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1 CAMPUS SANTANA DO LIVRAMENTO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Economia Monetária Aula XI, XII Demanda por Moeda e Política Monetária Cap. 3 e 4: CARVALHO ET AL. Prof.: Pierre Joseph NELCIDE 2 Conteúdo do capítulo: Cap. 3: A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA Introdução Teoria quantitativa: versão de transações de fisher; A teoria quantitativa na versão dos saldos monetários de cambridge; A teoria quantitativa da moeda e seus postulados básicos; Wicksell e o processo cumulativo; Era wicksell um quantitativista? Cap. 4: A DEMANDA POR MOEDA, A ESCOLHA DE ATIVOS E A PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ EM KEYNES Introdução; Economia monetária de Keynes; Demanda por moeda e preferência pela liquidez; Resumo. 3 INTRODUÇÃO Este capítulo analisa as teorias de demanda por moeda em sua versão clássica, mais conhecida como teoria quantitativa da moeda. Em realidade, tal teoria já havia sido formulada por vários autores no decorrer dos séculos XVIII e XIX, e esteve por detrás de vários debates ocorridos na Inglaterra, como, por exemplo, na famosa controvérsia bullionista que envolveu o Relatório da Comissão do Ouro em 1810. Contudo, foi na elaboração do economista americano Irving Fisher, em 1911, através das equações de troca, que 4 a teoria quantitativa ficou conhecida e popularizada. Este capítulo analisa ainda os desenvolvimentos teóricos realizados pelo economista sueco Knut Wicksell (1851- 1926), que desenvolveu uma teoria monetária, ainda que dentro da tradição da teoria quantitativa clássica, mas mais sofisticada do que esta. Wicksell realizou uma análise das operações de uma economia dotada de um sistema bancário, em que os bancos tinham um papel importante no processo cumulativo que ele viria a desenvolver. Em particular, identificou na taxa de juros o elo entre o setor real e o setor monetário na economia. 5 TEORIA QUANTITATIVA: VERSÃO DE TRANSAÇÕES DE FISHER A teoria quantitativa da moeda (TQM) estabelece que os preços variam diretamente com a quantidade de moeda em circulação, considerando que a velocidade de circulação da moeda e o volume de transações com bens e serviços não se alteram. Outra forma de expressar a TQM é dizer que uma mudança no estoque de moeda, num certo período de tempo, não tem efeito permanente sobre as variáveis reais, mas resulta em uma mudança proporcional nos preços dos bens e serviços. 6 Ou seja, o valor da moeda ou poder de compra varia inversamente com o nível de preços, pois quanto mais baixos (ou altos) forem os preços dos bens e serviços, maiores (menores) as quantidades que podem ser compradas por uma dada quantia de moeda e, portanto, mais alto (baixo) o poder de compra da moeda. A TQM veio sendo desenvolvida desde o século XVIII, mas sua versão mais famosa foi a versão de transações formulada inicialmente por Simon Newcomb, em 1885, e popularizada por Irving Fisher, em seu famoso livro de 1911, The Purchasing Power of Money. 7 Seu ponto de partida é estabelecer a identidade entre o total de pagamentos em moeda e o total de bens e serviços transacionados. Parte-se, portanto, de que, em cada ato de compra e venda de bens e serviços, os pagamentos em moeda e o valor dos bens e serviços trocados são idênticos. Assim, o total de moeda paga nas transações é igual ao valor total dos bens e serviços comprados. O evento elementar é uma transação, uma troca em que um agente econômico transfere bens e/ou serviços para outro agente e recebe uma transferência de moeda em troca. A equação de troca é uma relação, na forma matemática, do total de transações efetivadas em um 8 certo período, sendo obtida somando as equações envolvidas em todas as trocas individuais no período. Assim temos que: 𝑀𝑉 = 𝑃𝑇 (1) 𝑀𝑉 + 𝑀′𝑉′ = 𝑃𝑇 (2) em que M = quantidade de moeda em circulação; V = velocidade de circulação da moeda; M’ = total de depósitos sujeitos a transferência de cheque; V’ = velocidade de circulação correspondente a M’; P = preços correspondentes dos bens e serviços; T = quantidade de transações físicas de bens e serviços. O lado direito da equação, correspondente aos bens e serviços transacionados, é composto pelas quantidades de transações de bens e serviços trocados multiplicado pelos seus 9 respectivos preços, num determinado período de tempo. O lado esquerdo, correspondente ao total de moeda utilizada para pagamentos durante um certo intervalo de tempo, é composto pela quantidade de moeda multiplicada por sua velocidade de circulação. A equação de troca representa, portanto, uma aplicação da contabilidade de partidas dobradas, em que cada transação é registrada simultaneamente em ambos os lados da equação. Segundo Fisher, a inclusão de depósitos bancários, que ele denominou de crédito circulante, na equação de troca, tal como 10 na equação 2, não perturba a relação quantitativa entre moeda e preços, na medida em que a quantidade de depósitos ou crédito em circulação M’ tende a manter uma relação definida com M, a quantidade de moeda em circulação. Em outras palavras, os depósitos são normalmente mais ou menos um múltiplo definido da moeda. Uma versão modificada da equação de trocas foi formulada posteriormente, em que, para lidar com problemas conceituais e estatísticos envolvidos na determinação do nível de preços e das quantidades transacionadas, substitui-se o volume total de transações reais na economia com bens finais pelo Produto Interno Bruto (PIB). Assim: 11 𝑀𝑉 = 𝑃𝑦 (3) 𝑀𝑉 = 𝑃𝑇 em que M = oferta de moeda; V = velocidade renda da moeda; y = PIB real; P = nível de preços. Na TQM, de forma geral, a moeda é tratada como um estoque e não como um fluxo. A velocidade de circulação ou a rapidez de giro (turnover) da moeda representa a taxa de utilização da moeda, ou seja, o quão rápido ou quantas vezes a moeda muda de mãos durante um período de tempo nas transações realizadas. 12 Instituições e hábitos determinam a velocidade agregada, cuja magnitude é fixada pelas taxas de velocidade de circulação dos retentores individuais de moeda. Ela pode ser calculada pelo quociente obtido pela divisão do total de pagamentos de bens em moeda no curso de um período (um ano) pela quantia média de moeda em circulação através do qual estes pagamentos são efetuados: 𝑉 = 𝑃𝑇 𝑀 Ou 𝑉 = 𝑃𝑦 𝑀 (4) Os preços devem, como um todo, variar proporcionalmente com a quantidade de 13 moeda (M) e com a velocidade de circulação (V) e inversamente com as quantidades de bens trocados. 𝑃 = 𝑀𝑉 𝑦 = 𝑇 Ao se dobrar a velocidade de circulação da moeda, o mesmo ocorrerá com o nível de preços, caso a quantidade de moeda em circulação e a quantidade de bens trocados por moeda permaneçam constantes. Ao se dobrar a quantidade de bens trocados, o nível de preços cairá pela metade, se a quantidade de moeda e sua velocidade de circulação permanecerem as mesmas. 14 Caso haja uma mudança simultânea em duas ou todas as três variáveis, quantidade de moeda, velocidade de circulação e quantidade de bens transacionados, o nível de preços resultará dessas três influências. Ex: a quantidade de moeda é duplicada, e sua velocidade de circulação diminui à metade, enquanto a quantidade de bens transacionados permanece constante, o nível de preços não se alterará. 𝑃 = 𝑀𝑉 𝑦 = 𝑇 A equação de trocas mostra que umaumento em uma das variáveis de um lado da equação requer, de modo a 15 preservar a igualdade, um aumento proporcional no outro lado. A TQM considera que, no equilíbrio de longo prazo, o volume dos bens transacionados é determinado ao nível de sua plena capacidade por forças reais, incluindo a qualidade e quantidade da força de trabalho, a magnitude do estoque de capital e o nível de tecnologia. A Lei de Say, que estabelece que “a oferta cria sua própria procura”, e que portanto toda produção gera o seu poder de compra correspondente, assegura que o produto y estará no nível de pleno emprego a longo prazo. Assim, salvo em períodos de transição, quando todas as variáveis da equação de trocas podem interagir, as forças reais e o nível de 16 negócios são independentes das outras variáveis da equação. A velocidade da moeda é considerada uma variável estável, que muda vagarosamente (lentamente) no tempo, dependente que é de fatores institucionais, como frequência, regularidade e correspondência entre recebimentos e gastos. 𝑃𝑦 = 𝑀𝑉 Deste modo, tal como o volume de negócios, ela (A velocidade da moeda) é independente das outras variáveis da equação de troca. Daí segue-se que as mudanças de equilíbrio no nível de preços ocorrem devido a mudanças no estoque de moeda. O nível de preços P, 17 portanto, é considerado uma variável passiva determinada pela oferta de moeda. Em síntese, a teoria quantitativa diz que, uma vez que a velocidade de circulação e o volume de comércio sejam constantes, um aumento na quantidade de moeda em circulação faz com que os preços aumentem na mesma proporção. A TQM se apoia, portanto, na ideia fundamental de que a moeda não tem nenhum poder de satisfazer os desejos humanos, exceto o poder de comprar bens e serviços. A moeda é apenas um meio de troca usado como ponte do hiato entre recebimentos e gastos dos agentes. 18 A TEORIA QUANTITATIVA NA VERSÃO DOS SALDOS MONETÁRIOS DE CAMBRIDGE O aspecto principal da moeda enfatizado na abordagem de transações é que, para um ato de venda poder ser separado de um ato de compra, é preciso haver alguma coisa que sirva como moeda, que todos os agentes aceitem como poder de compra geral. Na abordagem dos saldos monetários (“cash-balance”), por outro lado, a moeda serve como uma residência temporária para o poder de compra, no intervalo de tempo entre a venda e compra de mercadorias. 19 Para qualquer agente individual, seja um consumidor ou uma empresa, pagamentos e recebimentos não têm por que se dar nas mesmas datas. Isto torna necessária a existência de um objeto que cada um de nós possa usar para transportar poder de compra da data em que o recebemos (Ex: quando vendemos alguma coisa) para aquela em que o gastaremos (na compra de bens e serviços, ou de ativos financeiros, ou de pagamento de impostos etc.). A moeda é exatamente este veículo na abordagem dos saldos monetários da TQM. Pergunta: Quanta moeda as pessoas ou empresas irão querer reter em média, como uma residência temporária do poder de compra? 20 Como uma primeira aproximação, supõe- se normalmente que a quantidade retida de moeda deva ter alguma relação com a renda, no pressuposto de que a renda afeta o volume de compras potenciais em razão das quais o indivíduo ou a empresa desejam reter saldos de caixa. Assim: 𝑃𝑦 = 𝑀𝑉 (3) 𝑀𝑉 = 𝑃𝑦 (4) 𝑀 = 𝑃𝑦 ∗ 1 𝑉 𝑀 = 𝑘𝑃𝑦 (5) em que k = razão do estoque de moeda em relação à renda nominal (𝑘 = 1 𝑉 , 0 ≤ 𝑘 ≤ 1) M = quantia desejada de moeda. 21 A variável k é conhecida como constante marshalliana (a proporção da renda nominal que os indivíduos desejam reter sob a forma de moeda) e é numericamente igual ao inverso de V. A equação 5 é na realidade derivada da equação 3. Note-se que, em qualquer das equações 3, 4 ou 5, M representa um estoque de moeda (medido, por Ex., em reais) e Py um fluxo (reais por unidade de tempo). Segundo Friedman, a equação 5 pode ser considerada como uma função demanda por moeda, com P e y do lado direito sendo duas das variáveis de que a quantidade de moeda demandada depende e k simbolizando todas as outras variáveis. 22 𝑀 = 𝑘𝑃𝑦 A versão de Cambridge expressa a demanda por moeda como uma proporção k do nível de renda. A relação proporcional entre moeda e preços depende da estabilidade da velocidade de Circulação ou k. Como a oferta de moeda (MS) é considerada exógena pela TQM, para que haja equilíbrio no mercado de moeda, a quantidade ofertada deve ser igual à quantidade demandada: 𝑀 = 𝑀𝑠 = 𝑀𝑑 23 Como visto, uma das diferenças entre a versão de transações e a abordagem dos saldos monetários refere-se a ênfases distintas na definição da moeda. Tal diferença, contudo, é mais metodológica do que de resultados, pois a versão de Cambridge parte também da Lei de Say, argumentando que y deverá estar no nível de pleno emprego a longo prazo e que k é estável e independente da oferta de moeda. Como k permanece constante, tal versão resulta na mesma relação proporcional entre oferta de moeda e nível de preços, uma vez que mudanças na oferta de moeda causam mudanças diretas nas decisões de gasto dos agentes. 24 Assim, a oferta de moeda deveria crescer de modo suave ao longo do tempo, para satisfazer as necessidades básicas da economia representada pelo crescimento da renda real. Qualquer aumento maior no estoque de moeda do que aquele determinado pelo crescimento da renda real acarretaria um aumento correspondente no nível de preços. Pela teoria quantitativa, o único motivo para uma economia experimentar inflação ou deflação resulta de desvios na oferta de moeda de seu nível de equilíbrio de longo prazo. Eis é a razão pela qual se pode interpretar a TQM como uma teoria da inflação, em que a taxa de crescimento de preços é determinada pela expansão dos 25 meios de pagamento acima do crescimento do produto real. A taxa de inflação pode ser obtida pela diferença entre a taxa de expansão monetária e a taxa de crescimento do produto real. A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA E SEUS POSTULADOS BÁSICOS Os principais postulados que estão implícitos na teoria quantitativa da moeda são: Equiproporcionalidade entre moeda e preços; 26 Causalidade da moeda para preços; Não neutralidade de curto prazo e neutralidade da moeda no longo prazo; Independência entre oferta e demanda por moeda; Dicotomia preços relativos / preços absolutos. Equiproporcionalidade entre moeda e preços A proposição básica da TQM é que “uma mudança na quantidade de moeda normalmente causa uma mudança proporcional no nível de preços”, pois como visto, o volume de bens transacionados e a velocidade de circulação da moeda são independentes do estoque de moeda no longo prazo. 27 Ex: A oferta de moeda aumenta 10%, o nível de preços aumentará também em 10%, porque V e y são independentes da oferta de moeda no longo prazo e permanecerão constantes. A proporcionalidade entre moeda e preços se assenta na proposição de que o comércio e a velocidade são mantidos fixos. A proporcionalidade refere-se mais propriamente ao efeito da moeda sobre preços. 28 Causalidade da moeda para preços A causalidade da moeda para preços é assegurada à medida que nenhuma das variáveis da equação de trocas, V e y, pode absorver permanentemente o impacto da mudança em M. A variação da oferta de moeda transmite seu efeito completo aos preços através deum mecanismo de ajustamento como o discutido na seção anterior: em um esforço para restaurar a velocidade da moeda ao seu nível desejado, os possuidores de moeda aumentarão sua taxa de gasto; o gasto aumentado exercerá, posto que o produto é fixado em seu nível de plena capacidade, uma pressão para cima dos preços. 29 Não neutralidade de curto prazo e neutralidade da moeda no longo prazo Para a TQM, um aumento na oferta de moeda não pode aumentar de forma permanente o nível de produto, já que este depende da disponibilidade dos fatores de produção. Assim, a independência entre o nível de produto e a quantidade de moeda significa que a moeda não pode influenciar de forma permanente a atividade real. Independência entre oferta e demanda por moeda na versão Fisher Para economias operando no padrão- ouro, tal como era o caso da Inglaterra 30 na ocasião em que a TQM foi elaborada por Fisher e outros, o estoque de moeda em uma economia aberta é determinado exogenamente por um dado estado do balanço de pagamentos, resultante de um certo nível de preços externos em relação ao doméstico. Por isso, a oferta é considerada independente da demanda por moeda. Dicotomia preços relativos/preços absolutos Esta dicotomia está vinculada ao fato de que se atribuía a variações nos preços relativos mudanças nas variáveis reais (PIB, emprego etc) enquanto que os 31 movimentos nos preços absolutos eram atribuídos a causas monetárias. As mudanças no nível de preços não podem ser causadas por alterações nos custos de produção, como em caso de forte militância sindical, de poder de monopólio das firmas, de escassez de mercadorias etc. Tais forças afetam preços relativos, mas não preços absolutos. Em outras palavras, dado o estoque de moeda, a velocidade da moeda e o nível de troca de bens, as mudanças induzidas por um choque real em preços relativos produzem mudanças compensatórias em outros, deixando o nível de preços absolutos inalterado. 32 WICKSELL E O PROCESSO CUMULATIVO O processo cumulativo de Wicksell considera tanto o mecanismo direto de transmissão monetária quanto o indireto, o que lhe permitiu uma apresentação da teoria quantitativa da moeda de forma mais refinada do que aquela desenvolvida por seus contemporâneos. Mecanismo direto: efeito do aumento da oferta de moeda diretamente sobre a demanda por bens. Este mecanismo será suposto funcionar do seguinte modo: vamos assumir que consumidores e empresas, ao decidir a quantidade de moeda que desejam reter, 33 levem em conta apenas o seu valor real, isto é, apenas o poder de compra efetivo representado por uma dada quantia de dinheiro. Quando a oferta de moeda é aumentada, estes consumidores e empresas veem-se com mais poder de compra do que desejariam, dados os preços correntes dos bens. Assim, estarão retendo saldos reais em excesso. Estes agentes tentarão livrar-se do poder de compra excedente ao desejado do modo mais simples: gastando-o na compra de bens e serviços. Como estamos assumindo que o produto desta economia já esteja em seu máximo, o aumento da demanda causado pelo gasto dos saldos reais excessivos fará os preços subirem. A esta sequência de 34 acontecimentos chamaremos efeito saldos reais. Ex: a descoberta de ouro (em um país sob o regime padrão-ouro) acarreta uma demanda excedente de bens, que, por sua vez, eleva os preços internos. Já o mecanismo indireto se apoia no reconhecimento da existência de uma relação entre a demanda por moeda (e sua velocidade) e a taxa de juros, na qual um aumento (diminuição) na oferta de moeda reduz (aumenta) primeiro a taxa de juros, elevando-se depois a demanda por bens, causando então um aumento (diminuição) do nível de preços. 35 A ECONOMIA DE MOEDA PURA Em uma economia hipotética de moeda pura, de pagamento à vista em meio circulante, onde não existe nenhum banco para emitir depósitos transferíveis por cheque e todas as transações são mediadas inteiramente por moeda metálica, o aumento da oferta de saldos reais de ouro assegura que os preços movem-se proporcionalmente à quantidade de moeda no equilíbrio de longo prazo. Assim, a descoberta de ouro em uma economia fechada tornaria, aos preços inicialmente vigentes, os saldos reais maiores que desejados. 36 Os detentores de moeda gastarão este poder de compra excedente (efeito saldo real), pressionando para cima os preços, que acabam por aumentar proporcionalmente ao aumento do estoque de ouro monetário. Em outras palavras, numa economia hipotética de moeda pura, valem inteiramente todas as premissas da teoria quantitativa da moeda, expostas nas seções precedentes. MV=Py A ECONOMIA MISTA DE MOEDA- CRÉDITO E O PROCESSO CUMULATIVO Para Wicksell, a teoria quantitativa clássica, aplicável às economias de moeda pura, parecia estreita e antiquada, pois 37 omitia a existência de bancos e de depósitos criados como contrapartida de empréstimos. Tratava-se, portanto, de adotar uma premissa mais realista do que a de uma economia hipotética de moeda pura. Sua análise atribui os movimentos no nível de preços às discrepâncias entre duas taxas de juros: a) Uma taxa de juros de empréstimos ou de mercado, cobrada pelos bancos pelos créditos que oferecem, que é determinada no mercado de crédito pelo sistema bancário; 38 b) Uma taxa natural de juros, que é a taxa de equilíbrio que iguala ex-ante a poupança desejada com o investimento planejado a pleno emprego, sendo, portanto, determinada pela demanda existente de capital e pelo volume de poupança, e que corresponde à produtividade marginal ou taxa interna de retorno sobre unidades novas criadas de capital físico. Como à taxa natural de juros a poupança será igual ao investimento, a oferta agregada da economia será igual à demanda agregada, e o nível de preços será estável. No Gráfico 3.1, quando a taxa de juros de mercado é igual a essa taxa natural de juros (rn, intercepção entre as curvas S e 39 I), a economia estará em equilíbrio monetário. Quando a taxa de empréstimo permanece abaixo da taxa natural (r0, o custo do capital é menor que a produtividade marginal do capital) o investimento planejado excederá a poupança. Os empresários investidores procurarão financiar os novos projetos de 40 investimento, desejando tomar emprestado dos bancos em um valor maior do que aquele que o público depositou nos bancos. Os bancos podem acomodar esta demanda adicional de crédito, por exemplo expandindo o volume de depósitos. Pergunta: O que levaria a taxa de juros de mercado a ficar abaixo da taxa natural? Resposta: Segundo Wicksell, a condição indispensável era que afluísse permanentemente novo ouro para o sistema bancário, ou, mais modernamente, que o Banco Central, por 41 algum motivo, expandisse endogenamente a oferta de moeda na economia (aumento de M). Consequentemente, haveria um aumento no nível de reservas dos bancos, que, assim desejariam ampliar sua oferta de empréstimos e de depósitos bancários; só poderiam fazê-lo, no entanto, baixando a taxa de juros que cobram sobre os empréstimos em relação à taxa natural. Esta queda da taxa de juros provoca uma variação cumulativa no volume de moeda bancária e nos preços. Isto porque a taxa de juros menor torna mais rentável a contratação de empréstimos para o empresário investidor comprar bens de capital, gerando um excesso de demanda no mercado de bens, que 42 resultaria em um aumento no nívelde preços. Da mesma forma, os bancos podem teoricamente provocar uma queda ilimitada dos preços, mantendo uma taxa de juros acima da normal (taxa de empréstimo acima da taxa natural, r1). Neste ponto, o custo do capital é maior que a taxa de retorno esperada do capital, a poupança excederá o investimento planejado. De acordo com o funcionamento do mecanismo indireto de transmissão, o resultado final será uma demanda agregada menor e, consequentemente, um nível de preços menor, já que haveria mais estímulo a poupar do que a investir. 43 Pergunta: Seria, todavia, o processo cumulativo do mecanismo indireto de Wicksell explosivo? Resposta: A resposta é negativa, pois Wicksell supôs a existência de um fator estabilizador. Para Wicksell, o fator responsável pelo qual a taxa de empréstimos converge eventualmente para o nível de equilíbrio natural é a perda de reservas, que acaba afetando a oferta de empréstimos e de depósitos bancários, já que os bancos se defrontam com a necessidade de elevar a taxa de juros para proteger suas reservas. 44 Contudo, para Wicksell, a taxa natural de juros não é fixa, na medida em que ela flutua conjuntamente com as causas reais das flutuações econômicas. A taxa natural de juros pode baixar quando aumenta o volume de capital devido à acumulação da poupança; pois sendo cada vez mais difícil o emprego rentável de capital novo, a concorrência com o capital existente reduz a taxa de juros, ao mesmo tempo em que se elevam os salários e outras rendas. A taxa natural de juros pode se elevar, quando diminui o volume de capital, seja relativamente, por exemplo, devido a um incremento da demanda de capital maior do que a poupança normal, seja absolutamente, como consequência de 45 uma guerra destrutiva ou qualquer catástrofe natural, ou ainda por causa de uma descoberta técnica que abra novas perspectivas para o emprego de capital. A ECONOMIA DE CRÉDITO PURO O processo cumulativo será explosivo somente no caso especial e extremo de uma economia de crédito puro ou dinheiro endógeno em sua totalidade. A economia de crédito puro é um caso hipotético e extremado, em que todo o dinheiro assume a forma de depósitos bancários e os bancos não conservam ouro nem nenhuma outra forma de dinheiro como reserva, ou seja, todos os 46 pagamentos são feitos por transferências nos registros bancários. Consequentemente, os bancos seriam capazes de fornecer a qualquer momento empréstimos a qualquer taxa de juros, sem serem constrangidos por qualquer perda de reservas, podendo conservar permanentemente sua taxa de juros por debaixo da taxa natural. Ou seja, os bancos poderiam satisfazer sempre qualquer demanda por empréstimos com juros baixos, o que significa que a quantidade de moeda é determinada endogenamente pela sua demanda. 47 Resumo: Wicksell desenvolveu uma teoria monetária muito peculiar, em que diferenças entre a taxa de juros de empréstimos e a taxa natural de juros afetam o equilíbrio monetário da economia, com impacto sobre o nível de preços. Ainda que dentro do processo cumulativo haja forças que fazem com que a taxa de empréstimos não se afaste indefinidamente da taxa natural, nada garante que estas duas coincidam. Para Wicksell, as mudanças no nível de preços derivam diretamente do diferencial de taxa de juros ao invés de causas monetárias primárias. 48 ERA WICKSELL UM QUANTITATIVISTA? Como visto na seção anterior, Wicksell desenvolveu uma formulação teórica bem mais complexa e refinada do que aquela desenvolvida pela teoria quantitativa clássica. Autores de matrizes teóricas distintas, como o monetarista Milton Friedman e o keynesiano James Tobin encontraram similaridades entre seus argumentos teóricos sobre moeda e taxa de juros e os de Wicksell. Mas, afinal, era Wicksell um quantitativista? 49 Há controvérsia se Wicksell foi ou não um teórico quantitativista. Aqueles que acham que sim, como Humphrey, dizem que o diferencial de taxas só resulta em inflação se houver emissão monetária para satisfazer a demanda real de transação. Aqueles que pensam que não, como Steiger, destacam que num sistema misto de moeda-crédito a velocidade de circulação da moeda torna-se variável, não se estabelecendo uma relação exata entre a quantidade de moeda e o nível de preços. 50 CAPÍTULO 4 A DEMANDA POR MOEDA, A ESCOLHA DE ATIVOS E A PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ EM KEYNES INTRODUÇÃO Neste capítulo analisa-se a teoria da preferência pela liquidez formulada pelo economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que trata, segundo o próprio autor, de uma visão alternativa à teoria monetária clássica, dominante na época em que estava escrevendo suas obras. 51 Foi no Tratado sobre a Moeda que o autor desenvolveu o embrião de sua teoria monetária. O economista inglês identificou dois circuitos de circulação monetária, o industrial e o financeiro. O reconhecimento deste último circuito distinguia claramente a abordagem de Keynes da teoria quantitativa da moeda, ao reconhecer que reter moeda era uma alternativa a acumular outros ativos, e que, portanto, não deveria ser vista somente como uma forma temporária de riqueza. Este insight fundamental de Keynes seria desenvolvido na Teoria Geral, onde o autor formula explicitamente sua teoria da preferência pela liquidez. 52 Neste livro, Keynes formulou uma abordagem mais geral em que procurou enfatizar os motivos (transação, precaução e especulação) pelos quais o público demanda liquidez. ECONOMIA MONETÁRIA DE KEYNES Na economia monetária desenvolvida por Keynes, ao contrário do que preceituava a teoria quantitativa da moeda, não é possível definir posições de equilíbrio, seja no curto ou no longo períodos, sem se considerar o comportamento da moeda e da política monetária. Isto porque a moeda na concepção dele não é apenas um meio de troca, mas 53 também uma reserva de valor, pelo seu atributo de transportar a riqueza no tempo. A moeda é mais do que uma forma conveniente de estabelecer a ponte entre os fluxos de entrada e saída de recursos, como estabelecia a teoria clássica. Para Keynes, a moeda desempenha um papel duplo de meio de pagamento e forma de riqueza. Seu retorno vem na forma de um prêmio de liquidez em vez de uma compensação pecuniária, já que possui o maior prêmio de liquidez entre os ativos. Keynes desenvolveu sua teoria da preferência pela liquidez como uma teoria alternativa à tradição clássica, incluindo nesta a teoria dos fundos 54 emprestáveis e a teoria quantitativa da moeda. Para a tradição clássica, a taxa de juros é o preço que equilibra a demanda por recursos para investir (determinada pela produtividade potencial do investimento) e a propensão de abster-se do consumo imediato enquanto para Keynes ela é um fenômeno fundamentalmente monetário, determinado pela preferência pela liquidez dos agentes e pela política das autoridades monetárias. Para Keynes, a moeda não é um mero veículo temporário das transações que se dão entre mercadorias, mas um ativo com atributos específicos (entre eles o de ter o maior prêmio de liquidez entre os ativos), que lhe permite transportar a 55 riqueza no tempo. A moeda é um ativo, uma forma específica de reter riqueza. A teoria da preferência pela liquidez mostra que quando as expectativas dos agentes são pessimistas, eles podem demandar segurança e flexibilidade no presente para enfrentar o futuro,representado por um ativo seguro que é a moeda. A posse da moeda permite aos agentes manter opções abertas perante a incerteza sobre o futuro. 56 DEMANDA POR MOEDA E PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ CIRCUITOS INDUSTRIAL E FINANCEIRO Foi visto que, segundo a teoria quantitativa da moeda (TQM), a quantidade de moeda requerida para desempenhar a função de meio de troca ou depositário temporário de valor dependia da retenção média dos saldos monetários por parte do público, isto é, da velocidade da moeda. Keynes (Tratado sobre a Moeda, 1930) começou a desenvolver sua teoria monetária alternativa à TQM, dando os primeiros passos para a superação da 57 teoria clássica marshalliana, então prevalecente. No Tratado sobre a Moeda, Keynes distinguiu dois circuitos de circulação monetária: a) Circulação industrial: quantidade de moeda necessária para dar suporte ao giro de bens e serviços produzidos na economia. Esta quantidade, por sua vez, depende do intervalo médio durante o qual a moeda é retida entre transações por parte do público, isto é, da velocidade da moeda. A circulação industrial incorpora uma visão de moeda e suas funções muito próximas às da TQM, ao destacar a 58 necessidade da existência de meios de circulação na economia para permitir que as transações com bens e serviços ocorram. A moeda não é apenas um meio de circulação. b) Circulação financeira: Inclui operações com ativos financeiros, isto é, cobre as necessidades de moeda para a realização de compras de ações, títulos de dívida etc., não relacionadas ao giro da renda corrente. Neste circuito, porém, ao contrário do anterior, a moeda não é apenas um meio de circulação, podendo tornar-se ela própria objeto de retenção, como um ativo. Confrontados com a expectativa de perdas de capital sobre os ativos financeiros, caso se espere uma alta das 59 taxas de juros no horizonte de decisão, os agentes preferirão reter moeda a títulos, de modo a evitar as perdas esperadas de capital; enquanto aqueles que esperam uma queda nas taxas futuras de juros preferem comprar títulos agora, ao invés de reter moeda para obter ganhos de capital, mesmo que tenham que se endividar para fazê-lo. O circuito financeiro não tem lugar na TQM, uma vez que a abordagem clássica ignorava a possibilidade de entesouramento ou retenção de saldos inativos por duração indefinida, sendo a moeda vista somente como uma forma temporária de riqueza, uma conveniência, mas não como um ativo. 60 MOTIVOS PARA DEMANDAR MOEDA Na Teoria Geral (TG), Keynes deixou de lado a dicotomia entre circulação industrial e circulação financeira em favor de uma abordagem mais geral, em que procurou enfatizar os motivos pelos quais o público demanda moeda. No novo enfoque, a circulação industrial dá lugar à demanda transacional por moeda, como demanda por saldos ativos, enquanto que a circulação financeira é transformada nas demandas precaucionária e especulativa por moeda, próximas à noção de saldos inativos. 61 Motivo Transação Relacionado ao intervalo entre recebimentos e despesas de renda (pagamentos contratuais, como pagamentos de salários pelas empresas, os juros e aluguéis ou despesas relacionadas à aquisição de bens ou serviços), o motivo transação refere-se à retenção de moeda para realização de um ato definido de compra numa data especificada. O motivo transação, tal como na circulação industrial, incorpora uma visão de moeda e de suas funções muito próxima da TQM, ou seja, de que a moeda é necessária para que se façam compras e vendas de bens e serviços, 62 sendo a demanda por moeda para tais fins uma fração da renda. Motivo Precaução Os agentes podem reter moeda por precaução para atender às contingências inesperadas e às oportunidades imprevistas na realização de negócios vantajosos, já que a moeda é um ativo seguro que serve para atravessar um futuro incerto e nebuloso. Quando Keynes sugeriu que a moeda é uma defesa contra a incerteza que domina os agentes quando simplesmente nós não sabemos o que pode vir à frente e que a moeda acalma nossa inquietude, ele estava certamente se referindo ao 63 sentimento de segurança que a moeda confere ao seu possuidor diante das dificuldades imprevistas no futuro. A demanda precaucionária relaciona-se ao grau de ignorância sobre o futuro, com a moeda sendo o ativo que permite aos agentes refazerem rapidamente suas estratégias, caso desejem ou julguem necessário. Enquanto todos os saldos mantidos para o motivo transação são gastos dentro do período em que a renda é recebida e, por isso, não são considerados poupança, a característica distintiva dos saldos por precaução é que eles não são gastos no mesmo período de renda em que são acumulados. 64 Em outras palavras, a intenção de acumular saldos monetários por motivo precaução é uma intenção de transportar a moeda de um período de renda para outro. Seguidores de Keynes, tais como Richard Kahn, explicitamente afirmaram que a quantidade de moeda demandada para o motivo-transação depende da renda nominal, enquanto aquela relativa ao motivo precaução depende das incertezas em relação ao futuro. Motivo Especulação Este motivo é o canal por onde agirá a política monetária, está relacionado à incerteza quanto ao comportamento 65 futuro da taxa de juros. Deste modo, a demanda por moeda para satisfazer o motivo especulação varia de modo mais ou menos contínuo sob o efeito de alterações graduais na taxa de juros de mercado. Uma primeira aproximação ao motivo especulação se encontra no Gráfico 4.1. Esta curva (do graf. 4.1) relaciona as variações na demanda por moeda para satisfazer o motivo especulação com aquelas que ocorrem na taxa de juros, devidas às variações no preço dos títulos e nas dívidas de vencimento diversos. A curva de preferência pela liquidez mostra que a demanda por moeda aumenta à medida que a taxa de juros se reduz. 66 Note-se, contudo, que a curva de preferência pela liquidez, a partir de um determinado ponto, torna-se horizontal, ou seja, a demanda por moeda torna-se infinitamente elástica a algum patamar baixo da taxa de juros, fenômeno que ficou conhecido como armadilha da liquidez. Isto (armadilha da liquidez) pode ocorrer porque há a possibilidade de que tão logo a taxa de juros tenha baixado a certo nível, a preferência pela liquidez dos agentes se torne absoluta, no sentido de que os mesmos provavelmente irão preferir manter recursos líquidos a conservar uma dívida que rende uma taxa de juros tão baixa. 67 A incerteza quanto às variações futuras na taxa de juros é o fator determinante que explica a demanda especulativa por moeda e, consequentemente, justifica a conservação de recursos líquidos. Para Keynes, o que importa não é o nível absoluto da taxa de juros, mas o seu grau de divergência quanto ao que se 68 considera um nível razoavelmente seguro dos juros. Essa taxa funciona como uma âncora para suas expectativas com relação aos movimentos futuros da taxa de juros de mercado (ou corrente). Ela define se o agente será urso ou touro, diante das taxas de juros correntes e, portanto, se demandará moeda ou títulos. Considere um agente que tenha dois ativos a escolher para aplicar seus recursos: moeda, que é um ativo seguro, e títulos, que não são tão seguros, mas rendem juros. Conforme a taxa de juros corrente esteja situada acima ou abaixo da taxa normal, 69 os agentes procurarão venderou comprar títulos: eles compram títulos quando esperam que seu preço suba (e os juros caiam) e os vendem, obtendo dinheiro em contrapartida, quando esperam que o seu preço caia (os juros subam). Assim, sendo rc a taxa (corrente) de juros de mercado, rn a taxa normal de juros e E(dr/dt), a expectativa em relação à taxa de juros, pode-se estabelecer as seguintes regras de decisão para a demanda especulativa (Ms): 𝑈𝑟𝑠𝑜𝑠: 𝑟𝑐 − 𝑟𝑛 < 0 𝑒 𝐸 ( 𝑑𝑟 𝑑𝑡 ) > 0 → 𝑀𝑠 > 0 (𝑎𝑔𝑒𝑛𝑡𝑒𝑠 𝑝𝑟𝑒𝑓𝑒𝑟𝑒𝑚 𝑟𝑒𝑡𝑒𝑟 𝑚𝑜𝑒𝑑𝑎) Neste caso, se os agentes têm expectativas de que a taxa de juros suba no horizonte de decisão, eles podem 70 preferir moeda a aplicar em títulos. Se a taxa normal de juros (rn) for maior que a taxa de juros de mercado (rc), e assim, rn > rc, o agente reterá moeda ao invés de comprar títulos. Logo, a demanda por moeda por motivo especulativo é uma demanda de ursos; 𝑇𝑎𝑢𝑟𝑜𝑠: 𝑟𝑐 − 𝑟𝑛 > 0 𝑒 𝐸 ( 𝑑𝑟 𝑑𝑡 ) < 0 → 𝑀𝑠 = 0 (𝑎 𝑚𝑜𝑒𝑑𝑎 é 𝑢𝑠𝑎𝑑𝑎 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑎𝑟 𝑡í𝑡𝑢𝑙𝑜𝑠) Neste caso, se os agentes esperam uma queda nas taxas futuras de juros, tenderão a comprar títulos a reter moeda. Se a taxa normal de juros (rn) for menor que a taxa de juros de mercado (rc), e assim, rn < rc, o agente usará dinheiro para comprar títulos. 71 Combinando-se os motivos especulativo e precaucionário, observa-se que, enquanto a demanda especulativa está relacionada com as expectativas específicas com respeito ao comportamento futuro da taxa de juros, o motivo precaucionário vincula-se ao grau de confiança nessas expectativas. Pode-se dizer que tanto a demanda precaucionária quanto a especulativa se definem por causa de incerteza quanto ao futuro e, neste sentido, a demanda precaucionária seria a demanda gêmea da demanda especulativa e não da demanda transacional. Por outro lado, como visto, Keynes estabeleceu que a demanda 72 precaucionária depende da incerteza dos agentes quanto ao futuro. Portanto, sejam M1 o montante de recursos líquidos conservado para satisfazer o motivo transação, M2 o montante conservado para satisfazer o motivo especulação e M3 o montante para satisfazer o motivo precaução, correspondente a três funções de liquidez L1, L2 e L3, em que a primeira depende principalmente do nível da renda, a segunda da relação entre a taxa corrente de juros (e o estado de expectativas quanto ao comportamento futuro da taxa de juros), e a terceira das incerteza quanto ao futuro. 73 Assim, temos que: 𝑀𝑑 = 𝑀1 + 𝑀2 + 𝑀3 = 𝐿1(𝑌) + 𝐿2(𝑟) + 𝐿3(•) Onde L1 (demanda por moeda para fins de transação) é a função de liquidez correspondente à renda Y, que determina M1; L2 (demanda por moeda para fins especulativos) a função de liquidez referente à taxa de juros r, que determina M2; e L3 (demanda de moeda para fins precaucionais) a função de liquidez relacionada diretamente à incerteza quanto ao futuro, aqui representada por (•), que determina M3. 74 Motivo Financeiro Este motivo foi introduzido por Keynes após a publicação da Teoria Geral, em resposta a uma crítica feita por Bertil Ohlin à TG, ambos publicados na revista The Economic Journal em 1937. O motivo financeiro refere-se à demanda por moeda antecipada a alguma despesa discricionária planejada, sendo o gasto deste tipo mais vultoso e menos rotineiro, o investimento em bens de capital. Neste caso, saldos monetários são mantidos em antecipação à compra de bens de investimento. Esta demanda pode ser satisfeita pela venda de bens e serviços ou de ativos líquidos por parte 75 do empresário ou com dinheiro tomado emprestado junto aos bancos. O pressuposto é que o investimento planejado (ex-ante) pode precisar garantir sua provisão financeira antes que ocorra o investimento, gerando uma demanda temporária e antecipada de moeda para uma despesa excepcional. Consequentemente, a demanda por moeda pelo motivo financeiro resulta, ao nível agregado, da taxa de investimento. A retenção de fundos por parte das empresas é provisória, uma vez que o dinheiro retorna à circulação monetária logo que a máquina ou equipamento são comprados. 76 Parte deste dinheiro volta aos bancos, formando um fundo rotativo, onde, em sua maior parte, o fluxo de novos recursos requeridos para o investimento ex-ante é suprido pelo financiamento liberado pelo investimento ex-post. Caso o investimento esteja se processando a uma taxa constante, o financiamento pode ser provido por um fundo rotativo de quantidade mais ou menos constante, com o empresário tendo o seu financiamento restabelecido para fins de um investimento projetado, enquanto que um outro empresário está pagando pelo investimento que completou. Contudo, se as decisões de investimento estiverem crescendo, o financiamento 77 adicional envolvido constituirá uma nova demanda por moeda. O motivo financeiro tem um elemento de demanda transacional, uma vez que, tal como esta, relaciona-se a um gasto planejado, um plano definido de gastos, mas com um comportamento diferente, dada a natureza não rotineira das despesas. Neste sentido, Keynes afirmou que a demanda financeira fica a meio caminho entre os saldos ativos, tal como a demanda transacional por moeda, e os saldos inativos, tais como as demandas precaucional e especulativa. 78 A demanda financeira por moeda cresce quando os gastos discricionários prospectivos (como bens de capital) aumentam, e não a renda corrente, como no caso da demanda transacional. A introdução do motivo financeiro (função do investimento I) não altera a proposição fundamental da teoria da preferência pela liquidez de que a taxa de juros é um fenômeno monetário, sendo determinada pela interação entre demanda e oferta de moeda. Agora a demanda por moeda é descrita pela equação: 𝑀𝑑 = 𝑀1 + 𝑀2 + 𝑀3 + 𝑀4 = 𝐿1(𝑌) + 𝐿2(𝑟) + 𝐿3(•) + 𝐿4(I) 79 O equilíbrio no mercado monetário é dado por 𝑀𝑑 = 𝑀𝑠 Se Ms é fixada pela autoridade monetária, o nível de renda (Y) é determinado pela demanda agregada esperada pelos empresários, e os planos de investimento (I) são dados, então pode-se resolver a equação acima para o valor de r de equilíbrio. 80 PRECIFICAÇÃO DE ATIVOS E PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ Na análise feita na seção anterior, tal como desenvolvida na maior parte da TG, trabalhou-se num mundo dicotômico, onde existem apenas duas classes de ativo: moeda e títulos. Neste contexto, há somente uma escolha para quem aceita abrir mão da liquidez, que é o título, remunerado por uma taxa de juros. Dependendo do nível da taxa de juros, o público desejará reter uma dada quantidade de moeda. A taxa de juros é tida como o prêmio cobrado pelos agentes para abrir mão da 81 liquidez. É, portanto, o preço que guia a escolha entre forma líquida e menos líquida de riqueza, sendo os juros pagos pelos títulos uma compensação pelo seu menor grau de liquidez, comparado com a moeda. Keynes elaborou uma teoria de precificação de ativos (TG, Cap. 17), utilizando uma estrutura mais diversificada de ativos, em que uma dada quantidade de ativos é demandada de acordo com sua taxa própria de juros, calculada segundo o preço corrente (à vista) dos ativos. Sua análise parte do mesmo princípio geral da teoria da preferência pela liquidez de que diferentes graus de liquidez devem ser compensados por 82 retornos pecuniários que definem a taxa de retorno obtida pela posse dos diferentes ativos, de modo a compensar sua relativailiquidez comparada a um ativo de referência. Neste sentido, a teoria da preferência pela liquidez não somente pode ser compatibilizada, mas também generalizada para uma teoria de precificação de ativos. Cada ativo oferecerá uma dada taxa própria de juros e os investidores escolherão aqueles que oferecerem as mais altas taxas de retorno possíveis. A competição entre os possuidores de riqueza para obter os melhores ativos determinará os preços destes ativos. 83 Os preços dos ativos sinalizarão quais ativos são relativamente escassos e quais estão com oferta excedente, determinando, assim, a composição da riqueza total acumulada por uma comunidade em um determinado período. O retorno total esperado oferecido por um ativo (a sua taxa própria de juros) é calculado através dos valores assumidos por quatro atributos: a) Taxa esperada de quase-renda ou, mais simplesmente, taxa de rendimentos que se espera ganhar pela posse ou uso do ativo. 84 Ex: máquinas dando origem a bens negociáveis que gerarão lucros, os juros pagos nos títulos, dividendos de ações etc.; b) Custo de carregamento incorrido na retenção dos ativos, como estocagem, custos de seguro etc., de modo a manter o ativo em seu estado original; c) Prêmio pela liquidez, que mede a facilidade de negociação de um ativo no caso de desejo de mudança da composição do portfólio, já que alguns ativos são mais facilmente negociáveis do que outros, dando ao seu possuidor um retorno importante na forma de flexibilidade diante das mudanças inesperadas na economia; 85 d) Taxa esperada de apreciação do ativo ao final de um período, uma vez que o possuidor de riqueza pode ganhar (ou perder) com a apreciação (ou depreciação) dos preços de mercado daquele ativo entre a compra e o fim do período de retenção do mesmo. Partindo da hipótese de que cada classe de ativos possui sua taxa própria de juros (ra), o retorno total esperado de um ativo, durante um certo período, pode ser definido, como a soma das seguintes taxas esperadas: 𝑟𝑎 = 𝑎 + 𝑞 − 𝑐 + 𝐼 Onde a: apreciação do valor de mercado do ativo (taxa de apreciação); 86 q: rendimento do ativo; c: custo de carregamento incorrido na conservação do ativo; I: prêmio pela liquidez. Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade-off entre retornos esperados (a + q – c) e o prêmio pela liquidez (I), causando substituições na estrutura de demanda por ativos. Estas substituições se diferenciam de acordo com combinações de retornos esperados e prêmio de liquidez que eles oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta. 87 A fórmula acima permite a comparação e escolha entre ativos que oferecem algum rendimento (q – c), ganhos de capital (a) ou simplesmente segurança e flexibilidade conferida pela liquidez (I). O mais original dos atributos identificados acima por Keynes é o prêmio pela liquidez. Portanto, um ativo é líquido quando o tempo requerido para negociá-lo é pequeno e a mudança esperada em seu valor também é pequena. Combinando os atributos acima, pode-se simplificadamente estabelecer a seguinte taxonomia de ativos, tal como está sintetizada no Quadro 4.1: 88 o Bens de capital têm nos rendimentos sua principal característica, mas são em geral ilíquidos e apresentam normalmente uma taxa de apreciação de capital negativa. o Moeda tem rendimento nulo (e seu custo de carregamento é insignificante), uma taxa de valorização também nula, porém um prêmio de liquidez substancial. o Por fim, os títulos e outros ativos financeiros são retidos por gerarem renda e possibilidade de apreciação de capital (o que não é garantido), mas com grau de liquidez variável (dependente da existência de mercados secundários organizados), ainda que maior que a dos bens de capital e menor que o da moeda. 89 A ideia central é que, em equilíbrio, os rendimentos esperados a serem obtidos pelos proprietários dos ativos (não monetários) devem ser iguais à sua liquidez relativa quando comparados à moeda, de modo a igualar as vantagens marginais entre os ativos. Os preços se moverão até que as vantagens relativas de um ativo sobre qualquer outro desapareçam. Em termos da fórmula da taxa própria de juros, para aqueles ativos que oferecem melhores retornos prospectivos, 90 os preços correntes (que são o denominador de todos os elementos) aumentarão até que a e q – c sejam então reduzidos de forma que os ganhos extras que eram antecipados desapareçam. Naturalmente, o oposto ocorre com ativos de baixo rendimento: os preços caem de forma que os valores de a e q – c se elevem. Em geral, quando as expectativas dos agentes estão otimistas, e a incerteza é baixa, o atributo de liquidez não é tão importante quanto a possibilidade de ter ganhos monetários. A taxa própria de juros de ativos líquidos torna-se mais baixa que as taxas próprias daqueles ativos que são esperados render ganhos em a ou em q – c, tais como bens de capital. 91 Os agentes econômicos tentarão se livrar de moeda para obter bens de investimento, os preços à vista destes se elevarão e nova produção será estimulada. Alternativamente, se a incerteza é alta, o prêmio de liquidez da moeda será provavelmente mais alto que os rendimentos monetários oferecidos para outros ativos, tais como bens de capital e títulos. Agentes tentarão manter portfólios líquidos, deprimindo os preços dos bens de capital e levando a uma contração no setor produtor deste bem. 92 RESUMO 1. Keynes desenvolveu sua teoria da preferência pela liquidez como uma teoria alternativa à tradição clássica, incluindo nesta a teoria dos fundos emprestáveis e a teoria quantitativa da moeda. Para a tradição clássica, a taxa de juros é o preço que equilibra a demanda por recursos para investir (determinada pela produtividade potencial do investimento) e a propensão de abster-se do consumo imediato enquanto para Keynes ela é um fenômeno fundamentalmente monetário, determinado pela preferência pela liquidez dos agentes e pela política das autoridades monetárias. 2. Para Keynes, a moeda não é um mero veículo temporário das transações que se dão entre mercadorias, mas um ativo com 93 atributos específicos (entre eles o de ter o maior prêmio de liquidez entre os ativos), que lhe permite transportar a riqueza no tempo. A moeda é um ativo, uma forma específica de reter riqueza. A teoria da preferência pela liquidez mostra que quando as expectativas dos agentes são pessimistas, eles podem demandar segurança e flexibilidade no presente para enfrentar o futuro, representado por um ativo seguro que é a moeda. A posse da moeda permite aos agentes manter opções abertas perante a incerteza sobre o futuro. 3. No seu Tratado sobre a Moeda, Keynes distinguiu dois circuitos de circulação monetária: 94 o circuito industrial, relacionado à quantidade de moeda necessária para dar suporte ao giro de bens e serviços produzidos na economia, que incorpora uma visão de moeda e suas funções muito próximas da TQM; Circuito financeiro, que inclui operações com ativos financeiros, não sendo relacionado diretamente à renda corrente. Neste circuito a moeda não é apenas um meio de circulação, podendo tornar-se objeto de retenção como um ativo, o que é um primeiro passo para Keynes se diferenciar da TQM, já que esta ignorava a possibilidade de entesouramento ou retenção de saldos inativos. 4. Na Teoria Geral, Keynes formulou os motivos para demandarmoeda: os motivos transação, precaução e especulação. 95 O motivo transação está relacionado ao intervalo entre recebimentos e despesas de renda e depende do montante da renda e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e o seu desembolso, ou seja, das compras projetadas e dos hábitos de pagamento dos agentes. O motivo precaução, por sua vez, refere-se ao fato de que os agentes podem reter moeda por precaução para atender às contingências inesperadas e às oportunidades imprevistas na realização de compras vantajosas, já que a moeda é um ativo seguro que serve para atravessar um futuro incerto e nebuloso. Por fim, o motivo especulação está relacionado à incerteza quanto ao comportamento futuro da taxa de juros, como resultado de uma mudança nas informações no mercado. A expectativa dos 96 agentes quanto às variações futuras na taxa de juros, que os definem como “ursos” e “touros”, é o fator determinante que explica a preferência pela liquidez dos agentes e, consequentemente, justifica a conservação de recursos líquidos para o motivo especulativo. Em artigo publicado pouco depois da TG, Keynes introduziu um novo motivo para demandar moeda: o motivo financeiro (finance), relacionado à demanda por moeda antecipada a alguma despesa discricionária planejada, mas não rotineira, como é o caso do investimento em bens de capital. 5. A teoria da preferência pela liquidez pode ser vista como integrante da teoria de precificação de ativos, formulada no capítulo 17 da TG. 97 Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade-off entre retornos monetários (a + q – c) e o prêmio pela liquidez (I), determinantes da estrutura de demanda por ativos, que se diferenciam de acordo com combinações de retornos monetários e prêmio de liquidez que eles oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta (e vice-versa).
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