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Crises Hipertensivas


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Os termos urgências hipertensivas (UH) e emergências 
hipertensivas (EH) servem para classificação funcional das crises 
hipertensivas. Consideramos UH quando há elevação acentuada da 
PA sintomática, sem lesão aguda ou disfunção iminente de órgão-
alvo (paciente estável). Em contraste, as EH tipicamente têm 
elevação acentuada da PA (PA sistólica [PAS] > 180 mmHg e PA 
diastólica [PAD] > 120 mmHg), com lesão aguda ou piora de lesão 
crônica de órgão-alvo (paciente instável). 
 
As crises hipertensivas podem ocorrer em pacientes com e sem 
diagnóstico prévio de HAS, sendo mais comuns em homens, em 
pacientes mal aderentes, obesos e com doença renal crônica. Além 
disso, há maior incidência com o aumento da idade. 
 
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA 
A fisiopatologia da crise hipertensiva ainda não está bem elucidada. 
O início abrupto sugere um mecanismo de gatilho, possivelmente 
relacionado a vasoconstritores séricos, sobreposto a hipertensão 
preexistente. A elevação abrupta da PA provoca estresse mecânico 
vascular e lesão do endotélio. Estes, por sua vez, iniciam ativação 
inflamatória celular, aumento da permeabilidade vascular e ativação 
da cascata de coagulação e deposição de fibrina, levando à isquemia 
tecidual. Esse processo libera mediadores inflamatórios e 
substâncias vasoativas e ativa o sistema renina-angiotensina-
aldosterona, resultando em vasoconstrição, que acaba perpetuando o 
processo de elevação pressórica. Entre as substâncias vasoativas, 
ocorre liberação de vasopressina, provocando natriurese e podendo 
resultar em hipovolemia, ampliando, então, a resposta 
vasoconstritora. A vasoconstrição inicial também pode ser provocada 
por excesso de sódio e por excesso de catecolaminas (como em uma 
crise adrenérgica por feocromocitoma). Pacientes com EH 
apresentam uma falha nos mecanismos autorregulatórios e a 
resposta ao aumento abrupto da pressão arterial ocorre através da 
vasoconstrição arteriolar e arterial, que mantém a pressão de 
perfusão tecidual constante e protege os órgãos-alvo desse aumento 
pressórico. Esses pacientes apresentam oclusão vascular e 
microtromboses evidentes, principalmente em exame de fundo de 
olho, e necrose fibrinoide em arteríolas. 
 
Atenção! Pacientes com EH apresentam com maior frequência HAS 
secundária se comparados a outros pacientes hipertensos. Causas 
comuns de HAS secundária incluem hipertensão renovascular, 
doença renal crônica, hiperaldosteronismo primário e 
feocromocitoma. 
 
 
ACHADOS CLÍNICOS 
Os pacientes com uma emergência hipertensiva devem ter sua 
pressão arterial aferida nos dois braços e eventualmente nos quatro 
membros, de preferência em um ambiente calmo e repetidas vezes, 
até a estabilização (no mínimo três medidas). Deve -se rapidamente 
coletar informações sobre a PA usual do paciente e sobre situações 
que possam desencadear o seu aumento (ansiedade, dor, sal, 
comorbidades, uso de fármacos anti-hipertensivos – dosagem e 
adesão) ou que possam aumentar a PA (anti-inflamatórios, 
corticoides, simpaticomiméticos, álcool). O uso de drogas ilícitas é 
um fator de risco para crises hipertensivas, devendo ser questionado 
ativamente, principalmente no tocante ao uso de drogas 
adrenérgicas, como a cocaína. 
No exame neurológico, devem-se buscar alterações do nível de 
consciência, como agitação e sonolência, déficit de força ou 
sensibilidade e rigidez de nuca, que pode ser um indicativo de 
hemorragia subaracnóidea. 
Achados sugestivos de patologias: 
• dissecção de aorta: assimetria de pulso / PA + novo sopro 
aórtico e abdominal + dor lombar 
• edema pulmonar / IC: dispneia + tosse com expectoração 
rósea 
• IAM: dor torácica 
• encefalopatia hipertensiva: tontura / alterações de 
consciência 
• acometimento renovascular: edema, oligúria súbita 
Na avaliação inicial do paciente com pressão arterial elevada, o mais 
importante é excluir lesão aguda e contínua de órgão-alvo, o que 
indicaria um diagnóstico de emergência hipertensiva em vez de 
hipertensão assintomática grave. 
Retinopatia hipertensiva aguda: transudatos periarteriolares, lesões 
epiteliais pigmentares da retina, edema do disco óptico e macular, 
exsudatos algodonosos (lesões brancas macias que consistem em 
axônios isquêmicos edemaciados causados por oclusão de pequenos 
vasos) e exsudatos duros (depósitos lipídicos retinianos). 
→ as lesões da retinopatia aguda são distintas das alterações 
mais crônicas, que incluem estreitamento arterial, fio de 
cobre ou prata das arteríolas, estreitamento arteriovenoso 
e hemorragias retinianas. 
 
 
 
 
 
URGÊNCIA E EMERGÊNCIA 
emergências hipertensivas 
data: 13 / 10 / 21 
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DIAGNÓSTICO 
Os exames complementares devem ser solicitados de acordo com a 
suspeita diagnóstica. No caso de UH, a solicitação de exames 
complementares não é geralmente indicada, pois aumentam 
desnecessariamente os custos e o tempo de permanência do 
paciente no hospital, sem alterar a conduta. 
 
exames para emergência hipertensiva 
• hemograma completo 
• ureia e creatinina para avaliação de função renal 
• eletrólitos (sódio, potássio, magnésio) 
• sedimento urinário (proteinúria, leucocitúria e hematúria) 
• RX de tórax 
• ECG 
• glicemia 
• marcadores de hemólise: bilirrubina, heptoglobina, LDH, 
pesquisa de esquizócitos 
 
Situações clínicas específicas: 
• suspeita de síndrome coronariana aguda: solicitar 
marcadores de necrose miocárdica. 
• edema agudo de pulmão: solicitar BNP ou nT-pro-BNP. 
• dissecção de aorta: considerar realizar dosagem do D-
dímero. 
 
EXAMES DE IMAGEM: 
Os exames de imagem são úteis e devem ser direcionados para a 
suspeita diagnóstica. 
Eletrocardiograma: deve ser solicitado em paciente com dor torácica 
e suspeita de edema agudo de pulmão. Pode apresentar alterações 
do segmento ST ou sinais de sobrecarga ventricular. 
Radiografia de tórax: deve ser solicitada em paciente com dor 
torácica e suspeita de edema agudo de pulmão - o alargamento de 
mediastino pode ser indicativo de dissecção aguda de aorta. Também 
pode mostrar sinais de congestão pulmonar. 
Tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) de 
crânio: deve ser solicitada em paciente com sintomas neurológicos e 
suspeita de acidente vascular encefálico (AVE). Pode ser normal em 
AVE isquêmico ou indicar sangue em AVE hemorrágico e hemorragia 
subaracnóidea. Também pode mostrar edema cerebral difuso na 
encefalopatia hipertensiva. 
Angiotomografia de aorta: é o padrão-ouro para diagnóstico de 
dissecção aguda de aorta. 
US point of care: faz o diagnóstico de hipertensão intracraniana, pode 
visualizar dissecção de aorta e possibilita avaliação da função 
cardíaca e de congestão pulmonar. 
Ecocardiografia transesofágico: pode ajudar na investigação de 
dissecção de aorta. 
 
diagnóstico diferencial 
O principal diagnóstico diferencial das crises hipertensivas são as 
chamadas pseudocrises hipertensivas, em que pacientes 
apresentam achados de níveis pressóricos elevados associados a 
queixas de dor torácica atípica, estresse psicológico agudo e 
síndrome de pânico, que possivelmente são a etiologia da elevação de 
níveis pressóricos. Pacientes com pseudocrise hipertensiva devem 
ser tratados com repouso, analgésicos ou tranquilizantes e não com 
agentes anti-hipertensivos. 
 
TRATAMENTO 
 
urgências hipertensivas 
Quando são excluídas lesões de órgãos-alvo, trata-se de uma UH. 
Inicialmente, deve-se checar se o paciente tem acompanhamento 
médico e verificar sua adesão ao tratamento. Na maioria dos 
pacientes, não é necessário controle da PA no pronto-socorro. Pelo 
contrário, uma terapia anti-hipertensiva rápida e agressiva pode levar 
à isquemia cerebral ou miocárdica ou à injúria renal aguda, caso os 
níveis pressóricos caiam abaixo do limite da autorregulação da 
perfusão desses órgãos. 
Em pacientes com diagnóstico prévio e tratamento de hipertensão, 
devem-se retomar as medicações de uso ambulatorial e reforçar a 
importânciada adesão a medicamentos e dietética, além de, se 
necessário, aumentar a dose das medicações ou adicionar uma nova 
classe. Em pacientes sem diagnóstico prévio, pode-se iniciar o 
tratamento no DE, devendo-se encaminhá-los para o 
acompanhamento ambulatorial. 
 
Quando deve-se reduzir a PA de pacientes em UH? Pacientes com 
alto risco de eventos cardiovasculares iminentes, como aqueles com 
doenças da aorta ou aneurismas cerebrais. Nessa situação, deve-se 
utilizar medicamentos por via oral e com meia-vida curta (captopril 
6,25 - 15,5mg / clonidina 0,2 mg / hidralazina 12,5 - 25mg), com o 
objetivo de redução de 20 - 30 mmHg na pressão sistólica em 
algumas horas. 
 
Atenção! Todos os pacientes em UH devem ter retorno precoce, de 
modo que suas medicações possam ser ajustadas com um objetivo 
de PA menor que 160 × 100 mmHg. Além disso, devem ser 
encaminhados para acompanhamento ambulatorial ou reavaliação 
ambulatorial precoce. 
 
emergências hipertensivas 
As emergências hipertensivas são divididas conforme o órgão-alvo 
atingido. 
Objetivo: reduzir a pressão em aproximadamente 25% da PAM ou da 
PAD em torno de 100 a 110 mmHg em alguns minutos a 1 hora 
→ sempre importante medir a PA em intervalos a cada 5 a 10 
minutos 
Medicamento utilizado: anti-hipertensivos parenterais - rapidez na 
resposta clínica e facilidade na titulação de acordo com a resposta 
terapêutica 
• 1ª linha: nitroprussiato de sódio (0,25 - 10 mg/kg/min) 
→ exceção: dissecção aórtica - o nitroprussiato de 
sódio pode levar a taquicardia rebote que, nesses 
casos, poderia romper a aorta e levar a morte 
súbita. Nesses paciente é feito beta-bloqueador 
IV (metoprolol) controlar a FC e quando estiver 
entre 60 a 70 bpm pode ser feito o 
nitroprussiato. 
 
Atenção! A redução rápida da PA para níveis normais pode ocasionar 
isquemia de órgãos lesados (exceção: dissecção de aorta - requer 
redução da PAS para 110 mmHg em 5 - 10 min) 
 
ENCEFALOPATIA HIPERTENSIVA: 
Encefalopatia hipertensiva é o termo utilizado quando temos sinais e 
sintomas de edema cerebral devido a aumento súbito ou elevações 
súbitas da PA. 
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Fisiopatologia: o cérebro tem um mecanismo de autorregulação para 
garantir uma pressão de perfusão cerebral (PPC) adequada. Com 
elevações leves a moderadas na PA, o mecanismo autorregulador 
leva a uma vasoconstrição arterial e arteriolar para manter uma PPC 
adequada. Em um paciente normotenso, esse mecanismo pode 
chegar ao seu limite com moderadas a grandes elevações da PA, 
enquanto em pacientes hipertensos mal controlados, o mecanismo 
está adaptado a regimes de altas pressões, necessitando de 
elevações maiores na PA para chegar ao limiar. Quando a PA 
ultrapassa o limiar do mecanismo descrito, temos lesão endotelial, 
que leva a vasodilatação e a extravasamento de plasma, 
consequentemente resultando em edema cerebral. 
Quadro clínico: cefaleia, tonturas, distúrbios visuais como escotomas, 
convulsões, coma, náuseas e vômitos, confusão mental, sinais 
neurológicos localizatório (babinski bilateral), papiledema 
Diagnóstico: o diagnóstico é de exclusão, ou seja, outras causas de 
alterações neurológicas devem ser descartadas. Os exames de 
imagem do sistema nervoso central podem apresentar achados 
indiretos, como edema cerebral difuso e edema da substância branca 
na região parietooccipital (leucoencefalopatia posterior), mais bem 
visualizado em ressonância magnética, cujo achado é indicativo de 
encefalopatia hipertensiva. Além disso, devem-se descartar causas 
metabólicas e infecciosas para as alterações neurológicas, seja por 
história e exame físico, seja por exames complementares. 
Tratamento: o objetivo do tratamento é a redução de 10 a 15% da PAM 
na primeira hora, tendo o cuidado de reduzir no máximo 25% nas 
primeiras 24 horas. Para atingir esse objetivo, pode-se fazer uso de 
nitroprussiato de sódio endovenoso em infusão contínua. Em caso de 
crises convulsivas, o manejo habitual deve ser feito com 
benzodiazepínicos para abortá-las; em caso de crises recorrentes, 
deve-se optar pela fenitoína. 
CRISES ADRENÉRGICAS: 
Fisiopatologia: aumento súbito do tônus adrenérgico provocado por: 
(1) parada no tratamento com clonidina / (2) feocromocitoma / (3) 
efeito simpaticomimético de drogas como anfetaminas e ácido 
lisérgico. 
Quadro clínico: hipertensão, taquicardia e sudorese profusa (vários 
episódios) 
 
EDEMA AGUDO DE PULMÃO HIPERTENSIVO: 
Edema agudo de pulmão (EAP) hipertensivo é caracterizado por 
congestão pulmonar, hipertensão e insuficiência respiratória aguda. 
Fisiopatologia: a hipertensão leva a um aumento da pós-carga do 
ventrículo esquerdo, que, em um coração com a função diastólica ou 
sistólica alterada, leva a uma insuficiência cardíaca com retenção de 
líquido na circulação pulmonar. Além disso, a sobrecarga de volume 
pode piorar esse quadro, assim como a isquemia miocárdica e 
doenças valvares. 
→ a hipertensão pode ser a causa do EAP e pode ser um fator 
que exacerba a congestão pulmonar. 
Quadro clínico: dispneia, intolerância aos esforços, ortopneia, 
dispneia paroxística noturna, tosse e fadiga. Ao exame, o paciente 
pode se apresentar em insuficiência respiratória aguda, necessitando 
de tratamento imediato, estertores crepitantes em todos os campos 
pulmonares, taquipneia e hipertensão. Podemos identificar também 
ritmo de galope, com a presença de B3 ou B4. 
Diagnóstico: uma radiografia de tórax pode confirmar a presença de 
congestão pulmonar. Um eletrocardiograma deve ser obtido, pois a 
isquemia miocárdica pode ser a causa do EAP. A dosagem de BNP 
pode auxiliar no diagnóstico. 
 
Atenção! O diagnóstico é clínico, não se devendo aguardar exames de 
imagem para iniciar o tratamento. 
 
Tratamento: deve-se tratar a PA com o objetivo de reduzi-la em 25% 
nas primeiras horas. Para isso, podemos utilizar o nitroprussiato ou 
a nitroglicerina – ambas as drogas levam à diminuição da pós-carga, 
reduzindo o trabalho do ventrículo esquerdo, e à diminuição da PA. 
Além disso, é indicada a utilização de diurético de alça (furosemida) 
para a redução da volemia, o que leva à melhora da congestão. Em 
pacientes em insuficiência respiratória, o uso de ventilação não 
invasiva (VNI) é benéfico, com redução de mortalidade e de 
necessidade de intubação. 
 
 
CONTEÚDO: 
 anotações da aula Emergência Hipertensiva e Edema Agudo de 
Pulmão disponibilizada pela disciplina, ministrada por Michele 
Palmeira 
 Medicina de Emergência USP – 14ª edição