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Abuso de substâncias

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Alice Bastos 
Abuso de substâncias 
Definição 
Abuso de substâncias: padrão inadaptado de uso de 
substância(s) que leva o comprometimento clínico ou 
angústia importantes, manifestado por 1 ou mais das 
seguintes situações, nos últimos 12 meses; 
 Uso recorrente de substância resultando em 
falhas no cumprimento de suas obrigações na 
escola, no trabalho ou em casa; 
 Uso recorrente da substância em situações que 
sejam fisicamente perigosas; 
 Problemas legais recorrentes relacionados ao 
uso da substância; 
 Uso contínuo da substância apesar de 
problemas sociais e interpessoais repetidos. 
Epidemiologia 
A prevalência do uso de substâncias e os 
comportamentos de risco associados variam de acordo 
com idade, sexo, raça/etnia e outros fatores 
sociodemográficos; 
Os meninos têm maiores taxas de uso de drogas lícitas 
e ilícitas do que as meninas; 
Álcool, cigarro e maconha são as substâncias mais 
comumente relatadas como sendo utilizadas entre os 
adolescentes; 
O consumo excessivo de álcool é comum e quase 90% 
de todo o álcool consumido por adolescentes ocorre 
durante um episódio de consumo compulsivo; 
Em 2017, cerca de 8,8% dos alunos do ensino médio 
disseram que eram fumantes de cigarro comum 
(fumaram durante o mês); 
 2% informaram que fumavam todos os dias. 
Etiologia 
O abuso de drogas é determinado 
biopsicossocialmente; 
Fatores de risco caracterizam situações que aumentam 
a probabilidade de evolução do uso para a 
dependência e/ou abuso; 
 Cinco fatores propiciam o abuso de 
substâncias: 
 Falta de informação sobre o problema; 
 Dificuldade de inserção no meio 
familiar e no trabalho; 
 Insatisfação com a qualidade de vida; 
 Problemas de saúde; 
 Facilidade de acesso às substâncias 
psicoativas incluindo as bebidas 
alcoólicas; 
Os fatores de risco para o uso de drogas pelos 
adolescentes podem ser diferentes dos fatores de risco 
para o abuso de drogas pelos mesmos; 
 O uso de drogas está mais relacionado com 
fatores sociais e com seus pares; 
 O abuso de drogas resulta mais 
frequentemente de uma interação de fatores 
psicológicos e biológicos; 
Comportamentos como rebeldia, baixo desempenho 
escolar, delinquência, atividade criminosa e alguns 
traços de personalidade como baixa autoestima, 
ansiedade e falta de autocontrole associam-se 
frequentemente ao início do uso de drogas ou o 
precedem; 
Os transtornos psiquiátricos são muitas vezes 
comorbidamente associados com o uso de substâncias 
na adolescência; 
 Os transtornos de conduta e de personalidade 
antissocial são os diagnósticos mais comuns 
coexistindo com o abuso de substâncias, 
particularmente em homens; 
Os adolescentes com depressão, transtorno de déficit 
de atenção e transtornos alimentares têm altas taxas 
de uso de substâncias. 
Diagnóstico 
O pediatra e demais profissionais envolvidos no 
atendimento de adolescentes devem se manter alertas 
tanto para as manifestações clínicas como 
comportamentais do abuso de substâncias, bem como 
sua associação com comorbidades psiquiátricas; 
Alice Bastos 
Alguns sinais de alerta podem sugerir que o 
adolescente tenha problemas relacionados a álcool e 
outras substâncias: 
 Problemas escolares (piora nas notas, falta às 
aulas); 
 Problemas de saúde (acidentes, “resfriados” 
frequentes, tosse crônica, dor torácica, 
sintomas alérgicos); 
 Problemas familiares (perda de interesse nas 
atividades familiares, desaparecimento de 
objetos de valor da casa, tratar mal os irmãos); 
 Problema com os companheiros (abandono 
dos velhos amigos, novos amigos 
desconhecidos, preferências por festas nas 
quais os pais não participam, chamadas 
telefônicas estranhas); 
O pediatra pode também utilizar questionários para 
rastrear e identificar de forma breve os adolescentes 
com problemas de abuso de substâncias, como o 
CRAFFT: 
 C: alguma vez você esteve em um carro dirigido 
por alguém (incluindo você mesmo) que estava 
“alto” ou vinha usando álcool ou drogas? 
 R: alguma vez você usou álcool ou drogas para 
relaxar, sentir-se melhor sobre si mesmo ou se 
“encaixar” (to fit in) ou ser aceito em um 
grupo? 
 A: alguma vez você usou álcool ou drogas 
quando estava sozinho (alone)? 
 F: alguma vez você esqueceu (forget) coisas 
que fez enquanto usava álcool ou drogas? 
 F: alguma vez sua família ou amigos disseram 
que você deveria diminuir seu consumo de 
álcool ou drogas? 
 T: alguma vez você se envolveu em problemas 
(trouble) enquanto estava usando álcool ou 
drogas? 
OBS.: Duas ou mais respostas “sim” sugerem que o 
adolescente possa ter um envolvimento sério com 
álcool ou outras substâncias psicoativas, necessitando 
de acompanhamento posterior; 
Investigação laboratorial (como exames de urina 
buscando detectar substâncias ou seus metabólitos) 
pode ser necessária para esclarecer se 
comportamentos disfuncionais, outras alterações no 
estado mental e achados suspeitos no exame físico têm 
relação com uso de substâncias psicoativas. 
Complicações 
O uso de substâncias na adolescência está associado a 
comorbidades e atos de delinquência juvenil; 
Os jovens podem se engajar em outros 
comportamentos de maior risco, como furtos, 
arrombamentos, distribuição de drogas ou 
prostituição, com a finalidade de conseguir o dinheiro 
necessário para comprar drogas ou álcool; 
O uso regular de qualquer droga diminui a capacidade 
de julgamento e está associado à atividade sexual sem 
proteção e suas consequências, como gravidez e 
doenças sexualmente transmissíveis (incluindo o HIV), 
bem como à violência física e traumas; 
O uso de drogas e álcool está estreitamente associado 
à ocorrência de traumas na população adolescente. 
Tratamento 
A abordagem do adolescente que abusa de álcool e 
outras substâncias é complexa e requer uma equipe 
multidisciplinar, envolvendo desde o pediatra até o 
psiquiatra especializado em adolescentes e/ou manejo 
e reabilitação de dependentes de substâncias 
psicoativas; 
O nível em que se dará o tratamento dependerá de 
fatores como grau de cooperação do paciente e da 
família, podendo inicialmente se dar em nível 
ambulatorial, incluindo suporte de organizações de 
autoajuda como Alcoólicos e Narcóticos Anônimos, e 
do grau de comprometimento do usuário, que poderá 
levar à necessidade de internação para avaliação e 
tratamento psiquiátrico ou detoxificação; 
O entendimento de que o tratamento do abuso de 
substâncias costuma envolver muitas recaídas deve ser 
levado em conta. 
Prognóstico 
Os desfechos positivos no manejo de adolescentes 
quanto ao abuso de substâncias estão diretamente 
relacionados à participação regular em grupos pós-
tratamento; 
Adolescentes do sexo masculino com distúrbios de 
aprendizagem ou de conduta têm pior prognósticos; 
 O padrão de uso de substâncias entre seus 
companheiros ou por parte dos pais tem 
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influência no desfecho nos pacientes do sexo 
masculino; 
Entre as meninas, autoestima e ansiedade interferem 
mais no prognóstico; 
Um desfecho positivo está associado a influências 
construtivas por parte de companheiros, suporte 
familiar e religioso, envolvimento afetivo dos 
familiares, pressão judicial ou quando há participação 
voluntária no tratamento. 
Prevenção 
Os programas preventivos devem investir em 
aumentar os fatores de proteção (como suporte 
familiar) e reduzir os fatores de risco (como 
autocontrole frágil); 
Os períodos de maior risco para o abuso de substâncias 
são as transições de vida, como a passagem do ensino 
fundamental para o médio e, deste último, para a 
universidade; 
 Os programas preventivos devem focar nesses 
momentos social e emocionalmente intensos 
para os adolescentes a fim de antecipar-se ao 
eventual início do abuso de substâncias. 
Álcool 
É a droga mais popular entre os adolescentes; 
Aqueles que começam a beber antes dos 15 anos 
apresentam predisposiçãoquatro vezes maior de 
desenvolver dependência dessa substância do que 
aqueles que fizeram seu primeiro uso de álcool aos 20 
anos de idade ou mais; 
Seu consumo contribui para mais mortes de indivíduos 
jovens do que todas as drogas ilícitas combinadas; 
Os adolescentes com padrões de consumo excessivo 
de álcool são mais propensos a ser assaltados, se 
envolver em comportamentos sexuais de alto risco, ter 
problemas acadêmicos e adquirir lesões do que os 
adolescentes sem padrões de consumo excessivo de 
álcool; 
Os acidentes com veículos automotores são os eventos 
mais frequentemente associados ao uso do álcool, mas 
há ferimentos de vários tipos, inclusive autoinfligidos. 
 
Manifestações clínicas 
O álcool atua primordialmente como depressor do 
sistema nervoso central; 
 Ele produz euforia, tonteira, tagarelice, 
prejuízo de memória recente e aumento do 
limiar doloroso; 
Os adolescentes com dependência de álcool 
apresentam mais dificuldades em recordar palavras e 
desenhos geométricos simples após um intervalo de 10 
minutos, em comparação aos adolescentes sem 
dependência alcoólica; 
 O déficit de memória prejudica o processo de 
aprendizagem, causando queda no 
rendimento escolar; 
 A queda no rendimento pode diminuir 
a autoestima do jovem, o que 
representa um fator de risco para 
maior envolvimento com 
experimentação, consumo e abuso de 
outras substâncias psicoativas  
cadeia de retroalimentação; 
Outros danos cerebrais incluem modificações no 
sistema dopaminérgico, como nas vias do córtex pré-
frontal e do sistema límbico; 
 Alterações nestes sistemas acarretam efeitos 
significativos em termos comportamentais e 
emocionais em adolescentes; 
Com níveis séricos muito altos, ocorre depressão 
respiratória; 
Seu efeito inibidor sobre a liberação de hormônio 
antidiurético hipofisário é responsável por seu efeito 
diurético; 
As complicações gastrointestinais do uso do álcool 
podem ocorrer com uma única grande ingestão; 
 A mais comum é a gastrite erosiva aguda, que 
se manifesta por dor epigástrica, anorexia, 
vômitos e fezes heme-positivas; 
 Menos frequentemente, ocorrem vômitos e 
dor abdominal na região mesogástrica, que 
podem ser causados por pancreatite alcoólica 
aguda. 
 
 
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Tabaco 
Os fatores associados ao uso do tabaco incluem 
exposição de jovens a fumantes (amigos, pais), 
disponibilidade de tabaco, baixo nível socioeconômico, 
baixo desempenho escolar, autoestima baixa, falta de 
percepção de risco do uso e falta de habilidades para 
resistir às influências do uso do tabaco; 
Cigarros de cravo e cigarros aromatizados são 
populares entre os estudantes mais jovens; 
 Ambos os tipos de cigarros aromatizados 
contêm tabaco e outros aditivos, e fornecem 
mais nicotina e outras substâncias nocivas 
porque não são filtrados; 
O uso de charutos ou minicharutos é relatado mais 
frequentemente pelos estudantes mais velhos do sexo 
masculino; 
O uso do tabaco está ligado a outros comportamentos 
de alto risco; 
 Os adolescentes que fumam estão mais 
propensos que os adolescentes não fumantes 
ao uso de álcool e a se envolver em relações 
sexuais desprotegidas, estando oito vezes mais 
propensos a usar maconha, e têm 22 vezes 
mais probabilidade de usar cocaína. 
Manifestações clínicas 
Os efeitos adversos do uso regular de cigarros incluem 
aumento da prevalência de tosse crônica, produção de 
escarros e sibilos; 
Os sintomas de abstinência podem ocorrer quando os 
adolescentes tentam parar: 
 Irritabilidade; 
 Diminuição da concentração; 
 Aumento do apetite; 
 Fortes desejos de cigarro. 
Maconha 
É a droga ilícita de abuso mais comum; 
A forma mais comum se dá pelo consumo de cigarros 
(“baseado”); 
O principal produto químico ativo, o tetra-
hidrocanabinol (THC), é responsável por suas 
propriedades alucinógenas. 
Manifestações clínicas 
A resposta pode variar com o ambiente e o contexto 
social no momento do uso; 
Além dos efeitos “desejados” de alegria e euforia, a 
maconha pode causar: 
 Aumento do apetite (“larica”); 
 Prejuízo da memória recente; 
 Desempenho fraco em tarefas que exijam 
atenção dividida; 
 Perda de julgamento crítico; 
 Diminuição da coordenação; 
 Distorção da percepção do tempo; 
OBS.: os prejuízos cognitivos, na tomada de decisões e 
na percepção de tempo, favorecem a ocorrência de 
injúrias físicas (trauma) e acidentes de trânsito 
envolvendo o usuário; 
Alucinações visuais e sensações de deformação do 
corpo percebidas ocorrem raramente; 
Fumar maconha por um mínimo de quatro dias por 
semana durante seis meses parece resultar em 
supressão dos níveis de testosterona no plasma e da 
espermatogênese relacionada a dose, o que provoca 
preocupação em relação ao potencial efeito deletério 
do uso da maconha antes do crescimento e 
desenvolvimento puberais completos; 
O uso crônico está associado com: 
 Aumento da ansiedade e depressão; 
 Problemas de aprendizagem; 
 Baixo desempenho no trabalho; 
 Problemas respiratórios como faringite, 
sinusite, bronquite e asma; 
 Problemas cardíacas; 
Usuários habituais que param o consumo apresentam 
síndrome de abstinência 24 a 48 horas após, com: 
 Sonolência excessiva ou insônia; 
 Cansaço; 
 Ansiedade; 
 Depressão; 
Certas drogas podem interagir com a maconha e 
potencializar a sedação (álcool), potencializar a 
estimulação (cocaína) ou ser antagônicas. 
 
 
Alice Bastos 
Tratamento 
Intervenções comportamentais, incluindo terapia 
cognitivo-comportamental e incentivos motivacionais, 
têm se mostrado eficazes no tratamento da 
dependência da maconha.

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