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Legislação empresarial 109 8 Direito Falimentar Introdução Neste capítulo, o objetivo é conhecer a Lei n. 11.101, de 2005, que regula a recupe- ração de empresas e a falência. Além disso, objetiva-se compreender o que é e como funciona a recuperação de empresas, bem como entender o que é falência e quando ocorre sua decretação. Tais conhecimentos são importantes para desenvolver o entendimento prático da legis- lação empresarial, observando o que acontece com as empresas no processo falimentar. Direito Falimentar8 Legislação empresarial110 8.1 Lei n. 11.101, de 2005: noções básicas A legislação falimentar tem sua presença no Brasil desde o período da colonização, quando vigoraram as Ordenações Afonsinas, depois as Ordenações Manuelinas e, por fim, as Ordenações Filipinas. Nessas ordenações, as regras familiares eram muito severas com o devedor. A legislação da época tinha uma finalidade punitiva. Em 1850, foi adotado o Código Comercial, que trouxe o conceito de falência. Porém, não houve maiores proteções para o credor, o que gerou muitos debates e sua modificação, no que se refere à falência, por meio do Decreto 917/1890, bem como pelo Decreto-lei 7.661. Nos anos de 1990, com o advento da globalização da economia, a legislação falimentar volta a entrar em discussão. Todavia, somente em 9 de fevereiro de 2005 é promulgada a nova Lei de Falências (a Lei n. 11.101), que traz diversas inovações, como é o caso da ideia da preservação da empresa, a valorização do trabalho humano e da livre-iniciativa, visto a grande influência da Constituição de 1988, que elenca esses como princípios fundamentais. É importante destacar que essa lei traz a responsabilização da falência vinculada ao pa- trimônio, não admitindo mais que o devedor seja escravo de seu credor. Por consequência, o devedor deverá procurar o patrimônio do credor para satisfazer seu crédito. Entretanto, é importante destacar que, quando o ativo da empresa for menor do que seu passivo, essa situação caracteriza a insolvência ou solvabilidade. A insolvência é um dos princípios para a solicitação da falência, porém os credores devem solicitar a execução da empresa de forma conjunta, ou seja, todos os credores deverão se juntar num único processo para executar o devedor, em obediência ao princípio condicio creditorum, visando a um tratamento igualitário. No processo contra os devedores, se todos os credores entrarem juntos, esses credores serão atendidos conforme a qualificação que possuam. A falência é um instituto particular das empresas, ou seja, só pode ser decretada falên- cia para uma pessoa jurídica, cujo escopo é mercantil, denominado empresa. Em suma, a falência pode ser definida como uma execução concursal do credor contra o patrimônio do empresário. Caso o devedor não explore sua atividade econômica sem ser em- presário, o processo será a execução concursal civil e será regido pelo Código Processual Civil. São requisitos para a aplicação da Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência: • o devedor ser empresário; • a insolvência do devedor; • a sentença decretando falência. Perceba que a falência é uma execução. Nesse sentido, sua natureza é visivelmente pro- cessual. Todavia, verifica-se que a legislação falimentar também regula norma material, por isso tem caráter material. Logo, a natureza jurídica da falência é híbrida, visto a complexi- dade do instituto falimentar. Direito Falimentar Legislação empresarial 8 111 O dispositivo legal que rege a falência é a Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que traz quase 40% do seu conteúdo voltado à recuperação da empresa. Essa legislação prevê o procedimento para a decretação da falência. O procedimento da falência começa na fase pré-falimentar, quando o devedor empre- sário está em estado de insolvência, conforme o artigo 94, incisos I, II e III, juntamente com a sentença declaratória da falência. Perceba que nesse momento estão presentes os três pres- supostos da falência. Nesse sentido, antes do processo propriamente dito, ocorre uma fase anterior que se inicia no pedido da falência até a decretação da sentença pelo juiz. A sentença não é neces- sariamente declaratória, ou seja, aquela em que o juiz declara a falência, pois pode ser dene- gatória. Na última, o processo se extingue sem a instauração da execução concursal do de- vedor. Assim, o juiz poderá decretar duas sentenças distintas: declaratória ou denegatória. A declaração judicial é o terceiro pressuposto para a decretação da falência. Porém, ha- verá um caminho a ser percorrido para que a empresa seja considerada falida. Sobre o empresário devedor, é importante destacar a definição do artigo 966 do Código Civil (BRASIL, 2002): “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. O empresário pode ser pessoa física, logo, empresário individual ou pessoa jurídica, ou seja, uma sociedade empresária. Nem todas as pessoas jurídicas de direito privado que estão elencadas no artigo 44 do Código Civil estão submetidas à falência somente as sociedades empresariais e as EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). Logo, associação, fundação, partido político, organização religiosa, sociedade simples ou cooperativa não podem ter sua fa- lência requerida. As sociedades cooperativas não estão sujeitas à falência, visto que essas não possuem natureza empresária. Os profissionais intelectuais também não podem ser considerados fa- lidos, pois, segundo o artigo 966, parágrafo único, não são considerados empresários. Outras empresas excluídas pelo artigo 2° da Lei de Recuperação das Empresas (LRE) são as empresas públicas e as sociedades de economia mista, pois mesmo que tenham a finalida- de de exploração de atividade econômica permitida pelo artigo 173, caput, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), pertencem à Administração Pública Indireta. O artigo 2° da Lei n. 11.101/2005 traz, expressamente, as empresas às quais a norma ora analisada não se aplica, sendo elas: empresa pública e sociedade de economia mista; instituição financeira pública ou privada; cooperativa de crédito; consórcio; entidade de pre- vidência complementar; sociedade operadora de plano de assistência à saúde; sociedade seguradora; sociedade de capitalização. Em suma, somente estão sujeitas à Lei de Falência as sociedades empresárias. Todavia, os indivíduos que podem solicitar a falência, segundo previsto no artigo 97 da Lei n. 11.101/2005, são: o próprio devedor; o cônjuge sobrevivente; qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante; o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade; além de qualquer credor. Direito Falimentar8 Legislação empresarial112 Conforme o dispositivo 97 da LRE, o próprio empresário devedor pode solicitar a falência. Esse procedimento é chamado de autofalência. Conforme o artigo 105 da Lei n. 11.101/2005 (BRASIL, 2005): o devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, ex- pondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresa- rial, acompanhadas dos seguintes documentos: I – demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório do fluxo de caixa; II – relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos; III – relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimati- va de valor e documentos comprobatórios de propriedade; IV – prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigorou, se não houver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais; V – os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei; VI – relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respecti- vos endereços, suas funções e participação societária. O pedido pode também ser solicitado pelo credor, porém é necessário distinguir o cre- dor empresário do credor civil, visto que, conforme o artigo 97, § 1°, da LRE, se o credor for empresário, quando for solicitar a falência de outra empresa, necessitará comprovar a saúde financeira da sua empresa, ou seja, deverá juntar certidão da Junta Comercial que demons- tre que exerce sua atividade com regularidade. Caso o credor seja domiciliado fora do Brasil, conforme o artigo 97, § 2°, da LRE, deve- rá depositar judicialmente uma caução para custas judiciais e pagamento de uma possível indenização. Tal garantia será necessária quando o pedido de falência for rejeitado pelo juiz por falta dos três pressupostos, ou seja, nos casos de denegação da falência. Para o pedido de falência, não é necessário que a obrigação do devedor esteja vencida, visto que o artigo 94, III, da LRE elenca várias situações suficientes para ser considerado in- solvência. Nesse sentido, a empresa pode estar inadimplente com outras empresas e realizar qualquer atitude elencada no artigo mencionado. Sobre os sujeitos ativos que podem solicitar a falência da empresa insolvente, é im- portante ressaltar o entendimento de que a Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência da empresa devedora e insolvente, visto que Direito Falimentar Legislação empresarial 8 113 possui instrumento próprio para a cobrança do crédito tributário, a Lei n. 6.380/1980 – Lei de Execuções Fiscais. Caso a empresa devedora seja uma sociedade estrangeira, o foro competente também será o do seu principal estabelecimento. Entretanto, só serão verificados os estabelecimentos no território brasileiro. A legislação observa que, após a distribuição do primeiro pedido de falência, todos os pedidos posteriores também serão acolhidos pelo mesmo juízo, visto o artigo 6°, § 8°, da LRE. 8.2 Recuperação de empresas: o que é e como funciona A Lei n. 11.101/2005 prevê que os empresários devedores podem sofrer falência ou, ainda, recuperações. A recuperação é um procedimento que tem a finalidade de recuperar a empresa que está em situação transitória de crise econômico-financeira, visando à importân- cia das sociedades empresariais para a estrutura social brasileira, bem como a preservação de postos de trabalho. Resumidamente, a recuperação da empresa tem como finalidade im- pedir que a empresa sofra falência. Ela pode ocorrer em duas modalidades: • recuperação extrajudicial; e • recuperação judicial. Entende-se por recuperação extrajudicial a possibilidade de o devedor, sem a ajuda do Poder Judiciário, propor um plano de recuperação aos credores e negociar a melhor forma de obter essa recuperação da empresa. Esse tipo de recuperação empresarial tem caracte- rística preventiva. Nesse processo, a fase introdutória consiste em uma livre negociação. Todavia, a segunda etapa deve estar em conformidade com a formalização judicial. É im- portante destacar que o acordo celebrado entre os credores e o devedor só tem validade com a homologação judicial. De acordo com a Lei n. 11.101/2005, a recuperação extrajudicial refere-se ao procedi- mento em que o devedor promove uma convocação dos seus credores para expor um proje- to de recuperação da sua empresa. Perceba que pode o devedor tomar o primeiro passo para reunir o credor e os devedores para um plano de recuperação extrajudicial. O simples acordo recuperatório entre o credor e os devedores não descarta a possibili- dade da falência da empresa, visto que, se o devedor não satisfazer os seus débitos, poderá gerar uma situação liquidatária que tentava afastar. Somente com a homologação judicial a recuperação terá sua característica de um ne- gócio irretratável, ou seja, que não pode ser revogado. Essa modificação da recuperação extrajudicial em irretratável ocorre quando o devedor solicita a homologação do plano de recuperação, com a aprovação dos credores que compõem mais de 3/5 (três quintos) dos cré- ditos de cada espécie. Perceba que, nesse momento, o plano de recuperação impõe as regras nele contidas a todos os credores que ela envolver. Direito Falimentar8 Legislação empresarial114 A sentença que decorre do plano de recuperação extrajudicial homologada pelo juiz é um título executivo judicial. Outro ponto importante é que os credores da mesma natu- reza terão os mesmos critérios de pagamento. Nesse contexto, a homologação do plano de recuperação extrajudicial de todos os créditos de cada espécie deve ter o aceite de 3/5 (três quintos) do valor da dívida. Porém, para essa regra ser válida, precisam ser cumpridas duas exigências legais: • Os créditos de sócios do devedor, sociedades coligadas controladas, controladoras e interligadas não serão computados. • O crédito em moeda estrangeira deverá ser convertido em moeda nacional, com base no câmbio da véspera da assinatura do plano de recuperação. (Para que não haja controvérsias, o devedor poderá solicitar uma aprovação do valor do câmbio, por escrito, do titular do crédito.) O plano de recuperação extrajudicial deverá ser conduzido ao juízo pelo próprio de- vedor, para que seja homologado, por meio de documento que contenha todos os termos e as cláusulas acordadas com os credores, bem como a anuência destes. A empresa devedora só poderá solicitar a recuperação extrajudicial se estiver exercendo a atividade empresarial, como inscrito no Registro de Empresas, há mais de dois anos. Entretanto, existem, ainda, ou- tros critérios para solicitar a homologação do plano de recuperação extrajudicial, que estão elencados nos artigos 48 e 161, § 3°, da LRE. A homologação do plano extrajudicial não suspende direitos, ações ou execuções, bem como invalida o pedido de ação de falência que os credores não integrantes ao plano pos- sam vir a solicitar. E qualquer credor que poderá ser abarcado pelo plano de recuperação extrajudicial, em conformidade com a Lei n. 11.101/2005, poderá solicitar a impugnação do pedido 30 dias após o edital ou a carta do devedor de ciência do plano. Caso o plano não seja homologado, o devedor poderá fazer nova tentativa para o novo plano. A recuperação extrajudicial pode ser frustrada pelo pedido de falência feito por credo- res que não aderiram ao plano de recuperação extrajudicial ou, ainda, pelos credores sig- natários que não tiveram seu acordo honrado. Logo, o plano de recuperação extrajudicial, mesmo homologado, não afasta ações de pedido de recuperação judicial, bem como a de falência contra o devedor. A segunda modalidade de recuperação é a judicial. Tem a finalidade de solucionar os problemas financeiros da empresa devedora, porém, por meio do Poder Judiciário. Outro objetivo dessa modalidade é salvar a atividade empresarial, ou seja, livrar a empresa do pe- rigo de falência, por meio da satisfação dos credores, sejam eles fornecedores, empregados ou, ainda, a Administração Pública. Porém, para que o devedor solicite a recuperação judicial, deverá estar exercendo a ati- vidade empresarial por, no mínimo, 2 (dois) anos, com inscrição no Registro de Empresas. Também não pode ser falido – e, se o for, deverá já ter cumprido todas as exigências do processo transitado em julgado –, não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei n. 11.101 Direito Falimentar Legislação empresarial 8 115 e, por fim, não ter obtido concessão de recuperação judicial há menos de 5 (cinco) anos, em se tratando de Empresa de Pequeno Porte ou Microempresa. No caso das empresas rurais, ou seja, que exercem atividade rural por meio de pessoa jurídica, osdois anos de exercício deverão ser comprovados por meio da DIPJ – Declaração de Informações Econômico-Fiscais de Pessoa Jurídica. A Lei n. 11.101/2005 traz em seu texto os requisitos que deverão constar no pedido de recuperação judicial formulado pelo devedor. Após a formulação do pedido, o juiz deverá recebê-lo e, não havendo sua impugnação por parte dos credores, poderá deferir. Todavia, se houver a impugnação, o Judiciário deverá convocar a assembleia-geral dos credores, para referendar o pedido de recuperação feito pelo devedor. Quando a assembleia não concordar com o pedido, o juiz deverá decretar a falência da empresa em questão. A assembleia dos credores poderá propor alterações no plano de recuperação. Todavia, essas modificações não podem intervir nos direitos dos credores ausentes. Ocorrendo a aprovação do plano de recuperação, a assembleia indicará os membros para compor o Comitê de Credores. Após esse momento, e com o plano aprovado pela assembleia, o juiz julgará proce- dente a recuperação judicial do devedor. No entanto, se houver uma rejeição do plano de recuperação por parte da assembleia, o juiz decretará, por meio de sentença, a falência da empresa devedora. O requerente da ação, no caso o devedor, deve peticionar para deflagrar a ação de re- cuperação judicial, conforme os requisitos da Lei n. 11.101/2005, bem como o artigo 319 do CPC. Nesse documento, devem constar a justificativa, a necessidade e a probabilidade da recuperação da empresa. Também é necessário anexar documentos que demonstrem a situa- ção patrimonial da empresa (demonstrações financeiras dos três últimos exercícios sociais) e de sua regularidade (certidão de regularidade no registro de empresa, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos últimos administradores). É importante destacar que as demonstrações financeiras devem ser atualizadas e pre- cisam demonstrar a real situação da empresa, além de ser necessário justificar o pedido de recuperação judicial. Logo, o empresário deverá evidenciar como demonstrações financeiras: o balanço patrimonial; a demonstração de resultados acumulados; a demonstração do resulta- do desde o último exercício social; e o relatório gerencial de fluxo de caixa, com sua projeção. Uma vez juntando todos os documentos pertinentes à petição inicial, o devedor deverá fazer o despacho do procedimento, momento em que começa o procedimento verificatório, no qual se analisa a viabilidade da proposta. Nessa fase podem ocorrer modificações, a rejei- ção ou a aprovação do plano de recuperação judicial. Caso ocorra a rejeição dessa proposta, a consequência será a falência do devedor. A Lei de Recuperação de Empresas prevê que, para o devedor poder exercer sua função empresária, o juiz pode dispensá-lo de apresentar qualquer certidão negativa. Entretanto, o devedor em recuperação deverá colocar nos seus documentos, após a firma ou denomina- ção, o termo em recuperação judicial. Direito Falimentar8 Legislação empresarial116 A lei também prevê que, quando ocorre o despacho de processamento, ocorre uma sus- pensão, de no máximo 180 (cento e oitenta) dias, de todas as ações ou execuções contra o devedor, menos as de natureza trabalhista e de execuções fiscais. Assim que o prazo decor- re, o direito dos devedores se reinicia e, por consequência, as ações e execuções podem ser iniciadas ou continuadas das do momento da suspensão. Na assembleia, os credores poderão aprovar ou rejeitar o plano de recuperação judicial do devedor. No caso de a decisão da assembleia ser favorável ao plano de recuperação, será indicado um comitê. E, assim que a assembleia notificar o juiz de sua decisão de aprovação do plano, o magistrado converterá a sentença de recuperação judicial em título executivo. Após a aprovação do plano da recuperação judicial, o devedor terá dois anos para cum- prir todas as obrigações estabelecidas no plano de recuperação judicial. Caso o devedor não consiga cumprir o plano de recuperação, o juiz pode decretar a falência do devedor. Caso isso ocorra, os direitos e as garantias dos credores voltarão às condições originais e, caso estes tenham recebido pagamentos, serão descontados dos seus direitos. 8.3 Falência: o que é e quando ocorre A falência é um processo de execução concursal, pelo qual é necessário demonstrar a insolvência do devedor. Nesse sentido, é importante saber o conceito de insolvência, cuja definição é caracterizada pela carência de ativo para saldar o passivo. Logo, o patrimônio do devedor está negativo. Um dos pressupostos para solicitar a falência é demonstrar que o empresário devedor está insolvente, porém, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal, a insolvência econômica não é suficiente para decretar a falência de uma empresa. Devem ser analisadas as hipóteses trazidas pela lei falimentar. Para que o devedor seja considerado juridicamente insolvente, é necessário que existam quatro características distintas. São elas: • O estado patrimonial deficitário. Logo, há falta de ativo para efetuar os pagamen- tos do passivo. • A renúncia dos pagamentos, ou seja, quando o empresário devedor não paga suas dívidas. • A impontualidade dos pagamentos de justificativa relevante. Nesse caso, o empre- sário devedor deixa de pagar suas dívidas na data acordada, sem motivo. • Sistema de enumeração legal, ou seja, os atos previstos na legislação falimentar que são considerados “atos de falência”. Sobre o estado patrimonial deficitário da empresa credora, é importante destacar que esse sistema tem como finalidade apurar a saúde financeira do devedor de forma precisa. Os demais sistemas se baseiam em conjecturas. Perceba que o segundo sistema – a insolvência do devedor – presume que a empresa devedora é insolvente, quando cesse os seus pagamentos, Direito Falimentar Legislação empresarial 8 117 sem saber, necessariamente, a real situação patrimonial da empresa. O segundo e o terceiro sistema também deixam em dúvida se a situação patrimonial se encontra em deficit. Nesse sentido, verifica-se por que, para abrir o processo falimentar, não se deve analisar somente a situação econômica da empresa, mas verificar no sentido jurídico, preestabeleci- do em lei, todos os requisitos para instauração de tal processo. Na prática, verifica-se que a impontualidade injustificada é um dos critérios que mais levam ao processo falimentar, principalmente na legislação anterior, que era muito severa com os devedores e tinha um prazo para contestação pequeno, de apenas 24 horas. Com o prazo muito curto, o devedor muitas vezes não tinha tempo hábil para demonstrar a ilegi- timidade da dívida questionada. Logo, essa legislação era uma ótima forma de cobrança eficaz contra empresários que passavam por uma fase transitória de crise, visto sua coação. Em síntese, existem quatros hipóteses que determinam a insolvência do devedor, que são: estado patrimonial deficitário; cessação de pagamento; impontualidade; e enu- meração legal. As duas últimas estavam previstas no Decreto 7.661/1945 e mantidas na Lei n. 11.101/2005. O artigo 94, inciso I, da Lei de Recuperação das Empresas (BRASIL, 2005) traz a impon- tualidade injustificada ao mencionar que “Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido de falência”. Perceba que, para ser decretada a falência, a dívida deverá ser superior a 40 salários mínimos, o que desmotiva a tentativa de os credores solicitarem a falência do devedor com dívidas com valores irrisórios, pois, conforme os legisladores, dívidas abaixo de 40 salários não caracterizam situação de insolvência. Todavia, conforme o artigo 94, § 1°, os credores podem unir seus valores e solicitar, juntos (por meio de litisconsórcio), o pedido de falência do devedor, caso o valor passede 40 salários mínimos. Casos os credores utilizem os títulos de crédito para embasar o processo de falência, a legislação traz no artigo 94, § 3°, que o credor deverá juntar ao processo o título executivo, bem como o instrumento de protesto. Logo, podemos entender que a única forma de de- monstrar a impontualidade injustificada é por meio do protesto do título executivo. O artigo 94 da LRE, no inciso III (BRASIL, 2005), estabelece alguns atos que, se prati- cados pelo devedor, podem ensejar o pedido de falência. Entre essas ações, está o ato de desfazer-se do patrimônio e encerrar as atividades sem seguir a legislação. Ou, ainda, fazer pagamentos fraudulentos. Em ambos os casos, temos atos de insolvência. A legislação ainda prevê outras atitudes por parte do devedor que podem ser consideradas indícios de insol- vência. Todas essas maneiras demonstram que o devedor está tentando se desfazer dos seus bens sem fazer os pagamentos devidos aos seus credores. Todos os atos elencados nesse artigo demonstram que o devedor está praticando ações que resultam no não pagamento dos seus credores, seja por meio de transferência de bens para terceiros sem o consentimento dos seus credores, seja pela de transferência da empresa Direito Falimentar8 Legislação empresarial118 sem deixar procurador para negociar possível acordo. Existe, assim, uma tentativa de fuga da responsabilidade de pagar as dívidas existentes. Após o credor entrar com a solicitação de falência, o devedor tem o prazo de 10 dias para se manifestar nos autos, ou seja, fazer sua contestação. O artigo 96 da Lei n. 11.101/2005 (BRASIL, 2005) traz um rol de alegações que o devedor poderá utilizar, entre elas, a alegação de prescrição dos títulos executivos. Em outra hipótese, o devedor também pode requerer, nesse momento, a elisão da falên- cia, que é feita por meio de depósito em juízo do montante financeiro da dívida reclamada no processo falimentar, segundo o artigo 98, parágrafo único, da LRE. O montante financei- ro a ser depositado, em conformidade com a Súmula 29 do STJ, deverá considerar o valor da correção monetária, os juros e os honorários de advogado. Caso o devedor efetue o deposito elisivo, mesmo que ele não apresente defesa no pro- cesso, a falência não será decretada. Porém, o valor do depósito judicial será levantado pelos credores e, assim, as dívidas serão consideradas pagas. A falência será decretada quando o juiz julgar o pedido procedente e não tenha sido realizado o depósito elesivo pelo devedor. Assim que a sentença da falência for decretada, será instaurado o processo de execução concursal do empresário falido. Nesse momento, encerrará a fase pré-falimentar e iniciará o processo falimentar. A partir do momento em que ocorre a decisão judicial decretando a falência, de acordo com o artigo 99, a Junta Comercial deverá ser comunicada, fazendo constar nos atos cons- titutivos da empresa devedora a expressão falido, bem como a data da sentença. Esse artigo ainda traz que seja expedida aos diversos órgãos públicos a solicitação de informações de possíveis bens do devedor. E, por fim, será obrigatório que o juiz publique a sentença de falência em diário oficial ou, ainda, em jornais de grande circulação. A sentença que decreta a falência traz a habilitação dos créditos, uma vez que eles não são iguais entre si. Essa é apenas uma das consequências do processo de execução concursal do ati- vo, o qual gera efeitos múltiplos a todos os envolvidos direta ou indiretamente com a empresa. Ampliando seus conhecimentos A nova lei de falências brasileira: primeiros impactos (ARAÚJO; FUNCHAL, 2009) No dia 9 de junho de 2005 a nova legislação que regula o processo fali- mentar brasileiro foi implementada. A nova lei tinha como objetivos principais reduzir as ineficiências vigentes no antigo processo, que, pela sua antiguidade, não se fazia mais compatível com a dinâmica Direito Falimentar Legislação empresarial 8 119 econômica atual, tampouco atendia aos anseios inerentes a uma legis- lação falimentar contemporânea. Através de testes empíricos foi possível observar o comportamento do número de pedidos e decretos de falências, assim como o número de pedidos de concordata/recuperação judicial. Em relação à falência, foi observada uma forte e estatisticamente significativa tendência de queda tanto em seu requerimento quanto no número de quebras em si, reduzin- do-os em 50% e 46%, respectivamente, em relação ao ano anterior, con- siderando todo o território nacional. Resultados similares foram encon- trados para São Paulo. Dois fatores comuns a ambos os casos (pedido se decretos) que explicam tal queda são: primeiro, o espírito da nova lei de salvar empresas economicamente viáveis foi rapidamente captado pelos juízes, incentivando pedidos de recuperação e reduzindo os de falência; e segundo, a regulamentação dos acordos extrajudiciais permite que fir- mas se reestruturem evitando suas quebras e reduzindo a necessidade de requerer a falência. Adicionando a esses dois fatores a nova exigência legal para a quebra do devedor, que é não pagar, no vencimento, obriga- ções líquidas materializadas em títulos ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido, claramente o número de requerimentos de falência seria fortemente e automaticamente afetado pela nova lei, o que explica sua reação mais rápida e intensa à implementação desta. Com relação ao com- portamento do número de pedidos de concordata/recuperação judicial, os resultados indicam uma redução de 60% para o Brasil. Isso ocorre porque, primeiro, a maior participação dos credores tende a coibir pedidos des- necessários de recuperação devido ao risco de ser decretada a falência da empresa em caso de rejeição do plano de recuperação; segundo, devido a algumas incertezas em relação ao novo procedimento, pois é mais com- plexo que o anterior; e finalmente porque a regulamentação dos acordos extrajudiciais permite que firmas se reestruturem sem os custos judiciais, reduzindo a necessidade recorrer a corte. Apesar da propagação dos efeitos da lei de falências sobre o mercado de crédito ser lenta, ela já começa a ser observada. Estima-se uma expan- são do mercado de crédito a pessoas jurídicas devido à implementação da nova lei de falências, principalmente para os setores comercial, rural e de serviços. Apesar de tal expansão do mercado de crédito, não ficou evidente o efeito de uma redução nas taxas de juros médias cobradas às pessoas jurídicas, como era esperado de acordo com o modelo teórico. Direito Falimentar8 Legislação empresarial120 Finalmente, cabe destacarmos a importância da contínua busca pela melhora do processo, tornando-o cada vez mais eficiente. Tentar redu- zir os custos inerentes ao processo e aprimorar ainda mais a proteção aos credores é fundamental. Com relação ao primeiro ponto destacado, sua importância vem pela existência de uma forte relação entre os custos do processo de bancarrota e a receita originada deste, o que permite um aumento nos ganhos de todos os agentes envolvidos nos processos em perda para nenhuma das partes. Com relação à proteção aos credores é interessante ressaltar que, apesar das significativas mudanças na lei, um objetivo importante não foi atingido: a preservação da prioridade dos cre- dores segurados sobre os ativos do devedor que foram dados como cola- teral no momento da criação dos contratos. A nova lei, diferente da prática mais utilizada internacionalmente, ainda considera que os ativos dados como garantias aos credores segurados devem pertencer ao devedor em caso de bancarrota, ao invés de serem transferidos imediatamente aos cre- dores, como foi definido contratualmente. Atividades 1. Sobre a falência, analise as afirmações e assinale a alternativa correta: I. A insolvência é um dos princípios para a solicitação da falência. Porém, os credo- res não devem solicitar a execução daempresa de forma conjunta. II. Todos os credores deverão se juntar num único processo para executar o deve- dor, em obediência ao princípio condicio creditorum, visando a um tratamento igualitário. É necessário destacar que, no processo contra os devedores, se todos os credores entrarem juntos, esses credores serão atendidos conforme a qualifi- cação que possuam. a. Todas as alternativas estão corretas. b. Todas as alternativas estão incorretas. c. Somente a alternativa I está correta. d. Somente a alternativa II está correta. 2. Sobre a recuperação judicial e extrajudicial, analise as afirmações e assinale a alter- nativa correta: I. As recuperações judicial e extrajudicial são procedimentos que têm a finalidade de recuperar a empresa que está em situação transitória, de crise econômico- -financeira, visando à importância das sociedades empresariais para a estrutura social brasileira, bem como a preservação de postos de trabalho.
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