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Aula 05 - Técnicas construtivas do Brasil colonial Parte II – Coberturas e esquadrias 2017-1 Coberturas e forros Telhas Os telhados são, por assim dizer, a marca da arquitetura colonial. Embora no século XVI as boas construções, como casas de Câmara e Cadeia ainda usassem o sapé, eram depois substituídas por telhas. As telhas são sempre cerâmicas, de capa e canal, ou capa e bica, também chamadas telhas canal ou colonial. Fora do Brasil são conhecidas por telhas árabes ou mouriscas. Inicialmente eram moldadas artesanalmente por escravos. Eram naturalmente muito irregulares, o que gerou uma crença popular de que eram “feitas nas coxas”. A expressão inclusive transcendeu o discurso técnico, e é ainda hoje utilizado para designar pejorativamente qualquer coisa mal feita. Por extensão, a expressão passou a designar qualquer coisa mal feita ou irregular. O cozimento também não era perfeito, como viria a ser no século XIX, quando aqui aparecem as telhas francesas ou marselha e as telhas romanas. O processo de moldagem e cozimento davam a estas telhas forma e coloração muito características responsáveis pela aparência inconfundível das edificações coloniais, que tanto agradam às novas gerações. Estruturas de telhado A estrutura de assentamento das telhas era sempre de madeira. O desdobramento das peças era artesanal, executado geralmente por escravos, como mostra a bela gravura. Desdobramento da madeira. Gravura de Jean-Baptiste Debret. Imagem As tesouras (em Portugal chamadas asnas) mais utilizadas eram a tesoura de linha suspensa, ou canga de porco e a tesoura de Santo André; mais raramente a tesoura paladiana. A tesoura romana seria mais comum a partir do século XIX. Tesoura de linha suspensa Tesoura francesa Tesoura clássica ou paladiana Tesoura de Santo André Tesoura romana O uso de tesouras como estrutura principal e terças e caibros como estrutura secundária é mais apurado e recente. Primitivamente era comum o sistema de caibro armado, isto é, sem tesouras, com cada caibro recebendo o seu próprio tirante ou olivel. Acima deste, apenas as ripas e telhas. O encaibramento era executado de maneira variada, sendo comuns os paus roliços – “caibros de mato virgem, redondos e bons”. Podiam também ser lavrados a machado, ou ainda, serrados. Quando serrados, tinham dimensões aproximadas “de altura três quartos de palmo e de grosso meio palmo e assentados em distância outros dois palmos” Estrutura de telhado de madeira – atual Estrutura de caibro armado. Fazenda Viegas. Imagem Cardoso, 1975 Telhado de caibro armado Telhados feitos com pau roliço. Imagem Barreto 1975. As seções das peças das tesouras eram maiores que as utilizadas hoje e suas medidas eram em palmos: um palmo quadrado (22 x 22 cm), um palmo por um e meio (22 x 33 cm), e assim por diante. Para melhor distribuição das cargas, no caso de paredes de taipa de pilão, é feito um reforço de madeira que recebe os caibros ou pernas das tesouras. Cada tarufo corresponde a um caibro, que é juntado aos frechais por meio de sambladuras tipo rabo de andorinha. As madeiras mais utilizadas eram a canela, peroba do campo, angelim, braúna jatobá e jacarandá. Beirais e beiras Os beirais são um capítulo à parte devido a sua importância na proteção das paredes, na condução das águas de chuva e na linguagem estética. A própria existência dos beirais é uma das características dos edifícios coloniais. Os beirais protegiam da chuva as paredes de taipa ou pau-a-pique. A forma característica de mudança de inclinação das águas, que tem o nome de galbo, tinha a finalidade de projetar a água para mais distante. A peça de madeira que propicia e execução do galbo chama-se contrafeito. Elementos do beiral de caibro armado Na ponta dos caibros que faziam os contrafeitos, esculpiam-se cabeças de cachorro, às quais atribuíam a função simbólica de proteção da casa, à semelhança das carrancas das navegações medievais. Por extensão estas peças ficaram sendo chamadas de cachorros, e o conjunto de caibros do beiral era a cachorrada. Cachorros ornamentados. Imagem Lemos 1979. As beiras são ornamentos de pequena profundidade na alvenaria, no ponto de ligação com o telhado. Muitas vezes eram executados com o próprio material do revestimento, usando telhas como moldes. A expressão “sem eira nem beira” para designar uma pessoa pobre, sem posses, vem da arquitetura colonial. Eira é um pequeno quintal nos fundos da casa; Beira é a decoração da alvenaria, de que falamos. “Sem eira nem beira” é pois, uma pessoa que tem uma casa tão pobre que não tem quintal nem ornamento na parede. Varandas e alpendres Devido à grande divergência entre autores quanto a estes elementos, Sylvio de Vasconcelos sugere a adoção da seguinte nomenclatura. Varanda é o espaço resultante do prolongamento da água principal do telhado e apoiado diretamente no solo, guarnecido por guarda-corpo, peitoril balaustrado ou grade de ferro. Varanda e alpendre O alpendre é uma peça coberta, geralmente no pavimento térreo, com uma cobertura autônoma, que não se constitui prolongamento do telhado, como a varanda, mas é apoiada na parede principal do edifício. Vasconcelos conclui dizendo que o alpendre é apoiado na outra extremidade diretamente no solo. Na nomenclatura da técnica edilícia, entretanto, isto se constitui um falso alpendre, pois o verdadeiro alpendre tem uma de suas extremidades em balanço (MONTEIRO, 1976). É comum entretanto vermos o termo alpendre utilizado como sinônimo de varanda, como no texto clássico de Luís Saia, O alpendre nas capelas brasileiras. Existe portando uma divergência entre a terminologia técnica, mais precisa, e aquela dos textos históricos, mais livre. Sylvio de Vasconcellos Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Sylvio Carvalho de Vasconcellos (Belo Horizonte, 14 de outubro de 1916 — Washington, DC, 14 de março de 1979) foi um arquiteto e historiador brasileiro. Foi um dos precursores da arquitetura modernista brasileira em Minas Gerais. Autor de inúmeros estudos, artigos e obras bibliográficas sobre o Barroco Mineiro, a formação dos primeiros povoados em Minas Gerais e sobre a arquitetura moderna, muitos dos quais traduzidos para diversos idiomas. Estruturas de alpendre e falso alpendre Forros Os forros mais comuns eram de tábuas de madeira, planos, assentes diretamente na estrutura dos telhados, ou em um barroteamento complementar. As tábuas tinham geralmente largura aproximada de um palmo. Neste caso, a junção das peças de madeira poderia ter várias formas. Tipos de forro. Fonte Santos, 1951. Além da forma plana, os forros poderiam possuir a forma abobadada, muito comum nas igrejas, ou a chamada forma de esquife, caixão ou gamela. No forro abobadado são feitas cambotas auxiliares, encurvadas na forma final da forração. No segundo caso, é muito comum que se utilizem as mesmas peças do madeiramento do telhado. O forro compõe-se de cinco painéis, quatro deles inclinados e o último plano. Forro abobadado e forro em esquife. Forro em esquife. Museu do ouro em Sabará. Imagem Smith, 1975. Em construções mais luxuosas, os forros poderiam formar painéis moldurados. Neste caso as molduras tinham altura de cerca de 15 cm, e eram feitas de caixotões de madeira. Os forros eram geralmente pintados ou em uma cor somente ou decorada com pintura abstrata ou figurativa. As folhas das portas e janelas eram sempre de madeira e não diferiam muito conceitualmente de nossas práticas atuais. As diferenças ficam por conta das disponibilidades técnicas e características acessórias. As folhas podiam ser de réguas, de almofadas, de treliças (urupemas) ou rendas de madeira – estas últimas no caso de folhas de janelas. Mais recentemente, a partir do século XVIII, quando o uso do vidro se torna mais comum, aparecem as folhas de pinásios com vidros. pi·ná·zi·o (origem obscura) substantivo masculino 1. Cada uma das pequenas fasquias que nos caixilhos das portas ou janelas serve para segurar os vidros e separá-losuns dos outros. 2. Cada uma das peças de cantaria que ladeiam chaminés, em cozinhas. 3. Cada uma das peças verticais que, numa escada, suportam as peças horizontais dos degrau "pinázios", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/pin%C3%A1zios [consultado em 21-03-2017]. Folha de réguas (E). Porta principal fazenda em Embu e folha de almofadas: (D) Janela da fazenda do Padre Inácio. Imagens Luís Saia, 1975 Janela com conversadeira Folha de treliça. Fazenda Viegas. Imagem Cardoso 1975 Nos primeiros séculos, o vidro era artigo de luxo, “os mais custosos ornamentos no interior do Brasil”(1). Conta-se inclusive que, nas mudanças, os moradores levavam as peças de vidro consigo[2]. Robert Smith nos conta que o primeiro a fazer menção de vidros em janelas é o viajante sueco Johan Brelin, em 1756. [3] (1) SPIX E MARTIUS. Viagem pelo Brasil. Rio de Janeiro, 1938. Apud VASCONCELOS. 1979. [2] Joseph de Laporte. Apud SMITH, Robert. (1969)” Arquitetura civil no período colonial” In: Arquitetura Civil I. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975. [3] SMITH, Op. cit.. Janela com postigo. postigo substantivo masculino 1. pequena porta secundária, aberta numa muralha, fortificação etc. 2. janelinha em portas ou janelas, para se olhar quem bate, sem abri-las; espreitadeira. Era comum, nas janelas, o uso de postigos, pequenas portinholas fixadas nas folhas principais, para auxiliar na iluminação e mesmo para vigia. Porta com folhas de pinázios. Pinázio: Cada uma das peças de cantaria que ladeiam as chaminés nas cozinhas. Cada uma das pequenas tiras de madeira que, nos caixilhos das portas ou janelas, servem para segurar os vidros e separá-los uns dos outros. Os vãos eram compostos de quatro elementos. As vergas, elemento superior, as ombreiras, laterais e os peitoris e soleiras, inferiores. Nas paredes de alvenaria, pau a pique e adobe, de menor espessura, a solução não diferia do que hoje faríamos. Nas paredes de taipa de pilão e alvenaria de pedra, mais espessas, temos uma solução característica, que chamamos janelas de rasgo ou janelas rasgadas. Com a finalidade de aumentar a luz do compartimento, as laterais do vão eram chanfradas. A parte da alvenaria que preenchia o vão da soleira até o peitoril, geralmente menos espessa que o restante da parede, chamava-se pano de peito. O espaço conseguido com o rasgo da parede, bem iluminado e fresco, recebia assentos de madeira, taipa ou alvenaria chamados conversadeiras. Tipos de vãos. Fonte Barreto, 1975. (E) Rótula (C) Abertura à inglesa. Janela de guilhotina (D) Abertura à francesa. Há diferenças de denominação entre os autores. Adotou-se designação abertura à francesa para as janelas e portas acionadas por dobradiças de eixo vertical. Utilizamos rótula, seguindo uso consagrado, para janelas de eixo horizontal. Adotamos gelosia como sinônimo de rótula, embora possa também designar o enchimento do quadro das janelas com treliças. Já no século XVIII tornam-se comuns as janelas de guilhotina, ou abertura à inglêsa. O muxarabi é um dos elementos mais característicos da nossa arquitetura colonial, uma das mais persistentes influências da arquitetura árabe. Para nós designa um balcão fechado por treliças, chamadas também de urupemas, geralmente com janelas de rótula. As frasquias que formavam as urupemas tinham dimensões bem pequenas, em torno de 15 mm, e eram sobrepostas, formando uma malha bem delicada. Balcão é uma peça sacada do corpo principal, um pouco maior em profundidade que a sacada, permitindo o trânsito entre um peça e outra da construção principal pelo exterior. As seteiras são pequenas aberturas verticais, utilizadas na arquitetura Militar como vão de observação, vigia e tiro, mas são também usadas na arquitetura civil e religiosa. Os óculos têm forma circular, quadrifólio ou outras. Na arquitetura militar as seteiras têm também o nome de balestreiro. Os óculos são muito comuns nas igrejas, para iluminação adicional das tribunas, consistórios ou outros compartimentos. Neste caso têm moldura de pedra e são esculpidas em perfís diversos. As ferragens para acionamento eram as chamadas dobradiças de cachimbo ou dobradiças de leme. O leme era a chapa de ferro fixada nas folhas das portas, os quais tinham as mais variadas dimensões e desenhos. As aldrabas, ou aldravas eram pequenas argolas ou maças metálicas fixadas em um eixo, para o visitante bater na porta; servia em outros casos, para acionar uma tranqueta e assim abrir a porta pelo lado de fora. Bibliografia Arquitetura Civil I, II e III. Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975. Arquitetura Oficial I e II. Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975. BARDOU, Patrick e ARZOUMANIAN, Varoujan. Arquitecturas de adobe. Barcelona: Gustavo Gili, 1981. BARRETO, Paulo T. “O Piauí e sua arquitetura” In: Arquitetura Civil I (ver acima), p. 191-219. BAZIN, Germain. A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. 2 vols. CARDOSO, Joaquim. “Um tipo de casa rural do Distrito Federal e Estado do Rio” In: Arquitetura Civil I (Ver acima), p. 1-46. CORONA, Eduardo e LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Edart, 1972. LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979. RODRIGUES, José Wasth. Documentário arquitetônico. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1979. SANTOS, Paulo F. Arquitetura religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951. VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos. Belo Horizonte: Unversidade Federal de Minas Gerais, 1979.
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