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GESTÃO OU APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO uma visão alternativa aos modelos atuais de gestão do saber

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Gestão do Conhecimento e Competências – CAX-GCC001 
Prof. MSc. Fernando dos Anjos 
 
 
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GESTÃO OU APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO: uma 
visão alternativa aos modelos atuais de gestão do saber 
 
Caroline Ghidini Seben 
Diego Leonardo Anschau 
Eyji Koike Cuff 
Matheus Lacava 
Rodrigo Pacheco 
 
1. Introdução 
Dentre todas as teorias de produção que são focadas em aumento de produtividade, 
melhoria contínua, produção enxuta, teoria das restrições, entre outras ações, pode-
se observar uma máxima de que é necessária a redução da variabilidade do 
processo que se quer melhorar (GOLDRATT; COX, 2014; OHNO, 1997; SLACK et 
al., 2006; TAYLOR, 1990). Com os estudos desde o ano de 1900 e com o advento 
da tecnologia moderna, praticamente todos os itens que poderiam apresentar essas 
variações foram sendo mapeados, cessados ou reduzidos, porém nos recursos 
humanos ainda reside a maior fonte de imprevisibilidade. Isso era um fator 
irrelevante até o momento em que as empresas não conseguiam mais reduzir custos 
em outros setores, pois esses já atuavam com o mínimo possível (BURTON-JONES, 
2000). 
A partir da necessidade da continuidade de redução de custos para aumento de 
margem de lucro surge a gestão do conhecimento e a gestão pelas competências. 
Uma nova forma de se apoderar desse conhecimento tácito e impalpável, o qual 
diferenciava os profissionais, transformá-lo em explícito e palpável, e com isso 
minimizar essa fonte de variação, haja vista, que qualquer profissional poderia se 
apropriar desse conhecimento e dar seguimento ao trabalho (GILDER, 2013). 
Focando nisso, o presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir a visão 
compartilhada pela autora Lydia Maria Pinto Brito em seu artigo Gestão de 
Competências, Gestão do Conhecimento e Organizações de Aprendizagem – 
Instrumentos de apropriação pelo capital do saber do trabalhador (BRITO, 2008), 
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publicados nos Cadernos de Educação da UFPEL e reforçados pela sua tese de 
doutorado. 
 
2. Apresentação do artigo 
Baseado no artigo de Brito (2008), à partir dos anos noventa, as empresas tiveram 
que se readaptar a uma nova realidade, na qual as formas de gestão até o momento 
utilizadas não estavam mais dando o resultado esperado, afetando dessa forma a 
sobrevivência dessas e a sua garantia de lucro. Essa nova realidade já era 
pesquisada desde os anos oitenta pelas escolas de administração e o resultado 
disso foi que as empresas que prosperavam tinham “aprendido a aprender”, ou seja, 
elas não ficavam dependentes do conhecimento dos seus colaboradores. Através da 
reengenharia, elas sabiam o fim do processo e mapeavam o caminho para que a 
empresa pudesse “aprender” o processo e não depender mais do funcionário, 
podendo esse ser substituído sem prejuízo para a companhia. Com isso, temos o 
surgimento de um novo ativo não contabilizado na empresa: o conhecimento. 
(BRITO, 2008 p.204-209). 
Todo ativo precisa ser gerido e, para amenizar a sensação de insegurança dos 
funcionários, essa nova forma de gestão precisou se adaptar para não se mostrar 
como realmente era: uma forma de apropriação do conhecimento do trabalhador. 
Com isso, pesquisas, textos e práticas são aplicadas com o intuito de fortalecer a 
ideologia de aprendizagem organizacional como algo positivo e, com isso, a gestão 
por competências teve uma participação ativa, de forma que imbuía aos 
colaboradores competências, habilidades e atitudes (CHA) que esses precisavam ter 
para serem aptos ao trabalho, numa forma de mapear a fonte dos conhecimentos na 
sociedade, trazê-los para a empresa e apropriar-se de seu conhecimento. Em 
paralelo, com base nas teorias de Hegel, era fomentada a lógica feudal de que 
somente através do trabalho o cidadão seria digno e completo (BRITO, 2008 apud 
LESSA, 2012). 
O artigo trabalha forte sobre 
“A grande questão que se apresenta é a seguinte: se este tipo de educação 
para o trabalho foi criado a partir do estudo das práticas organizacionais que 
teriam garantido a sobrevivência das grandes corporações mundiais, por 
que, na mesma proporção, ele não garantiu o emprego para os 
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trabalhadores que socializaram seu conhecimento para viabilização e 
sobrevivência da empresa? ” (BRITO, 2008 p.208) 
 quando apresenta o caso da empresa General Eletric, a qual nos anos 
oitenta, aumentou seu lucro em 800%, mesmo tendo diminuído seu quadro funcional 
em 43%. 
Com isso, são entregues: a linha do tempo das publicações sobre o tema, os 
conceitos de toda essa nova forma de gestão, bem como, as novas formas de 
trabalho, nos quais empresas buscam apenas os interesses do capital, mesmo 
tendo que sacrificar os interesses dos trabalhadores, como: garantia de trabalho, 
condições e relações sadias, perspectivas; e transformam isso em um produto. Isso 
é ilustrado claramente, quando a autora nos mostra que 
“as exigências, cada vez maiores, das empresas levam o empregado a ter 
de estar continuamente buscando, criando e disseminando conhecimentos 
para a empresa, ao mesmo tempo em que o conhecimento construído fica 
retido na empresa mesmo com a demissão do empregado. Os produtos do 
trabalho: o conhecimento explícito não pertence ao trabalhador e está 
disponibilizado nas redes tecnológicas da empresa e o conhecimento tácito 
é assimilado na prática por outros trabalhadores, não garantindo mais o 
emprego de quem o desenvolveu ao longo da experiência. ” (BRITO, 2008 
p.219) 
Como consequência disso, a relação do trabalho com o corpo do trabalhador 
também extrapola o horário contratado, pois este passa a ficar conectado com a 
empresa através de telefones, e-mails, bem como o estímulo a estar sempre pronto 
a ter um benchmarking para resolver problemas dessa, tornando-se assim, submisso 
a essa e refém do capital, além de deixar um legado de doenças psicológicas e 
somáticas. 
A autora finaliza deixando-nos vários questionamentos e reflexões sobre como 
alterar esse cenário, haja vista que essa manipulação do sistema não trouxe 
benefícios para as pessoas, mas somente para as empresas. 
 
3. Discussão 
Algumas vertentes da administração, antropologia e sociologia têm estudado o tema 
há algum tempo, como pode-se ver na definição de que “o capitalismo do 
conhecimento representa uma nova variante genérica do capitalismo, baseada mais 
na acumulação de conhecimento do que formas monetárias ou físicas de riqueza” 
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(BURTON-JONES, 2000), bem como, as variações das relações homem-empresa, 
na qual o primeiro sempre é desfavorecido em relação ao segundo (MARX, 1982). 
Essa visão de alienação também é abordada em outros estudos (BRUNILA; 
HANNUKAINEN, 2017; GIBBONS, 2018; HAN, 2008), principalmente veiculados no 
leste do globo, criticando essa ideologia e levantando problemáticas futuras para a 
educação, haja vista que existem escolas de educação básica e fundamental que 
adotaram o modelo de substituição das disciplinas tradicionais, por disciplinas 
focadas no mercado de trabalho e que vão ao encontro das competências buscadas 
pelas empresas. Esses estudos também relatam preocupação pelo financiamento 
privado das pesquisas, as quais atenderão somente aos interesses das empresas, 
desestimulando a solução de outros problemas que não sejam validados por essas, 
inclusive como uma forma de censura imposta pelo capital (GILDER, 2013), gerando 
assim conhecimento para essas e não obtendo retorno igualitário. 
Esse crescimento das pesquisas financiadas com capital privado, a partir de 1990, 
em importantes universidades e, após, tem-se o fomento dessa ideologia através de 
publicações como: Inteligência Emocional (GOLEMAN, 1995) e Gestão do 
Conhecimento (TAKEUCHI;NONAKA, 1997), nas quais tratam a gestão do 
conhecimento como um ativo da empresa a ser administrado e, ao mesmo tempo, 
estimulam o trabalhador se alienar de si, não percebendo assim, sua queda de 
autoestima e manipulação consentida. Estudos atuais continuam a reforçar essa 
ideia da gestão do conhecimento e competências como sendo crucial para o 
desenvolvimento das empresas e, consequentemente, contribuindo para a felicidade 
das pessoas (SORDI; AZEVEDO, 2008; XING, 2006). 
Para fins de manutenção do controle, tem-se a necessidade de manter o sujeito 
acordado e atuante na organização ou no método 24/7, também, como finalidade 
favorecer o consumo. Por conseguinte, isso aumenta a constante troca de 
informações com o meio ambiente e, com o advento das TIC, a análise dos hábitos 
dos indivíduos permite o mapeamento completo das necessidades e anseios para a 
total customização do sistema, a fim de garantir a melhor adaptabilidade da pessoa 
ao papel qual se espera (CHACE, 2016). Crary (2014) relata em seu livro esse 
controle, quando afirma que a maioria das necessidades foram transformadas em 
mercadorias e/ou investimentos e que os ambientes de convívio social são 
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projetados para o aumento do tempo acordado e, consequentemente, a maior 
manutenção dessa interação recíproca. Com isso, a divulgação de todo um sistema 
audiovisual converge para que o indivíduo esteja sempre afoito pelos conceitos de 
“estar na moda”, “estar antenado”, “ser o melhor profissional”, “ser o mais 
visualizado” e “ter mais seguidores”, com alta repulsa pelo fracasso social, e isso 
garante a total integração aos papéis sociais que o sistema precisa para se 
retroalimentar. 
Gibbons (2018) nos retrata essa nova ideologia de prosperidade empregada pelo 
neoliberalismo, com o empoderamento total do capital, com a abertura de mercados, 
sem o controle pelos órgãos governamentais, como uma forma de alienação total do 
ser humano para o ambiente corporativo. Essa agenda global preocupa muitos 
estudiosos de economia e ciências sociais, pois vê-se também uma grande 
preocupação com o ataque às disciplinas que favorecem a construção do 
conhecimento sócio-filosófico, pedagógico e cultural, entre outras que podem vir a 
elucidar a população com relação a essa forma de controle pelo capital. Piketty 
(2013) também vê com grande preocupação esse controle do capital e suas 
consequências sobre o meio ambiente, pois seus efeitos tem aumentado as taxas de 
desigualdade social, pessoas em situação de miséria, empregos sem garantias ao 
trabalhador, aumento de doenças físicas e psicológicas, enquanto em outro lado, 
temos o aumento da concentração de riquezas em poucas mãos, exploração 
irrestrita dos recursos naturais, entre outras (OXFAM, 2020). 
 
4. Conclusão 
Em suma, estamos relacionados com o sistema sócio organizacional, de forma que 
servimos como parâmetros de entrada, quando doamos nosso tempo, esforço, 
informações e conhecimento. Esses são processados, criando uma nova gama de 
subprodutos para subsistemas e retorna a nós com a devolutiva para influenciar 
novas ações. A gestão do conhecimento age e transforma nossa existência, como 
ser cognitivo na organização, como totalmente descartável (BRITO, 2008), haja vista 
que o sistema toma nossa força de trabalho e nos impele a entregar nosso cognitivo 
por inteiro, em uma analogia de um sistema com o conceito biomimético e biológico 
(MOTTA, 1970), no qual cada organela tem uma função específica e para a 
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subsistência do componente é necessário que cada um desempenhe seu papel, 
mas que caso esse falhe, venha a ser substituído sem falhas. 
Com isso, concluímos que o conhecimento, em si, não é uma ferramenta que está 
sendo utilizada da melhor forma nas relações sociais e de trabalho, pois seu 
emprego está atrelado a dominação e está trazendo mazelas ao ser humano e ao 
meio ambiente, os quais serão de difícil reversão a não ser que tomemos medidas e 
tenhamos a iniciativa de sair desse estado de alienação e agir de modo a garantir 
nossa sobrevivência como espécie e como seres sencientes e cosmoperceptivos 
sobre as nossas existências e forças motriz. 
 
Referências Bibliográficas 
 
BRITO, Lydia Maria Pinto. Gestão de Competências, Gestão do Conhecimento e 
Organizações de Aprendizagem - instrumentos de apropriação pelo capital do saber 
do trabalhador. Cadernos de Educação | FaE/PPGE/UFPel, [S. l.], n. 31, p. 203–
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