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Geografia Agrária Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Eduardo Augusto Wellendorf Sombini Revisão Técnica: Profa. Dra. Vivian Fiori Revisão Textual: Profa. Ms. Natalia Conti A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 • A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 · Analisar os processos de modernização no campo no Brasil pós anos 1990; · Discutir a relação entre o processo de globalização e modernização agrícola; · Evidenciar os novos fronts agrícolas no território brasileiro. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Nesta unidade vamos evidenciar da modernização da agricultura e pecuária brasileira, pós anos 1990, período no qual as influências globais tornam-se maiores e os governos liberais brasileiros se coadunam com esta lógica do capitalismo global. Os Processos da Modernização A modernização da agricultura brasileira no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1980, correspondendo ao regime militar no país. Essa modernização agrícola esteve assentada em duas bases principais: a industrialização da agricultura e o avanço das fronteiras agrícolas no país. As atividades agrícolas foram integradas à indústria por meio da difusão do paradigma da Revolução Verde e da formação dos complexos agroindustriais a partir da década de 1970. Esses processos, porém, se difundiram de forma extremamente seletiva no território brasileiro: as inovações técnicas e normativas associadas à modernização da agricultura puderam ser absorvidas só por uma parte dos produtores rurais e das regiões agrícolas brasileiras, contribuindo para acentuar as desigualdades sociais e territoriais do país. Ao negar a reforma agrária e outras medidas redistributivas, a modernização desse período concentrou ainda mais a renda no campo. Isso quer dizer que, embora a industrialização da agricultura seja a nova variável que comanda a produção agropecuária brasileira, esse processo não atingiu todos os produtores e regiões da mesma maneira. Os pequenos e médios estabelecimentos rurais têm grande dificuldade em adquirir os pacotes tecnológicos necessários para modernizar a produção e ter acesso ao crédito agrícola, tornando-os menos rentáveis em comparação com as grandes propriedades. Por outro lado, os latifundiários foram claramente beneficiados com a industrialização da agricultura e o avanço das fronteiras agrícolas. O melhor indicador dessa questão é a permanência da estrutura fundiária com altos índices de concentração da propriedade das terras agrícolas no país. Como reflexo desse processo contraditório, que combina a incorporação de inovações técnicas e normativas e a permanência da concentração fundiária e do poder dos latifundiários, a questão agrícola e a questão agrária se tornaram mais complexas a partir da década de 1990. O projeto de integração do território nacional, que orientou um conjunto de políti- cas de Estado entre as décadas de 1930 e 1980, concretizou a articulação produtiva entre as diversas regiões brasileiras, mas manteve a histórica divisão territorial do trabalho que não permite enfrentar as fortes desigualdades regionais brasileiras. 8 9 Ao analisar o primeiro período de modernização da agricultura brasileira, José Graziano da Silva (1980, p. 50) conclui que “[...] as disparidades regionais se acentuaram, não apenas entre as três macrorregiões do país – Nordeste, Norte e Centro-Sul – mas também dentro dessas regiões”. Qualquer tentativa de análise e de interpretação do desenvolvimento recente da produção agropecuária no Brasil requer o uso de um enfoque espacial e setorialmente desagregado. Isso se dá, de um lado, porque essa produção não constitui um todo uniforme, homogêneo e harmônico; e de outro, porque a crescente industrialização ocorrida nesse período, além de determinar uma redefi nição dos vínculos da referida produção com o “resto do mundo”, deu origem a uma nova heterogeneidade entre as diversas regiões do país, passando a integrá-las numa nova e única divisão social do trabalho de âmbito nacional (SZMRECSÁNYI, 1990, p. 82). Ex pl or Com a integração técnica e econômica da agricultura à indústria, à montante e à jusante, os pequenos e médios produtores têm sua renda “duplamente prensada” (SILVA, 1980, p. 58), já que se tornam subordinados às indústrias fornecedoras de insumos e às agroindústrias que compram a produção rural. Com isso, o campo perde as funções de decisão sobre a produção e as cidades ascendem como centros de gestão das atividades agrícolas, contribuindo para tornar mais complexas as dinâmicas econômicas e territoriais associadas à produção agrícola brasileira. As desigualdades regionais, um traço da formação socioespacial brasileira, passa a se agravar ainda mais a partir da década de 1990. Além das disparidades entre as regiões do país, começa a haver também uma segmentação no interior de cada região: à divisão tradicional entre pequenos e grandes proprietários, soma-se cada vez mais a diferenciação entre “produtores integrados ou não integrados aos CAIs” (SILVA, 1996, p. 175), que se torna uma nova hierarquia entre os produtores agrícolas. A partir da década de 1990, o Estado brasileiro abandona o projeto nacional- -desenvolvimentista de integração do território nacional e fortalecimento do mer- cado interno e se reorienta em direção a uma integração competitiva no contexto da globalização. As antigas instituições de planejamento regional, que buscavam elaborar planos de desenvolvimento para as regiões de baixo dinamismo econômico (como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), foram extintas ou tiveram seus orçamentos drasticamente diminuídos. As ações do governo federal começaram a se pautar pelo estímulo às regiões que produzissem produtos importantes na pauta de exportações do país, como as commodities agrícolas e minerais, com o objetivo de equilibrar a balança comercial brasileira, freando os déficits das contas externas do país. 9 UNIDADEA Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Como explica Celso Furtado (2000, p. 9): Ora, a partir do momento em que o motor do crescimento deixa de ser a formação do mercado interno para ser a integração com a economia internacional, os efeitos de sinergia gerados pela interdependência das distintas regiões do país desaparecem, enfraquecendo consideravelmente os vínculos de solidariedade entre elas (FURTADO, 2000, p. 9). Com isso, o projeto de integração competitiva à globalização significou o abando- no das propostas anteriores de articulação produtiva entre as regiões do país e trouxe uma competição acirrada entre estados e municípios pela atração de investimentos. Em um contexto de grave crise econômica e fiscal, os estados e municípios brasi- leiros foram obrigados a realizar medidas de ajuste estrutural em suas contas, aban- donando estratégias que permitiam uma regulação da economia e do território mais forte. É o caso, por exemplo, dos bancos públicos estaduais que, assim como diver- sas outras estatais do governo federal, foram privatizados durante os anos 1990. A regulação do território e da sociedade passa a ser realizada, cada vez mais, por grandes corporações internacionais que se tornam mais presentes nos países periféricos com a difusão das concepções e práticas de inspiração neoliberal. Esse quadro conspira para o acirramento das disputas entre os entes federativos pela atração de empresas transnacionais e investimentos estrangeiros, configurando uma verdadeira “guerra dos lugares” (SANTOS, 2002). Como afirma Milton Santos (2002, p. 89): Importam-se empresas e exportam-se lugares. Impõe-se de fora do país o que deve ser a produção, a circulação e a distribuição dentro do país, anarquizando a divisão interna do trabalho com o reforço de uma divisão internacional do trabalho que determina como e o que produzir e exportar, de modo a manter desigualmente repartidos, na escala planetária, a produção, o emprego, a mais-valia, o poder econômico e político. Escolhem-se, também, pela mesma via, os lugares que devem ser objeto de ocupação privilegiada e de valorização, isto é, de exportação A privatização das estatais, por sua vez, é um capítulo crucial na história brasileira recente. Inspirado pelos ideais neoliberais que pregavam a diminuição do papel do Estado na economia, o governo federal vendeu aos capitais internacionais importantes empresas públicas, dos setores elétrico, siderúrgico, químico e petroquímico, ferroviário, portuário, financeiro, de fertilizantes e de telecomunicações. A Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, a Embraer, a Rede Ferroviária Federal e o sistema Telebrás são algumas das principais empresas públicas privatizadas no período. 10 11 Há diversas interpretações na literatura sobre o tema no Brasil. Os defensores do neoliberalismo defendem as privatizações como um instrumento para garantir maior flexibilidade e competitividade à economia brasileira, já que o Estado não seria capaz de gerenciar adequadamente essas empresas. Analistas críticos, por sua vez, denunciam as privatizações como uma forma de dilapidação da estrutura e do patrimônio do Estado, constituídos durante décadas a partir de fundos públicos com o objetivo de criar centros internos de acumulação de capital e garantir a soberania nacional. Para o geógrafo David Harvey (2004), os processos de privatização são o caso mais emblemático de “acumulação por espoliação”, um processo fundamental para a compreensão do capitalismo contemporâneo. Como explica o geógrafo David Harvey (2004, p. 130): O FMI e o Banco Mundial mudaram quase que da noite para o dia seus parâmetros de política, e em poucos anos a doutrina neoliberal fizera uma curta e vitoriosa marcha por sobre as instituições e passara a dominar a política, primeiramente no mundo anglo-saxão, mais tarde em boa parte da Europa e do mundo. Como a privatização e a liberalização do mercado foram o mantra do movimento neoliberal, o resultado foi transformar em objetivo das políticas do Estado a “expropriação das terras comuns”. Ativos de propriedade do estado ou destinados ao uso partilhado da população em geral foram entregues ao mercado para que o capital sobreacumulado pudesse investir neles, valorizá-los e especular com eles. É importante levar em consideração que, a partir da década de 1990, a ação do Estado foi completamente reorientada com a assimilação, sobretudo nos países periféricos, do Consenso de Washington. Trata-se de um conjunto de medidas que defende a realização de um ajuste estrutural nesses países, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), agências multilaterais, como o Banco Mundial, e órgãos do governo federal dos Estados Unidos. Essas medidas sintetizam o receituário neoliberal que passou a ser aplicado, durante a década de 1990, na maior parte dos países da América Latina e outras regiões do mundo. Entre outros pontos, constavam o corte de despesas públicas (mesmo de áreas sociais fundamentais para o desenvolvimento desses países, como a educação básica e a saúde), o controle estrito das finanças públicas, a diminuição de restrições aos investimentos estrangeiros diretos, a privatização das estatais e a desregulamentação das legislações trabalhista e ambiental. O Consenso de Washington, ao propor um choque fiscal e orçamentário e uma abertura comercial sem precedentes na periferia do sistema capitalista, buscava se legitimar afirmando que essas medidas criariam uma atmosfera propícia à atração de investimentos estrangeiros que dinamizariam as economias nacionais, marcadas por uma profunda recessão no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990. 11 UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Importante! O que foi o Consenso de Washington? Foi uma recomendação baseada num economista norte-americano que em 1989, de cunho neoliberal, as recomendações indicavam aos países subdesenvolvidos condutas de reforma fiscal, buscando diminuir os impostos para as grandes empresas; abertura comercial, reduzindo as taxas alfandegárias; redução dos gastos do Estado, ampliando a terceirização, redução das leis trabalhistas; e políticas de privatizações. Dessa forma, serviria aos interesses neoliberais e tais premissas têm sido usadas em alguns países subdesenvolvidos, atendendo aos interesses do capitalismo global. Você Sabia? Esse modelo foi imposto a esses países que, para equacionar as contas nacionais, eram obrigados a recorrer aos empréstimos internacionais do FMI e, como consequência, implantar as medidas neoliberais, como no caso do Brasil. Há, portanto, uma transformação radical na ação do Estado, que traz consequências sérias para a continuidade do processo de modernização da agricultura brasileira. A constituição dos complexos agroindustriais nas décadas de 1970 e 1980 foi, em grande medida, patrocinada pelo Estado, através de incentivos fiscais, políticas específicas de crédito e criação de empresas públicas. O regime militar, para contornar as crises do petróleo que ameaçavam a oferta de fertilizantes e defensivos agrícolas para o país, criou um conjunto de estatais que passaram a produzir esses produtos. Portanto, em relação à agricultura e outros setores econômicos, o Estado brasileiro, além de regular o financiamento, a produção e a comercialização desses produtos, detinha um poder de intervenção econômica muito pronunciado, permitindo orientar as atividades agrícolas de acordo com suas estratégias de condução das políticas econômicas e territoriais. A partir da década de 1990, porém, esse poder de intervenção começou a se tornar cada vez mais limitado. A crise fiscal e econômica do período obrigou a revisão dos incentivos fiscais à agricultura e a diminuição dos montantes disponibilizados para o financiamento agrícola. Boa parte das empresas públicas diretamente associadas à produção e ao transporte agrícola foi privatizada. São os casos, por exemplo,da Rede Ferroviária Federal e de diversos portos, que realizavam a movimentação desses produtos, além das empresas públicas de fertilizantes (Arafértil, Ultrafértil, Goiasfértil, Fosfértil e Indag), vendidas no início dos anos 1990. A mudança no papel do Estado é um dos fatores de ruptura entre o primeiro e o segundo período de modernização da agricultura brasileira. O segundo período corresponde à emergência da “agricultura científica globalizada” (SANTOS, 2000) ou da “organização em rede” (MAZZALI, 2000) a partir da década de 1990. Frederico (2013), analisando a literatura sobre o tema, afirma que o modelo dos complexos agroindustriais sofre um esgotamento na década de 1990. 12 13 O paradigma da Revolução Verde foi superado com a introdução das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) e boa parte da pauta de exportações agrícolas se voltou para as commodities agrícolas. Somados a esses dois fatores, há a reorientação radical do papel do Estado, que deixa de ser o principal articulador das atividades econômicas agrícolas como no período anterior, cedendo espaço às grandes corporações internacionais, conhecidas como tradings, que assumem tarefas como o desenvolvimento de sementes, o fornecimento de fertilizantes e defensivos, o financiamento à produção, o armazenamento, o transporte e a comercialização. Conforme comenta o geógrafo Ricardo Castillo (2005, p. 295): É comum que as grandes empresas do agronegócio, como Nestlé, Souza Cruz, Parmalat e Sadia, só para citar alguns exemplos, não produzam, respectivamente, cacau, tabaco, leite e frango, mas atuem nessas várias etapas, sobretudo no processamento industrial, às vezes atrelando pequenos produtores na condição de integrados – uma forma de subordinação do agricultor. Tudo leva a crer que o agricultor é quem menos ganha, mesmo tratando-se de ricos produtores de soja nas regiões de ocupação recente. Disso decorre que, com a agricultura científica globalizada, há uma nova rodada de subordinação dos pequenos e médios agricultores que, dessa vez, passam a participar de circuitos espaciais produtivos de alcance internacional, capitaneados pelas tradings com atuação global. A Agricultura de Precisão - Globalizada Com o objetivo de maximizar a produção e os lucros da produção em si, são feitos enormes investimentos em pesquisa e desenvolvimento que buscam trazer para a agricultura os avanços tecnológicos de áreas como biotecnologia, microeletrônica e telecomunicações. Por isso, a agricultura que se expande nos anos 90 é adjetivada como “científica”: há uma incorporação constante de inovações tecnológicas, que rompem antigos limites “naturais” da produção agrícola (como a fertilidade dos solos), ampliando consideravelmente os índices de produtividade das principais commodities agrícolas, como a soja. Luís Aracri (2010) chama de “agricultura de precisão” a nova base técnica, baseada nas NTICs, que atualmente está presente nas áreas de produção agrícola moderna. Para o autor, um conjunto de técnicas está na base da agricultura de precisão: Sistema de Posicionamento Global (GPS); Sistema de Informações Geográficas (SIGs); sensoriamento remoto; automação do plantio e da colheita; informatização do maquinário agrícola; uso intensivo de estatísticas. 13 UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Para o autor (ARACRI, 2010, p. 26), “a agricultura de precisão possibilita, a partir da produção de bancos de dados complexos (com informações sobre propriedades físico-químicas dos solos) e mapas de produtividade, maior racionalidade e aproveitamento”, reduzindo custos e maximizando os rendimentos. Isso significa que, durante a colheita, os medidores instalados no maquinário agrícola irão armazenar dados relativos a cada parte da propriedade. Em seguida, esses dados serão reunidos em um SIG que permitirá a espacialização dos diferentes tipos de solo e das quantidades produzidas em cada parcela da propriedade. Com essas informações, é possível analisar previamente as áreas com baixa produtividade, que precisam de correções do solo ou outras ações, e programar a aplicação dos insumos necessários no próximo plantio. Como resultado, “[...] todos esses recursos permitem que as máquinas ‘saibam’ a quantidade precisa de insumos que devem aplicar em diferentes trechos enquanto percorre a área de plantio” (ARACRI, 2010, p. 28). Um exemplo bastante conhecido de aplicação de tecnologias da informação no setor é o zoneamento agrícola de riscos climáticos. Havia no país, desde 1975, um programa governamental que oferecia seguro aos agricultores, no caso de terem suas produções comprometidas por eventos não previstos, chamado PROAGRO (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária). Com o intuito de remodelar o programa e diminuir os gastos causados por eventos climáticos – que correspondiam a maior parte dos sinistros do programa – a Embrapa coordenou uma pesquisa, com diversas instituições de pesquisa do país, com o objetivo de definir, em cada região e para cada cultura, as melhores épocas para plantio e colheita, bem como das técnicas de manejo mais adequadas (BIUDES, ASSAD & CASTILLO, 2005). A partir de 1996, os estudos climáticos passaram a orientar os seguros agrícolas do PROAGRO, isto é, para ter acesso à cobertura do programa, os produtores deveriam seguir o calendário definido no zoneamento climático de cada cultura específica, além de seguir outras orientações de uso de tecnologia. Para Cunha & Assad (2001), o programa foi responsável pela “redução de riscos climáticos para culturas, retorno de capitais aplicados em operações de crédito agrícola, redução das taxas de sinistralidade e, de modo geral, diminuição no número de indenizações pagas pelo PROAGRO e por seguradoras privadas”. Com o sucesso do programa, associado ao aumento da produtividade e diminuição das perdas, o zoneamento agrícola de riscos climáticos passou a ser utilizado como critério para a concessão de crédito aos produtores por outras instituições financeiras. Esse caso mostra como as tecnologias da informação podem ser empregadas com o intuito de ampliar a competitividade da produção agrícola nacional, um objetivo fundamental do paradigma da produção científica globalizada. O emprego dessas novas tecnologias instaura um processo de racionalização da produção agrícola de acordo com os ritmos dos mercados, principalmente internacionais, reorganizando as técnicas e relações de produção no campo. 14 15 De acordo com a Biudes, Assad & Castillo (2005), “[...] a definição sobre o quê, como, quando e onde plantar com base em sistemas mais modernos traz uma racionalidade à agricultura que antes não havia. Decorre daí uma reorganização territorial produtiva”. A Expansão dos Fronts Agrícolas Há, portanto, importantes rupturas entre o primeiro e o segundo período da modernização da agricultura brasileira. A expansão e a consolidação de fronteiras agrícolas, por sua vez, permanecem como um fator essencial para a compreensão das transformações territoriais do país. Desde a década de 1930, a ocupação dos “fundos territoriais” (MORAES, 2000) é um dos principais objetivos das políticas territoriais do Estado brasileiro e a expansão de fronteiras agrícolas modernas foi e continua sendo um dos principais instrumentos para tanto. A Amazônia e os cerrados do Brasil Central foram as principais regiões ocupadas pela fronteira agrícola moderna. Os cerrados da região Centro-Oeste, sobretudo Mato Grosso e Goiás, e de estados do Nordeste, principalmente o oeste da Bahia e o sul do Maranhão e do Piauí, figuram hoje entre as principais regiões produtoras de grãos, sobretudo soja, e outras commodities agrícolas. As Áreas da Soja A atual mobilidade geográfi ca no território brasileiro é fortemente infl uenciada pelos novos fronts agrícolas que caracterizam regiões altamente modernizadas e especializadas, produto- ras de commodities (sobretudo soja), porém mais distantesdos portos do que as regiões sojí- colas mais antigas. A ocupação das novas áreas (cerrados do Centro-Oeste, Triângulo Mineiro, Rondônia, Oeste da Bahia, sul do Maranhão e do Piauí), além de mobilizar todo um aparato tecnológico para a produção (novos cultivares, técnicas de manejo do solo, maquinário e in- sumos agrícolas), tem provocado uma profunda transformação na organização do território, sobretudo em termos de transportes e comunicações. A busca por uma agricultura competitiva tem gerado: 1) uma sofi sticação, às custas de grandes investimentos do Estado, dos circuitos espaciais e dos círculos de cooperação entre as grandes empresas das cadeias produtivas e de distribuição; 2) enclaves de modernização caracterizados como verdadeiros espaços alienados; 3) dependência crescente de informação (técnica e fi nanceira) cada vez mais sofi sticada; 4) surgimento de empresas de consultoria especializadas em produção, logística e transporte agrícola; 5) grande demanda por bens científi cos; 6) obediência a normas internacionais de qualidade; 7) novo perfi l do trabalho no campo; 8) informacionalização da produção agrícola (agricultura de precisão, monitoramento agrícola por sensoriamento remoto orbital); 9) deslo- camento ou marginalização dos agentes recalcitrantes. Uma nova organização do território se estabelece, muito mais vulnerável às oscilações do mercado internacional, fundada sobre redes de transportes extravertidas, em que se reconhece uma tendência à especialização funcional da produção agrícola nos lugares. Fonte: Texto literal extraído de Ricardo Castillo Vitor Pires Vencovsky. A soja nos cerrados brasileiros: novas regiões, novo sistema de movimen- tos. Revista Com Ciência (online), 2004. Disponível em: https://goo.gl/bo1UWX Ex pl or 15 UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001) afirmam que os usos agrícolas do território brasileiro podem ser agrupados em duas situações geográficas: os belts e fronts. Os belts são as regiões agrícolas consolidadas do Sudeste e do Sul, prin- cipalmente, que, ao passar por processos de modernização e industrialização da produção, abrigam uma agricultura capitalizada e marcada por conteúdos técnicos expressivos. A maior parte da produção dessas áreas está integrada aos complexos agroindustriais, ainda que persistam e se reproduzam a agricultura camponesa e familiar. Os fronts, por sua vez, correspondem às novas regiões produtivas constituídas pelo avanço das fronteiras agrícolas nas últimas décadas, sobretudo em áreas de cerrado, que já nascem modernas. Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 119) explicam sobre os fronts agrícola no Brasil: Trata-se, assim, da produção de uma nova geografia feita de belts modernos e de novos fronts no Brasil. Esses belts são, por vezes, heranças e cristalizações de fronts próprios de uma divisão territorial do trabalho anterior; áreas que, ocupadas em outro momento, hoje se densificam e se tecnificam. Nelas, amadurecem as inovações de ontem e chegam outras, próprias do período, para criar novos arranjos, com a resistência e a cooperação das rugosidades do lugar. Constitucionalmente integradas a sistemas de engenharia complexos, essas terras ganham novas valorizações que acabam por “expulsar” certos produtos para áreas ainda não utilizadas. Castillo (2007) afirma que os cerrados do Brasil Central possuem um conjunto de características que permitem a instalação da agricultura científica globalizada: características climáticas e pedológicas favoráveis; relevo plano, que permite a mecanização do plantio e da colheita; elevada concentração fundiária, já que não havia anteriormente uma divisão mais pronunciada das terras; a urbanização dispersa, que faz com que as cidades se tornem mais facilmente funcionais às necessidades da produção do campo; e um amplo estoque de terras, a baixo custo, que ainda pode ser ocupada para a expansão do agronegócio. A difusão das inovações nas fronteiras agrícolas do cerrado tem sido, portanto, facilitada pela ausência de uma ocupação prévia mais densa da região, que criaria rugosidades (SANTOS, 2006) e dificultaria a instalação das novas infraestruturas e conteúdos geográficos necessários para a agricultura científica globalizada. Cabe ressaltar, mais uma vez, que essas regiões não se encontravam “vazias”, como afirmam os autores: 16 17 Com efeito, até os anos de 1970, as terras dos estados do Centro Oeste, hoje cobertas pela soja, eram consideradas inadequadas para agricultura e eram ocupadas por populações indígenas e pequenos posseiros, além de algumas fazendas de pecuária extensiva dispersas ao longo de um vasto território. Já regiões como o Triângulo Mineiro e o Oeste baiano eram áreas tradicionalmente ocupadas pela criação de gado, praticada, sobre- tudo em grandes fazendas, e cultivos ligados à pequena produção agrícola destinada ao consumo local e regional” (HEREDIA et alii, 2010, p. 169). Como pode se observar no mapa a seguir, a fronteira da soja deslocou-se do Centro-Oeste para o Oeste Bahia, Piauí e Maranhão e Pará, alcançando terras da Amazônia. Figura 1 Fonte: IBGE, 2012 A expansão dessas fronteiras agrícolas teve como marca a violência aplicada às populações indígenas e aos pequenos agricultores, que foram despossuídos de suas terras. Atualmente, há um amplo debate a respeito da recuperação das terras indígenas ocupadas ilegal e violentamente pelo agronegócio em diversas regiões do Brasil. 17 UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 O caso do Mato Grosso do Sul é, sem dúvida, um dos mais exemplares em relação ao desrespeito histórico dos direitos dos indígenas. Se, por um lado, as condições climáticas, pedológicas e topográficas e a baixa densidade de rugosidades nessas regiões permitiram o avanço sem muitas resistências das fronteiras agrícolas e a implantação da agricultura científica nessa região, vários entraves se colocaram ao circuito espacial produtivo que se instalou no cerrado. A precariedade da infraestrutura de transportes e as imensas distâncias aos centros consumidores e aos portos exportadores são, sem dúvida, as grandes questões levantadas recorrentemente como entraves ao desenvolvimento do agronegócio nessas regiões. Castillo e Frederico (2010) defendem que a ocupação dos cerrados pela agricultura científica globalizada cria “regiões competitivas agrícolas”, isto é, subespaços do território que se tornam funcionais ao agronegócio inserido nos mercados internacionais. Trata-se, para os autores, de um novo arranjo regional associado à globalização que, ao acirrar a busca pela especialização e pela competitividade da produção agrícola, produz novas compartimentações do espaço marcadas por conteúdos técnicos, científicos e informacionais muito prenunciados e articulados com o movimento dos mercados internacionais. Ricardo Castillo e Frederico Samuel (2000, p. 20) explicam o conceito de região competitiva agrícola: [...] a “região competitiva agrícola” pode ser entendida como um compartimento produtivo do espaço geográfico atrelado à produção agrícola moderna. São aquelas regiões cuja produção é hegemônica sobre as demais atividades, fazendo com que a região reúna uma forte densidade técnica (infraestrutura de transporte e comunicação, sistemas de armazenamento, centros de pesquisa, agroindústrias) e normativa (desoneração fiscal, normas que facilitam o desembaraço das mercadorias, selos de denominação de origem etc.) vinculada à atividade agrícola dominante. Como as regiões se especializam em poucas commodities agrícolas, a necessidade de transporte aumenta exponencialmente e a logística aparece como uma questão fundamental para garantir a manutenção da competitividade desses produtos no comércio internacional. Isso quer dizer que as regiões deixam de ter uma pauta diversificada de produtos agrícolas, que poderia suprir parte das necessidades da indústriae do consumo das cidades, e passam a se concentrar na produção de uma ou poucas culturas agrícolas que, por conta de atributos naturais, técnicos e normativos, são competitivos nos mercados nacional e internacional. 18 19 Figura 2 Fonte: IBGE, 2006 O caso da soja nos cerrados do Centro-Oeste e do Sudeste é o exemplo mais emblemático dessa especialização produtiva exacerbada, que cria uma região competitiva agrícola, nesse caso orientada para o “complexo soja”, que tem características e etapas de produção específicas. A citricultura, no interior de São Paulo, e a cana-de-açúcar, também no interior paulista e em Goiás, são outros exemplos de regiões competitivas. A Logística da Produção Agrícola Essa especialização produtiva tem como consequência a necessidade de transportar a produção agrícola. Como as regiões produtoras estão cada vez mais distantes dos centros industriais e dos portos da costa brasileira e, além disso, têm infraestruturas de transporte muito precárias, a logística aparece como o grande “gargalo” a ser enfrentado para diminuir o “custo Brasil” que, para os grandes empresários do agronegócio, sufocam a competitividade do país no mercado internacional. Os governos federal e estadual, por sua vez, têm investido enormes montantes na instalação de rodovias, ferrovias e na modernização dos portos brasileiros para fazer frente a essa questão e baratear o custo dos transportes, permitindo que esses produtos se insiram de forma cada vez mais agressiva nos mercados internacionais. 19 UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 A grande questão que se coloca, porém, é quem se beneficia de fato com esses investimentos públicos em infraestrutura logística no país. Diversas pesquisas demonstram que o agronegócio globalizado é o grande beneficiado por esses investimentos públicos, que, em um quadro de restrições de gastos públicos, drenam parte dos orçamentos que poderiam ser aplicados em outras áreas. Além da questão logística, a especialização produtiva das regiões competitivas fragmenta o território brasileiro, isto é, corrói a coesão inter-regional necessária para a integração nacional. Nas duas últimas décadas, há a tendência de que essas regiões competitivas estabeleçam vínculos muito mais fortes com os mercados internacionais que com as outras regiões do território brasileiro. A integração à economia internacional, portanto, se faz à custa da coesão inter-regional duramente construída durante o século XX. Para Tânia Bacelar de Araújo (2000), esse processo significa uma “desintegração competitiva”: o Brasil passa a se inserir de forma competitiva na globalização econômica, ao mesmo tempo em que as relações entre as regiões do território nacional se enfraquecem, apontando para uma desintegração interna. Outra questão fundamental para avaliar a expansão da agricultura científica globalizada no território nacional e a constituição das regiões competitivas agrícolas é o grau de vulnerabilidade a que essas áreas ficam expostas. Como as economias regionais se tornam altamente dependentes de uma ou poucas commodities agrícolas, que têm seus preços e fatores produtivos determinados pelos mercados internacionais, qualquer mudança inesperada nesse contexto pode trazer grandes prejuízos a essas regiões e, consequente, ao território nacional. Essa vulnerabilidade territorial, relacionada à “[...] excessiva reunião de fatores produtivos numa porção do território, com pouca ou nenhuma autonomia decisória regional (o que produzir, de que maneira e em quais quantidades)” (CASTILLO & FREDERICO, 2010, p. 24) submete as dinâmicas regionais ao mercado internacional, muitas vezes sem nenhuma correspondência a uma estratégia nacional de desenvolvimento, agravando os problemas agrários brasileiros. 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Expansão Agrícola, Preços e Apropriação de Terra por Estrangeiros no Brasil SAUER, Sérgio; LEITE, Sérgio Pereira. Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros no Brasil. Rev. Economia e Sociologia Rural, v. 50, n. .3 Brasília Jul., 2012. https://goo.gl/qHNTEm Livros Globalização e Agricultura ELIAS, Denise. Globalização e agricultura: a Região de Ribeirão Preto. São Paulo: Edusp, 2003. Vídeos Produtores de Cana-de-Açúcar Investem em Mecanização da Colheita em São Paulo Matéria Jornalística – Rede Globo (2min58). Produtores de cana-de-açúcar investem em mecanização da colheita em São Paulo. https://goo.gl/d46RYp Filmes Amazônia em Chamas Amazônia em Chamas (1994), filme americano sobre Chico Mendes. 21 UNIDADE A Modernização na Agropecuária Brasileira Pós Anos 1990 Referências ARACRI, L. A. dos S. Reestruturação produtiva, território e difusão de inovações no campo: a agricultura de precisão em Mato Grosso. Rio de Janeiro: Arquimedes, 2010. BIUDES, F.; ASSAD, E.; CASTILLO, R. O seguro agrícola a partir do zoneamento de riscos climáticos. Anais. XIV Congresso Brasileiro de Agrometeorologia. Campinas: SBAGRO, 2005. CASTILLO, Ricardo. Exportar alimentos é a saída para o Brasil? O caso do complexo soja. In: ALBUQUERQUE, E. S. (org.). Que país é esse? Pensando o Brasil contemporâneo. São Paulo: Ed. Globo, 2005. CASTILLO, Ricardo. 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