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Alice Bastos Neuralgia pós-herpética Introdução e epidemiologia A neuralgia pós-herpética (NPH) é definida como dor persistente por mais de três meses após a resolução das lesões de pele observadas no herpes-zoster (HZ); Uma das principais características dos herpes-vírus é a capacidade de permanecer latente durante anos nos neurônios sensitivos cranianos, gânglios das raízes dorsais e gânglios autonômicos; Com o avançar da idade, acompanhado por redução natural da imunidade, e em estados de imunodepressão, o vírus da varicela-zóster é reativado, podendo resultar em envolvimento neurológico; A NPH é a principal complicação do herpes-zóster; A incidência de NPH é bastante variável e depende da idade: Pacientes com menos de 60 anos: 5%; Pacientes com 60 a 69 anos: 10%; Pacientes com mais de 80 anos de idade: 20%; A incidência de NPH varia entre 10 e 20% em adultos imunocomprometidos; Os fatores de risco para o desenvolvimento de NPH são: Idade mais avançada; Maior intensidade da dor e do exantema na fase aguda; Presença de sinais sensitivos negativos; Apresentação de polineuropatia no HZ ativo; Aspectos psicológicos. Fisiopatologia A fisiopatologia da NPH é pobremente compreendida; A replicação do vírus varicela-zoster latente no gânglio sensorial resulta em lesão do sistema nervoso periférico e central; No HZ agudo, a pele é inflamada e parcialmente desnervada; Este processo inflamatório inicial tem duração variável, podendo persistir por semanas ou até mesmo meses; Mediadores inflamatórios como bradicinina, substância P, histamina, citocinas e íons H+, são liberados após a lesão tissular, contribuindo para a ativação de nociceptores e para a redução do limiar de dor; Assim tem início o processo de sensibilização periférica, com consequente exacerbação da resposta aos estímulos nóxicos e não nóxicos; No gânglio da raiz dorsal observa-se inflamação, necrose hemorrágica e perda neural, sobretudo de fibras C; Como consequência, há brotamento de fibras A-beta no local das conexões aferentes das fibras C, ampliando o campo receptivo do neurônio e facilitando a alodínia mecânica; Acredita-se que a alodínia e a perda sensitiva no dermátomo afetado estejam associadas com o fenômeno de desaferentação, o qual é decorrente da reorganização dos campos receptivos presentes na coluna dorsal; As fibras nervosas A-delta e C estão primariamente envolvidas na nocicepção e as fibras A-beta estão relacionadas à sensação de tato; Numa situação fisiológica, as lâminas I, II e V (do corno posterior da medula) são responsáveis pela transmissão do estímulo de dor, enquanto as lâminas adjacentes estão associadas à transmissão da sensação de tato; Na presença de uma agressão neural, observa-se uma reorganização dos campos receptivos, o que permite que um estímulo de tato seja percebido e interpretados pelo organismo como sendo uma informação de dor; Alice Bastos As fibras A-beta conectam-se com tratos espinhais transmissores de sensações dolorosas e originam alterações sensoriais e alodínea. O processo de sinalização normal do sistema nervoso está alterado na NPH; Acredita-se que o brotamento de axônios noradrenérgicos simpáticos no gânglio da raiz dorsal, ao redor de fibra A-delta, seja responsável pela ativação de fibras aferentes sensitivas após a estimulação do simpático; Além disso, a perda de neurônios gabaérgicos e a lesão nos elementos que compõem o sistema inibitório descendente da dor contribuem para um aumento de sensibilidade na área afetada. Manifestações clínicas A NPH pode manifestar-se de diferentes formas, embora nenhuma seja patognomônica; A dor pode ser constante ou intermitente e ter como relato: Dor tipo queimação; Dor latejante; Dor cortante; Dor penetrante; Dor em choque; A dor pode ser evocada por estímulos táteis (alodínia); Alterações na sensibilidade, tais como parestesia, disestesia, hiperalgesia térmica ou mecânica podem estar presentes; 31% dos pacientes com NPH apresentam hiperalgesia térmica; A distribuição anatômica da NPH segue o padrão dos dermátomos envolvidos no HZ, sendo mais comumente envolvidos os dermátomos de T3-L3; O HZ afeta em 50 a 60% dos casos a região torácica e a face, ou seja, esses também são os locais mais acometidos na NPH; Dor musculoesquelética pode ocorrer em pacientes com NPH, como resultado de proteção excessiva da área afetada; Pontos-gatilho miofasciais, atrofia e reduzida amplitude de movimento articular podem ser observados; Alguns pacientes apresentam prurido crônico, o qual persiste ou aparece após o HZ, comprometendo a qualidade de vida do indivíduo; Ao exame físico evidenciam-se áreas de hiperpigmentação, hipopigmentação ou cicatrizes nos dermátomos afetados previamente pelo HZ; A NPH pode ter um efeito significativo sobre muitos aspectos da vida do paciente, causando fadiga crônica, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, depressão e ansiedade, anorexia, perda de peso e isolamento social. Diagnóstico É eminentemente clínico; Histórico de HZ e dor persistente no dermátomo acometido define esta entidade clínica; Em alguns pacientes, a história clara de eritema cutâneo pode não estar presente; Neste caso, o diagnóstico definitivo de NPH exige avaliação sorológica seriada onde deve ser pesquisada a presença de DNA do vírus do HZ ou anticorpo anti-VZV no líquor. Tratamento A NPH é um tipo de dor neuropática crônica, que envolve múltiplos fenômenos fisiológicos e, por isso, necessita ser abordada de forma multimodal; Estudos demonstram que nenhuma abordagem terapêutica isolada é efetiva no controle dos sintomas da NPH; Combinações de fármacos com diferentes mecanismos de ação estão associados aos melhores resultados; O alívio da dor em NPH deve incluir: Alice Bastos Uso de fármacos; Procedimentos intervencionistas; Terapias adjuvantes não farmacológicas. Tratamento farmacológico Os critérios para a escolha do melhor esquema analgésico ainda não estão bem estabelecidos; Uma estratégia é considerar o perfil do paciente e as propriedades farmacológicas de cada grudo de fármaco; No intuito de orientar a escolha do tratamento da dor associada à NPH, foi proposta a classificação dos fármacos disponíveis, como de primeira, segunda e terceira linhas. Os antidepressivos tricíclicos (ADT) em baixas doses têm sido usados para NPH como monoterapia ou associados a outros fármacos; Seu uso exige pelo menos três meses para o efeito positivo; O mecanismo de ação ocorre pelo bloqueio de receptação de serotonina e noradrenalina e também pela inibição dos canais de sódio voltagem dependente; Os antidepressivos tricíclicos prescritos incluem a amitriptilina, nortriptilina, imipramina e desipramina; Amitriptilina é o fármaco mais utilizado, no entanto, todos têm eficácia terapêutica semelhante; Os efeitos adversos associados aos ADT podem limitar o seu uso; Por isso, devem ser iniciados em baixa dose e os pacientes devem ser monitorados quando à presença de efeitos adversos; Efeitos adversos: boca seca, turvação visual, tontura, fadiga, sedação, retenção urinária, constipação, ganho de peso, palpitações, hipotensão ortostática e prolongamento do intervalo QT. Os gabapentóides reduzem a dor da NPH, por isso, são classificados como fármacos de primeira linha; Estudos mostram que o uso da pregabalina é mais vantajoso em comparação com a gabapentina; Essa vantagem é atribuída ao comportamento farmacológico mais linear da pregabalina; A dose recomendada da pregabalina é de 300-600 mg/dia; Seus efeitos colaterais comumente não são graves, mas podem ocorrer: edema periférico, tontura e sonolência. A lidocaína tópica administradana forma de emplastro (medicamento que sob a ação do calor, amolece levemente, aderindo à pele) a 5% é considerada como fármaco de primeira linha no tratamento de dor neuropática nas diretrizes americana e europeia, e de segunda linha na canadense; A administração tópica da lidocaína tem se mostrado eficaz, segura e com baixa incidência de reações adversas sistêmicas e poucos efeitos colaterais; Acredita-se que ao ser aplicado, o emplastro de lidocaína cria uma barreira mecânica que funciona como elemento protetor diante de estímulos táteis, evitando o desenvolvimento de alodínia; Em um estudo que compara o emplastro de lidocaína com pregabalina, observou-se que houve redução na Escala Verbal Numérica de 36,3% no grupo lidocaína e de 29,8% no grupo pregabalina; Além disso, o emplastro de lidocaína apresenta melhor tolerância que a pregabalina, contribuindo para a redução da excitabilidade neuronal e da dor. Alice Bastos A diretriz de 2004 da Academia Americana de Neurologia reconhecia os opioides como fármacos de primeira linha, no entanto, as diretrizes mais recentes propõem que os opioides sejam utilizados como fármacos de segunda e terceira linha; Essa modificação ocorreu como reflexo da preocupação com os efeitos adversos e potencial uso abusivo dos opioides; Efeitos adversos: náuseas, vômitos, obstipação, tontura e sedação. A capsaicina tópica tem sido proposta para o tratamento da NPH há vários anos, entretanto, os resultados obtidos após a sua aplicação em baixa concentração são controversos; Mais recentemente foi formulada a capsaicina na forma de emplastro com concentração maior (8%), a qual tem efeito superior a outras composições; O emplastro de capsaicina a 8% em aplicações únicas de 60 minutos de duração, é eficaz no tratamento; Um estudo revelou que 40% das pessoas apresentaram redução na intensidade da dor igual ou superior a 30%; 9% obtiveram alívio completo desde a segunda semana até o final do seguimento; O tratamento com a capsaicina pode ser repetido com intervalo de 3 meses e tem como efeito adverso dor e eritema no local de aplicação, portanto, necessita de anestesia tópica antes da aplicação. A utilização da toxina botulínica no tratamento da NPH tem sido proposta; Um estudo comparou os resultados da toxina botulínica e da lidocaína; Os pacientes que receberam toxina botulínica num total de 100 U, em injeções subcutâneas seriadas, com uma distância de 1 cm entre cada ponto de aplicação, apresentaram melhora significativa da dor quando comparados aos pacientes que usaram lidocaína; A melhora analgésica com a toxina botulínica teve início após 3 a 5 dias do procedimento, com pico de melhora em uma semana e duração do efeito analgésico de 3 meses; Pacientes que usaram toxina botulínica também apresentaram redução da dor na Escala Verbal Numérica maior ou igual a 50% em 4 semanas, além de apresentaram melhora na qualidade do sono. Tratamento intervencionista Os bloqueios neurais têm sido utilizados no alívio da dor em pacientes com NPH, embora com menos eficácia analgésica do que nos casos de HZ; Quando o bloqueio é realizado na fase aguda do HZ, além de diminuir a intensidade da dor, teoricamente previne o desenvolvimento de NPH; A administração de anestésico local promove o alívio da dor por 12-24h; Em longo prazo, o alívio pode ser alcançado realizando o procedimento semanalmente e numa fase inicial da doença; A administração única no espaço peridural de um corticoide associada a um anestésico local na fase aguda do HZ pode ter efeito na redução da dor por um mês, mas não é eficaz para prevenção em longo prazo da NPH; O bloqueio do nervo intercostal tem sido utilizado para alívio da dor da NPH. Ç Seu mecanismo de ação não está claro, mas sua ação baseia-se na teoria do portão de controle da dor, em que a estimulação de fibras mielinizadas A-beta interfere na transmissão do estímulo nociceptivo conduzido pelas fibras C e A-delta da periferia para o corno dorsal da medula; O impulso elétrico é transmitido a partir de um gerador implantado no subcutâneo para os eletrodos colocados no espaço peridural; Apresenta alta taxa de complicações: 30 a 40%. Alice Bastos É uma terapia que tem sido considerada eficaz para o controle da dor, principalmente quando usa em conjunto com as terapias convencionais da NPH. Tratamento psicológico A associação dos fatores emocionais aos fatores biológicos é de extrema relevância na manutenção e na modulação da NPH; Dessa forma, as terapias comportamentais, como relaxamento, meditação e massagens também têm sido utilizadas com efeitos positivos nas NPH. Referências OLIVEIRA, C. A.; CASTRO, A. P. C. R.; MIYAHIRA, S. A. Post-herpetic neuralgia. Revista Dor, São Paulo, v. 17, p. 52-55, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S1806-00132016000500052. PORTELLA, A. V. T.; SOUZA, L. C. B.; GOMES, J. M. A. Herpes-zoster and post-herpetic neuralgia. Revista Dor, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 210-215, jul./set. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract &pid=S1806- 00132013000300012&lng=pt&nrm=iso&tlng=en.
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