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Oficinas e Estudos Temáticos: Infância e Adolescência Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Maria Raimunda Chagas Vargas Rodriguez Revisão Textual: Profa. Dra. Rosemary Toffoli Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil 5 • A Construção Histórica do Conceito “Menor” • Breve Histórico da Legislação da Infância e Adolescência • O Código de Menores de 1927 • O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°8.069/1990) · Estudar a criança e o adolescente na trajetória histórica brasileira baseando- se nas mudanças legais e sociais abrangendo desde o Código de Menores ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Contexto histórico da criação do ECA/ movimento nacional de meninos(as) de rua, componentes políticos e sociais da sociedade brasileira na década de 80) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Nesta unidade, estudaremos a trajetória da legislação que envolve a criança e o adolescente no Brasil. Resgataremos historicamente os principais marcos regulatórios até chegar ao Estatuto da Criança e do Adolescente através do estudos de vários autores. Nesse sentido, sua participação é fundamental para o bom aproveitamento da disciplina. • Faça a leitura do conteúdo com atenção. • Realize as atividades propostas para fixação do aprendizado. • Participe do Fórum da disciplina. • Acesse o material complementar direcionado pelo tutor. • Em caso de dúvidas, contate a equipe do campus virtual. Até breve e bons estudos! Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil 6 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil Contextualização Observe a imagem e reflita sobre o seguinte artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): Título I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 4° É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Na sua opinião, todos esses direitos são garantidos para as crianças e adolescentes atualmente? 7 A Construção Histórica do Conceito “Menor” Londoño, em seu texto “A origem do conceito menor”, apresenta-nos o contexto sobre o surgimento desse conceito, principalmente no Brasil; “a partir do fim do século XIX e começo do XX a palavra menor aparecia frequentemente no vocabulário jurídico brasileiro.” (Londoño: 129) Pelos estudos do autor, o ano de 1920 delimitou o período em que a palavra menor começou a se referir às crianças que viviam na marginalidade, abandonadas e também definia quais os direitos que teriam legalmente e socialmente. Então, “Nasceu ali o interesse de localizar a origem jurídica da expressão no Brasil, durante a transição do Império para a Primeira República” (Londoño: 129). No século XIX, a primeira explicação para o uso do conceito menor para crianças relacionava-se à faixa etária intrinsecamente conectada ao fator da emancipação paterna, momento no qual, em tese, a pessoa começa a ser responsabilizada pelos seus atos, seja legalmente, politicamente ou socialmente, uma herança atual. Foi a partir dessa primeira conceituação que começaram a surgir as “famosas” casas de correção para menores no final do século XIX, o que hoje conhecemos como a antiga FEBEM1 e atual Fundação Casa2. Foram criados vários critérios para a “correção” das crianças e adolescentes naquele período que se baseavam principalmente na idade nos planos civil e criminal. “Esses critérios supunham, pois, uma grande disparidade com respeito à idade civil, que estabelecia a maioridade a partir dos 21. Assim, a pessoa ficava submetida ao pátrio poder até os 21 anos, enquanto sua responsabilidade penal podia começar aos 7 ou 9 anos, dependendo do juiz. Na prática, a serem essas as idades passavam a marcar a entrada na vida adulta” (Londoño,1992 131 apud Octaviano Vieira) De acordo com o autor, nem com o Código Penal de 1890 a situação das crianças melhorou com relação à idade penal. Partia-se do pressuposto da consciência das ações, do discernimento “devendo os maiores de 9 (nove) e menores de 14 (catorze) ficar submetidos a um regime educativo e disciplinar” (LONDOÑO, 1992:132) A palavra “menor”, assim, começou a fazer parte da jurisdição brasileira. Com as mudanças econômicas e sociais do Brasil neste período, principalmente no tocante a sua inserção no mercado mundial. A partir de então se começava a procura por modelos internacionais de instituições regeneradores para menores; afinal de contas, o país precisava estar a par dos “avanços” mundiais. Os principais modelos buscados pelos juristas brasileiros foram os europeus e dos Estados Unidos. O modelo norte-americano é o mais expressivo, “as primeiras instituições especificamente criadas para atender aos chamados menores criminosos surgiram nos Estados Unidos a partir de 1825” (Londoño, 1992:133) 1 Fundação Estadual do Bem- Estar do Menor. 2 Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente 8 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil Essas instituições possuíam uma disciplina rigorosa que buscava reabilitar e educar os menores infratores visando à reinserção social através do trabalho nas fábricas e do estudo. Nesse sentido, “A escola, a fábrica e a prisão misturam-se num único espaço e numa mesma disciplina que regula toda a vida da criança em torno do trabalho regenerador.” (Londoño: 133 apud Foucault) Os primeiro indícios de “leis protetivas” para crianças e adolescentes surgiram nos Estados Unidos e serviram como exemplo para as leis europeias, principalmente na Inglaterra, com o “children act”, no século XX. Mesmo com uma visão preconceituosa da pobreza como vinculadora à criminalidade, elas foram o início de um pensamento mais humanizado com relação às crianças. “As crianças infratoras, órfãos ou membros de lares e famílias julgadas desfeitas ou desajustadas, deviam, pois ser atendidas por especialistas (assistentes sociais, médicos, educadores) considerados substitutos idôneos para cumprirem as funções do lar.” (Londoño, 1992:134) Voltando ao contexto brasileiro, ao fim do século XIX, os “menores criminosos” foram associados à pobreza. Normalmente eram crianças e adolescentes abandonados que viviam nas ruas, pelo centro da cidade praticando “delitos”, o que atualmente denominamos ato infracional. O que desde então configura-se com a desresponsabilização do Estado frente a juventude abandonada. Fonte: Thinkstock/Getty Images Com essa visualização dos jovens, através dos meios massivos de comunicação (jornais, revistas, entre outros) foi sendo definida a imagem estigmatizada daqueles que eram considerados menores “que se caracterizava principalmente como criança pobre, totalmente desprotegida moral e materialmente por seus pais, seus tutores, pelo Estado e pela sociedade” (LONDOÑO, 1992:135) O contexto desenhado pelo autor nesse período mostra como a situação de abandono das crianças era defrontada com a falta de autoridade dos pais, em uma tentativa de encontrar alguém para culpabilizar; característica presente também nos dias atuais. As ruas foram então se tornando o espaço que abrigaria essa parcela jovem dos brasileiros Assim, a infância e a adolescência eram vistas como grandes oportunidades para a vagabundagem e que deveriam ser tratadas como caso de polícia a partir de uma visão higienista, limpavam-se as praças, as ruas, e as crianças e os adolescentes, de futuro incerto, eram recolhidos desses espaços, muitas vezes eram detidos e ficavam nas casas de detenção junto aos adultos em um cenário de total descaso por parte do Estado. [...] A infância abandonada, que vivia entre a vadiagem e a gatunice, era tratada,a opinião dos juristas, como um caso de policia e de simples repressão urbana. (LONDOÑO, 1992:140) 9 Frente a essa situação de desrespeito, era necessária a criação de leis de proteção ao menor, muitas propostas de criação de leis foram negadas sem ao menos serem analisadas até 1927, quando foi constituído o Código de Menores. Mesmo perante as recusas do Legislativo, foram criadas instituições para abrigar temporariamente os jovens recolhidos das ruas. A discussão para regulamentar essas instituições circundaram o caráter ora punitivo, ora preventivo da violência. No sentido preventivo, ao fomentar a criação de instituições destinadas à formação e educação e, no sentido punitivo, ao se moldar esses locais a punição e o castigo, apenas. O viés preventivo mostrou ser a forma mais racional e econômica frente ao “problema”, que deveria ser extinto da sociedade através da assistências aos menores. A prevenção, assim apresentada, supunha que a criança deveria ser torada da rua e colocada na escola. Afastado o menor dos focos de contágio, correspondia depois às instituições dirigir-lhe a índole, educá-los formar-lhe o caráter, por meio de um sistema inteligente de medidas preventivas e corretivas. (LONDOÑO, 1992:141) Porém o caráter preventivo para obter êxito, como aponta Londoño, “exigia um plano de Assistência e Proteção à Infância”, o que necessitava de um consistente suporte legislativo. Houve algumas mudanças neste período, entre elas, a mudança da maioridade penal para 18 anos, o que visava primordialmente a retirar os jovens do convívio das prisões para adultos. A partir de então, a questão da infância e da adolescência passou a ser encarada no âmbito protetivo que deveria ser garantido pelo Estado, através de serviços especializados para esse público juntamente ao trabalho de várias áreas profissionais. O que acontece com o atendimento da Fundação Casa atualmente. Isso significava a participação de saberes como os do higienista, que devia cuidar da saúde, nutrição e higiene; os do educador, que devia cuidar de disciplinar, instruir, tornando o menor apto para reintegrar à sociedade; e os do jurista, que devia conseguir que a lei garantisse essa proteção e essa assistência. (LONDOÑO, 1992:142) Nessa perspectiva, o autor descreve que a palavra menor deixa de ser associada à idade e ao abandono e passa a ser utilizada para a responsabilização dos indivíduos perante a lei. Porém, percebemos que esse conceito ainda resiste em nossa cultura, pois ainda associamos crianças e adolescentes a menores infratores, ao famoso “de menor”, mesmo que esteja associado à maioridade penal. Após essa primeira contextualização, iremos ao debate da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. 10 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil Breve Histórico da Legislação da Infância e Adolescência A partir da trajetória do conceito “menor” e suas repercussões para a sociedade, precisamos visualizar quais foram os marcos regulatórios para os direitos que envolvem a infância e a adolescência no Brasil. A Constituição Federal Brasileira de 1988, no art. 227, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 104, delimitam que, até completar dezoito anos, o indivíduo é inimputável, ou seja, só responde por seus atos frente à justiça a partir dessa idade. Essa delimitação, segundo o autor, sofreu fortes influências da Revolução Francesa que delimitou de forma mais humanizada o que deveria ser aplicado legalmente à porcentagem jovem da população. Além disso, também tomamos conhecimento do início das casas de correção para esse público na França, e em outros países europeus, que disseminariam esse modelo mundialmente, desde o século 19. Foi na França que, em 1891, o Código Penal mostrou a necessidade da separação dos infratores da lei penal, levando a cabo os pressupostos do direito romano de discernir as diferenças de grau na criminalidade. Desde 1850, primeiro na França e, depois, em toda a Europa, já se instalavam os estabelecimentos correcionais para jovens infratores. (PASSETTI: 148) Prosseguindo com os marcos regulatórios, a partir de 1820, o Código brasileiro começou a sofrer mudanças frequentes com relação às crianças e aos adolescentes considerando alguns pontos importantes como: a idade, as fases da infância e o grau de discernimento frente às infrações cometidas. Começando pelo Código de 1820, eram considerados inimputáveis os menores de catorze anos, que poderiam permanecer em casas de correção até os dezessete anos, caso não apresentassem discernimento. No Código de 1890, foram estabelecidas faixas etárias por fases da infância, eram inimputáveis os indivíduos menores de nove anos, levados para casas de correção aqueles cuja idade variava entre nove e catorze anos, a faixa que variava entre catorze e vinte e um anos recebiam atenuantes em suas penas por não atingirem a maioridade penal vigente no período. Este Código foi alterado em 1921, a partir da lei 4242, que considerava inimputáveis os indivíduos até 14 anos, mantendo o processo de atenuantes para a faixa dos 18 aos 21 anos. Em 1940, o Código sofre nova alteração a partir do decreto lei 2848 em que a idade de 18 anos foi estabelecida como marco legal “que separa a menoridade da responsabilidade penal”(Cf. Edson Passetti, p. 148) 11 O Código de Menores de 1927 No Brasil, o século XX representa um grande marco para a expansão capitalista através da modernização, principalmente através da industrialização. Formou-se, a partir de então, um grande contingente de trabalhadores nos centros urbanos. Porém esse avanço capitalista trouxe como consequência a expansão da pobreza, pois nem todos do exército industrial de reserva teriam a oportunidade de trabalho, o que iremos ver com relação à juventude brasileira. Como vimos anteriormente, a questão do trabalho e da educação para inserção no mercado de trabalho sempre permearam o histórico constitucional brasileiro com relação às crianças e adolescentes. Os quesitos trabalho e estudo surgem como meios de adequação desses jovens à sociedade. [...] O antigo Código de Menores apenas faz transparecer que se não há condições para absorver toda a população infanto-juvenil no trabalho, deve-se garantir a adequação constante dos comportamentos desviantes ao padrão normativo, tornando-os capazes à competição. A exclusão do mercado de trabalho é, portanto, um dado normal que em si não explica o desvio de conduta, pois a fonte do desvio se ancora na família. (PASSETTI, p.150) A criação do primeiro Código de Menores, também conhecido como Código Mello Matos, surgiu da união entre médicos e juristas em 1925. O Código trazia como premissa a problematização das crianças e adolescentes que viviam nas ruas e não estavam inseridos no mundo do trabalho e também das que estavam inseridas. Redigido por Cândido Mello Matos, nomeado primeiro juiz de menores, em 1923, e publicado por meio de decreto em 1926, esse Código sintetiza a transformação em questão social da infância e da adolescência pobres vivendo pelas ruas e fora do mundo do trabalho, consolidando a emergência do doravante conhecido problema do menor (Ver ALVAREZ 1989; ALVIM E VALLADARES, 1988 in PAULA, 2011: 29). A grande questão que envolvia aqueles que não trabalhavam era o “perigo” que representavam para a sociedade. O Código teria a função de controle social dos delinquentes, utilizando a força policial para realizar a gestão da pobreza e a higienização dos centros urbanos recolhendo as crianças e adolescentes da rua que seriam institucionalizados nas primeiras casas correcionais para a infância e juventude. Nesse sentido, a questão social tornava-se questão de polícia. Diálogo com o Autor Enquanto controle social, o Código permitia ao poder judiciário articular-se com a ação repressiva da polícia, que recolhia das ruas criançase adolescentes pobres em situação de não-trabalho. Como gestão dessa parcela da população, o Código viabilizava a articulação entre poder judiciário e serviços de assistência e proteção, os quais deveriam passar a serem organizados pelo poder executivo. (PAULA, 2011: 30) 12 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil No tocante ao trabalho, o Código de Menores de 1927 regulamentava o uso da força de trabalho infanto-juvenil, momento em que a educação para o trabalho tornou-se um investimento, como ressalta Liana de Paula (2011) Com a Constituição Federal de 1934, começam a surgir preocupações com os “menores”. Ficava proibido: o trabalho dos menores de 14 anos, o trabalho noturno para os menores de 16 anos e o trabalho em locais insalubres para os menores de 18 anos. A partir disso, começam a surgir, então, várias escolas que preparassem os jovens para o mercado de trabalho, entre elas um dos sistemas de aprendizagem mais conhecidos é o Sistema S: SENAI, SESI, SESC e SENAC, que surge a partir de 1942. Por parte das ações filantrópicas de auxílio à pobreza, houve, em um primeiro momento, a expansão de escolas primárias e colégios administrados principalmente por instituições de cunho religioso. Em um segundo momento, já na década de 1940, surgiu o chamado Sistema S, oriundo da iniciativa privada, principalmente dos industriais, e voltado para a formação e qualificação profissional de jovens para o trabalho. (PAULA, 2011:37) Com relação às crianças e adolescentes infratores e que viviam pelas ruas, surgem serviços na área de assistência social voltados para esse público. Destacam-se as criações, do Serviço Social dos Menores Abandonados e Delinquentes, em São Paulo, no ano de 1938, e do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), no Rio de Janeiro, em 1941. Linha do Tempo 1932 – Criação do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS). 1934 – Criado o Departamento de Assistência Social (Decreto Estadual n° 6.476). 1936 – Criação da primeira Escola de Serviço Social do país que, em 1946, foi incorporada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. 1938 – O Departamento de Assistência Social é substituído pelo Serviço Social dos Menores Abandonados e Delinquentes. 1941 – Criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), no Rio de Janeiro. 1942 – Começa a construção do Sistema S: SENAI, SESI, SESC e SENAC. 1946 - UNICEF (assistência emergencial à crianças na Europa, Oriente Médio e China que eram vítimas da Segunda Guerra Mundial). Com base em Liana De Paula no texto “Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo”, p.38-39, 2011. O Código de Menores da década de 30 utilizava medidas corretivas através da punição. Havia a culpabilização da vítima (pobres) pelo seu estado de pobreza. A educação deveria ser através da pedagogia do trabalho pelo treino de ofícios, só com a mente ocupada as crianças e adolescentes poderiam sair da delinquência. A juventude estava sendo preparada como mão-de-obra capitalista. Código de Menores de 1927 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm 13 O Código de Menores de 1979 continuava considerando as crianças e adolescentes como tutelados pelo Estado. Como aponta Liana de Paula (2011), houve um crescimento de instituições sociais e correcionais entre os anos 1930 e 1960. Com o Golpe Militar de 1964, o Serviço Social de Menores de São Paulo e o SAM (RJ) foram substituídos pelos projetos da Política Nacional do Bem-estar do Menor (PNBEM) e da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor (Funabem). A pretensão do projeto era a unificação do sistema de atendimento a crianças e adolescentes. Nesse sentido, pensava-se na Funabem como o órgão de proposição de diretrizes e concepções do atendimento, deixando a operacionalização para as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (Febem) que seriam criadas. (PAULA, 2011:43-44) Contextualizando esse período brasileiro, o movimento de modernização que veio pós- golpe de 64, o qual Netto intitula como “modernização conservadora”, caracterizou-se pela forte influência estrangeira no modelo econômico do Brasil, além de grandes investimentos na industrialização pesada. Segundo Netto, As linhas-mestras desse “modelo” concretizam a “modernização conservadora” conduzida no interesse do monopólio: benesses ao capital estrangeiro e aos grandes grupos nativos, concentração e centralização em todos os níveis etc. (NETTO, 2011:31). Ainda segundo o autor, esse modelo gerou profundas desigualdades regionais e um complexo processo de pauperização em detrimento de um “país desenvolvido” nos moldes internacionais do grande capital. Liana de Paula ressalta que a pobreza era vista como “um potencial fator de desordem, além de símbolo dos entraves ao desenvolvimento que o regime autoritário propunha superar (2011:45)”. Ou seja, a gestão da pobreza deveria seguir em frente para o bom funcionamento social. Os pobres eram considerados incapazes e impotentes por estar fora do mercado de trabalho o que impossibilitava a compra de mercadorias, o que não condizia mais com o padrão econômico de consumo imposto pelo período. A partir desse momento, o discurso para a marginalização da infância e adolescência pobres estavam baseadas em uma situação irregular3 de abandono que gerava o envolvimento da juventude com contravenções penais que seriam priorizados pela PNBEM, Funabem e, posteriormente, pela Febem. Código de Menores de 1979 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm 3 Segundo Liana de Paula (2011), são consideradas a ausência de cuidados parentais, o abandono material e moral e o envolvimento precoce com a criminalidade (p.47) 14 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°8.069/1990) A Lei nº 8.069/1990, institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que substituiu todas as Lei anteriores relacionados à Infância e à adolescência no Brasil, como por exemplo, os Códigos de Menores ( 1927, 1979). O termo menor desaparece desta lei Federal, passando a denominar- se criança (até 12 anos incompletos) e adolescente (12 anos a 18 anos) como determina a lei. DISPOSIÇÕES PRELIMINARES DO ECA Art. 1º Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. O ECA garante a cidadania e a proteção integral à criança e ao adolescente através dos direitos fundamentais da pessoa Humana; constituindo OBRIGAÇÃO ESTATAL, DA FAMILIA E DA SOCIEDADE A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, haja vista que são pessoas em processo de desenvolvimento, necessitando ser protegido no rigor da lei. Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferênciana formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º Na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 15 O ECA se divide em partes (títulos) como: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Direito à educação, saúde, lazer, segurança, convivência familiar, profissionalização e etc. DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não- governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. DAS ENTIDADES DE ATENDIMENTO Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: I - orientação e apoio sociofamiliar; II - apoio socioeducativo em meio aberto; III - colocação familiar; IV - abrigo; V - liberdade assistida; VI - semiliberdade; VII - internação. DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta. Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta. Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. 16 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil DA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão às medidas previstas no art. 101. DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1o A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2o Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3o Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Art. 113. Aplica-se a este capítulo o disposto nos arts. 99 e 100. Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127. Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria. Seção II - AS MEDIDAS SOCIEDUCATIVAS SÃO: DA ADVERTÊNCIA Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada. DA OBRIGAÇÃO AO REPARAR O DANO Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada. 17 Seção IV DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente há seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho. DA LIBERDADE ASSISTIDA Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 1o A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. § 2o A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros. DO REGIME DE SEMILIBERDADE Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1o É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § 2o A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação. DA INTERNAÇÃO Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento § 1o Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2o A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3o Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4o Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. § 5o A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6o Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. 18 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-sede ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. § 2o Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. Estatuto da Criança e do Adolescente Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm 19 Material Complementar Livros: LONDOÑO, Fernando Torres. A Origem do Conceito Menor. In: PRIORE, Mary Del (org.). História da criança no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 1992. NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social – Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16ed. São Paulo: Cortez, 2011. PASSETTI, Edson. O Menor no Brasil Republicano. In História da Criança no Brasil. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2004. PAULA, Liana de. Liberdade Assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo. USP: São Paulo, 2011. 20 Unidade: Os Marcos Regulatórios da Infância e Juventude no Brasil Referências LONDOÑO, Fernando Torres. A Origem do Conceito Menor. In: PRIORE, Mary Del (org.). História da criança no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 1992. NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social – Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16ed. São Paulo: Cortez, 2011. PASSETTI, Edson. O Menor no Brasil Republicano. In História da Criança no Brasil. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2004. PAULA, Liana de. Liberdade Assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo. USP: São Paulo, 2011. 21 Anotações
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