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407.4 – EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS Medicina de Emergência 13ª edição - FMUSP, 2019. Introdução ● Prevalência HAS: 32,5% em adultos; > 50% dos adultos com mais de 60 anos. ● Elevação da PA queixa comum no pronto-socorro – 03 a 25% dos atendimentos (inclui mau controle ambulatorial e emergências). o No Brasil, crises hipertensivas compreendem 0,4-0,6 dos atendimentos, correspondendo a 1,7% das emergências clínicas. ▪ Mais comuns: EAP e AVE. ● Podem ocorrer em pacientes com ou sem diagnóstico prévio de HAS. ● Mais comum em homens, pacientes mal aderentes, obesos e doentes renais crônicos. Conceitos ● Urgência hipertensiva (UH): elevação acentuada da PA sintomática, sem lesão aguda ou disfunção iminente de órgão-alvo. ● Emergência hipertensiva (EH): elevação acentuada da PA (PAS > 180 mmHg e/ou PAD > 120 mmHg), com lesão aguda ou piora de lesão de órgão alvo. ● Algumas diretrizes colocam 110 mmHg como ponto de corte de PAD para definir UH ou EH. ● Ambos os conceitos são um pouco frágeis, uma vez que a minoria dos pacientes com PA > 180/120 mmHg necessita de algum tipo de intervenção médica imediata, e uma vez que pacientes podem apresentar emergências hipertensivas com PA < 180/120 mmHg. Etiologia e fisiopatologia Não está bem elucidada. O início abrupto das crises sugere um mecanismo de gatilho, possivelmente relacionada a vasoconstritores séricos, sobreposto a uma hipertensão preexistente. A elevação abrupta da PA provoca estresse mecânico vascular e lesão do endotélio, que iniciam ativação inflamatória celular, aumento da permeabilidade vascular, ativação da cascata de coagulação e deposição de fibrina, levando à isquemia tecidual. Esse processo libera mediadores inflamatórios e SUBSTÂNCIAS VASOATIVAS, ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), resultando em vasoconstrição, que acaba perpetuando o processo de elevação pressórica. Entre as substâncias vasoativas, libera-se vasopressina, provocando natriurese e podendo resultar em hipovolemia, ampliando a resposta vasoconstritora. Pacientes com EH apresentam uma falha nos mecanismos autorregulatórios e a resposta ao aumento abrupto da PA ocorre através da vasoconstrição arteriolar e arterial, que mantém a pressão de perfusão tecidual constante e protege os órgãos-alvo desse aumento pressórico. Esses pacientes apresentam oclusão vascular e microtromboses evidentes, principalmente em exame de fundo de olho, e necrose fibrinoide de arteríolas. Pacientes com EH apresentam com maior frequência HAS secundária se comparados a outros pacientes hipertensos. Causas comuns de HAS secundária incluem hipertensão renovascular, doença renal crônica, hiperaldosteronismo primário e feocromocitoma. Achados clínicos Os pacientes devem ter sua PA aferida nos dois braços e, eventualmente, nos quatro membros, repetidas vezes, até a estabilização (no mínimo três medidas). Devem rapidamente coletar informações sobre a PA usual do paciente e sobre situações que possam desencadear seu aumento (ansiedade, dor, sal, comorbidades, uso de fármacos anti-hipertensivos – dosagem e adesão) ou que possam aumentar a PA (AINEs, corticoides, simpaticomiméticos, álcool). Uso de drogas ilícitas é um fator de risco para crises hipertensivas, especialmente as adrenérgicas, como a cocaína. No exame neurológico: buscar alteração do nível de consciência (agitação, sonolência), déficit de força ou sensibilidade e rigidez de nuca (indícios de hemorragia subaracnoidea). Devem-se testar os reflexos em mulheres grávidas ou no puerpério (hiperreflexia é um dos sinais de eclâmpsia). Assimetria de pulso ou de PA, assim como um novo sopro aórtico e abdominal, pode indicar dissecção de aorta. Sinais de congestão pulmonar, dispneia e tosse com expectoração rósea podem ser indicativos de EAP. O mais importante na avaliação inicial do paciente com PA elevada é excluir lesão aguda, contínua e de órgão-alvo, o que indicaria um diagnóstico de emergência hipertensiva em vez de hipertensão assintomática grave. ● O exame de fundo de olho ou a ultrassonografia de nervo óptico é essencial nessa avaliação. ● Pode-se, pela fundoscopia, utilizar a classificação de Keith-Wagener-Baker de retinopatia hipertensiva: o Grau 0 – normal. o Grau 1 – estreitamento arterial mínimo. o Grau 2 – estreitamento arterial óbvio com irregularidades focais. o Grau 3 – estreitamento arterial com hemorragias retinianas e/ou exsudato. o Grau 4 – grau 3 acrescido de papiledema. Os achados de retinopatia hipertensiva aguda incluem transudatos periarteriolares, lesões epiteliais pigmentares da retina, edema do disco óptico e macular, exsudatos algodonosos (lesões brancas macias que consistem em axônios isquêmicos edemaciados causados por oclusão de pequenos vasos) e exsudatos duros (depósitos lipídicos retinianos). Quando identificadas, tais anormalidades fundoscópicas são consideradas diagnósticas; no entanto, podem estar ausentes em mais de 30% dos pacientes com uma emergência hipertensiva clinicamente evidente. As alterações agudas podem ser distintas das alterações mais crônicas, que incluem estreitamento arterial, fio de cobre ou prata das arteríolas, estreitamento arteriovenoso e hemorragias retinianas. Situações que devem ser procuradas na história de pacientes com suspeita de EH ou UH: Exames complementares Devem ser solicitado de acordo com a suspeita diagnóstica. No caso de UH, a solicitação de exames não é geralmente indicada, pois aumenta custos, tempo de permanência do paciente no hospital, sem alterar a conduta. São indicados na suspeita de EH: ● Hemograma completo; ● Ureia e creatinina (função renal); ● Eletrólitos; ● EAS (para avaliar proteinúria, leucocitúria e hematúria); ● Marcadores de hemólise: bilirrubina, haptoglobina, LDH, pesquisa de esquizócitos (pacientes com hipertensão maligna-acelerada podem ter hemólise intravascular ou microangiopática). Outros exames, para situações específicas: ● Suspeita de SCA: marcadores de necrose miocárdica. ● EAP/ICC: solicitar BNP ou nT-proBNP. ● Dissecção de aorta: D-dímero. Eletrocardiograma: pacientes com dor torácica e suspeita de EAP. Radiografia de tórax: pacientes com dor torácica, e suspeita de EAP; o alargamento do mediastino pode ser indicativo de dissecção aguda de aorta. Pode mostrar sinais de congestão pulmonar. TC ou RM de crânio: pacientes com sintomas neurológicos e suspeita de AVE. Pode ser normal em AVE isquêmico. Pode mostrar edema cerebral difuso na encefalopatia hipertensiva. TC de tórax: padrão-ouro para diagnóstico de dissecção aguda de aorta. US point of care: faz diagnóstico de hipertensão intracraniana, pode visualizar dissecção de aorta e possibilita avaliação da função cardíaca e de congestão pulmonar. Ecocardiografia transesofágica: investigação de dissecção de aorta. Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial das crises hipertensivas são as pseudocrises hipertensivas, as quais envolvem PA elevada associada a queixas de dor torácica atípica, estresse psicológico agudo e síndrome do pânico, que provavelmente são a etiologia da PA elevada. Devem ser abordadas com repouso, analgésicos ou tranquilizantes e não com agentes anti-hipertensivos. Tratamento Urgências Hipertensivas Quando excluídas lesões de órgãos-alvo,trata-se de uma UH. Verificar se o paciente tem acompanhamento médico e se adere ao tratamento. Terapia anti-hipertensiva no pronto-socorro é proscrita, pois pode levar à isquemia cerebral ou miocárdica ou à injuria renal aguda. Deve-se retomar as medicações de uso ambulatorial, reforçar a importância da aderência, aumentar as doses do medicamento ou adicionar uma nova classe. Pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares iminentes (doenças da aorta ou aneurismas cerebrais) beneficiam-se de uma intervenção. É feito captopril, clonidina ou hidralazina. O objetivo é reduzir a PAS de 20 a 30 mmHg em algumas horas. Emergências Hipertensivas As abordagens são divididas de acordo com o órgão-alvo atingido. HAS ACELERADA-MALIGNA É uma condição que evolui frequentemente para EH, definida por alterações retinianas de graus 3 e 4 (Keith-Wagener). Em pacientes não tratados, a mortalidade pode chegar a 50% em 01 ano e é associada à HAS secundária em mais de 50% dos casos em caucasianos. As manifestações incluem: ● Cefaleia: 85% ● Borramento visual: 55% ● Noctúria 38% ● Astenia 30% ● Alteração da função renal: 30-50% Se o paciente apresenta sintomas neurológicos ou de função renal, deve ser tratado como encefalopatia hipertensiva. Caso não, abordar com clonidina ou captopril. ENCEFALOPATIA HIPERTENSIVA Quando há sinais e sintomas de edema cerebral devido a aumento súbito da PA. O que marca essa condição é melhora significativa do quadro após redução de 10-15% da PAM. Fisiopatologia: mecanismos de regulação (vasoconstrição arterial cerebral) da pressão de perfusão cerebral (PPC) não conseguem se adaptar a aumentos muito significativos da PA, levando à vasodilatação de artérias e arteríolas cerebrais, extravasamento de plasma e edema cerebral difuso. Sinais, sintomas e diagnóstico: cefaleia, náusea, vômitos, confusão mental, convulsões, letargia e coma. Alterações visuais como escotomas visuais e borramento da visão. Ao exame físico, rebaixamento do nível de consciência, papiledema, hemorragia retiniana e exsudatos. Diagnóstico diferencial: é um diagnóstico de exclusão, sendo feito após descarte de outras disfunções do SNC. Necessário exame de imagem para descartar AVE. Tratamento: tem como objetivo a redução de 10-15% da PAM na primeira hora, tendo o cuidado de reduzir no máximo 25% nas primeiras 24 horas. Pode ser usado nitroprussiato de sódio IV, um potente vasodilatador; após melhora, captopril ou anlodipino VO. EDEMA AGUDO DE PULMÃO HIPERTENSIVO Caracterizado por congestão pulmonar universal, hipertensão e IRespA. É a emergência hipertensiva mais comum. O marco do EAP hipertensivo é a alta pós-carga. Fisiopatologia: hipertensão leva ao aumento da pós-carga de VE, que leva à IC com retenção de líquido na circulação pulmonar. A hipertensão não só causa o EAP, como o exacerba. Sinais, sintomas e diagnóstico: dispneia, ortopneia, dispneia paroxística norturna, tosse e fadiga. Ao exame, paciente pode apresentar IRespA, necessitando tratamento imediato, estertores crepitantes universalmente, taquipneia e hipertensão. Podemos identificar B3 ou B4. Radiografia simples de tórax ou US point of care podem auxiliar no diagnóstico, com a presença de linhas B de Kerley difusas. ECG para explorar isquemia miocárdica como causa do EAP. Dosagem de BNP ou nT-proBNP para diagnóstico de ICC. Tratamento: reduzir a PA em 25% nas primeiras horas com nitroprussiato ou nitroglicerina, drogas que irão diminuir a pós-carga, diminuindo o trabalho de VE, aliviando a circulação pulmonar. Além disso, indicada furosemida para a redução da volemia. Em pacientes com IRespA, VNI (além de oxigenar, diminui o retorno venoso, reduzindo pré-carga e otimizando a contratilidade cardíaca). SÍNDROME CORONARIANA AGUDA Tratamento: nitroglicerina, que, através de vasodilatação coronariana, aumenta de fluxo sanguíneo para o miocárdio, controlando dor e ajudando na contratilidade; possui efeito venodilatador, o que reduz a pré-carga e ajuda no manejo da congestão pulmonar e na diminuição de consumo de oxigênio pelo miocárdio. Cautela em infartos de VD. DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA Tratamento: analgesia, com opioides, e diminuição do estresse na parede da aorta através do controle da PA e da FC (< 60 bpm), com betabloqueadores ou BCC, o que diminui a tendência de propagação da dissecção. Tratamento cirúrgico quando necessário. INJÚRIA RENAL AGUDA Hipertensão não controlada pode levar à lesão aguda dos rins, caracterizada por hematúria e elevação da creatinina. A lesão glomerular pode levar à sua isquemia, ativando o SRAA, piorando a hipertensão. O controle agressivo da PA leva à piora da função renal devido à diminuição da perfusão renal, pois a autorregulação renal está ajustada para altos níveis pressóricos. A solução é um controle da PA de longo prazo com IECA, ambulatorialmente. CRISE ADRENÉRGICA Ativação excessiva do sistema adrenérgico, levando à taquicardia, hipertensão ou outros sintomas. Pode ser causada pelo uso de cocaína, anfetaminas e inibidores da MAO, pela interrupção do uso de clonidina, por feocromocitoma, síndrome de Guillain-Barré e em lesões na medula espinal. Fisiopatolgia: ativação do sistema adrenérgico leva ao aumento da resistência vascular periférica devido à vasoconstrição e a um aumento da frequência cardíaca. Esses dois efeitos podem elevar severamente a PA, lesando órgãos-alvo. FEOCROMOCITOMA Tumor neuroendócrino produtor de catecolaminas, manifesta-se mais comumente com hipertensão, palpitações e sudorese. A elevação da PA pela descarga adrenérgica pode levar a UH e EH, devendo ter o mesmo manejo de um paciente sem feocromocitoma. A particularidade é a possibilidade de um duplo bloqueio (alfabloqueador + betabloqueador) em pacientes com programação cirúrgica de retirada do tumor. INTERRUPÇÃO DE CLONIDINA Pode levar a sintomas semelhantes aos do feocromocitoma. Tratamento envolve retorno do uso da medicação. USO DE COCAÍNA Contraindicação do uso de betabloqueadores, pois pode levar a maior ativação alfa-adrenérgica, com piora da hipertensão e da lesão de órgão-alvo. DISFUNÇÃO AUTONÔMICA Pode ocorrer em situações como síndrome de Guillain-Barré, lesão de medula espinhal e síndrome de atrofia multissistêmica. Preferência de tratamento com uso de medicações de meia-vida curta, como o nitroprussiato e labetalol, pois a disfunção autonômica pode levar à grandes flutuações da PA. ECLÂMPSIA/PRÉ-ECLÂMPSIA Pré-eclâmpsia é a ocorrência de hipertensão e proteinúria ou lesão de órgão-alvo em gestantes com mais de 20 semanas. Eclâmpsia é a ocorrência de convulsão em gestantes com pré-eclâmpsia, sem causa ou condição neurológica predisponente. Pré-eclâmpsia grave é caracterizada como PA > 160/110 mmHg ou PA > 140/90 mmHg com alteração do nível de consciência, cefaleia intensa, alterações visuais ou lesão de órgão-alvo. A pré-eclâmpsia grave e a eclâmpsia são EH, devendo ser tratadas rápida e agressivamente. Se possível, realizar parto com urgência. O manejo da PA pode feito com labetalol ou hidralazina (importante ressaltar que o controle da PA não previne a ocorrência de eclâmpsia). Profilaxia de crises convulsivasou tratamento de eclâmpsia: sulfato de magnésio IV. Indicações de internação, terapia intensiva e seguimento Todos os pacientes com EH têm indicação de internação e, na maioria dos casos, manejo em UTI. O seguimento ambulatorial deve ser rápido em pacientes com UH e EH, pois apresentam alto índice de complicações em curto e médio prazo.
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