica podem apresentar-se com sintomas inespecíficos, como dor abdominal imprecisa no quadrante superior direito, febre, náuseas e vômitos, diarreia, anorexia e mal- estar. Alternativamente, podem apresentar-se com complicações mais específicas da hepatopatia crônica, incluindo ascite, edema ou hemorragia gastrintestinal (GI) alta. Muitos casos são reconhecidos incidentalmente por ocasião da necropsia ou de uma cirurgia eletiva. As outras manifestações clínicas incluem o surgimento de icterícia ou encefalopatia. O início súbito de qualquer uma dessas complicações pode ser o primeiro evento que leva o paciente a procurar assistência médica. Outros pacientes podem ser identificados no transcorrer de uma avaliação de exames laboratoriais de rotina que se revelam anormais. Ao exame físico, o fígado e o baço podem estar aumentados de volume, com a borda do fígado sendo resistente e nodular. Outros achados frequentes incluem icterícia das escleróticas, eritema palmar (Fig. 365.1), angiomas aracniformes, aumento de volume das parótidas, baqueteamento digital, atrofia muscular ou surgimento de edema e ascite. Os homens podem evidenciar redução dos pelos corporais e ginecomastia, assim como atrofia testicular, que pode ser consequência de anormalidades hormonais ou um efeito tóxico direto do álcool sobre os testículos. Nas mulheres com cirrose alcoólica em fase avançada, costumam ocorrer irregularidades menstruais, e algumas delas podem ter amenorreia. Com frequência, essas mudanças são reversíveis após a cessação do uso de álcool. EXAMES LABORATORIAIS: Os exames de laboratório podem ser completamente normais nos pacientes com cirrose alcoólica inicial compensada. Já na hepatopatia avançada costumam existir muitas anormalidades. Os pacientes podem ser anêmicos seja em razão de perda sanguínea crônica por meio do trato GI, deficiências nutricionais ou hiperesplenismo relacionado com a hipertensão portal, ou como efeito supressivo direto do álcool sobre a medula óssea. Uma forma ímpar de anemia hemolítica (com hemácias espiculadas e acantócitos), denominada síndrome de Zieve, pode ocorrer nos pacientes com hepatite alcoólica grave. Com frequência, as contagens de plaquetas são reduzidas no início da doença, como um reflexo da hipertensão portal com hiperesplenismo. A bilirrubina sérica total pode ser normal ou estar elevada na doença em fase avançada. Existe muitas vezes uma ligeira elevação da bilirrubina direta nos pacientes com bilirrubina total normal, porém essa anormalidade progride com o agravamento da doença. Os tempos de protrombina são com frequência prolongados e, em geral, não respondem à administração de vitamina K parenteral. Os níveis séricos de sódio costumam estar normais, a não ser quando os pacientes apresentam ascite e, a seguir, podem ficar reduzidos, essencialmente em função da ingestão de quantidades excessivas de água pura. A alanina e a aspartato aminotransferases séricas (ALT, AST) estão elevadas, sobretudo nos pacientes que continuam a beber, com os níveis de AST sendo mais altos do que os níveis de ALT, habitualmente em uma relação de 2:1. Etiologia viral: As hepatites virais crônicas, principalmente as hepatites B e C, são causas comuns de lesão do fígado, que podem levar à cirrose após anos de doença ativa. Muitas vezes, o paciente nem sequer desconfia ser portador de um desses vírus, só vindo a descobrindo muitos anos depois, quando os sintomas da cirrose começam a se manifestar. HEPATITE VIRAL CRÔNICA: Ambas as formas de hepatite viral transmitidas por via entérica (hepatites A e aracnídeos) são autolimitadas e não causam hepatite crônica (não obstante alguns raros relatos nos quais a hepatite A aguda funciona como um desencadeante para o início da hepatite autoimune em pacientes geneticamente suscetíveis ou nos quais a hepatite E pode causar doença hepática crônica em hospedeiros imunossuprimidos, p. ex., após transplante hepático). Em contrapartida, todo o espectro clínico-patológico da hepatite crônica é observado nos pacientes com hepatites B e C virais crônicas assim como naqueles com hepatite D crônica sobreposta a hepatite B crônica. Na hepatite B crônicaHBeAg-reativa, foram reconhecidas duas fases com base no nível relativo de replicação do HBV. A fase de replicação reativa caracteriza-se pela presença no soro de HBeAg e de níveis de DNA do HBV bem acima de 103 a 104 UI/mL, presença no fígado de antígenos identificáveis de nucleocapsídeos intra-hepatocíticos, alta infectividade e lesão hepática subsequente. Em contrapartida, a fase não replicativa relativa caracteriza-se por ausência do marcador sérico convencional de replicação do HBV (HBeAg), aparecimento de anti- HBe, níveis de DNA do HBV abaixo de um limiar de cerca de 103 UI/mL, ausência de HBcAg intrahepatocítico, infectividade limitada e lesão hepática mínima. Os pacientes em fase replicativa costumam apresentar hepatite crônica mais grave, enquanto aqueles na fase não replicativa costumam apresentar hepatite crônica mínima ou leve ou tendem a ser portadores inativos da hepatite B. Em um paciente com hepatite B crônica HBeAg reativa, a probabilidade de conversão espontânea de uma infecção relativamente replicativa em outra não replicativa é de cerca de 10 a 15% por ano. As distinções na replicação do HBV e na categoria histológica, porém, nem sempre coincidem. Nos pacientes com infecção HBV crônica HBeAg-reativa, sobretudo quando contraída por ocasião do nascimento ou no início da segunda infância, conforme geralmente observado em países asiáticos, é comum uma dicotomia entre os níveis muito altos de replicação do HBV durante as primeiras décadas de vida (quando o nível de tolerância do hospedeiro ao HBV é relativamente alto) e os níveis negligenciáveis de lesão hepática. Apesar da natureza relativamente imediata e aparentemente benigna da doença hepática por muitas décadas nessa população, nas décadas intermediárias, a ativação da lesão hepática surge à medida que a tolerância relativa do hospedeiro ao HBV diminui e esses pacientes com infecção pelo HBV adquirida na infância têm risco aumentado mais tarde de cirrose, carcinoma hepatocelular (CHC) e morte relacionada ao fígado. A fadiga é um sintoma comum, e a icterícia persistente ou intermitente constitui também uma característica comum nos casos graves ou avançados. A piora intermitente da icterícia e a recidiva de mal-estar e anorexia, assim como o agravamento da fadiga, são elementos reminiscentes da hepatite aguda; essas exacerbações podem ocorrer espontaneamente, na maioria das vezes coincidindo com a evidência de reativação virológica; podem resultar em lesão hepática progressiva; e, quando se sobrepõem a uma cirrose bem-estabelecida, podem causar descompensação hepática. As complicações da cirrose ocorrem na hepatite crônica em estágio terminal e incluem ascite, edema, varizes gastresofágicas sangrantes, encefalopatia hepática, coagulopatia ou hiperesplenismo. Ocasionalmente, essas complicações são a causa da busca por atenção médica pelo paciente. As complicações extrahepáticas da hepatite B crônica, semelhantes àquelas vistas durante a fase prodrômica da hepatite B aguda, estão associadas com a deposição de complexos imunes de antígenos- anticorpos da hepatite B circulantes. Isso inclui artralgias e artrite, as quais são comuns, e as mais raras lesões cutâneas purpúricas (vasculite leucocitoclástica), glomerulonefrite por imunocomplexos e vasculite generalizada (poliarterite nodosa). Dghna: A DHGNA é fortemente associada com sobrepeso/obesidade e resistência à insulina. Contudo, ela também pode ocorrer em indivíduos magros e é particularmente comum naqueles com escassez de depósitos adiposos (i.e., lipodistrofia). Fatores étnicos/raciais também parecem influenciar o acúmulo de gordura. A DHGNA engloba um espectro de patologias hepáticas com prognósticos clínicos diferentes. O simples acúmulo de triglicerídeos dentro dos hepatócitos (esteatose hepática) está no extremo mais clinicamente benigno do espectro. No lado oposto, o extremo mais clinicamente nefasto, estão a cirrose e o câncer hepático primário. O risco de desenvolver cirrose é extremamente baixo em indivíduos com esteatose hepática crônica, mas aumenta à medida que a esteatose se torna complicada pela morte e inflamação clinicamente evidentes dos hepatócitos (i.e., esteato- hepatite não alcoólica [EHNA]). Os mecanismos subjacentes da patogênese e da progressão da DHGNA não são totalmente claros. Os mecanismos mais bem compreendidos pertencem à esteatose hepática. Essa condição resulta de quando mecanismos do hepatócito para síntese de triglicerídeos (p. ex., captação de lipídeos e nova lipogênese) superam os mecanismos para eliminação de triglicerídeos (p. ex., metabolismo de degradação e exportação de lipoproteínas), levando ao acúmulo de gorduras (i.e., triglicerídeos) dentro dos hepatócitos. A obesidade estimula o acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos por alterar a microbiota intestinal para melhorar a recuperação de energia de fontes dietéticas e a permeabilidade intestinal. A redução da função de barreira intestinal aumenta a exposição hepática aos produtos derivados do intestino, que estimulam as células hepáticas a gerar mediadores inflamatórios que inibem as ações da insulina. Os depósitos adiposos de obesos também produzem fatores solúveis em excesso (adipocinas) que inibem a sensibilidade tissular à insulina. A resistência à insulina promove hiperglicemia. Isso estimula o pâncreas a produzir mais insulina para manter a homeostase da glicose. Contudo, a hiperinsulinemia também promove a captação de lipídeos, a síntese de gorduras e o depósito de gorduras. O resultado líquido é o acúmulo de triglicerídeos hepáticos (i.e., esteatose). Os triglicerídeos em si não são hepatotóxicos. Contudo, seus precursores (p. ex., os ácidos graxos e diacilgliceróis) e os subprodutos metabólicos (p. ex., espécies reativas do oxigênio) podem danificar os hepatócitos, levando à lipotoxicidade dos hepatócitos. A lipotoxicidade também desencadeia a geração de outros fatores (p. ex., citocinas inflamatórias, mediadores hormonais) que desregulam os sistemas que normalmente mantêm a viabilidade dos hepatócitos. Os hepatócitos que estão morrendo, por sua vez, liberam vários fatores que deflagram respostas de cicatrização que pretendem substituir (regenerar) os hepatócitos perdidos. Esse reparo envolve a expansão transitória de outros tipos de células, como os miofibroblastos e células progenitoras, que produzem e degradam a matriz, remodelam a vasculatura e geram hepatócitos de substituição, bem como o recrutamento de células imunes que liberam fatores que modulam a lesão e o reparo do fígado. A EHNA é a manifestação morfológica de lipotoxicidade e respostas resultantes de cicatrização de ferimentos. Como a gravidade e a duração da lesão hepática lipotóxica ditam a intensidade e a duração do reparo, as características histológicas e o desfecho de EHNA são variáveis. Cirrose e câncer hepático são desfechos potenciais de EHNA crônica. A cirrose resulta de reparo inútil, isto é, acúmulo progressivo de células cicatriciais, matriz fibrosa e vasculatura anormal (cicatriciais) em vez de reconstrução/regeneração eficiente de parênquima hepático saudável. Os cânceres hepáticos primários se desenvolvem quando as células hepáticas transformadas em células malignas escapam dos mecanismos que normalmente controlam o crescimento regenerativo. Os mecanismos responsáveis pelo reparo insuficiente (cirrose) e carcinogênese hepática não são bem compreendidos. Como a regeneração hepática normal é um processo muito complexo, há múltiplas oportunidades para desregulação e, assim, heterogeneidade patogênica. Até agora, essa heterogeneidade tem confundido o desenvolvimento dos testes diagnósticos e tratamentos para reparo hepático defeituoso/desregulado (i.e., cirrose e câncer). Por conseguinte, as estratégias atuais se concentram em evitar os reparoserrados e prevenir e/ou reduzir a lesão lipotóxica do fígado. ETIOLOGIA MEDICAMENTOSA: A lesão hepática é uma possível consequência da ingestão de qualquer xenobiótico, incluindo toxinas industriais, agentes farmacológicos e medicamentos complementares e alternativos (MCAs). Entre os pacientes com insuficiência hepática aguda, a lesão hepática induzida por medicamentos é a causa mais comum, e evidências de hepatotoxicidade detectadas durante ensaios clínicos para o desenvolvimento de fármacos são a razão mais comum para que compostos não sejam aprovados. A lesão hepática induzida por medicamentos necessita de anamnese cuidadosa para identificar exposição não reconhecida a substâncias químicas usadas no trabalho ou em casa, fármacos usados com ou sem prescrição médica e suplementos homeopáticos ou dietéticos. Os medicamentos hepatotóxicos podem causar dano diretamente ao hepatócito, como, por exemplo, por meio de um radical livre ou intermediário metabólico que produz a peroxidação dos lipídeos da membrana e que resulta em lesão das células hepáticas. De modo alternativo, um fármaco ou seu metabólito pode ativar componentes do sistema imune inato ou adaptativo, estimular vias de apoptose ou iniciar o dano às vias excretoras de bile. A interferência com bombas canaliculares de bile pode permitir que ácidos biliares endógenos, os quais podem danificar o fígado, se acumulem. Essa lesão secundária, por sua vez, pode resultar em necrose dos hepatócitos; lesões dos ductos biliares, produzindo colestase; ou bloquear as vias do movimento dos lipídeos, inibir a síntese proteica ou prejudicar a oxidação mitocondrial de ácidos graxos, resultando em acidose láctica e acúmulo intracelular de triglicerídeos (que se expressa histologicamente como esteatose microvesicular). Em outras situações, metabólitos de fármacos sensibilizam os hepatócitos a citocinas tóxicas. As diferenças observadas entre receptores de fármacos suscetíveis e não suscetíveis pode ser atribuída a haplótipos HLA que determinam a ligação de haptenos relacionados aos fármacos na superfície celular bem como a polimorfismos na elaboração de citocinas protetoras que competem, conforme sugerido para a toxicidade pelo paracetamol (ver adiante). Os mecanismos imunes podem incluir linfócitos citotóxicos ou a citotoxicidade celular mediada por anticorpos. Além disso, foi demonstrada uma função para a ativação dos transportadores nucleares, como o receptor de androstano constitutivo (RAC) ou, mais recentemente, o receptor de pregnano X (PXR), na indução da hepatotoxicidade medicamentosa. O hepatócito normal pode ser afetado de modo adverso por fármacos em decorrência de (A) ruptura da homeostase intracelular do cálcio, que leva à desorganização das fibrilas de actina na superfície do hepatócito, resultando na formação de uma vesícula da membrana celular, ruptura e lise da célula; (B) ruptura dos filamentos de actina próximo ao canalículo (a porção especializada da célula responsável pela expressão da bile), com consequente perda dos processos vilosos e interrupção das bombas de transporte, como a proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 3 (MRP3), o que, por sua vez, impede a excreção de bilirrubina e de outros compostos orgânicos; (C) ligação covalente da enzima do citocromo P450 contendo heme ao fármaco, criando, assim, produtos de adição não funcionais; (D) migração desses produtos de adição enzima-fármaco dentro de vesículas até a superfície celular, atuando como imunógenosalvo para ataque citolítico pelas células T, com consequente estimulação de uma resposta imune que envolve as células T citolíticas e citocinas; (E) ativação das vias apoptóticas pelo receptor do fator de necrose tumoral α (TNF-α) ou Fas (DD indica domínio de morte), deflagrando a cascata de caspases intercelulares com consequente morte celular programada; ou (F) inibição da função mitocondrial por um duplo efeito sobre a β-oxidação e as enzimas da cadeia respiratória, levando à falência do metabolismo dos ácidos graxos livres, ausência de respiração aeróbia e acúmulo de lactato e espécies de oxigênio reativas (que podem causar ruptura do DNA mitocondrial). Os metabólitos tóxicos excretados na bile podem causar lesão do epitélio dos ductos biliares. LESÃO HEPÁTICA CAUSADA POR MEDICAMENTOS: Em geral, foram reconhecidos dois tipos principais de hepatotoxicidade química: (1) o tipo tóxico direto e (2) o tipo idiossincrásico. A hepatite tóxica direta ocorre com previsível regularidade nos indivíduos expostos ao agente agressor e depende da dose. O período latente entre a exposição e a lesão hepática costuma ser curto (em geral algumas horas), embora as manifestações clínicas possam demorar 24 a 48 horas. Agentes que produzem hepatite tóxica costumam ser venenos sistêmicos ou são convertidos no fígado em metabólitos tóxicos. As hepatotoxinas diretas resultam em anormalidades morfológicas razoavelmente características e reprodutíveis para cada toxina. Por exemplo, o tetracloreto de carbono e o tricloroetileno produzem caracteristicamente uma necrose zonal centrolobular, enquanto o envenenamento pelo fósforo amarelo resulta em lesão periportal. Os octapeptídeos hepatotóxicos de amanita phalloides costumam produzir uma necrose hepática maciça; a dose letal da toxina é de cerca de 10 mg, a quantidade encontrada em um único cogumelo agárico (espécie de cogumelo venenoso). A lesão hepática, que representa com frequência apenas uma faceta da toxicidade produzida pelas hepatotoxinas diretas, pode passar despercebida até o aparecimento da icterícia. A lesão imunológica primária e a hepatotoxicidade direta relacionada a diferenças idiossincrásicas na geração de metabólitos tóxicos têm sido citadas para explicar as reações medicamentosas idiossincrásicas. Os dados mais atuais parecem implicar o sistema imune adaptativo que responde pela formação de compostos de estimulação imune a partir da ativação metabólica de fase I do fármaco agressor. Etiologia autoimune: A hepatite autoimune é um distúrbio crônico caracterizado por necrose hepatocelular contínua e inflamação, habitualmente com fibrose, que podeprogredir para cirrose e insuficiência hepática. Quando satisfaz os critérios de gravidade, esse tipo de hepatite crônica, se não tratado, pode apresentar mortalidade em 6 meses de até 40%. Com base nas estimativas contemporâneas da história natural da hepatite autoimune, a sobrevida em 10 anos é de 80 a 98% para os casos tratados e 67% para os pacientes não tratados. A proeminência de características extra-hepáticas da autoimunidade assim como das anormalidades soroimunológicas nesse distúrbio apontam para um processo autoimune em sua patogênese; tal conceito se reflete nos rótulos anteriores de hepatite lupoide e de plasmócitos. Entretanto, os autoanticorpos e outras características típicas da autoimunidade não ocorrem em todos os casos; entre as categorias mais amplas de hepatite crônica “idiopática” ou criptogenética, muitos são talvez de origem autoimune. Os casos em que os vírus hepatotrópicos, desarranjos metabólicos/genéticos (incluindo a doença hepática gordurosa não alcoólica) e drogas hepatotóxicas foram excluídos representam um espectro de distúrbios hepáticos heterogêneos de causa desconhecida, sendo uma alta proporção deles constituída provavelmente por hepatite autoimune. PATOGÊNESE: A maior parte da evidência sugere que a lesão hepática progressiva nos pacientes com hepatite autoimune resulta de um ataque imunológico de mediação celular dirigido contra os hepatócitos. Muito provavelmente, a predisposição à autoimunidade é hereditária, enquanto a especificidade do fígado para essa lesão é desencadeada por fatores ambientais (p. ex., químicos, farmacológicos [p. ex., minociclina] ou virais). Por exemplo,já foram descritos pacientes nos quais casos aparentemente autolimitados de hepatites A, B ou C ainda evoluíram para uma hepatite autoimune presumivelmente por causa da suscetibilidade ou predisposição genética. A evidência a favor de uma patogênese autoimune nesse tipo de hepatite consiste no seguinte: (1) no fígado, as lesões histopatológicas são constituídas predominantemente por células T citotóxicas e plasmócitos; (2) autoanticorpos circulantes (nucleares, do músculo liso, tireóideos, etc.; ver adiante), fator reumatoide e hiperglobulinemia são comuns; (3) outros distúrbios autoimunes – como tireoidite, artrite reumatoide, anemia hemolítica autoimune, retocolite ulcerativa, glomerulonefrite membranoproliferativa, diabetes melito juvenil, doença celíaca e síndrome de Sjögren – ocorrem com maior frequência nos pacientes e seus parentes que sofrem de hepatite autoimune; (4) os haplótipos de histocompatibilidade associados a doenças autoimunes, como HLA- B1,-B8,- DR3 eDR4 assim como os alelos DRB1*0301 e DRB1*0401 de haplótipos mais extensos, são comuns nos pacientes com hepatite autoimune; e (5) esse tipo de hepatite crônica responde à terapia com glicocorticoides/imunossupressivos, eficaz em ampla variedade de distúrbios autoimunes. Os mecanismos imunes celulares parecem importantes na patogênese da hepatite autoimune. Estudos in vitro sugerem que, nos pacientes com esse distúrbio, os linfócitos T CD4+ são capazes de se tornar sensibilizados para as proteínas das membranas dos hepatócitos e de destruir as células hepáticas. O mimetismo molecular por antígenos de reação cruzada contendo epítopos semelhantes a antígenos hepáticos é postulado como ativador dessas células T, as quais infiltram e resultam em lesão no fígado. As anormalidades do controle imunorregulador sobre os linfócitos citotóxicos (influências reguladoras deterioradas das células T CD4+ CD25+) também podem desempenhar algum papel. Estudos de predisposição genética para a hepatite autoimune demonstram que determinados haplótipos estão associados com o distúrbio, conforme citado antes, da mesma forma que polimorfismos em antígenos de linfócitos T citotóxicos (CTLA-4) e fator de necrose tumoral α (TNFA*2). Os fatores desencadeantes precisos, as influências genéticas bem como os mecanismos citotóxicos e imunorreguladores envolvidos nesse tipo de lesão hepática continuam sendo incompletamente definidos. Indícios curiosos acerca da patogênese da hepatite autoimune são proporcionados pela observação de que os autoanticorpos circulantes se mostram prevalentes nos pacientes com tal distúrbio. Entre os autoanticorpos descritos nesses pacientes, estão os anticorpos dirigidos contra os núcleos [os denominados fatores antinucleares (FAN), principalmente em um padrão homogêneo] e o músculo liso (denominados anticorpos antimúsculo liso, dirigidos contra a actina, a vimentina e a esqueletina), anticorpos contra a F- actina, anticorpos contra microssomo fígado-rim (anti-LKM, ver adiante), anticorpos contra o “antígeno hepático solúvel” (dirigidos contra uma proteína supressora do RNA de transferência para a uracila-guanina-adenina), anticorpos contra a α-actinina e anticorpos contra o receptor da assialoglicoproteína fígado-específico (ou “lectina hepática”) e outras proteínas das membranas dos hepatócitos. Apesar de alguns deles representarem marcadores diagnósticos úteis, sua participação na patogênese da hepatite autoimune ainda não foi estabelecida. Foi mostrado que mecanismos imunes humorais desempenham algum papel nas manifestações extra-hepáticas das hepatites autoimune e idiopática. Artralgia, artrite, vasculite cutânea e glomerulonefrite que ocorrem em pacientes com hepatite autoimune parecem ser mediadas pela deposição de imunocomplexos circulantes nos vasos dos tecidos afetados, seguida pela ativação do complemento e inflamação de lesão tecidual. Os complexos antígeno-anticorpos virais específicos podem ser identificados na hepatite viral aguda e crônica, porém a natureza dos imunocomplexos na hepatite autoimune ainda não foi definida. Doença de Wilson: A doença de Wilson é um distúrbio hereditário da homeostase do cobre, com incapacidade de excretar as quantidades excessivas de cobre, resultando em um acúmulo no fígado. Esse distúrbio é relativamente incomum, afetando 1 em 30.000 indivíduos. A doença de Wilson afeta adolescentes e adultos jovens. O diagnóstico imediato, antes de as manifestações em estágio terminal se tornarem irreversíveis, pode resultar em uma melhora clínica significativa. O diagnóstico depende da determinação dos níveis de ceruloplasmina, que são baixos; dos níveis urinários de cobre durante um período de 24 horas, que são elevados; de achados típicos ao exame físico, incluindo os anéis corneanos de Kayser-Fleischer; e dos achados característicos da biópsia hepática. O tratamento consiste em medicamentos quelantes do cobre. Sd de gilbert: É um distúrbio genético do fígado, caracterizado por aumento nos níveis de bilirrubina indireta ou não conjugada, que pode causar sintomas como icterícia (cor amarelada na pele e nos olhos). Ocorre em 5% a 7% da população geral, mais frequentemente em homens e geralmente se manifesta durante a adolescência ou idade adulta (20 a 30 anos). É uma condição herdada, ou seja, que pode ser transmitida de pais para filhos. A bilirrubina é um subproduto químico da hemoglobina (pigmento vermelho dos glóbulos vermelhos do sangue), que para ser eliminada pelo organismo precisa ser metabolizada no fígado. Hádois tipos principais de bilirrubina: a bilirrubina indireta (BI) e a direta (BD). A BI se forma no momento da destruição dos glóbulos vermelhos no sangue, é transportada até o fígado, onde por ação de uma enzima (UDP-glicuronosil transferase) se transforma em BD, que será eliminada nas fezes e na urina. Os pacientes com Síndrome de Gilbert apresentam deficiência da enzima do fígado, UDP-glucuronosil-transferase. Por esta razão apresentam aumento de BI no sangue. Sendo a bilirrubina, uma substância de coloração amarelada, o seu acúmulo na pele e nos olhos conferem ao paciente acometido, icterícia de pele e conjuntiva, como anteriormente comentado. Vale ressaltar que a icterícia na Síndrome de Gilbert nem sempre está presente: independentemente da idade, ela costuma aparecer em algumas situações relacionadas ao estresse ou fatores hormonais. Sd Budd-Chiari: A síndrome de Budd-Chiari é a obstrução de efluxo hepático venoso que se origina em qualquer lugar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado até a veia cava inferior e o átrio direito. Suas manifestações variam entre ausência de sintomas e hepatite fulminante. O diagnóstico baseia-se em ultrassonografia. O tratamento é feito com medidas de suporte e medidas para estabelecer e manter a veia pérvia, como trombólise, descompressão com derivações e anticoagulação prolongada. No mundo ocidental, a causa mais comum é um coágulo que obstrui a junção entre a veia hepática e a veia cava inferior. Coágulos geralmente resultam das seguintes causas: • Condições trombóticas (p. ex., deficiência de proteína C ou S, síndrome antifosfolipídio, deficiência de antitrombina III, mutação do fator V de Leiden, gestação, uso de contraceptivos orais) • Doenças hematológicas (p. ex., doenças mieloproliferativas como policitemia e hemoglobinopatia paroxística noturna) • Doença inflamatória intestinal • Doenças do tecido conjuntivo • Trauma • Infecções (p. ex., cisto hidático, amebíase) • Invasão tumoral da veia hepática (p. ex., carcinoma hepatocelular ou carcinoma de células renais) Síndrome de Budd-Chiari algumas vezes inicia-se durante a gestação e desmascara um distúrbio de hipercoagulabilidade previamenteassintomático. A causa da obstrução é geralmente desconhecida. Na Ásia e na África do Sul, o defeito básico é geralmente uma obstrução membranosa (teias) na veia cava inferior acima do fígado, representando provavelmente a recanalização de um trombo prévio em adultos ou a falha no desenvolvimento (p. ex., estenose venosa) em crianças. Esse tipo de obstrução é chamado de hepatocavopatia obliterativa. Ela geralmente desenvolve-se em semanas ou meses. Quando se desenvolve ao longo de um período de tempo, cirrose e hipertensão portal tendem a se desenvolver. Manifestações variam de nenhuma (assintomático) até falência hepática fulminante ou cirrose. Sintomas dependem de a obstrução ter ocorrido de forma aguda ou crônica. Obstrução aguda (em cerca de 20%) causa fadiga, dor no hipocôndrio direito, náuseas, vômitos, icterícia, hepatomegalia dolorosa e ascite. Acontece tipicamente em gestantes. Falência hepática fulminante com encefalopatia é rara. Níveis de aminotransferases são bastante elevados. Obstrução crônica do fluxo de saída (desenvolvendo-se em semanas a meses) pode causar alguns ou nenhum sintoma até que ela progride, ou causar fadiga, dor abdominal e hepatomegalia. Edema de membros inferiores e ascite podem ser resultado de obstrução venosa, mesmo na ausência de cirrose. Cirrose pode se desenvolver, provocando sangramento varicoso, ascite maciça, esplenomegalia, síndrome hepatopulmonar ou uma combinação entre eles. Obstrução completa da veia cava inferior causa edema de parede abdominal e membros inferiores, além da visualização de veias tortuosas superficiais abdominais desde a pelve até a margem costal. Suspeita-se da síndrome de Budd-Chiari em pacientes com hepatomegalia, ascite, falência hepática ou cirrose sem causa aparente (p. ex., abuso de álcool, hepatites) ou quando a causa é inexplicável. Encefalopatia hepática: A encefalopatia portossistêmica é uma complicação grave da doença hepática crônica, sendo definida amplamente como uma alteração do estado mental e da função cognitiva que ocorre na presença de insuficiência hepática. Na lesão hepática aguda com insuficiência hepática fulminante, a instalação da encefalopatia constitui uma exigência para que o diagnóstico de insuficiência fulminante possa ser feito. A encefalopatia é observada muito mais comumente nos pacientes com doença hepática crônica. As neurotoxinas que derivam do intestino e que não são removidas pelo fígado em razão de um shunt vascular e da massa hepática reduzida chegam ao cérebro e produzem os sintomas que conhecemos como encefalopatia hepática. Os níveis de amônia estão elevados nos pacientes com encefalopatia hepática, porém a correlação entre a gravidade da doença hepática e a intensidade dos níveis de amônia costuma ser precária, razão pela qual a maioria dos hepatologistas não confia nos níveis de amônia para fazer o diagnóstico. Outros compostos e metabólicos que podem contribuir para a instalação da encefalopatia incluem alguns falsos neurotransmissores e mercaptanos. Na insuficiência hepática aguda, as mudanças no estado mental podem ocorrer dentro de semanas a meses. O edema cerebral pode ser observado nesses pacientes, com encefalopatia grave associada à tumefação da substância cinzenta. A herniação cerebral é uma complicação temida do edema cerebral na insuficiência hepática aguda, e o tratamento tem por finalidade reduzir o edema com manitol e o uso criterioso de líquidos intravenosos. Nos pacientes com cirrose, a encefalopatia é observada com frequência como resultado de certos eventos desencadeantes, como hipopotassemia, infecção, carga aumentada de proteínas dietéticas ou distúrbios eletrolíticos. Os pacientes podem estar confusos ou exibir uma mudança na personalidade. Na verdade, podem ficar bastante violentos e difíceis de controlar; ou, ao contrário, podem ficar muito sonolentos e difíceis de despertar. Já que os eventos desencadeantes são encontrados com tanta frequência, eles devem ser procurados com extremo cuidado. Se os pacientes apresentam ascite, esta deve ser puncionada para excluir a possível presença de infecção. Deverá ser pesquisada a evidência de hemorragia digestiva, e os pacientes devem receber hidratação apropriada. Os eletrólitos devem ser medidos e as anormalidades, corrigidas. Nos pacientes com encefalopatia, o asterixe com frequência está presente. O asterixe pode ser evidenciado pedindo-se que os pacientes realizem a extensão de seus braços e dobrem seus punhos para trás. Nessa manobra, os pacientes com encefalopatia exibem o flapping – um movimento súbito do punho para frente. Para tanto, os pacientes precisam ser capazes de cooperar com o examinador e, obviamente, tal manobra não poderá ser induzida nos pacientes com encefalopatia profunda ou em coma hepático. Ascite: A ascite refere-se ao acúmulo de líquido na cavidade peritoneal. Incontestavelmente, a causa mais comum de ascite é a hipertensão portal relacionada com a cirrose; contudo, os clínicos deverão lembrar-se de que também pode haver causas malignas ou infecciosas de ascite, sendo obviamente importante para a assistência ao paciente a diferenciação minuciosa dessas outras causas. A presença de hipertensão portal contribui para o desenvolvimento de ascite nos pacientes que sofrem de cirrose (Fig. 365.4). Ocorre um aumento da resistência intra-hepática que é responsável por uma pressão portal aumentada, mas há também vasodilatação do sistema arterial esplâncnico que, por sua vez, resulta em um aumento do influxo venoso portal. Essas duas anormalidades resultam em maior produção de linfa esplâncnica. Fatores vasodilatadores, como o óxido nítrico, são responsáveis pelo efeito vasodilatador. As alterações hemodinâmicas resultam em retenção de sódio pelo fato de acarretarem a ativação do sistema renina-angiotensinaaldosterona, com o surgimento de hiperaldosteronismo. Os efeitos renais das quantidades maiores de aldosterona que acarretam retenção de sódio também contribuem para o surgimento de ascite. A retenção de sódio causa um acúmulo de líquido e a expansão do volume líquido extracelular, que resulta na formação de edema periférico e ascite. A retenção de sódio representa a consequência de uma resposta homeostática causada pelo enchimento insuficiente da circulação arterial devido à vasodilatação arterial no leito vascular esplâncnico. Como o líquido retido vasa constantemente e sai do compartimento intravascular para a cavidade peritoneal, a sensação de enchimento vascular não é alcançada e o processo continua. A hipoalbuminemia e a pressão oncótica reduzida do plasma também contribuem para a perda de líquido pelo compartimento vascular e para sua penetração na cavidade peritoneal. A hipoalbuminemia se deve a uma função sintética diminuída no fígado cirrótico. Os pacientes observam um aumento da circunferência abdominal, acompanhado com frequência pelo desenvolvimento de edema periférico. A instalação da ascite costuma ser insidiosa, e é surpreendente que alguns pacientes esperem por períodos tão longos e se tornem tão distendidos antes de procurar assistência médica. Os pacientes em geral têm pelo menos 1 a 2 L de líquido no abdome antes de ficarem cientes de que houve um aumento. Se o líquido ascítico for maciço, a função respiratória poderá ser comprometida e os pacientes se queixarão de falta de ar. Nessas circunstâncias, poderá ocorrer também um hidrotórax hepático, que contribui para os sintomas respiratórios. Com grande frequência, os pacientes com ascite maciça estão desnutridos e exibem atrofia muscular, assim como fadiga e fraqueza excessivas. Icterícia: A icterícia na cirrose é um reflexo da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina e é, portanto, o resultado da insuficiênciahepática. No entanto, nas doenças colestáticas que levam à cirrose (p. ex., cirrose biliar primária, colangite esclerosante primária, síndrome do desaparecimento do ducto biliar), a icterícia deve-se mais provavelmente à lesão biliar do que à insuficiência hepática. Outros indicadores de insuficiência hepática, como o tempo de protrombina ou a presença de encefalopatia, ajudam a determinar os fatores contribuintes mais prováveis para a hiperbilirrubinemia. Hepatocarcinoma: O Carcinoma Hepatocelular (CHC) é o tumor maligno primário mais comum do fígado. E possui associação com doenças hepáticas, como hepatite B e C e cirrose. O carcinoma hepatocelular é uma neoplasia epitelial que surge da transformação maligna de hepatócitos. Acredita-se que a patogênese do carcinoma hepatocelular seja um processo de múltiplos passos desencadeado, na maioria dos casos, por uma lesão hepática subjacente (como de hepatite viral, álcool, sobrecarga de ferro ou exposição a aflatoxinas). A inflamação subsequente, necrose, regeneração, turnover celular e proliferação resultam no acúmulo progressivo de alterações genéticas e somáticas (adquiridas). Pode então surgir a ativação de oncogenes ou inativação de genes supressores de tumores, displasia e, posteriormente, carcinoma. As mais bem descritas mutações no carcinoma hepatocelular são mutações pontuais ou deleções que resultam na inativação do gene supressor do tumor TP53 e mutações da β-catenina (CTNNB1). Referências bibliográficas: • Schafer AI, Goldman.L. Cecil Tratado de Medicina Interna. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2018. • Braunwald E, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Jameson JL. Medicina Interna de Harrison. 20ª Ed. Amgh Editora; 2020. • Resumos da Med. • SuperMaterial SANARFLIX.
Compartilhar