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Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina TUTORIA SP 1.3 – “NÃO ME TOQUE!” 1- Caracterizar a dor somática ou profunda (músculo, articulação e fácies) (síndrome miofascial); 2- Identificar as características propedêuticas da dor; 3- Entender a fibromialgia, sua fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento (farmacológico e não farmacológico); 4- Descrever o mecanismo de ação dos anestésicos locais, entendendo suas indicações e contraindicações; 5- Compreender o mecanismo de ação dos antidepressivos para o tratamento da dor; 6- Estudar as indicações, contraindicações e efeitos adversos dos AINES. 1- CARACTERIZAR A DOR SOMÁTICA OU PROFUNDA (MÚSCULO, ARTICULAÇÃO E FÁCIES) (SÍNDROME MIOFASCIAL); Dor somática superficial é a forma de dor nociceptiva provocada pela estimulação de nociceptores do sistema tegumentar. Tende a ser bem localizada e relatada como picada, pontada, queimor, sempre de acordo com o estímulo que a provocou. Sua intensidade é variável e, de certo modo, proporcional ao estímulo. Decorre, em geral, de trauma, queimadura e processo inflamatório. A dor profunda é uma dor causada, por exemplo, por rupturas, fraturas ósseas e ocorre ao nível dos músculos ossos, articulações, ligamento, tendões ou vasos sanguíneos. Não há diferença fundamental entre a dor que se origina em uma víscera e a que provém de uma estrutura somática profunda (músculos, tendões e articulações). Ambas têm a mesma qualidade, são difusas e mal localizadas. Os sistemas visceral e somático estão estreitamente vinculados. A dor somática profunda localiza-se bastante bem quando tem sua origem em tecidos situados próximo da superfície do corpo, por exemplo nos tendões ou aponeuroses superficiais, no periósteo de ossos imediatamente sob a pele, nas paredes das cavidades abdominal e torácica. Ao contrário, quando se origina em estruturas profundas, é mais difusa e sói ser referida a um ponto distante. A dor profunda tem uma função protetora e faz com que indivíduo procure isolamento e permaneça o mais inativo possível. Este tipo de dor causa bradicardia, hipotensão, náuseas e sudorese abundante, e geralmente divide-se em duas subclasses: a dor somática profunda e dor visceral. Dor somática profunda é uma dor nociceptiva decorrente de ativação dos nociceptores de músculos, fáscias, tendões, ligamentos e articulações. Suas principais causas são: estiramento muscular, contração muscular isquêmica, exercício exaustivo prolongado, contusão, ruptura tendinosa e ligamentar, síndrome miofascial, artrite e artrose. É uma dor mais difusa que a dor somática superficial. Sua localização é algo imprecisa, sendo, em geral, descrita como dolorimento, dor surda, dor profunda e, no caso de dor muscular isquêmica, como cãibra. Sua intensidade é proporcional à do estímulo causal, indo de leve a intensa. Na dor somática profunda a localização e propagação depende da intensidade e duração do estímulo. Em geral quanto mais intenso é o estímulo nocivo, menos localizável e mais difusa é a dor. Existem dois tipos de dor somática profunda: 1) local, que está localizada, notando-se o ponto do estímulo; 2) irradiada, a qual é uma dor difusa e distante do ponto de estímulo. Um estímulo breve e fraco causa dor localizada, mas um estímulo intenso e contínuo, causa uma dor difusa e irradiada quanto à sua origem. Na localização das sensações intervêm dois fatores principais: a representação cortical e a experiência. Quanto mais desenvolvida é aquela e mais frequente esta última, mais precisa é a localização. As vísceras e os segmentos profundos têm uma representação cortical muito menos Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina extensa do que os receptores exteroceptivos e os impulsos aferentes das vísceras e dos músculos habitualmente não chegam a ser conscientes. Esses fatos bastam para explicar por que as sensações profundas não têm um sinal local preciso e são referidas sob forma difusa ao segmento ou aos segmentos em que se originaram e a regiões da superfície de onde partem impulsos dolorosos que chegam a o neuroeixo pelas mesmas raízes medulares e estão representados nos mesmos pontos do córtex cerebral. SÍNDROME MIOFACIAL A síndrome miofascial pode ser definida como um conjunto de sintomas sensoriais, motores e autonômicos que estão associados com os pontos-gatilho miofasciais. Os distúrbios sensoriais descritos são disestesias, hiperalgias e dor referida. As manifestações autonômicas mais comuns são alterações de temperatura, sudorese, piloereção, eritema, salivação e queixas proprioceptivas. Um ponto-gatilho miofascial é um ponto hipersensível em um músculo esquelético associado a um nódulo, também hipersensível, palpável ao exame físico. Quando o ponto-gatilho é pressionado, a dor causada produz um efeito no alvo ou na zona de referência. Essa área de referência é a característica que diferencia a síndrome miofascial da fibromialgia. Em geral, a dor produzida pela pressão, pelo distúrbio motor ou pelo fenômeno autonômico é distante do foco de origem da pressão e reprodutível. Esse padrão de dor referida dificilmente coincide com uma distribuição de dermátomo, mas, em geral, segue um padrão consistente. Na dor miofascial, os pontos-gatilho são relacionados à causa da dor, ou seja, se eles forem tratados, o paciente melhorará. Na fibromialgia, os pontos dolorosos são úteis ao diagnóstico, mas não devem ser tratados isoladamente. Entre os quadros miofasciais, podemos citar a síndrome escápulo-costal ou síndrome do ângulo da escápula, situação em que o paciente refere dor na região dorsal, principalmente na face posterior da cintura escapular, que se irradia para a região cervical, o ombro e a parede torácica. A palpação revela o ponto- gatilho na porção medial e sob a escápula. Esse quadro geralmente está associado a posturas viciosas, ombros protusos, escoliose e microtraumatismos por movimentos repetitivos. ETIOPATOGENIA: Em geral, um ponto-gatilho se desenvolve após uma injúria inicial a uma banda de fibras musculares. Essa injúria pode incluir um evento traumático evidenciado ou traumas de repetição no músculo acometido. O ponto-gatilho causa dor e estresse no músculo ou nas fibras musculares. À medida que o estresse aumenta, o músculo vai se tornando fadigado e mais suscetível à ativação de novos pontos-gatilho adicionais. Quando vários fatores predisponentes se combinam com um evento produtor de estresse agudo, temos a ativação da síndrome miofascial. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Quando o quadro é mais extenso em área, vem acompanhado com fraqueza e fadiga. Nesse caso, devem-se considerar como diagnósticos diferenciais a fibromialgia, o hipotireoidismo e as espondiloartropatias soronegativas. O quadro é, em geral, insidioso e bem localizado em um segmento do corpo. O paciente geralmente observa uma área “endurecida”, que corresponde a bandas de contratura muscular. A dor existe no repouso, mas é mais pronunciada com a movimentação passiva ou ativa da região acometida. Uma característica desse quadro é o padrão de dor referida, em que o paciente relata dor em uma área-satélite da região marcada pela contratura muscular. Além da dor, o paciente pode se queixar de hiperestesia e perda de força na região acometida. Alguns sintomas autonômicos como lacrimejamento e salivação são descritos. Disfagia, alterações do equilíbrio e tonturas também podem estar relacionadas com a síndrome. Não são raras as vezes em que o quadro de síndrome dolorosa miofascial é acompanhado por uma outra afecção localizada do aparelho locomotor, como o caso de uma tendinite no punho associada à dor na musculatura do antebraço. Assim, o diagnóstico não deve se limitar à síndrome miofascial, é importante observar outros problemas musculoesqueléticos do paciente. OU SEJA... A dor miofascial ou musculoesquelética regional é comumente encontrada na prática clínica. A síndrome dolorosa miofascial é definida como um distúrbio doloroso crônicoacompanhado Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina de pontos-gatilho em um ou mais músculos ou grupos musculares, e é uma causa frequente de dor no pescoço e no ombro, cefaleia do tipo de tensão e lombalgia. Como também ocorre na SFM, essa síndrome é observada mais comumente em mulheres e geralmente está associada a limitação dos movimentos, fraqueza e disfunção autonômica, assim como a pontos-gatilho e a dor referida. DE FORMA GERAL: é uma “forma localizada de fibromialgia”. A dor miofascial é definida como uma dor muscular localizada, associada à dor referida em áreas adjacentes, sendo ambas desencadeadas pela digito pressão em um ponto específico, chamado trigger point. Esses indivíduos, ao contrário da fibromialgia, queixam-se de uma síndrome álgica LOCALIZADA. A dor relatada pelo paciente pode ser reproduzida pela digito pressão de um trigger point. Os trigger points descritos tipicamente se localizam na porção superior do corpo, em grupamentos musculares, sendo os principais: subescapular, trapézio inferior e trapézio superior. O trigger point corresponde a uma banda muscular que geralmente se encontra "tensa". São os chamados "nós musculares", descritos também na fibromialgia. A fibromialgia pode ser considerada uma forma generalizada da síndrome de dor miofascial e os tender points se comportam como trigger points em alguns casos. Algumas síndromes álgicas comuns e bastante conhecidas dos médicos podem, na verdade, ser consideradas como um tipo de dor miofascial. São elas: cefaleia tensional, dor cervical ou lombar crônicas inexplicáveis, dor temporomandibular. O tratamento da dor miofascial é basicamente local, principalmente com técnicas de alongamento ou aplicação tópica de frio ou calor. Anestesia local periódica com lidocaína vem sendo usada com sucesso nestes pacientes. 2- IDENTIFICAR AS CARACTERÍSTICAS PROPEDÊUTICAS DA DOR; DÉCALOGO SEMIOLÓGICO DA DOR Localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade, duração, evolução, relação com funções orgânicas, fatores desencadeantes ou agravantes, fatores atenuantes e manifestações concomitantes. Localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade, duração, evolução, relação com funções orgânicas, fatores desencadeantes ou agravantes, fatores atenuantes e manifestações concomitantes. 1 LOCALIZAÇÃO. Refere-se à região onde o paciente sente a dor. Deve-se solicitar ao paciente que aponte com o dedo ou a mão a área onde sente a dor, que deve ser registrada de acordo com a nomenclatura das regiões da superfície corporal. Quando o paciente relata dor em mais de um local, é importante que todos os locais sejam registrados no mapa corporal, devendo ser interpretados separadamente, o que permite deduzir se a sensação dolorosa é irradiada ou referida ou de diferentes causas. Cumpre ressaltar que dor percebida em diferentes locais pode indicar uma mesma doença (ex. doença reumática), processos mórbidos independentes ou adquirir características de dor psicogênica, em geral, mal localizada. É relevante avaliar a sensibilidade na área onde se localiza a dor e adjacências. A hipoestesia, por exemplo, é evocativa de dor neuropática, sobretudo se for descrita como em queimação ou formigamento. Por vezes, a sensibilidade pode estar aumentada, o que indica hiperestesia (hipersensibilidade aos estímulos táteis) e hiperalgesia (hipersensibilidade aos estímulos álgicos), traduzindo reações que ocorrem em uma área sem comprometimento da inervação sensorial. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina Alodinia e hiperpatia que ocorrem em uma área de hipoestesia são indicadores de dor neuropática. Sua verificação é particularmente útil nos casos em que o déficit sensorial é subclínico, ou seja, condições em que é mais difícil de confirmar o diagnóstico de dor neuropática. Lembrar que a dor somática superficial tende a ser mais localizada, enquanto a somática profunda e a visceral, assim como a neuropática, tendem a ser mais difusas. 2 IRRADIAÇÃO. A dor pode ser estritamente localizada ou irradiada, quando segue o trajeto de uma raiz nervosa ou nervo, ou referida, cujo mecanismo é diferente. Não se deve confundir dor referida e dor irradiada. O reconhecimento da localização inicial da dor e de sua irradiação pode indicar a estrutura nervosa comprometida. Exemplos de dor irradiada: ■ Neuralgia occipital: dor na transição occipitocervical, com irradiação superior, anterior e lateral, podendo atingir vértex, globos oculares, ouvidos e, às vezes, a face (comprometimento da raiz C2 e/ou C3) ■ Cervicobraquialgia: dor cervical com irradiação para a face lateral do braço e antebraço (raiz C6) ■ Dorsalgia com irradiação anterior, passando, pela escápula, para a área mamilar (raiz T4) ■ Dorsalgia na transição toracolombar, com irradiação anterior e inferior. A dor irradiada pode surgir em decorrência do comprometimento de qualquer raiz nervosa, podendo o território de irradiação ser conhecido pelo exame do mapa dermatomérico. Exemplos de dor referida: processo patológico no apêndice – dor na região epigástrica; na vesícula e fígado – dor na escápula e no ombro; no ureter – dor na virilha e genitália externa; no coração – dor na face medial do braço. Cumpre ressaltar que processos patológicos anteriores ou concomitantes, que afetam estruturas inervadas por segmentos medulares adjacentes, aumentam a possibilidade de a dor ser sentida em uma região inervada por ambos os segmentos medulares, fazendo com que tenha localização atípica. 3 QUALIDADE OU CARÁTER. Para que seja definida a qualidade ou o caráter da dor, solicita-se ao paciente para descrever a sensação que a dor provoca. Não raro o paciente experimenta dificuldade em relatar a qualidade da dor. Quando isso ocorre, pode-se oferecer a ele uma relação de termos “descritores”, mais usados e solicitar que escolha aquele ou aqueles que descrevam a dor de maneira mais adequada. A importância prática desta característica é que o caráter da dor pode auxiliar a definir o processo patológico subjacente. Assim: dor de cabeça latejante ou pulsátil é sugestiva de enxaqueca, abscesso e odontalgia; dor em choque, neuralgia do trigêmeo; dor em cólica ou em torcedura, na cólica nefrética, biliar, intestinal ou menstrual; dor em queimação, se visceral na úlcera péptica e esofagite de refluxo e, se superficial, na dor neuropática; dor constritiva ou em aperto, na angina do peito e infarto do miocárdio; dor em pontada, nos processos pleurais; dor surda, nas doenças de vísceras maciças; dor “doída” ou dolorimento, nas doenças das vísceras maciças e musculares, como a lombalgia, e também na dor neuropática (constante); e dor em cãibra, em afecções musculares. 4 INTENSIDADE. É um componente relevante da dor. Aliás, é o que costuma ter mais importância para o paciente. Resulta da interpretação global dos seus aspectos sensoriais, emocionais e culturais. Como é uma experiência sensorial subjetiva, a avaliação da intensidade feita pelo paciente é o elemento fundamental desta característica. Isto porque, segundo a Organização Mundial da Saúde, a intensidade é o principal componente para escolha do esquema terapêutico, havendo para isso uma escala proposta pela OMS para a escolha do(s) medicamento(s). Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina ESCALAS DE DOR. As escalas com expressões, tais como sem dor, dor leve, dor moderada, dor intensa, dor muito intensa e pior dor possível, de amplo uso, têm a desvantagem de serem subjetivas. Em adultos, prefere-se, uma escala analógica, a qual consiste em uma linha reta com um comprimento de 10 centímetros, tendo em seus extremos as designações sem dor e pior dor possível. É solicitado ao paciente que indique a intensidade da dor em algum ponto dessa linha. O resultado é registrado com um valor de zero a dez. Esta escala não exclui o componente subjetivo, mas melhora a avaliação da intensidade. Para adultos com baixa escolaridade,crianças e idosos, para os quais a compreensão da escala analógica visual pode ser difícil, podem-se utilizar as escalas de representação gráfica não numérica, como a de expressões faciais de sofrimento: sem dor, dor leve, dor moderada e dor intensa. Se o paciente tem dificuldade em definir a “pior dor possível”, solicita-se a ele que a compare com a dor mais intensa já experimentada. A interferência da dor no sono, trabalho, relacionamento conjugal e familiar e atividade sexual, social e recreativa fornece pistas indiretas, porém, objetivas, de sua intensidade, devendo, portanto, ser valorizadas. Dentre alguns tipos de escalas, existem as escalas unidimensionais que vêm sendo caracterizadas por avaliarem apenas o aspecto intensidade da dor, e as multidimensionais, que por sua vez, avaliam diversos aspectos da dor (afetivo-emocionais). As escalas unidimensionais incluem: • escala verbal descritiva; • escala visual analógica (EAV); • escala visual numérica (EVN); • escala facial (FPS - faces pain scale); • escala NFCS (neonatalfacial coding system), utilizada para neonatos. E as multidimensionais: • questionário de McGill; • escala graduada de dor crônica (EGDC-Br); • escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR); • mensuração da dor geriátrica (GPM- geriatric pain measure); • escala NIPS (utilizada para neonatos); • escala PIIP (utilizada para neonatos); • escala CRIES (utilizada para neonatos); • Escala MOPS (utilizada em crianças); • escala FLACC (utilizada em crianças); • cartões da qualidade da dor (utilizados em crianças). 5 DURAÇÃO. Inicialmente, determina-se com a máxima precisão possível a data de início da dor. Quando é contínua, calcula-se sua duração de acordo com o tempo transcorrido entre o início e o momento da anamnese. Se for cíclica, deve-se registrar a data e a duração de cada episódio doloroso. Se é intermitente e ocorre várias vezes ao dia, são registradas a data de seu início, a duração média dos episódios dolorosos, o número médio de crises por dia e de dias por mês em que se sente dor. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina Dependendo da duração, a dor pode ser classificada em aguda ou crônica. Aguda é a dor que dura menos de 1 mês (ou 3 meses, conforme alguns autores), e cessa dias ou semanas após o desaparecimento ou melhora da doença ou lesão. Dor crônica é a que persiste além do tempo necessário para a cura da doença ou da lesão, habitualmente mais de 3 meses, transformando-se em uma condição clínica de grande interesse prático. Deixa de ser um “sintoma” e passa a ser a “doença” do paciente. Em geral, este tipo de dor está associado a fatores sociais e emocionais 6 EVOLUÇÃO. Trata-se de uma característica de grande relevância, que revela a maneira como a dor evoluiu, desde seu início até o momento da anamnese. A investigação é iniciada pelo modo de instalação: se súbita ou insidiosa. É relevante definir a concomitância da atuação do fator causal e o início da sensação dolorosa. Ela pode ser uma dor neuropática ou nociceptiva. Durante sua evolução, pode haver as mais variadas modificações na dor. O não reconhecimento da forma inicial de apresentação da dor (caso o paciente só seja visto tardiamente) torna mais difícil a caracterização da dor. Em pacientes com dor neuropática, os seus componentes frequentemente surgem em épocas diferentes. A dor nociceptiva também pode mudar suas características. A intensidade da dor também pode variar ao longo da evolução. Sua redução progressiva, sem qualquer alteração no tratamento, pode indicar que o quadro doloroso está entrando em remissão. Intensidade inalterada ou progressiva ou agravamento ao longo dos meses, a despeito de tratamento adequado, por outro lado, sugere que ela se tornou crônica. Uma dor crônica pode sofrer alterações de intensidade em um mesmo dia (ritmicidade) ou surgir em surtos periódicos, ao longo dos meses ou anos (periodicidade). Além dessas características evolutivas, a dor pode mudar seu padrão em função do tratamento. Assim, é necessário avaliar não somente as características da dor na fase inicial ou no momento atual, mas as alterações ao longo de sua evolução. 7 RELAÇÃO COM FUNÇÕES ORGÂNICAS. Essa característica é avaliada, tendo em conta a localização da dor e os órgãos e estruturas situados na mesma área. Assim, se a dor for cervical, dorsal ou lombar, pesquisa-se sua relação com os movimentos da coluna (flexão, extensão, rotação e inclinação); se for torácica, com a respiração, movimentos do tórax, tosse, espirro e esforço físico; se tiver localização retroesternal, com a deglutição, posição e esforço físico; se for periumbilical ou epigástrica, com a ingestão de alimentos; se no hipocôndrio direito, com a ingestão de substâncias gordurosas; se no baixo-ventre, com a micção, evacuação e menstruação; se articular ou muscular, com a movimentação daquela articulação ou músculo; se nos membros inferiores, com a deambulação, e assim por diante. Quase sempre, a dor é acentuada pela atividade funcional do órgão em que se origina. Assim, na insuficiência arterial mesentérica que se manifesta por dor surda, periumbilical, a intensidade aumenta após alimentação, em virtude da estimulação do peristaltismo intestinal. 8 FATORE DESENCADEANTES OU AGRAVANTES. São os fatores que desencadeiam a dor, ou a agravam. As funções orgânicas estão entre estes fatores, porém outros podem ser identificados. Devem ser procurados ativamente, pois, além de ajudarem a esclarecer o diagnóstico, seu afastamento constitui parte importante do tratamento. 9 FATORE ATENUANTES. São os que aliviam a dor, incluindo funções orgânicas, posturas ou atitudes que protegem a estrutura ou função do órgão onde é originada (atitudes antálgicas), incluindo repouso, distração, analgésicos opioides e não opioides, anti-inflamatórios hormonais e não hormonais, relaxantes musculares, antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos, anestésicos locais, fisioterapia, acupuntura, bloqueios anestésicos, procedimentos cirúrgicos e outras intervenções. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina No que se refere aos medicamentos, indagar nomes, doses e períodos em que foram usados. A distração tende a diminuir qualquer dor. Locais escuros e silenciosos podem aliviar a enxaqueca. A distensão das vísceras abdominais maciças (distensão da cápsula hepática, esplênica e renal, da serosa pancreática e pelve renal) ou ocas é acentuada pelo aumento da pressão intra-abdominal. Assim, o paciente tende a assumir posições que reduzam a pressão sobre o órgão lesado. A resposta a qualquer tipo de tratamento pode ser de grande utilidade na avaliação da dor. 10 MANIFESTAÇÕES CONCOMITANTES. A dor aguda, nociceptiva, sobretudo quando intensa, costuma acompanhar-se de manifestações neurovegetativas, que se devem à estimulação do sistema nervoso autônomo, expressando-se por sudorese, palidez, taquicardia, hipertensão arterial, mal-estar, náuseas e vômitos. Identificar as manifestações clínicas relacionadas à enfermidade de base é de grande valia para o diagnóstico. 3- ENTENDER A FIBROMIALGIA, SUA FISIOPATOLOGIA, QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO (FARMACOLÓGICO E NÃO FARMACOLÓGICO); FISIOPATOLOGIA: A etiologia e a patogênese da fibromialgia são largamente desconhecidas. Postula-se que sua origem seja multifatorial, com predisposição poligênica. Alguns pacientes abrem o quadro após um nítido fator precipitante, como infecção viral, trauma físico ou estresse emocional. Contudo, muitos pacientes não relatam qualquer evento desencadeante em seu histórico. Algumas teorias são fundamentadas em observações experimentais: • Discretas alterações histológicas podem ser encontradas na biópsia muscular dos portadores de fibromialgia, porém, as mesmas alterações também são observadas em indivíduos sedentários e assintomáticos. Seja como for, é possível que essas lesões justifiquem a típica mialgia esforço-Induzida que os fibromiálgicos apresentam; • O sono de má qualidade influi negativamente na performance muscular e na disposição física. Um estudo mostrou que submeter indivíduos hígidos a diversos ciclos sucessivos de sono não reparador desencadeia um quadro muito semelhante à fibromialgia. Um estudo realizado com SPECT (exame de neuroimagem "funcional") demonstrou hipofluxo sanguíneo no tálamo e outras estruturas implicadas na modulação central da dor. O achado de níveis reduzidos de cortisol livre urinário e a fraca resposta do cortisol à estimulação com ACTH sugerem um possível defeito no eixo hipotálamo-adrenal como parte dos mecanismos fisiopatológicos. O eventual envolvimento do sistema nervoso autônomo justificaria a positividade no tilt-test (teste que mede a resposta da pressão arterial e da frequência cardíaca à inclinação, com o paciente em uma mesa especial) em grande parte dos pacientes, bem como a maior intolerância ao frio e a presença ocasional de olhos e boca seca. Finalmente, pode-se compreender a fibromialgia como um distúrbio de neurotransmissores: • Sabe-se que a depleção de serotonina faz aumentar, no sistema nervoso central, os níveis de substância P, um neurotransmissor importante para a sensibilidade dolorosa. Nos distúrbios do sono, na depressão e na fibromialgia, existe uma provável alteração de neurotransmissores no SNC, com redução dos níveis de serotonina e aumento da concentração de substância P, levando a um estado de hipersensibilidade à dor. Esse mecanismo fisiopatológico também explicaria a cefaleia tensional, bastante comum em pacientes com fibromialgia. Veremos adiante que os antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, conseguem melhorar os sintomas da fibromialgia devido a sua ação sobre a dinâmica dos neurotransmissores do SNC. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Cefaleia é outra queixa muito comum. Pode ser do tipo enxaqueca, tensional ou, então, do tipo mista. Alterações do ritmo intestinal e dor abdominal em cólica também Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina são frequentes, compondo a síndrome do cólon irritável. Parestesias nas extremidades e, eventualmente, sintomas Raynaud-símiles, podem ocorrer. É esperado alguma forma de distúrbio do sono na fibromialgia. A insônia ou a má qualidade do sono são comemorativos típicos do quadro. Esses indivíduos costumam ter alterações eletroencefalográficas durante o sono, com um predomínio de ondas alfa e delta (sono de ondas lentas). Disfunção cognitiva é outra queixa frequente. DIAGNÓSTICO: Ao longo das últimas décadas, diversas tentativas de se criar critérios precisos para a confirmação diagnóstica de fibromialgia foram realizadas. Por se tratar de uma desordem "funcional", que não produz alterações específicas e exclusivas em exames complementares, tal tarefa desde sempre se mostrou um enorme desafio. No geral, os critérios que chegaram a ser validados na realidade se prestavam mais à padronização dos estudos científicos, garantindo a seleção de populações relativamente homogêneas de pacientes, isto é, eram mais "critérios de classificação" do que ferramentas práticas que permitissem um diagnóstico clínico objetivo na rotina diária, possuindo implicações terapêuticas. Seja como for, a busca continua... Recentemente, em 2019, novos critérios (mais simples e diretos do que os anteriores, que eram de 2010), foram propostos. Trata-se dos critérios da AAPT. A sigla AAPT se refere ao consórcio entre a Analgesic, Anesthetic, and Addiction Clinical Trial Translations Innovations Opportunities and Networks (ACTTION) com a American Pain Society (APS), que criou a ACTTION-APS Pain Taxonomy (AAPT). De acordo com a AAPT, para receber o diagnóstico de fibromialgia um indivíduo precisa preencher os três quesitos a seguir: 1. Dor em seis ou mais de nove regiões definidas; 2. Fadiga e/ou distúrbios do sono moderados a graves; 3. Presença dos quesitos 1 e 2 por pelo menos três meses. De acordo com estes critérios: (1) não é preciso mais fazer a contagem de tender points no exame físico do paciente; (2) a presença de qualquer doença orgânica dolorosa de base não afasta o diagnóstico de fibromialgia, mas o paciente deve ser cuidadosamente avaliado para que seja definido o quanto dos sintomas pode ser atribuído a esta doença (respondendo apenas ao tratamento voltado para ela) e o quanto pode ser atribuído à existência de fibromialgia, isto é, um distúrbio no processamento central da dor que requer tratamento com medidas diferenciadas. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: A depressão acompanha 25-60% dos casos de fibromialgia; a síndrome do cólon irritável está presente em cerca de 50-80%; a enxaqueca é vista em 50%. Agora, existem duas outras síndromes reumatológicas "funcionais" que se assemelham em muitos aspectos à fibromialgia e constituem importantes diagnósticos diferenciais. São elas: ● Síndrome da fadiga crônica; ● Dor miofascial, abordada no próximo objetivo. Algumas doenças podem se manifestar com quadros semelhantes à fibromialgia. Aquelas que mais podem ser confundidas com esta entidade são: artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, polimialgia reumática e hipotireoidismo. Todas podem se manifestar, inicialmente, com dor musculo esquelética generalizada. O exame minucioso das articulações e a solicitação de exames laboratoriais são fundamentais para afastar esses diagnósticos. A presença de sinais flogísticos articulares, mesmo que discretos, e o achado de anemia de doença crônica e de aumento do VHS sugerem o diagnóstico de uma doença Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina reumática que não a fibromialgia. Altos títulos de fator reumatoide e alterações radiológicas nas mãos falam a favor de AR; altos títulos de Fator Anti nuclear (FAN) e alterações cutâneas e/ou sistêmicas sugerem LES. A polimialgia reumática costuma se manifestar em indivíduos idosos, caracterizada por dor e rigidez nas cinturas escapular e pélvica, associada a um aumento significativo do VHS, discreta anemia e uma pronta resposta aos corticosteroides (prednisona em baixas doses). O hipotireoidismo pode se manifestar com mialgia difusa, confundindo-se com a fibromialgia. Às vezes, os sintomas e sinais típicos do hipotireoidismo podem ser sutis, não chamando a atenção do médico. A dosagem de hormônios tireoidianos deve ser feita de rotina em pacientes com sintomas fibromiálgicos. Outros diagnósticos diferenciais são as miosites (manifestando-se com mialgia e fraqueza muscular proximal), a síndrome de Sjögren, as neuropatias periféricas, as radiculopatias e a miastenia gravis. Na verdade, a fibromialgia pode se associar a todas as doenças reumáticas ou não reumáticas descritas acima. Um estudo mostrou que 12% dos pacientes com AR e 7% dos pacientes com osteoartrose apresentam fibromialgia associada. A fibromialgia associada ao hipotireoidismo pode não melhorar com a reposição hormonal. TRATAMENTO: Sempre que possível, a abordagem do médico deve ser educativa e acolhedora, estabelecendo um vínculo de parceria com o doente. O primeiro passo terapêutico, por conseguinte, consiste em esclarecer o paciente quanto à real natureza de seu problema, de modo que ele compreenda que o mesmo não representa um distúrbio meramente "psicológico". Também deve ser dito que a fibromialgia e a síndrome da fadiga crônica são entidades benignas sem ameaça à vida, ainda que os sintomas sejam de difícil controle. O espectro clínico da fibromialgia é extremamente variável, indo desde quadros leves e espontaneamente reversíveis até situações verdadeiramente incapacitantes. Assim, o afastamento temporário do trabalho pode ser benéfico em alguns casos, mas o objetivo principal sempre deve ser o restabelecimento de uma função laborativa plena. Fatores agravantes de caráter emocional podem ser manejados com auxílio da terapia cognitivo-comportamental, que é comprovadamente benéfica. Após o esclarecimento do doente e seus familiares,os próximos passos no tratamento da fibromialgia são: • Atividades físicas aeróbicas, de preferência diárias; • Uso de moduladores centrais da dor. O sedentarismo é sempre prejudicial. Muitos pacientes melhoram consideravelmente após engajarem num programa de atividade física regular (ex.: atividades de baixo impacto como hidroginástica, Tai Chi Chuan e caminhada, ou mesmo atividades mais intensas como corrida, natação e ciclismo; tudo depende da capacidade e motivação de cada paciente Em relação à terapia farmacológica, a amitriptilina é a droga mais clássica (e geralmente de primeira escolha), devendo ser usada em baixas doses (ex.: 25-50 mg VO/dia), tomadas antes de dormir. A ciclobenzaprina (relaxante muscular) e os analgésicos simples (como o paracetamol e adipirona) podem auxiliar no tratamento, sendo empregados conforme a necessidade individual. Recomenda-se, no entanto, evitar o uso prolongado ou recorrente de AINE e opioides (ainda que o tramadol possa ser útil em casos selecionados). A corticoterapia não exerce qualquer efeito na fibromialgia. Recentemente novas drogas foram aprovadas para uso na fibromialgia, por terem se mostrado benéficas em estudos clínicos. Estamos falando da duloxetina e do milnaciprano (antidepressivos inibidores da recaptação dupla de serotonina/noradrenalina), e dos anticonvulsivantes gabapentina e Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina pregabalina. A escolha de determinada droga deve se basear no padrão de queixas do doente, por exemplo: • Dor + insônia = usar drogas com efeito analgésico e facilitador do sono, como amitriptilina ou gabapentina/pregabalina; • Dor + depressão/ansiedade = usar drogas com efeito analgésico e antidepressivo/ansiolítico, como duloxetina ou milnaciprano. 4- DESCREVER O MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS, ENTENDENDO SUAS INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES; 1 POTENCIAL DE MEMBRANA: O principal mecanismo de ação dos anestésicos locais consiste em bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem. A membrana excitável dos axônios nervosos, à semelhança da membrana do músculo cardíaco e dos corpos celulares neuronais, mantém um potencial transmembrana em repouso de -90 a -60 mV. Durante a excitação, ocorre abertura dos canais de sódio, e uma rápida corrente de sódio internamente dirigida despolariza com rapidez a membrana para o potencial de equilíbrio do sódio (+40 mV). Em consequência desse processo de despolarização, ocorre fechamento dos canais de sódio (inativação), enquanto os canais de potássio se abrem. O fluxo de potássio para fora repolariza a membrana para o potencial de equilíbrio do potássio (cerca de -95 mV); a repolarização faz os canais de sódio retornarem ao estado de repouso, com um tempo de recuperação característico que determina o período refratário. Os gradientes iônicos transmembrana são mantidos pela bomba de sódio. Esses fluxos iônicos assemelham-se aos do músculo cardíaco, embora sejam mais simples, e os anestésicos locais apresentam efeitos semelhantes em ambos os tecidos. 2 ISOFORMAS DOS CANAIS DE SÓDIO: Cada canal de sódio consiste em uma única subunidade alfa contendo um poro central de condução de íons associado a subunidades beta acessórias. A subunidade alfa formadora do poro é, na verdade, suficiente para expressão funcional, porém a cinética e a dependência de voltagem da comporta do canal são modificadas pela subunidade beta. Vários canais de sódio diferentes foram caracterizados por registro eletrofisiológico, depois isolados e clonados, ao passo que a análise mutacional possibilitou a identificação dos componentes essenciais do sítio de ligação dos anestésicos locais. Dessa maneira, nove membros de uma família de canais de sódio de mamíferos foram caracterizados e classificados como Nav1.1 a Nav1.9, em que o símbolo químico representa o íon principal, o subscrito denota o regulador fisiológico (a voltagem, nesse caso), o número inicial indica o gene, e o número após o ponto, a isoforma particular. 3 BLOQUEIO DOS CANAIS: Certas toxinas biológicas, como a batracotoxina, a aconitina, a veratridina e alguns venenos de escorpiões ligam-se a receptores dentro do canal e impedem a sua inativação. Essa ação resulta em influxo prolongado de sódio através do canal e em despolarização do potencial em repouso. As toxinas marinhas tetrodotoxina (TTX) e saxitoxina apresentam efeitos clínicos similares, em grande parte, aos dos anestésicos locais (p. ex., bloqueio de condução sem alterações do potencial de repouso). Todavia, diferentemente dos anestésicos locais, seu sítio de ligação localiza- se próximo à superfície extracelular. A sensibilidade desses canais à TTX varia, e a subclassificação com base nessa sensibilidade farmacológica tem importantes implicações fisiológicas e terapêuticas. Seis dos já citados canais são sensíveis a concentrações nanomolares dessa biotoxina (TTX-S), ao passo que três deles são resistentes (TTX-R). Entre estes últimos, o Nav1.8 e o Nav1.9 parecem exclusivamente expressos em nociceptores dos gânglios da raiz dorsal, o que aumenta a possibilidade de desenvolver alvos para essas subpopulações neuronais específicas. Essa terapia analgésica aperfeiçoada tem o potencial teórico de proporcionar analgesia efetiva, enquanto limita os efeitos adversos significativos produzidos por bloqueadores inespecíficos dos canais de sódio. Quando são aplicadas concentrações progressivamente crescentes de determinado anestésico local a uma fibra nervosa, o limiar de excitação aumenta, a condução de impulsos torna--se mais lenta, a Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina taxa de elevação do potencial de ação declina, a amplitude do potencial de ação diminui e, por fim, a capacidade de geração de um potencial de ação é totalmente abolida. Esses efeitos progressivos resultam da ligação do anestésico local a um número cada vez maior de canais de sódio. Se a corrente de sódio for bloqueada ao longo de uma extensão crítica do nervo, a propagação através da área bloqueada não é mais possível. Nos nervos mielinizados, a extensão crítica parece ser de 2 a 3 nós de Ranvier. Na dose mínima necessária para bloquear a propagação, o potencial de repouso não é significativamente alterado. O bloqueio dos canais de sódio pela maioria dos anestésicos locais depende tanto da voltagem como do tempo. Os canais no estado de repouso, que predominam em potenciais de membranas mais negativos, exibem afinidade muito menor com os anestésicos locais do que nos canais ativados (no estado aberto) e inativados, que predominam em potenciais de membrana mais positivos. Por conseguinte, o efeito de determinada concentração do fármaco é mais acentuado nos axônios de disparo rápido do que nas fibras em repouso. Entre potenciais de ação sucessivos, parte dos canais de sódio recupera-se do bloqueio dos anestésicos locais. A recuperação de um bloqueio induzido por fármaco é 10 a 1.000 vezes mais lenta do que a recuperação dos canais de sua inativação norma. Em consequência, o período refratário aumenta, e o nervo conduz menos potenciais de ação. A elevação do cálcio extracelular antagoniza, em parte, a ação dos anestésicos locais, em virtude do aumento induzido pelo cálcio no potencial de superfície da membrana (que favorece o estado em repouso de baixa afinidade). Ademais, o aumento do potássio extracelular despolariza o potencial de membrana e favorece o estado inativado, intensificando o efeito dos anestésicos locais. 4 OUTROS EFEITOS: Os anestésicos locais atualmente usados ligam-se aos canais de sódio com baixa afinidade e pouca especificidade, e existem vários outros locais para os quais a sua afinidade é quase igual àquela para a ligação ao canal de sódio. Por conseguinte, na presença de concentrações clinicamente relevantes, os anestésicos locais apresentam atividade potencial em inúmeros outros canais (p. ex., de potássio e de cálcio), enzimas (p. ex., adenililciclase, carnitina-acilcarnitina-translocase) e receptores (p. ex., N-metil-d-aspartato [NMDA], acoplados à proteína G, 5-HT3, neurocinina-1 [receptor de substância P]). A função desempenhada por esses efeitos auxiliares na produção de anestesia local parece importante, porém não está bem elucidada. Além disso, as interações com esses outros locais provavelmente constituem a base para inúmeras diferenças observadas entre os anestésicos locais no que diz respeito aos efeitos anestésicos (p. ex., bloqueio diferencial) e toxicidades que não acompanham a potência anestésica, de modo que não são adequadamente explicadas apenas pelo bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem. As ações dos anestésicos locais circulantes nesses diversos locais exercem muitos efeitos, alguns dos quais vão além do controle da dor e são também potencialmente benéficos. Por exemplo, há evidências de que a atenuação da resposta ao estresse e a melhora dos resultados perioperatórios, que podem ocorrer com anestesia epidural, provêm, em parte, de uma ação do anestésico além do bloqueio dos canais de sódio. Os anestésicos circulantes também exibem efeitos antitrombóticos que têm impacto sobre a coagulação, sobre a agregação plaquetária e sobre a microcirculação, bem como sobre a modulação da inflamação. INDICAÇÃO: A infiltração anestésica está indicada para procedimentos diagnósticos e terapêuticos envolvendo pequenas áreas do corpo. Pode ser usada, por exemplo, no tratamento da dor crônica ou severa em alguns casos; e, ainda, como teste terapêutico. É prudente destacar que, em crianças, Efeito da atividade repetitiva sobre o bloqueio da corrente de sódio produzido por um anestésico local em um axônio mielinizado. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina sugere-se o controle inicial da dor com anestésico tópico, em vez de anestesia infiltrativa, para pequenos cortes faciais ou cutâneas não complicadas como, por exemplo, picadas de inseto, queimaduras de primeiro grau ou venopunção. Uma única aplicação (na pele) em crianças com peso inferior a 10 kg não deverá cobrir uma área maior que 100 cm2; em crianças com peso entre 10 e 20 kg não deverá cobrir uma área maior que 200 cm2. CONTRAINDICAÇÕES: A infiltração de ALs, em geral, não é recomendada para: • pacientes com histórico de alergia ou anafilaxia; • manejo de cirurgias maiores e lacerações extensas ou múltiplas, pois a dose total necessária para um efeito adequado é próxima da dose anestésica máxima permitida, sendo necessário, em alguns casos, diluir o fármaco antes de iniciar o procedimento, para possibilitar a infiltração de um maior volume sem exceder a dose máxima recomendada. A epinefrina com infiltração de anestesia local não deve ser utilizada: • em feridas grandes em pacientes com comorbidades que podem ser exacerbadas por efeitos sistêmicos da epinefrina (p. ex., hipertireoidismo, feocromocitoma, hipertensão grave e doença arterial coronariana); • em anestesia por bloqueio digital em pacientes com circulação digital comprometida; • em pacientes com sensibilidade às catecolaminas; • pacientes em uso de outras drogas que sofrem interação com a epinefrina. Atualmente, a utilização dos ALs é mais segura devido ao aparecimento de medicamentos menos tóxicos e ao advento da emulsão lipídica para o tratamento da intoxicação. É prudente frisar que, por causa da toxicidade e reações alérgicas, os ésteres têm indicações limitadas para infiltração local na prática médica, exceto em pacientes com histórico de alergia a anestésicos do tipo amida, o que é raro. 5- COMPREENDER O MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS PARA O TRATAMENTO DA DOR; FISIOPATOLOGIA DO TRANSTORNO DA DEPRESSÃO MAIOR HIPÓTESE NEUROTRÓFICA: Há evidências substanciais sobre a importante função desempenhada por fatores de crescimento dos nervos, como o fator neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF), na regulação da plasticidade neural, resiliência e neurogênese. Os dados sugerem que a depressão está associada a uma perda do suporte neurotrófico, e que as terapias antidepressivas efetivas aumentam a neurogênese e a conexão sináptica nas áreas corticais, como o hipocampo. Acredita-se que o BDNF exerça a sua influência sobre a sobrevida neuronal e efeitos de crescimento ao ativar a tirosina-cinase do receptor B tanto nos neurônios como na glia. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina Várias linhas de evidências corroboram a hipótese neurotrófica. Estudos realizados em animais e em seres humanos indicam que o estresse e a dor estão associados a uma queda dos níveis de BDNF, e que essa perda de suporte neurotrófico contribui para a ocorrência de alterações estruturais atróficas no hipocampo e, talvez, em outras áreas, como o córtex frontal medial e o cingulado anterior. Sabe- se que o hipocampo é importante tanto na memória contextual como na regulação do eixo hipotálamo- hipófise-suprarrenal (HHSR). De forma semelhante, o cingulado anterior desempenha uma função na integração dos estímulos emocionais e funções de atenção, enquanto se acredita também que o córtex frontal orbital medial desempenha um papel na memória, na aprendizagem e nas emoções. Mais de 30 exames de imagens estruturais sugerem que a depressão maior está associada a uma perda de 5 a 10% do volume do hipocampo. A perda de volume em estruturas como o hipocampo também parece aumentar em função da duração da doença e quantidade de tempo durante o qual a depressão permanece sem tratamento. Outra fonte de evidências que sustentam a hipótese neurotrófica da depressão provém de estudos dos efeitos diretos do BDNF sobre a regulação emocional. Esse aumento nos níveis de BDNF está consistentemente associado ao aumento da neurogênese no hipocampo nos modelos animais. Os estudos conduzidos em seres humanos parecem confirmar os dados obtidos de animais sobre a função dos fatores neuro tróficos nos estados de estresse. A depressão parece estar associada a uma queda dos níveis de BDNF no líquido cerebrospinal e no soro, bem como a uma redução na atividade da tirosina-cinase do receptor B. Por outro lado, a administração de antidepressivos aumenta os níveis de BDNF em ensaios clínicos e pode estar associada a um aumento de volume do hipocampo em alguns pacientes. Uma explicação proposta para os achados discrepantes na função dos fatores neurotróficos na depressão reside na existência de polimorfismos para o BDNF, que poderiam produzir efeitos muito diferentes. Constatou-se que mutações no gene BDNF estão associadas a uma alteração do comportamento de ansiedade e do comportamento depressivo em estudos tanto de animais como de seres humanos. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina MONOAMINA E OUTROS NEUROTRANSMISSORES: A hipótese monoaminérgica da depressão sugere que a depressão está relacionada com uma deficiência na quantidade ou na função da serotonina (5-HT), norepinefrina (NE) e dopamina (DA) corticais e límbicas. Sabe-se, há muitos anos, que o tratamento com reserpina, que provoca depleção das monoaminas, está associado à ocorrência de depressão em um subgrupo de pacientes. De forma semelhante, pacientes deprimidos que respondem a antidepressivos serotoninérgicos, como a fluoxetina, com frequência sofrem rapidamente recidiva quando recebem dietas desprovidas de triptofano, um precursor da síntese de serotonina. Os pacientes que respondem aos antidepressivos não adrenérgicos, como a desipramina, têm menos tendência a sofrer recidiva com uma dieta desprovida de triptofano. Além disso, a depleção das catecolaminas em pacientes deprimidos que anteriormente responderam a agentes não adrenérgicos também tende a estar associada à ocorrência de recidiva. A administração de um inibidor da síntese de norepinefrina também está associada a um rápido retorno dos sintomas depressivos em pacientes que respondem a antidepressivos noradrenérgicos, mas não necessariamente naqueles que respondem a antidepressivos serotoninérgicos. Existe umpolimorfismo funcional na região promotora do gene do transportador de serotonina, que regula a quantidade disponível da proteína transportadora. Os indivíduos homozigotos para o alelo s (curto) podem ser mais vulneráveis ao desenvolvimento de depressão maior e comportamentos suicida em resposta ao estresse. Além disso, os homozigotos para o alelo s também podem ter menos tendência a responder aos antidepressivos serotoninérgicos e a tolerá-los. Por outro lado, indivíduos com o alelo l (longo) tendem a ser mais resistentes ao estresse e a responder a antidepressivos serotoninérgicos. Uma redução no principal metabólito da serotonina, o ácido 5-hidroxi-indolacético, no líquido cerebrospinal está associada a comportamento violento e impulsivo, incluindo tentativas violentas de suicídio. Entretanto, esse achado não é específico da depressão maior e está associado mais geralmente a um comportamento violento e impulsivo. Por fim, talvez a linha mais convincente de evidências favoráveis à hipótese monoaminérgica seja o fato de que todos os antidepressivos disponíveis parecem exercer efeitos significativos sobre o sistema monoaminérgico. Todas as classes de antidepressivos parecem aumentar a disponibilidade sináptica de 5-HT, norepinefrina ou dopamina. A hipótese monoaminérgica, à semelhança da hipótese neu-rotrófica, é, na melhor das perspectivas, incompleta. Muitos estudos não encontraram qualquer alteração na função ou nos níveis de monoaminas em pacientes deprimidos. Além disso, alguns agentes antidepressivos candidatos em fase de estudo não atuam diretamente sobre o sistema monoaminérgico. Além das monoaminas, o neurotransmissor excitatório glutamato parece ser importante na fisiopatologia da depressão. Vários estudos realizados em pacientes deprimidos constataram níveis elevados de glutamato no líquido cerebrospinal de pacientes deprimidos e uma redução da razão glutamina/glutamato no plasma. Além disso, estudos post mortem revelaram aumentos significativos no córtex frontal e pré- frontal dorsolateral de pacientes deprimidos. De forma semelhante, exames de neuroimagem estruturais detectaram consistentemente alterações volumétricas nas áreas cerebrais de pacientes deprimidos onde os neurônios de glutamato e suas conexões são mais abundantes, incluindo a amígdala e o hipocampo. Sabe-se que os antidepressivos têm impacto na neurotransmissão glutamatérgica de diversas maneiras. Por exemplo, o uso crônico de antidepressivos está associado a uma redução da transmissão glutamatérgica, incluindo a liberação pré-sináptica de glutamato no hipocampo e nas áreas corticais. De modo semelhante, a administração crônica de antidepressivos reduz significativamente a liberação de glutamato evocada por despolarização em modelos animais. Sabe- se que o estresse aumenta a liberação de glutamato em roedores, e os antidepressivos inibem a liberação pré-sináptica de glutamato induzida por estresse nesses modelos. FATORES NEUROENDÓCRINOS NA FISIOPATOLOGIA DA DEPRESSÃO: Sabe-se que a depressão está associada a diversas anormalidades hormonais. Entre os mais importantes desses achados, estão anormalidades do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal HHSR em pacientes com TDM. Além disso, o TDM está associado a níveis elevados de cortisol, não supressão da liberação do Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina hormônio adrenocorti-cotrófico (ACTH) no teste de supressão com dexametasona e elevação crônica dos níveis do hormônio de liberação da corticotrofina. A importância dessas anormalidades do eixo HHSR não está bem esclarecida, porém acredita-se que indiquem uma desregulação do eixo dos hormônios do estresse. É mais comum que tipos mais graves de depressão, como a psicótica, associem-se a anormalidades do eixo HHSR do que formas mais leves. Sabe-se que tanto os glicocorticoides exógenos como a elevação do cortisol endógeno estão associados a sintomas de humor e déficits cognitivos semelhantes àqueles observados no TDM. Foi também relatada a ocorrência de desregulação da glândula tireoide em pacientes deprimidos. Até 25% dos pacientes deprimidos apresentam função anormal da tireoide. Essas anormalidades incluem redução da resposta da tireotrofina ao hormônio de liberação da tireotrofina e a elevações dos níveis circulantes de tiroxina durante estados deprimidos. Com frequência, o hipotireoidismo clínico ocorre com sintomas depressivos, que desaparecem com a suplementação com hormônio tireoidiano. Os hormônios tireoidianos também são usados em associação com antidepressivos convencionais para aumento dos efeitos terapêuticos desses últimos. Por fim, os esteroides sexuais também estão implicados na fisiopatologia da depressão. Acredita-se que os estados de deficiência de estrogênio, que ocorrem nos períodos pós-parto e pós--menopausa, desempenham uma função na etiologia da depressão em algumas mulheres. De forma semelhante, a deficiência grave de testosterona nos homens está algumas vezes associada a sintomas depressivos. A terapia de reposição hormonal em homens e mulheres com hipogonadismo pode estar associada à melhoria do humor e à diminuição dos sintomas depressivos. INTEGRAÇÃO DAS HIPÓTESES SOBRE A FISIOPATOLOGIA DA DEPRESSÃO: As várias hipóteses fisiopatológicas descritas não são mutuamente exclusivas. É evidente que os sistemas monoaminérgico, neuroendócrino e neurotrófico estão inter-relacionados de maneira significativa. Por exemplo, as anormalidades do eixo HHSR e dos esteroides podem contribuir para a supressão da transcrição do gene BDNF. Receptores de glicocorticoides são encontrados em alta densidade no hipocampo. A ligação desses receptores de glicocorticoides no hipocampo pelo cortisol durante estados crônicos de estresse, como a depressão maior, pode diminuir a síntese de BDNF e resultar em perda de volume de regiões sensíveis ao estresse, como o hipocampo. A ativação crônica dos receptores de monoaminas pelos antidepressivos parece ter o efeito oposto do estresse, resultando em aumento da transcrição do BDNF. Além disso, a ativação dos receptores de monoamina parece infrarregular o eixo HHSR, podendo normalizar a função HHSR. Um dos pontos fracos da hipótese monoaminérgica reside no fato de que os níveis de aminas aumentam imediatamente com o uso de antidepressivos, porém os efeitos benéficos máximos dos fármacos não são observados por várias semanas. O tempo necessário para a síntese de fatores neurotróficos foi proposto para a demora dos efeitos antidepressivos. A síntese proteica apreciável de produtos como o BDNF geralmente leva duas semanas ou mais e coincide com o curso do tratamento com antidepressivos. FARMARCODINÂMICA – MECANISMO DE AÇÃO ISRS – inibidores de serotonina. IRSN – inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina IMAO – inibidores de monoaminoxidase ADT – antidepressivos tricíclicos Conforme assinalado, todos os antidepressivos atualmente disponíveis aumentam a neurotransmissão monoamínica por meio de um de vários mecanismos. O mecanismo mais comum consiste na inibição da atividade do SERT, do NET ou de ambos os transportadores de monoaminas. Os antidepressivos que inibem o SERT, o NET ou ambos incluem os ISRSs e os IRSNs, bem como Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina os ADTs. Outro mecanismo que aumenta a disponibilidade de monoaminas é a inibição de sua degradação enzimática (pelos IMAOs). Outras estratégias para aumentar o tônus monoamínico incluem a ligação a au-torreceptores pré-sinápticos (mirtazapina) ou a receptores pós--sinápticos específicos (antagonistas dos receptores 5-HT2 e mirtazapina). Por fim, a disponibilidade aumentada de monoaminas para ligação na fenda sináptica resulta em uma cascata de eventos que aumentam a transcrição de algumas proteínas e a inibição de outras. É a produção efetiva dessas proteínas, inclusive o BDNF, os receptores de glicocorticoides, os receptores β-adrenérgicos e outras proteínas, que parece determinar osbenefícios, bem como a toxicidade de determinado agente. 1 INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA: O transportador de serotonina (SERT) é uma glicoproteína com 12 regiões transmembrana localizada na terminação axônica e membranas do corpo celular dos neurônios serotoninérgicos. Quando a serotonina extracelular liga- se a receptores no transportador, ocorrem alterações na conformação do transportador, e a serotonina, o Na+ e o Cl–são transferidos para o interior da célula. Em seguida, a ligação do K+ intracelular resulta na liberação de serotonina dentro da célula e retorno do transportador à sua conformação original. Os ISRSs inibem alostericamente o transportador por meio da ligação do receptor do SERT em um sítio diferente do sítio de ligação da serotonina. Em doses terapêuticas, cerca de 80% da atividade do transportador é inibida. Existem polimorfismos funcionais para o SERT, que determinam a atividade do transportador (Tabela 30-2). Os ISRSs possuem efeitos modestos sobre outros neurotransmissores. Diferentemente dos ADTs e dos IRSNs, há poucas evidências de que os ISRSs tenham efeitos proeminentes sobre os receptores β-adrenérgicos ou o NET. A ligação ao transportador de serotonina está associada a uma inibição tônica do sistema dopaminérgico, embora exista uma variabilidade interpessoal substancial nesse efeito. Os ISRSs não se ligam ativamente aos receptores de histamina, muscarínicos ou outros receptores. 2 FÁRMACOS QUE BLOQUEIAM OS TRANSPORTADORES DE SEROTONINA E NOREPINEFRINA A) INIBIDORES DA RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA – NOREPINEFRINA: Os IRSN ligam-se aos transportadores de serotonina e de norepinefrina. O NET é muito semelhante estruturalmente ao transportador de 5-HT. À semelhança do transportador de serotonina, trata- se de um complexo de domínios 12-transmem-brana, que se liga alostericamente à norepinefrina. O NET também exibe afinidade moderada com a dopamina. A venlafaxina é um inibidor fraco do NET, ao passo que a desvenlafaxina, a duloxetina, a milnaciprana e a levomilnaciprana são inibidores mais balanceados do SERT e do NET. Entretanto, a afinidade da maioria dos IRSNs tende a ser muito maior com o SERT do que com o NET. Os IRSNs diferem dos ADTs, visto que carecem dos potentes efeitos anti-histamínicos, bloqueadores α- adrenérgicos e anticolinérgicos dos ADTs. Em consequência, os IRSNs tendem a ser preferidos aos ADTs no tratamento do TDM e das síndromes de dor, em virtude de sua melhor tolerabilidade. B) ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS: Os ADTs assemelham-se aos IRSNs na sua função, e acredita-se que a sua atividade antidepressiva esteja relacionada principalmente com a inibição da recaptação de 5-HT e norepinefrina. Dentro da classe dos ADTs, observa-se uma considerável variabilidade na afinidade com SERT versus NET. Por exemplo, a clomipramina apresenta uma afinidade relativamente muito pequena com NET, porém liga-se fortemente ao SERT. Essa seletividade quanto ao transportador de serotonina contribui para os benefícios conhecidos da clomipramina no tratamento do TOC. Por outro lado, os ADTs de aminas secundárias, a desipramina e a nortriptilina, são relativamente mais seletivos quanto ao NET. Embora a imipramina, um ADT de amina terciária, exerça mais efeitos serotoninérgicos no início, o seu metabólito, a desipramina, equilibra esse efeito com maior inibição do NET. Os efeitos colaterais comuns dos ADTs, incluindo boca seca e constipação intestinal, são atribuíveis aos potentes efeitos antimuscarínicos de muitos desses fármacos. Os ADTs também tendem a ser antagonistas potentes do receptor de histamina H1. Algumas vezes, os ADTs, Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina como a doxepina, são prescritos como hipnóticos e usados no tratamento do prurido, em virtude de suas propriedades anti-histamínicas. O bloqueio dos receptores α-adrenérgicos pode resultar em hipotensão ortostática significativa, particularmente em pacientes mais velhos. C) MODULADORES DOS RECEPTORES 5-HT: A principal ação da nefazodona e da trazodona parece consistir em bloqueio do receptor 5-HT. A inibição desse receptor em estudos realizados em animais e seres humanos está associada a efeitos ansiolíticos, antipsicóticos e antidepressivos substanciais. Em contrapartida, os agonistas do receptor 5-HT2A, por exemplo, o ácido lisérgico (LSD) e a mescalina, com frequência são alucinógenos e ansiogênicos. O receptor 5-HT2A é acoplado à proteína G e está distribuído por todo o neocórtex. A nefazodona é um inibidor fraco do SERT e do NET, porém atua como potente antagonista do receptor 5-HT2A pós--sináptico, assim como seus metabólitos. A trazodona também é um inibidor fraco, porém seletivo, do SERT, com pouco efeito sobre o NET. O seu principal metabólito, a m-cpp, é um potente antagonista 5-HT2, e grande parte dos benefícios da trazodona como antidepressivo pode ser atribuída a esse efeito. A trazodona também apresenta propriedades bloqueadoras α-adrenérgicas pré-sinápticas fracas a moderadas e atua como antagonista modesto do receptor H1. Conforme descrito anteriormente, a vortioxetina tem efeitos multimodais sobre uma variedade de receptores 5-HT e é um inibidor alostérico do SERT. Não apresenta nenhuma atividade direta conhecida sobre os receptores de norepinefrina ou de dopamina. D) ANTIDEPRESSIVOS TETRACÍCLICOS E UNICÍCLICOS: A bupropiona e seu principal metabólito, a hidroxibupropiona, são inibidores modestos a moderados da recaptação de norepinefrina e de dopamina em estudos realizados em animais. Todavia, esses efeitos parecem menores do que aqueles associados ao benefício antidepressivo. Um efeito mais significativo da bupropiona consiste na liberação pré-sináptica das catecolaminas. Em estudos realizados em animais, a bupropiona parece aumentar substancialmente a disponibilidade pré- sináptica de norepinefrina e, em menor grau, de dopamina. A bupropiona praticamente não tem nenhum efeito direto sobre o sistema serotoninérgico. A mirtazapina possui uma farmacologia complexa. Atua como antagonista do autorreceptor α2 pré-sináptico e aumenta a liberação tanto de norepinefrina quanto de 5-HT. Além disso, a mirtazapina é um antagonista dos receptores 5-HT2 e 5-HT3. Por fim, a mirtazapina atua como potente antagonista H1, que está associado aos efeitos sedativos do fármaco. As ações da amoxapina e da maprotilina assemelham-se àquelas dos ADTs, como a desipramina. Ambas são inibidores potentes do NET e menos potentes do SERT. Além disso, possuem propriedades anticolinérgicas. Diferentemente dos ADTs e de outros antidepressivos, a amoxapina é um inibidor moderado do receptor D2 pós-sináptico. Com essa ação, a amoxapina possui algumas propriedades antipsicóticas. A vilazodona é um potente inibidor da recaptação de serotonina e um agonista parcial do receptor de 5-HT1A. Acredita-se que os agonistas parciais do receptor 5-HT1A, como a buspirona, tenham propriedades antidepressivas e ansiolíticas leves a moderadas. E) INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE: Os IMAOs atenuam as ações da monoaminoxidase no neurônio e aumentam o conteúdo de monoaminas. Existem duas formas de monoaminoxidase. A MAO-A é encontrada nos neurônios de dopamina e de norepinefrina e ocorre principalmente no cérebro, no intestino, na placenta e no fígado; seus principais substratos são a norepinefrina, a epinefrina e a serotonina. A MAO-B é encontrada sobretudo nos neurônios serotoninérgicos e histaminérgicos e ocorre no cérebro, no fígado e nas plaquetas. A MAO-B atua principalmente sobre a dopamina, a tiramina, a feniletiramina e a benzilamina. Tanto a MAO-A como a MAO-B metabolizam a triptamina. Os IMAOs são classificados de acordo com a sua especificidade em relação a MAO-A e a MAO- B e seus efeitos irreversíveis ou reversíveis. A fenelzina e a tranilcipromina são exemplos de IMAOs não seletivos irreversíveis. A moclobemida é um inibidor reversível e seletivo da MAO- A, que não está disponível nos Estados Unidos. A moclobemidapode ser deslocada da MAO- Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina A pela tiramina, o que diminui o risco de interações alimentares. A selegilina é um agente irreversível e específico da MAO-B em baixas doses. A selegilina mostra-se útil no tratamento da doença de Parkinson nessas baixas doses; entretanto, com doses mais altas, torna-se um IMAO não seletivo, semelhante a outros agentes. USO DE ANTIDEPRESSIVOS NA DOR CRÔNICA: As indicações dos antidepressivos clássicos na dor crônica são para dores neuropáticas, fibromialgia e lombalgia crônica. Até a década passada, o principal antidepressivo usado no tratamento da dor crônica era a amitriptilina em doses baixas, mas o advento da venlafaxina e a principalmente da duloxetina, esta com ação na via descendente da dor, trouxe uma nova perspectiva na terapêutica com bons resultados clínicos, sendo também indicada para o tratamento de osteoartrite. Em comparação com os antidepressivos tricíclicos, que devem ser usados com cautela devido aos efeitos adversos, que são dose-dependentes principalmente em idosos, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina apresenta um perfil mais seguro, com menos efeitos colaterais e boa tolerância. Evidências demonstram que ADTs são eficazes, especialmente, em condições de dor neuropática periférica como polineuropatia diabética e não diabética, neuralgia pós-herpética, síndrome dolorosa pós mastectomia e em grupos de pacientes com diferentes condições de dor neuropática periférica, havendo maior número de evidências em condições de neuropatia diabética e neuralgia pós-herpética. A duloxetina inibe a captura de norepinefrina e de 5-HT A duloxetina e milnaciprana são utilizadas para o tratamento da dor neuropática e fibromialgia Em geral, os antidepressivos são uma opção segura e eficaz no tratamento da dor, desde que se faça uma avaliação cautelosa de cada paciente em que seja necessária a prescrição, respeitando-se as características de cada fármaco e a necessidade individual no tratamento da dor. 6- ESTUDAR AS INDICAÇÕES, CONTRAINDICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS DOS AINES. INDICAÇÕES: Os anti-inflamatórios não hormonais são indicados para o tratamento da dor aguda leve a moderada, de diferentes etiologias, e, para maior eficácia, podem ser associados a dipirona ou paracetamol. Em regime multimodal, potencializam a analgesia obtida com opióides e outros fármacos nos quadros de dor intensa. Neste cenário, reduzem o consumo e a incidência de efeitos adversos relacionados aos opióides. São mais eficazes do que estes no controle da dor somática estática e dinâmica. Melhoram a sensibilização periférica, a dor espontânea, a hiperalgesia e alodínea associadas à inflamação tecidual. Usa na dor crônica é possível, mas é limitado pelo risco de efeitos adversos, principalmente gástrico e renal. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina CONTRAINDICAÇÕES: - Gestação e lactação - Processo ulcerativo e cicatrizante - Insuficiência renal ou cardíaca - Diabetes mellitus EFEITOS ADVERSOS: A gastro toxicidade é a complicação mais frequente dos anti-inflamatórios não esteroidais convencionais, pois comprometem os mecanismos de proteção da mucosa gástrica dependentes da produção de prostaglandinas, incluindo a secreção de muco gástrico, bicarbonato e fosfolipídeos similar ao surfactante além de alterarem o fluxo sanguíneo na microcirculação da mucosa. No entanto, na presença de erosões e úlceras gástricas, ocorre aumento da expressão da cox-2 na mucosa e nas bases das lesões o serosas. A infecção pelo h pylori também favorece a indução desta isoenzima ponto final a cox-2 exerce papel fundamental na reversão das lesões da mucosa gástrica, e sua inibição pelos coxibes pode retardar sua cicatrização. Tais fatos atentam para a ação da cox 2 na manutenção da homeostase da mucosa estomacal. Os anti-inflamatórios não esteroidais convencionais inibe agregação plaquetária, resultando em aumento do tempo de sangramento. Isto pode eventualmente contribuir para distúrbios da homeostasia ponto final os inibidores seletivos da cox-2 não interferem na atividade plaquetária. São, portanto, particularmente indicados nas cirurgias que cursam com risco de sangramento pós- operatório. Os AINE reduzem a síntese de prostaglandinas, que desempenham um papel importante no controle do fluxo sanguíneo renal, do ritmo de filtração glomerular e da liberação de renina. Deve ser evitada sua administração em caso de sangramento intenso durante o período intra-operatório; de terapêutica concomitante com fármacos nefrotóxicos, como aminoglicosídeos e ciclosporina., Em pacientes hipovolêmico ou idosos ponto e, na presença de insuficiência renal, cardíaca e hepática; e em caso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina. O risco de nefrotoxicidade é equivalente para as duas categorias de AINEs. Estudos epidemiológicos apontam aumento na incidência de eventos adversos cardiovasculares e tromboembólicos com o uso agudo e crônico de coxibes e de AINE convencionais. Portanto, estes fármacos não devem ser administrados a pacientes com fatores de risco para morbidade cardiovascular. Outros efeitos adversos incluem hepatotoxicidade, principalmente com o uso de diclofenaco, broncoespasmo e reações anafilactóides. Os coxibes não ocasionam broncoespasmo em pacientes com asma induzida por AINEs ou aspirina. Pacientes com antecedentes de alergia ao AAS eventualmente podem apresentar a reação de hipersensibilidade a outros AINEs. Não devem ser empregados em gestantes, em função do risco de oclusão precoce do ducto arterioso e consequente quadro de hipertensão pulmonar neonatal. Ana Paula Barbosa Martins 5º período Medicina REFERÊNCIAS 1. Farmacologia Básica e Clínica – Lange 13º edição. 2. ZOGBI, Luciano, et.al. Anestesia Local. Vittalle – Revista de Ciências da Saúde v. 33, n. 1 (2021) p 45-66. 3. POSSO, Irimar de Paula, et al. Tratado de dor: publicação da Sociedade Brasileira para estudo da dor. Atheneu, 1ª edição. Rio de Janeiro, 2017. 4. POSSO, Irimar de Paula, et al. Tratado de dor: publicação da Sociedade Brasileira para estudo da dor. Atheneu, 1ª edição. V 2, Rio de Janeiro, 2017. 5. ROENN, Jaime H V.; PAICE, Judith A.; PREODOR, Michael E. CURRENT: Dor. São Paulo: Grupo A, 2010. 9788580550177.
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