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Aula saponinas 1. INTRODUÇÃO As saponinas são metabólitos muito comuns no reino vegetal. Quanto à sua natureza química, são glicosídeos de esteroides ou de terpenos policíclicos que apresentam como característica a propriedade de, em solução aquosa, formar espuma abundante e apresentar ação detergente e emulsificante. Essa propriedade decorre de suas estruturas, que possuem uma parte com característica lipofílica (triterpeno ou esteroide) e outra parte hidrofílica (açúcares), o que determina seu caráter anfifílico, capaz de baixar a tensão superficial da água. São substâncias de elevada massa molecular (600 a 2.000). De modo geral, elas ocorrem em misturas complexas devido à presença concomitante de estruturas com um número variado de açúcares, produtos da sua formação ou degradação na planta ou, ainda, à presença de diversas agliconas. A cadeia de açúcares pode ser linear ou ramificada, e uma das dificuldades na elucidação estrutural desses compostos está justamente em determinar os carbonos das ligações interglicosídicas. Por essas razões, o isolamento de saponinas, bem como sua elucidação estrutural, pode ser bastante difícil. Esse é um dos motivos pelos quais o conhecimento sobre a química e as propriedades biológicas das saponinas desenvolveu-se mais tarde do que as outras classes de metabólitos e tem relação com a evolução das técnicas cromatográficas e espectroscópicas. Apesar de tais dificuldades, ao longo do tempo, esse grupo de substâncias sempre tem sido alvo de interesse farmacêutico, seja como adjuvante em formulações, componente ativo em drogas vegetais ou, ainda, como matéria-prima para a síntese de esteroides. 2. PROPRIEDADES GERAIS As saponinas em solução aquosa formam espuma persistente e abundante. Essa atividade provém, como nos outros detergentes, do fato de apresentarem na sua estrutura, como já referido, uma parte lipofílica, denominada agliconas ou sapogeninas, e uma parte hidrofílica, constituída por um ou mais açúcares. O número de unidades de açúcar pode chegar a 12, o que se definiria como uma saponina oligosídica. A espuma formada é estável à ação de ácidos minerais diluídos, diferenciando-a daquela dos sabões comuns. Outras propriedades físico-químicas e biológicas encontradas, mas nem sempre presentes em todas as saponinas, são: • Elevada solubilidade em água e em solventes polares: as saponinas são geralmente bem solúveis em misturas de água com metanol ou etanol e insolúveis em solventes de baixa polaridade como éter, clorofórmio ou éter de petróleo. A solubilidade em água das saponinas costuma aumentar de acordo com o número de unidades de açúcar que as compõe, e as saponinas com uma unidade de açúcar podem ser solúveis em dissolventes menos polares como o acetato de etila, que pode ser usado para extração de compostos de baixa polaridade como as sapogeninas; • Ação sobre membranas: muitas saponinas são capazes de causar desorganização das membranas das células sanguíneas (ação hemolítica) ou das células das brânquias em peixes (ação ictiotóxica); • Complexação com esteroides: razão pela qual as saponinas frequentemente apresentam ação antifúngica e hipocolesterolemiante. Existem saponinas que não apresentam a maioria dessas propriedades mencionadas, como as saponinas de Glycyrrhiza glabra L., que não possuem atividade hemolítica. 3. TERMINOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO As saponinas podem ser classificadas de acordo com o núcleo fundamental da aglicona ou, ainda, conforme seu caráter ácido, básico ou neutro. Assim, quanto à aglicona, há as saponinas esteroides e as triterpênicas. No grupo das saponinas esteroides, podem ser considerados também os glicosídeos nitrogenados esteroides, que são tratados por alguns autores como um grupo à parte. O caráter ácido pode ser devido à presença de um grupamento carboxila na aglicona ou na cadeia de açúcares (p. ex., ácidos glicurônico e galacturônico) ou ambos. Esses dois últimos açúcares conferem acidez às saponinas isoladas de espécies do gênero Glycyrrhiza, por exemplo. Já o caráter básico decorre da presença de nitrogênio, em geral sob a forma de uma amina secundária ou terciária, como nos glicosídeos nitrogenados esteroides. Outra classificação refere-se ao número de cadeias de açúcares ligadas na aglicona. Assim, saponinas monodesmosídicas possuem uma cadeia de açúcares, enquanto as saponinas bidesmosídicas têm duas cadeias de açúcares – a maioria com ligação éter na hidroxila em C-3, e a outra com ligação éster. Essa diferenciação é importante, já que, em geral, as saponinas bidesmosídicas não apresentam as atividades biológicas relatadas para as saponinas monodesmosídicas. Menos frequentes são as saponinas tridesmosídicas, como as que ocorrem em espécies de Chenopodium e Astragalus. O número de cadeias de açúcares também influi na solubilidade desses compostos. Saponinas monodesmosídicas têm baixa solubilidade em água, enquanto as saponinas bidesmosídicas apresentam maior hidrossolubilidade. As saponinas apresentam um número variável de monossacarídeos ligados entre si em cadeia linear ou como uma cadeia ramificada. Os açúcares encontrados mais comumente são: D-glicose, D- galactose, L-ramnose, L-arabinose, D-xilose, Dfucose e os ácidos D-glicurônico e D- galacturônico. As ligações interglicosídicas podem ser α ou β, e os monossacarídeos podem ocorrer na forma de piranose ou furanose (Fig. 19.1). Note que, quando a hidroxila do carbono anomérico (C-1) dos açúcares da série D se encontra no plano superior, ela receberá a configuração β, mas quando o açúcar pertence à série L, e a hidroxila também se encontra no plano superior, a configuração será α. 4. CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS A. SAPONINAS ESTEROIDES NEUTRAS Nas saponinas esteroides, a aglicona é formada por um esqueleto de 27 carbonos dispostos em um sistema tetracíclico. Biogeneticamente, formam-se via pirofosfato de isopentenila, originando o óxido de esqualeno, que cicliza em uma conformação cadeira- barco-cadeira-barco formando o cicloartenol (em algas e plantas verdes) ou o lanosterol (em fungos e organismos não fotossintéticos) após vários rearranjos do tipo 1,2. Nessa rota biogenética, o derivado cicloarteno, depois da clivagem oxidativa de três metilas, forma, entre outros, os esteroides e os cardenolídeos . As saponinas esteroides apresentam duas estruturas básicas comuns: o espirostano e o furostano. B. SAPONINAS ESTEROIDES BÁSICAS As saponinas de caráter básico pertencem ao grupo dos alcaloides esteroides, que são característicos do gênero Solanum (família Solanaceae). Possuem nitrogênio no anel F e são 538 conhecidos dois tipos de estruturas: espirossolano (quando o nitrogênio é secundário) e solanidano (quando o nitrogênio é terciário). Nos compostos com núcleo solanidano, o nitrogênio pertence aos dois anéis E e F, simultaneamente, sendo também conhecidos como indolizidinas. Vários substituintes, em geral hidroxilas, caracterizam os diversos compostos desses dois grupos de esteroides. Os açúcares estão geralmente ligados na hidroxila em C-3, sendo que, naquelas de tipo furostano, também se encontram açúcares em C-26. Às vezes, há ligação dupla entre os carbonos 5 e 6. C. SAPONINAS TRITERPÊNICAS As saponinas mais frequentemente encontradas na natureza possuem 30 átomos de carbonos e núcleo triterpênico. Pode originar os triterpenos tetracíclicos e os triterpenos pentacíclicos (ver Fig. 19.2). Os triterpenos pentacíclicos podem ser divididos em três grupos principais, segundo seu esqueleto: β-amirina, α-amirina e lupeol. As saponinas do tipo β-amirina (conhecidas também como oleananos) apresentam duas metilas em C-20. Aquelas do tipo α-amirina (ou ursanos) apresentam uma metila em C-20 e outra em C- 19. As saponinas do tipo lupeol diferem daquelas citadas anteriormente na estereoquímica entre os anéis D/E, que étrans. Além disso, o quinto anel (E) possui cinco carbonos, não sendo hexagonal como nas outras saponinas triterpênicas. Substituintes no núcleo básico, como hidroxilas, carboxilas e metoxilas, diferenciam os compostos identificados nesse grupo. Os açúcares estão geralmente ligados na hidroxila em C-3 542 (como ligação éter) ou na carboxila em C-28 (como ligação éster). Quando ocorre ligação dupla, ela é, em geral, entre C-12 e C-13, nos grupos de oleananos, de ursanos e do lupeol. Outros tipos de núcleos mais raramente encontrados incluem: friedelano, taraxastano e hopano. Dentre as saponinas tetracíclicas incluem-se aquelas com núcleo damarano, encontradas em Panax ginseng C.A.Mey. e de distribuição mais restrita. 5. OCORRÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO As saponinas esteroides e triterpênicas apresentam uma distribuição diferenciada no reino vegetal. As saponinas esteroides neutras são encontradas quase exclusivamente em monocotiledôneas. Em dicotiledôneas, a ocorrência dessas saponinas é bastante rara. As saponinas esteroides básicas ou alcaloídicas são encontradas principalmente no gênero Solanum, pertencente à família Solanaceae. Já as saponinas triterpênicas encontram-se predominantemente em dicotiledôneas. 6. DETECÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E OBTENÇÃO A detecção de saponinas no vegetal é realizada a partir de suas propriedades químicas e físico-químicas, em especial pela diminuição da tensão superficial e/ou pela ação hemolítica. Esses testes podem ser realizados qualitativa ou quantitativamente. O teste de ação superficial é realizado com o extrato aquoso obtido a partir do decocto do vegetal. Após agitação enérgica do extrato filtrado em tubo de ensaio, a formação de espuma, que não desaparece com a adição de um ácido mineral diluído, indica a presença de saponinas. A ação hemolítica pode ser determinada tanto em tubo de ensaio contendo uma solução tamponada de células sanguíneas quanto em placa cromatográfica, após migração dos diferentes extratos vegetais em teste. No primeiro caso, a presença de solução avermelhada, após centrifugação, caracteriza a liberação de hemoglobina das células. Na cromatografia em camada delgada (CCD), o aparecimento de halos esbranquiçados sobre fundo avermelhado homogêneo caracteriza hemólise. O perfil cromatográfico das saponinas, estabelecido por CCD ou cromatografia a líquido de alta eficiência (CLAE) e ultracromatografia a líquido de alta eficiência (UPLC), pode ser utilizado como um método de identificação de drogas ou extratos vegetais, para análise quantitativa. A utilização de espectrometria de massas acoplada ou não à CLAE é uma ferramenta importante para a identificação das saponinas. Sendo glicosídeos, portanto, substâncias polares, as saponinas são geralmente solúveis em água e pouco solúveis em solventes apolares. O extrato aquoso apresenta como vantagem, além do custo menor, a ausência de lipídeos e clorofila. No entanto, como desvantagens devem ser consideradas as possibilidades de contaminação microbiana (favorecida pela presença de açúcares em meio aquoso), hidrólise (durante o processo extrativo, ou termólise, no caso de extração a quente), bem como a baixa estabilidade desses extratos. Por essas razões, de modo geral, são utilizados álcoois, etanol ou metanol, ou misturas hidroalcoólicas para a extração, por meio de maceração, decocção, percolação ou extração exaustiva sob refluxo. Frequentemente, o extrato hidroalcoólico assim obtido é submetido à purificação, após eliminação do conteúdo alcoólico, por meio da partição com solventes de baixa polaridade (diclorometano ou clorofórmio) para a retirada de compostos apolares, seguida da partição com n-butanol para a eliminação de açúcares livres, aminoácidos e ácidos orgânicos, entre outras substâncias hidrofílicas que ficam na fase aquosa, obtendo-se uma fração purificada de saponinas na fase butanólica. Tradicionalmente, também tem sido usada como técnica de purificação a precipitação fracionada pela adição do extrato concentrado de saponinas a solventes de menor polaridade, como éter etílico ou acetona, provocando sua precipitação por redução da solubilidade. Outros métodos de purificação incluem a complexação com colesterol, a diálise, a cromatografia de troca iônica ou a extração seletiva utilizando a formação de sal, quando na presença de saponinas de reação ácida, bem como os métodos cromatográficos, utilizando resinas sintéticas (Amberlite), gel de sílica ou géis de exclusão molecular, tipo Sephadex. 7. PROPRIEDADES BIOLÓGICAS Atividades hemolítica, ictiotóxica e molusquicida → O comportamento anfifílico das saponinas e a capacidade de formar complexos com esteroides, proteínas e fosfolipídeos de membranas celulares, alterando a sua permeabilidade ou causando sua destruição. Ação hipocolesterolemiante → Aumento da excreção do colesterol, pela formação de complexo com as saponinas administradas por via oral, ou, ainda, pelo aumento da eliminação fecal de ácidos biliares, conduzindo a uma utilização maior do colesterol para a síntese dessas substâncias. Outra proposta de mecanismo leva em consideração também as propriedades irritantes das saponinas. Com a formação de complexos entre as saponinas e o colesterol das membranas das células da mucosa intestinal, ocorreria uma esfoliação, com perda de função e redução da área de absorção. A atividade anti-inflamatória, anti-edematôgenica a partir de diferentes modelos que exploram a ação antiexsudativa e interferência na permeabilidade vascular. Além de atividades antiviral e antitumoral. 8. EMPREGO FARMACÊUTICO Utilizadas como expectorantes e diuréticas. Por outro lado, as saponinas encontram uso crescente na indústria de cosméticos, como tensoativos naturais (p. ex., em produtos de higiene para crianças, loções, xampus e alimentos). Outros empregos farmacêuticos destacados são como adjuvantes para aumentar a absorção de outros medicamentos mediante aumento da solubilidade ou interferência nos mecanismos de absorção e como adjuvante para aumentar a resposta imunológica. A presença de saponinas na erva-mate tem sido associada à inibição da aterosclerose e redução das concentrações séricas de triglicerídeos e de colesterol, mostrando efeitos hipolipidêmicos. Também decorre da presença de saponinas a utilização de seus extratos em produtos como sabões e xampus, alimentos e bebidas. As saponinas são utilizadas industrialmente sobretudo em cosméticos e em produtos alimentícios. Na área farmacêutica, têm sido valorizadas pelas propriedades expectorante e anti-edematôgenica e, ainda, como adjuvantes potentes na produção de vacinas. Destaca-se, ainda, a utilização como matéria-prima para a semissíntese de hormônios esteroides. Algumas plantas medicinais, utilizadas na produção de medicamentos, que se destacam pelo elevado teor de saponinas são: o alcaçuz (Glycyrrhiza glabra L.), a centela (Centella asiática (L.) Urb.), o ginseng (Panax ginseng C.A.Mey.) e a quilaia (Quillaja saponaria Molina).
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