Prévia do material em texto
Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6381-9 T Ó P IC O S E S P E C IA IS E M T I Rod rig o V inícius Sartori IESDE BRASIL S/A 2018 Tópicos Especiais em TI Rodrigo Vinícius Sartori Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: spainter_vfx/iStpckphoto CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S26t Sartori, Rodrigo Vinícius Tópicos especiais em TI / Rodrigo Vinícius Sartori. - [2. ed.] - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018. 140 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6381-9 1. Comunicação e tecnologia 2. Tecnologia de informação 3. Educação - Inovações tecnológicas. I. Título. 17-46169 CDD: 303.4833CDU: 316.422 © 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Apresentação O que há de tão especial nos tópicos selecionados nesta obra? Por certo, muita coisa. A começar, por proporcionarem um olhar ao futu- ro do mundo, das novas tecnologias e, com destaque, da tecnologia da in- formação (TI). É uma forma de preparar os profissionais ligados à ciência da computação e à análise e desenvolvimento de sistemas para o cenário desafiador – e, ao mesmo tempo, magnífico – que os aguarda em suas carreiras, de hoje em diante. Permitir compreender o essencial em relação às novas tecnologias que o acompanharão por toda a vida é o objetivo do capítulo inicial, em que se esclarecem aspectos importantes a respeito de ciência, tecnologia e inovação no âmbito da TI. Também se apresentam os instrumentos e técnicas voltados à prospecção e antecipação de cenários tecnológicos. O capítulo é concluído com a abordagem da valiosa ferramenta Hype Cycle. O Capítulo 2 dedica-se a conscientizar o leitor frente às questões mais sensíveis da tecnologia ao longo da história, com ênfase no momento de transição atualmente vivido e no imediato porvir. É a parte do livro que descreve o fenômeno da Indústria 4.0, ou Quarta Revolução Industrial, destacando a implacável transformação digital nesse mundo. Também se pondera a respeito do que viria a ser uma possível Indústria 5.0. No Capítulo 3, são voltadas atenções para uma aplicação muito nobre da tecnologia da informação: o atendimento das pessoas com deficiência. Analisam-se novas tecnologias voltadas tanto a necessidades especiais físicas quanto mentais. É no Capítulo 4 que se explora o tema dos aplicativos interativos, mostrando as várias facetas da interatividade nas mais modernas apli- cações de TI. Responde-se, também, às questões de por que interagir, quais são os graus ou níveis de interação a considerar no cenário de TI, além de uma interessante análise do design como instrumento me- todológico nesse campo. Apresentação O Capítulo 5 é reservado à inteligência artificial, conduzindo o leitor a compreender os temas mais atuais a esse respeito. Inclui-se nessa discussão conteúdo envolvendo os conceitos, história, abordagens e também os limites éticos inerentes a essa inquietante nova tecnologia. Tecnologias para dispositivos móveis, tão indispensáveis atualmen- te, definem o Capítulo 6, que versa a respeito de sistemas embarcados, da Internet das Coisas, além de revelar um quadro no mínimo curioso: como tudo converge para o rápido fim dos smartphones. No Capítulo 7 é explorado o assunto TI verde, trazendo a discussão da sustentabilidade socioambiental para a tecnologia da informação. É realiza- da uma grande radiografia do mercado CleanTech (das tecnologias limpas), e descritas tecnologias especialmente úteis tanto para melhor consumir os recursos naturais quanto para diminuir a poluição. Por fim, o Capítulo 8 é voltado ao uso da TI na educação, e as análi- ses trazidas cobrem a revolução proporcionada pelas ofertas MOOC, pela magistral aplicação didática da realidade virtual e da realidade aumentada, além de uma reflexão para se perguntar se a TI tornará ou não a educação mais inclusiva. Esta é uma obra feita com especial esmero, com a esperança de poder inspirar suficientemente o leitor a buscar explorar o melhor da tecnologia da informação para sua vida pessoal e profissional. Sobre o autor Rodrigo Vinícius Sartori Doutorando em Administração na Universidade Positivo (UP). Mestre em Engenharia da Produção, especialista em Gestão do Conhecimento nas Organizações e engenheiro industrial elétrico pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor, pesqui- sador e consultor sênior de gestão nas áreas de Qualidade e Inovação, com vivência internacional (EUA e Espanha). Desenvolve trabalhos aca- dêmicos e empresariais em todo o Brasil. 6 Tópicos Especiais em TI SumárioSumário 1 Introdução a novas tecnologias 9 1.1 Ciência, tecnologia e inovação em TI 10 1.2 Prospecção e cenários em tecnologia 14 1.3 Hype Cycle 18 2 A tecnologia ao longo do tempo 27 2.1 Indústria 4.0 28 2.2 Transformação digital 32 2.3 Qual será a próxima revolução industrial? 35 3 TI para pessoas com deficiência 43 3.1 O mercado PcD 44 3.2 Tecnologias voltadas às necessidades especiais físicas 48 3.3 Tecnologias voltadas às necessidades especiais mentais 52 4 Aplicativos interativos 61 4.1 Por que interagir? 62 4.2 Graus de interação 66 4.3 Um novo Design Thinking? 70 Tópicos Especiais em TI 7 SumárioSumário 5 Inteligência artificial 77 5.1 Conceitos e história da IA 78 5.2 Abordagens da IA 82 5.3 Limites éticos 86 6 Tecnologias para dispositivos móveis 93 6.1 Sistemas embarcados 94 6.2 Internet das Coisas 98 6.3 O fim dos smartphones 101 7 TI verde 109 7.1 O mercado CleanTech 110 7.2 Tecnologias para melhor consumir recursos naturais 114 7.3 Tecnologias para diminuir poluição 118 8 TI voltada para a educação 125 8.1 A revolução dos MOOC 126 8.2 A realidade virtual e a realidade aumentada como ferramentas de ensino 130 8.3 A TI tornará a educação mais inclusiva? 134 Tópicos Especiais em TI 9 1 Introdução a novas tecnologias As novas tecnologias vêm redefinindo o mundo, alterando a forma como as pes- soas vivem, se relacionam, produzem e consomem. Em um processo cada vez mais acelerado e intenso, o emprego combinado de novas abordagens tecnológicas vem criando e oferecendo novas possibilidades ao ser humano contemporâneo, de tal forma que o hábito de vida de gerações anteriores é transformado por completo no espaço de apenas uma nova geração – a atual. A compreensão dessa dinâmica, portanto, parece imprescindível para que o pro- cesso de gestão tecnológica possa ser guiado aos melhores resultados possíveis. O que se procura, enfim, é o aumento da qualidade de vida das pessoas, possibilitando um mundo cada vez melhor. Aplicações tecnológicas cumprem um especial papel nesse sentido. Dominar tecnologias é competência central para profissionais e organizações deste início de século XXI. Naturalmente, o domínio da tecnologia passa, primeiro, pela apreensão conceitual dos termos e definições inerentes. Conforme é descrito neste capítulo, tecnologia tem um significado muito mais amplo do que aquilo que normal- mente se associa a essa palavra. Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI10 Quando se aponta para o futuro, conta-se com técnicas e métodos específicos para o melhor delineamento das novas tecnologias, o que permite algum grau de previsão ou pros- pecção tecnológica, tema que aqui se destaca, bem como a compreensão de um interessante fenômeno conhecido por Hype Cycle (gráfico que representa a maturidade e a adoção de determinadas tecnologias), muito útil para compreender os movimentos industriais e de mercado associados às novas tecnologias. 1.1 Ciência, tecnologia e inovação em TI Ciência, tecnologia e inovação são três termos muito próximos, embora de significados fundamentalmentedistintos. Convém um rápido embasamento conceitual, pois isso pro- porciona um efeito prático bastante apreciável: expande a visão das coisas. Quem tem a definição desses conceitos de forma muito clara acaba por melhor transitar em meio aos processos tecnológicos, entende melhor, interage melhor, produz melhor. E isso é válido tanto para o perfil acadêmico quanto industrial. Entende-se por ciência o conhecimento, tão puro quanto possa ser concebido. É o sa- ber teórico fundamental, ainda despreocupado com aplicações práticas ou uso imediato. Aqui residem as fórmulas, teoremas e teorias. Na ciência, estão estabelecidas as relações de causa e efeito, procurando, essencialmente, explicar os mecanismos atuantes sobre o mun- do. Portanto, ciência é conhecimento, mas não exatamente qualquer tipo de conhecimento: se é científico, é porque se trata de conhecimento formal. Essa formalização, um verdadeiro rigor que se aplica para garantir a veracidade do saber, é o que diferencia, enfim, aquilo que se sabe daquilo que se acredita – por mais convicção que se tenha nessa crença. Portanto, a fé e a ciência, que de forma alguma precisam ser elementos antagônicos, distinguem-se preci- samente neste aspecto: a ciência não é para acreditar. É para conhecer. O rigor em questão diz respeito à forma como o conhecimento é produzido, para que possa ser atestado como científico. Não é por qualquer meio que se propõe que determinado efeito advém de uma tal causa, mas apenas por aquilo que se denomina como método cien- tífico de produzir conhecimento. Na ciência, não se aceita o “ouvi dizer” ou “li em algum lugar”: é preciso provar. Pesquisadores cientistas devem compreender como determinado conhecimento foi produzido, conhecer as etapas que foram percorridas, sendo que eles mes- mos podem seguir esses passos, para confirmar – ou refutar – aquelas conclusões. Portanto, há embasamento quando se produz ciência, e é por isso que ela é o conhecimento verdadeiro devidamente justificado. Tecnologia também é conhecimento, contudo, diferente de ciência, trata-se de conheci- mento aplicado. A aplicação é o uso daquele conhecimento para resolver algum problema do mundo real. O mundo carece de soluções para um sem-número de questões. Uma vez que se saiba que tal conhecimento serve para a consecução de determinado objetivo, e co- nhecendo ainda como aplicar da melhor forma possível tal conhecimento na prática, é dito que se domina uma tecnologia. Usualmente, no mundo das organizações empresariais, a tecnologia é direcionada à produção: como fazer para que determinada empresa consiga Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 11 fabricar aquele produto, ou prestar um serviço em específico? Como se organizar? Quais técnicas aplicar? Como selecionar e empregar um conjunto de conhecimentos que servem para fazer uma empresa cumprir sua função? É importante frisar que o conceito de tecnologia é muito mais amplo do que nor- malmente consegue se supor. Um exercício simples que comprova a limitação que costu- ma imperar a respeito desse entendimento é utilizar uma dessas ferramentas de buscas on-line de imagens, como, por exemplo, o Google Imagens. Ao se digitar o termo tecnologia ou technology no buscador, as respostas, invariavelmente, são imagens que remetem à infor- mática, à internet, à microeletrônica, redes sociais digitais e afins. Isso também é tecnologia, mas tecnologia não se limita a esse aspecto. Do ponto de vista de conceito, é como se tra- tasse da ponta do iceberg. Dominar conhecimentos úteis para resolver um problema prático pode envolver, conceber e produzir um poderoso computador de última geração – mas também é tecnologia o que se emprega para produzir um bolo de fubá. Levar o homem a explorar a Lua envolve um alto grau de sofisticação tecnológica – contudo, fazer um suco de laranja também envolve determinado domínio da técnica, que é pensado e sistematizado pela tecnologia1. Os saberes orientados à prática são, por certo, das mais variadas naturezas e níveis de complexidade. Tecnologia da informação (TI) é uma dimensão de tecnologia. Ao mesmo tempo, é interessante reconhecer que Gestão (Administração) também é tecnolo- gia: Tecnologia de Gestão – que não pode ser confundido com Gestão de Tecnologia. A tecnologia da informação, por sinal, é a aplicação da ciência da informação para aten- der demandas reais, práticas – muitas vezes, industriais, que envolvem informação com insumo, como agente de transformação e como elemento de agregação de valor. É certo que, em muitas circunstâncias, fica difícil separar claramente onde se termina um conhecimento puro, de base, e onde começa um conhecimento em processo de aplicação, de utilidade concreta. E há que se concordar com Reis (2008): de fato, pouco importa tal delimitação. Na prática, dado esse entrelaçamento tão típico e tão forte entre ciência e tecnologia, ambos os termos costumam ser referenciados como um binômio (C&T – Ciência & Tecnologia), quase como se fosse um único elemento. Um dos mais relevantes aspectos práticos a respeito de C&T é o fato de que o conheci- mento puro é, para todo efeito, público e, portanto, gratuito. Contudo, com tecnologia é o oposto: o conhecimento aplicado pode ter dono. Não se pode cobrar royalties2 de alguém que venha a explorar a lei da gravitação universal ou o teorema de Pitágoras. Contudo, o princí- pio ativo de um remédio específico pode ser patenteado (protegido contra o uso comercial por parte de terceiros). A tecnologia pode, dessa forma, ser propriedade particular de uma 1 O filósofo Álvaro Vieira Pinto (2005) discute sobre a oposição entre tecnologia e técnica. Para o autor, a técnica é algo inerente ao ser humano, que possui a faculdade de projetar artifícios para suprir suas necessidades, de forma a mediar suas ações no mundo; já a tecnologia é apresentada como uma reflexão sobre a técnica, podendo-se dizer que se trata da sua ciência. Assim, de acordo com o exemplo, podemos pensar que a técnica empregada para fazer um suco de laranja é a de cortá-la e espremê-la; a tecnologia empregada é a de produzir um espremedor automático de suco de laranja. 2 Palavra em inglês que significa realeza, regalia ou privilégio. Consiste em uma quantia que é paga por alguém ao proprietário pelo direito de usar, explorar ou comercializar um produto, obra, terreno etc. Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI12 pessoa ou de uma organização. Isso tem sua explicação: recompensar o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Alguns processos de pesquisa e desenvolvimento costumam se delongar por anos ou mesmo décadas – com proporcional custo acumulado. Empresas que dedicam recursos para criar determinadas tecnologias não querem ver todo seu esforço ser livremente aproveitado pelos competidores, cujo esforço de desenvolvimento poderia ser a mera cópia, o que é mais barato e configuraria competição desleal. A legislação prevê mecanismos para prover essa proteção, na forma de patente tecnológica. Contudo, em determinadas circunstâncias, as patentes tornam-se pouco ou nada úteis. Conforme pode ser acompanhado no Capítulo 2, que aprofunda essa questão, determinadas tecnologias possuem um ciclo de vida, uma difusão – e um potencial ostracismo – que são muito acelerados. Isso é especialmente marcante na tecnologia da informação. Na prática, todo o processo burocrático de se depositar e conseguir a concessão de uma patente pode tomar um tempo maior que a própria vida útil daquela tecnologia, ou mesmo ser incom- patível com a janela de oportunidade de mercado para melhor explorá-la comercialmente. Assim, muitas empresas, com destaque àquelas com reputação de mais inovadoras, acabam por ignorar maiores disputas de propriedade intelectual, tratando de se ocupar em manter um regime de constante pesquisa e desenvolvimento, com recorrentes novos lançamentos, apostando nessa estratégia de competitividade: enquanto o competidor se ocupa de copiar umatecnologia anterior, a organização já está um passo à frente com a tecnologia de pró- xima geração. Nos mercados em que o vanguardista costumar ter uma melhor aceitação (imitadores não sejam tão bem quistos), isso acaba fazendo todo o sentido como estratégia de competitividade. Por outro lado, enquanto ciência e tecnologia dizem respeito à área mais técnica da discussão, inovação é uma competência interdisciplinar: a chave de sucesso é o aspecto mer- cadológico. Ciência e tecnologia podem ser empregadas, na prática, para uma infinidade de invenções, das mais engenhosas às mais bizarras, nas indústrias de todos os tipos. Inventar, sob certa perspectiva, parece razoavelmente fácil: basta fazer diferente daquilo que é o nor- mal, do amplamente difundindo. Mas nem toda invenção é uma inovação. O Manual de Oslo (OECD, 2005), como documento internacional de referência no âmbito da conceituação de inovação, a define como a invenção comercialmente bem-sucedida. Isso significa que ino- vação é a invenção que se torna um sucesso comercial, que é aceito (validado) pelo mercado. Aquilo que se cria de diferente, mas não se vende, pode ser algo curioso, distinto, talvez até mesmo artístico ou digno de louvor, mas não é inovação. Tecnologia inovadora é aquela nova tecnologia que, por algum motivo (certamente, sua utilidade prática singular), é aceita e utilizada pelo mercado. Inovar realiza algo novo ou que nunca tinha sido feito antes: apesar de tecnologias antigas também serem aceitas e utilizadas pelo mercado, não são inovadoras. E a inovação se estende, conceitualmente, para produtos, serviços, processos, marketing e estrutura organizacional. Um novo bem (físico), que se torne um sucesso de vendas, é uma inovação de produ- to. Se intangível, convertido em uma prestação de serviço diferente, e ao mesmo tempo com êxito comercial, é uma inovação de serviço. O produto e serviço podem ser, inclusi- ve, até os mesmos que já se tinha, mas caso a forma de produzi-los tenha sido alterada, Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 13 e isso implique em vantagem comercial (um processo mais efetivo, mais rápido, mais se- guro, ambientalmente mais adequado e/ou socialmente mais responsável etc.), o que se caracteriza é uma inovação de processo. Há, inclusive, como se reconhecer inovação em marketing como uma das possíveis inovações de processo, mas inovação em marketing acaba ganhando essa categorização distinta, para realçar as virtualmente infinitas possibili- dades de fazer diferente e alcançar sucesso nos atributos de preço, praça, produto e promo- ção (os 4Ps do marketing). Finalmente, a categoria de inovação em estrutura organizacional reconhece a validade de se alterar a ordem naturalmente estabelecida para as organizações funcionarem com vistas ao cumprimento de sua missão institucional: aqui, proliferam abor- dagens alternativas, como trabalho à distância, coworking (trabalho em espaço comparti- lhado), novas estruturas executivas (como, por exemplo, uma vice-presidência dedicada à inovação e à transformação digital), times de projeto formados por consórcios de empresas, entre outros. Assim como há diferentes tipos de inovação, anteriormente descritos, também existem distintas abrangências geográficas e intensidade de inovação. No quesito de abrangência, uma inovação pode ser mundial ou global (ineditismo em grau máximo). Mas também po- de-se falar em inovação nacional (quando, até então, só existe fora do país: algumas orga- nizações são conhecidas por “tropicalizar” tecnologias, quando as lançam, com vanguarda, no Brasil). De forma análoga, inovações podem ser regionais, ou até mesmo empresariais: ainda é inédito tão somente para aquela empresa (naturalmente, uma inovação menor, mas ainda assim, uma inovação). No quesito intensidade da inovação, esta pode ser radical ou incremental. Radical é a com- pleta reformulação conceitual de um produto ou de uma tecnologia, e incremental é o rótulo aplicado para as pequenas melhorias que muito agregam valor a um produto ou tecnologia, mas que não chegam a revolucionar por completo aquele produto ou tecnologia. Por exem- plo, um detector de gotas de chuva, que aciona automaticamente o limpador de para-brisa, parece um recurso bastante apreciável, mas que ainda torna o carro um carro (por isso, é uma inovação incremental). O mesmo não se pode afirmar quanto aos automóveis autodiri- gíveis (sem necessidade de motorista), que redefinem o conceito daquele produto – por isso, com justiça, uma inovação tida como radical. Como um jargão perigosamente alardeado, tem-se observado, com muita frequência, o emprego do termo disrupção para algumas situações, e é comum que inovações radicais sejam associadas a inovações disruptivas. Há um importante senão que merece ser desta- cado: conforme bem defendido por Christensen e Raynor (2013), são conceitos distintos. A disrupção diz respeito, necessariamente, a um rompante no hábito das pessoas (usuários, consumidores, clientes etc.). Ou seja, na forma como as pessoas consomem ou utilizam um determinado produto ou tecnologia que é profundamente alterada, com impactos sociais e culturais associados. A transformação definitiva que o Uber traz na mobilidade urbana, por exemplo, é o que o eleva a uma inovação disruptiva (e não apenas o fato de seu aplicativo permitir chamar carros, programar rotas, pagar em ambiente seguro virtual etc.). Tecnologicamente falando, o aplicativo desenvolvido e empregado pelo Uber não tem lá grandes novidades funcionais Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI14 que permitam classificá-lo como inovação radical: há muito, já eram difundidos o mapa eletrônico, o pagamento on-line, o ranking mútuo de utilizadores (no caso, motoristas e pas- sageiros) e outros. Contudo, a associação das características empregadas para formatar esse produto, e o modelo de negócio que foi arquitetado, representou uma das maiores revolu- ções em nível global no comportamento das pessoas ante à necessidade de procurar uma locomoção urbana. Isso é, portanto, uma disrupção por excelência. A inovação é a engrenagem que movimenta mercados, indústrias e, com isso, a própria economia em nível global. Conforme o Capítulo 2 se ocupa em detalhar, a tecnologia da informação merece destaque como verdadeira protagonista da evolução acelerada de boa parte das demais tecnologias. Bastante exploradas pelas principais corporações de todos os segmentos, as plataformas tecnológicas inovadoras, tais como nanotecnologia, biotecnolo- gia, robótica, inteligência artificial, Internet das Coisas, Big Data, tecnologia dos materiais, entre tantas outras, estão em processo de efervescente revolução, e especialmente de inte- gração, graças a características inerentes da tecnologia da informação – por assim dizer, con- cordando com Ramos et al. (2012), tudo parece orbitar ao seu redor, no fenômeno conhecido por Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0). 1.2 Prospecção e cenários em tecnologia A tecnologia é, seguramente, condicionadora e direcionadora de mudanças nos cená- rios futuros. Nesse contexto, atividades de prospecção de tecnologia são definidas como aquelas cujo olhar é ao futuro ou aos possíveis futuros. Quando se procura identificar tec- nologias de próximas gerações, o futuro de maior interesse é o não imediato: comumente, diz respeito a horizontes temporais de alguns anos há algumas décadas, embora também seja possível encontrar determinadas abordagens ousando explorar (mesmo que de modo especulativo) séculos ou até milênios à frente. Ressalta-se: é importante prospectar tecnologias. Os resultados dos estudos nesse cam- po oferecem um olhar detalhado e valioso para possíveis avanços nas mais diversas áreas de atuação humana, implicando, muitas vezes, em significativas oportunidades de disrupção para o trabalho, para a vida pessoal, para as estruturas corporativas e até mesmo para as políticas públicas. E é justamente esse o motivo peloqual governos, organizações e pesqui- sadores costumam contratar e se envolver em pesquisas orientadas à prospecção do futuro das mais diversas tecnologias. Da perspectiva de uma nação, essa iniciativa favorece o desenvolvimento em geral. É fato que o Brasil é considerado um país atrasado em relação às potências mundiais, tam- bém no quesito de desenvolvimento tecnológico (salvo exceções raras, pontuais e insufi- cientes). Parece admissível que exista alguma relação entre o grau de desenvolvimento tec- nológico de uma país (entenda-se aqui o patamar alcançado por todas as suas instituições científicas e empresariais) e o nível de adoção de processos de prospecção em tecnologia. Com a constante evolução tecnológica, a sociedade altera a tecnologia, da mesma forma que a tecnologia molda a sociedade. Em função dessa dinâmica, os próprios métodos que Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 15 as organizações adotam para prever e prospectar tecnologia sofrem contínuas alterações. Assim, é importante diferenciar os conceitos associados aos termos prospecção em tecno- logia (foresight), previsão em tecnologia (forecasting) e avaliação tecnológica (assessment). Na classificação proposta por Porter et al. (2004) e Porter (2010): • Prospecção em tecnologia: refere-se ao processo sistemático de identificar desen- volvimentos tecnológicos futuros e suas interações com a sociedade e o meio am- biente, com a finalidade de promover ações orientadoras destinadas a produzir um futuro mais desejável. • Previsão em tecnologia: é o processo sistemático de descrever o surgimento, de- sempenho, recursos ou impactos de uma tecnologia em algum momento no futuro. • Avaliação tecnológica: ocupa-se do estudo de impactos relacionados à adoção de uma tecnologia. • Roadmapping de tecnologia: método de gestão empregado como suporte ao pla- nejamento estratégico tecnológico de uma organização. Ele auxilia na estrutu- ração, desdobramento, comunicação e estabelecimento da visão de futuro da organização e na sua integração com os planos de mercado, produto e tecnolo- gia. Essencialmente, apresenta-se como uma ferramenta gráfica usada para se estabelecer relação entre as necessidades futuras de mercado, a tecnologia atual da empresa, a tendência da tecnologia no mundo e programas de pesquisa e de- senvolvimento (P&D). Desse modo, a empresa pode tomar decisões para melhor aproveitamento dos investimentos de capital em P&D, com garantia de alinha- mento à estratégia da organização. Historicamente, por volta do ano 8000 a.C., após a era baseada na tecnologia agrícola (que até pode ser reconhecida como a primeira verdadeira “Revolução Industrial”, interpre- tando o termo como um salto de produtividade do labor humano), a sociedade passou a se apoiar definitivamente no uso cada vez mais intensivo e integrado de diferentes vertentes tecnológicas. É possível o reconhecimento de dois períodos bem caracterizados, a sociedade industrial (em torno de 1800) e sociedade da informação (a partir de 1970) – e até mesmo a iminência de um terceiro, que alguns denominam, mesmo que de forma provisória, de sociedade molecular. A sociedade industrial foi a primeira era com definitivos esforços de prospecção em tecnologia. Trata-se de uma época caracterizada pela II Guerra Mundial, Guerra Fria e terrorismo – eventos que despertaram interesse a respeito das tecnologias que estavam por vir, tendo como objetivo a segurança nacional. A previsão tecnológica tornou-se essencial para avaliar as necessidades futuras de defesa dos EUA, nação vanguardista como potência tecnológica. Entre 1950 e 1960, algumas organizações, dentre as quais o Departamento de Defesa norte-americano, desenvolveram ferramentas quantitativas para previsão tecnológica, ferramentas semiquantitativas (mapeamento, morfologia e análise de necessidades), além de técnicas qualitativas, tais como estudos de cenários e Método Delphi. Esse é um período marcado também pela preocupação com o monitora- mento e impacto das novas tecnologias. Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI16 Os EUA se concentraram na pesquisa e desenvolvimento de produtos bélicos, e com o país ocupado com esse foco de prioridade, outras nações acabaram por se destacar em de- senvolver tecnologias em setores industriais distintos. Naquela época, analistas da Europa e Ásia assumiam papel relevante no desenvolvimento de conceitos de prospecção em tec- nologia. Assim, começava-se a reconhecer na previsão em tecnologia uma entrada válida e relevante para a estratégia corporativa. De igual modo, as necessidades de clientes ou mer- cados, bem como fatores políticos, internacionais, econômicos, trabalhistas e os ambientes regulatórios deviam ser atraídos para o esforço total de prospecção em tecnologia. Por sua vez, é na sociedade da informação que ocorre a segunda era da prospecção em tecnologia. A sociedade da informação é caracterizada pelo período em que ocorre, entre outros acontecimentos marcantes, o aperfeiçoamento e a difusão da internet como plata- forma de tecnologia de informação e comunicação e o drástico aumento na capacidade dos computadores. Essas são conquistas tecnológicas que facilitaram a utilização das técnicas de estudos de cenários e Método Delphi, que podem ser consideradas as ferramentas mais amplamente utilizadas nessa época, além da análise bibliométrica. Também pode ser citada a utilização de novos métodos de prospecção, tais como a ciência da complexidade e pers- pectivas múltiplas. Não obstante, a sociedade molecular dá espaço para a terceira era da prospecção em tecnologia. A primeira era (sociedade industrial) já passou por todas as fases de ciclo de vida, que são a gestação, crescimento, maturidade e declínio. A segunda era (sociedade da informação) passou pela gestação e crescimento, encontrando-se, nas primeiras déca- das do século XXI, na maturidade. Ocorre que a terceira era (sociedade molecular), como lembra Schwab (2016), ainda está na etapa gestacional, caminhando para o crescimento – uma transição que se espera para em torno do ano 2025. Esse é um período em que podem ser identificados direcionadores revolucionários, como a biotecnologia e a nanotecnologia. De alguma forma, a biologia está se tornando uma ciência da informação. E, por outra pers- pectiva, a tecnologia da informação começa a adotar características dos sistemas biológicos. Como a ciência progride, a fronteira entre sistemas vivos e artificiais, e entre a vida real e virtual, está se tornando cada vez mais de difícil distinção. As notícias sempre recorren- tes sobre fanáticos fundamentalistas e guerras religiosas, por exemplo, têm conduzido a discussão de como a evolução das tecnologias pode ocasionar a utilização de novas armas baseadas em genética, nanotecnologia, robótica etc. Por isso, alguns questionamentos surgem nessa nova era: será que os fatos asso- ciados a esse período podem envolver mudanças significativas nas formas de previsão e de prospecção em tecnologia? Ocorrerá o aprimoramento dos métodos já existentes? Surgirão novas técnicas de previsão e prospecção em tecnologia que se somarão às vá- rias já existentes? O que parece mais provável é a integração ou uso combinado de dife- rentes métodos de prospecção. Existem inúmeros métodos de prospecção de tecnologia para atender a diferentes obje- tivos, como destaca Porter (2010). Atingir tais objetivos envolve recorrer a uma diversidade de procedimentos, com distintas abordagens (às vezes, complementares). Esses métodos po- dem ser agrupados em famílias, de acordo com algumas características comuns e objetivos Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 17 aos quais melhor se destinam. O Quadro 1 apresenta uma lista de métodos prospectivos em função do agrupamento em famílias de similaridades. Quadro 1 – Métodos de análises de tecnologias futuras. Famílias de métodos Exemplos de métodos Abordagens criativas TRIZ, sessões de trabalho sobreo futuro, visionamento, ficção científica. Monitoramento e inteligência Vigilância em tecnologia, mineração em tecnologia. Descritivos Bibliometria, lista de verificação de impactos, índice de estados futuros, avaliação de múltiplas perspectivas. Matrizes Analogias, análises morfológicas, análise de impactos cruzados. Análises estatísticas Análise de riscos, correlações. Análises de tendências Modelamento de curva de crescimento, principais indicadores, curvas de envelope, modelos de onda longa. Opinião de especialistas Survey, Delphi, grupos focais, abordagens participativas. Modelagem e simulação Descrições de sistemas de inovação, modelamento de siste- mas adaptativos complexos, modelamento de regimes caó- ticos, análises de difusão ou substituição de tecnologias, modelamento de entradas e saídas, modelagem baseada em agente. Análise lógica / Análise causal Análise de requisitos, análises institucionais, análises das partes interessadas, avaliação de impacto social, estraté- gia de mitigação, análises de sustentabilidade, análises de ação (avaliação de políticas), árvores de relevância, roda do futuro. Mapeamento Descrição do futuro em sentido inverso ( backcasting), mapeamen-to de tecnologia x produto, mapeamento científico. Cenários Gestão de cenários, cenários baseados quantitativamente. Análises de valoração / Auxílio à decisão / Econômica Análise de custo benefício (CBA), processo analítico de hie- rarquia (AHP), análise de envelopamento de dados (DEA), análises de decisão por multicritérios. Combinações Simulação de cenários (jogos), análise de impacto de tendências. Fonte: PORTER, 2010, p. 41. Adaptado. Métodos podem ser combinados, dependendo da complexidade e objetivos da análi- se. Existem métodos hard (baseado em análises quantitativas) e soft (baseado em análises qualitativas). Há os extrapolativos (que visam antecipar potenciais futuros, no contexto de mudança) e normativos (orientados a descrever o futuro desejado). Como curiosidade, a própria ficção científica é considerada um dos métodos de pros- pecção de novas tecnologias, na família de abordagens criativas. Embora seja literatura ro- manceada, fruto de produção artística, sua especial utilidade é para inspiração de pesquisas Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI18 que culminem em desenvolvimento da ciência e tecnologia – e resultem em inovações de impacto para a sociedade. Os clássicos do gênero parecem insuperáveis: a produção literária de nomes como Arthur C. Clarke e Isaac Asimov, em seu conjunto da obra, fecunda as demais mídias de Sci-Fi, como filmes (Star Wars, Blade Runner, Back to the Future, Matrix etc.) e seriados televisivos (X-Files, Lost, Millenium, Black Mirror etc.). A ficção científica é o ponto de convergência entre a arte e a ciência. Estas se influenciam mutuamente. É interessante observar que muitas pessoas que enveredam por uma formação técnica, como engenhei- ros e tecnólogos, fazem suas escolhas acadêmicas e profissionais incentivadas também pela influência da ficção científica em suas vidas. Da mesma forma, boa parte dos temas explorados por pesquisadores acadêmicos e cientistas em geral é induzida pelos produ- tos de ficção científica consumidos na infância e adolescência. Tal apelo motivacional, de cunho mais emotivo que racional, parece que sempre se fez presente, em todos os tempos, de maneira mais velada ou mais explícita. Não restrita a um mero passatempo, a ficção científica se mostra inspiração e até mesmo direcionadora de temas com verdadeiro potencial de conversão em hipóteses para comprovação ou refuta- ção científica. Quanto conhecimento já foi efetivamente gerado, aplicado e industrializado décadas depois dos inventos descritos pela mente de Júlio Verne? Da robótica romanceada por Isaac Asimov, do sistema de comunicações intra e interplanetário de Arthur Clarke, da engenharia genética sugerida por Aldous Huxley? Poderia o gênio Leonardo da Vinci, se tivesse direcionado sua produção artística mais para o storytelling da ficção literária que para escultura e pintura, ter traduzido sua originalidade científica em fonte de inspiração para mais gerações de cientistas, de modo a, quem sabe, antecipar as grandes descobertas tecnológicas da história da humanidade em alguns séculos? Portanto, é válido, como técnica de prospecção, explorar a análise das produções de ficção científica, especialmente as de boa qualidade, buscando nelas traços, mesmo que tê- nues, do que podem ser futuros desenvolvimentos tecnológicos reais. Afinal, indiscutivel- mente, tudo o que existe concretamente de fato em um dado momento foi primeiramente pensado/imaginado/sonhado antes. 1.3 Hype Cycle O Gartner Group é uma consultoria norte-americana especializada em pesquisa e pros- pecção tecnológica, que carrega em sua identidade o sobrenome de seu fundador, Gideon Gartner, considerado um dos grandes patriarcas da indústria da tecnologia da informação e responsável pela fundação da empresa em 1979. Fenn e Raskino (2008) reconhecem que a influência dos trabalhos desenvolvidos por essa organização é bastante expressiva no campo das novas tecnologias em geral. A em- presa se ocupa em analisar mercados dos mais diversos setores e suas grandes tendências. A partir disso, elabora, anualmente, um infográfico consolidado na forma de uma curva, que demonstra a evolução e o grau de desenvolvimento das tecnologias disponíveis para Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 19 aquele segmento. Com isso, os clientes do Gartner Group, indústrias de todas as vertentes, como no ramo de telecomunicações, alimentos, construção civil, vestuário, automobilístico, entre tantas outros, conseguem decidir, com mais precisão, para onde direcionar seus inves- timentos e esforços tecnológicos. Esse infográfico é apresentado em uma curva bem característica, de fácil identificação entre os pesquisadores de tecnologia dado seu formato peculiar, e é denominado Hype Cycle. A tradução para o português não costuma ser utilizada, pela imprecisão e ambiguidade ao referir-se a exagero e similares (ciclo de exagero, ciclo de euforia etc.), por isso, no campo de estudos de tecnologia, a convenção é manter a expressão original em inglês – altamente di- fundida em meio à literatura especializada e, por isso, já incorporada ao termo corriqueiro. A Figura 1 ilustra o Hype Cycle, com todos os seus estágios identificados. Figura 1 – Hype Cycle. Expectativa proliferação de fornecedores assunto do momento na grande mídia sondagem de primeiros usuários produtos de 1ª geração, preço alto, muita necessi- dade de personalização startup em primeira rodada de investimento de capital de risco P & D Tempo Crescendo No auge Caindo em depressão início das notícias negativas na mídia consolidação de fornecedores e falhas 2ª e 3ª rodadas de financiamento de capital de risco Gatilho tecnológico Pico das expectativas infladas Vale das desilusões Aclive de iluminação Platô de produtividade desenvolvimento de tecnologias e boas práticas Subindo a ladeira Entrando no platô começa a fase de ado- ção de alto crescimento: 20% a 30% do público- -alvo adota a inovação Menos de 5% do público-alvo atingido terceira geração de pro- dutos, inovações, kits de produtos segunda geração de produtos, alguns serviços negócios já além apenas de usuários precoces Fonte: FENN; RASKINO, 2008. Adaptado. Como visto, essa curva mostra a expectativa, reputação ou aceitação de determina- da tecnologia ao longo do tempo – podendo também ser entendidas como visibilidade e maturidade que se alcança. Conforme pode ser acompanhado ao longo do eixo horizontal (temporal), há cinco fases bem nítidas: gatilho de inovação ou gatilho tecnológico, pico das expectativas infladas, vale das desilusões, aclive de iluminação e platô de produtividade ou planalto de produtividade. E elas procuram representar um fenômeno sócio técnico comum a todas as novas tecnologias:entre o momento de seu surgimento e a estabilidade para apli- cação industrial, há um momento de forte turbulência, caracterizado pela rápida febre que se forma (hype) seguido por uma quase tão imediata depressão ou frustração em torno das expectativas originais daquela tecnologia. Isso acaba por explicar uma série de desdobra- mentos práticos da difusão e assimilação de novas tecnologias. No gatilho tecnológico, marco de lançamento daquela nova tecnologia, estão os produ- tos e aplicações mais recentes lançadas no mercado. O sugestivo nome pico das expectativas Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI20 infladas reúne os produtos e aplicações em voga, alvos de grande burburinho, sendo testa- dos por um grande número de companhias. É uma fase em que as expectativas usualmente são maiores que o real valor daquelas novidades, o que ajuda a explicar o estágio seguinte: vale das desilusões, uma etapa realmente crítica, uma vez que, a partir desse ponto, novas tecnologias podem ser simplesmente abandonadas (cair em total desuso), ou então começa- rem a ser aprimoradas para melhor adaptação ao mercado. O aclive de iluminação reúne os produtos e aplicações que conseguiram ser melhorados em relação à fase anterior, portanto, com sucesso em permanecer no mercado. Finalmente, o planalto de produtividade é atingi- do por aqueles produtos e aplicações testados e aprovados efetivamente, validados (aceitos) pelo mercado. Nos relatórios anuais do Gartner Group, o Hype Cycle é atualizado para mostrar qual a posição de momento de diversas tecnologias alvo de monitoramento. Para cada uma delas, características peculiares podem fazer com que determinadas fases sejam muito mais ace- leradas ou muito mais lentas para transição, que o pico seja muito maior, o vale muito mais amplo, entre outros. O que não costuma mudar é o visual do gráfico, que ilustra, de maneira bastante efetiva, o recorrente fenômeno de euforia à depressão que antecede o uso estável de uma determinada tecnologia. Compreender a utilidade do Hype Cycle é reconhecer que trabalhar com tecnologias emergentes é altamente desafiador. Afinal, é difícil garantir se o hype de um determina- do fenômeno tecnológico é exagero, tendência, ou um verdadeiro tsunami. Inovações estão sempre associadas a riscos: quando uma organização decide investir em uma tecnologia inovadora, não há como deixar de conviver com alto nível de incertezas. As coisas podem dar muito, muito certo, como também muito, muito errado. Como bem descrito por Reis (2008) e Fenn e Raskino (2008), o ambiente de negócios está cada vez mais complexo e agressivo. E é nesse meio que as empresas, para sobreviver e prosperar, são impelidas a inovar de forma contínua – organizações permanentemente inovadoras. As novas tecnologias são o futuro de muitas frentes de negócio, afinal, são ca- pazes de destruir, criar e redesenhar indústrias em passo cada vez mais acelerado. A neces- sidade da vanguarda tecnológica é imperativa: ao mesmo tempo, adotar tecnologias ainda não consolidadas é um desafio para gestores de organizações de todos os tipos. As questões inevitáveis sobre as quais se debruçam gestores e especialistas na indústria são as que apre- sentamos a seguir. • De que forma as organizações podem avaliar, decidir e incorporar novas tecnolo- gias aos negócios, diante da altíssima incerteza a respeito de sua viabilidade? • Que critérios adotar para decidir entre uma estratégia agressiva (ser pioneiro na utilização da tecnologia) ou conservadora (preferindo a observação de mercado e espera de primeiros resultados dos concorrentes)? Naturalmente, os riscos e os be- nefícios de cada uma dessas estratégias precisam ser devidamente considerados. • Como conviver com a possibilidade de as novas tecnologias redefinirem o próprio modelo de negócio atualmente empregado pela empresa? Não obstante criar no- vos negócios, a tecnologia emergente pode ser responsável, ao mesmo tempo, pela Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 21 obsolescência completa do negócio tradicional da organização, que muitas vezes é o responsável pela trajetória de sucesso até então alcançado de uma marca. • Como planejar recursos e preparar a estrutura organizacional para o processo de transferência de tecnologia? O ponto crítico do Hype Cycle é a depressão da curva. Uma dada tecnologia caminha, ao longo do tempo, para chegar nesse ponto de inflexão, que é precisamente o momento em que se alcança massa crítica suficiente para se disseminar pela indústria e causar impactos de forma exponencial, ou ser completamente abandonada (ou substituída). É interessante observar como os mais recentes relatórios Hype Cycle do Gartner posicio- nam a tecnologia da informação como verdadeira protagonista das plataformas tecnológicas de próxima geração. Ao menos três macrotendências sintetizam o caminho da evolução tec- nológica para os próximos anos: 1. Experiências imersivas: o termo originalmente adotado pelo Gartner é transparently immersive experiences, abrangendo o conjunto de tecnologias que estão se tornan- do mais orientadas ao ser humano, e com isso, cada vez mais invisíveis, fluídas e contextuais no que tange ao relacionamento entre pessoas, sistemas artificiais e organizações empresariais. Alguns exemplos práticos são as tecnologias de reali- dade virtual e de realidade aumentada. Também estão incluídas as próximas ge- rações de tecnologias já concebidas há algum tempo, como é o caso da tecnologia de impressão 3D (com mais de três décadas de existência): as impressoras 4D es- tão surgindo, com novas e impactantes aplicações, que envolvem a produção de materiais inteligentes, que se moldam e remoldam fisicamente ao longo do tem- po (a quarta dimensão), em função de determinados parâmetros (entre os quais a interação humana). Nessa categoria de experiências imersivas, merecem desta- que também tecnologias emergentes como Human Augmentation, Brain-Computer Interface, Volumetric Displays, Affective Computing, Nanotube Electronics e Gesture Control Devices. 2. Máquinas inteligentes: a expressão originalmente utilizada pelo Gartner, Perceptual Smart Machine Age, diz respeito à inteligência artificial que opera assistentes pes- soais como Google Now, Siri e Cortana, veículos autônomos e robôs, fundamen- tada em algoritmos sofisticados, arquitetura de machine learning e técnicas de lin- guagem natural. Já há um bom tempo os algoritmos inteligentes estão presentes no cotidiano das pessoas, muitas vezes sem serem percebidos. É o caso dos al- goritmos de recomendação, totalmente incorporados ao processo de escolher um filme no Netflix ou um livro na Amazon. Algoritmos poderosos são empre- gados para que rotas sejam propostas pelo Waze, para que o Uber possa preci- ficar antecipadamente uma corrida, para que empresas automatizem o processo de aprovação de crédito dos clientes, e para que passagens aéreas sejam manti- das com preços dinâmicos, entre tantas outras inúmeras realidades do cotidiano. Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI22 A inteligência artificial é a base de funcionamento do poderoso motor de bus- ca do Google. É fácil concordar com Singh (2012; 2014) sobre as possibilidades iminentes serem realmente impressionantes, uma vez que o Hype Cycle associa- do se concretize: uma máquina HLMI (Human-Level Machine Intelligence) – um computador capaz de emular a maioria das atividades profissionais humanas ao menos tão bem quanto uma pessoa – tem, segundo as previsões tecnológi- cas já mapeadas, mais de 50% de chance de ser realidade por volta do ano 2050. A partir daquele ponto, chegar-se a uma máquina superinteligente seria questão de poucas décadas. Por máquina superinteligente, entenda-se o alcance de um intelecto que excederá em muito o desempenho cognitivo da raça humana em absolutamen- te todos domínios de conhecimento. 3. Revolução das plataformas: a análise do Gartner a respeito da Platform Revolution alerta parao irreversível deslocamento da infraestrutura tecnológica para ecossis- temas – tecnologias operando como plataformas e como catalisadoras de novos negócios de alto impacto. Trata-se de um movimento que já iniciou, fundamen- talmente a partir das primeiras aplicações de cloud computing (computação em nu- vem). Contudo, a maior revolução parece se aproximar a partir da difusão gene- ralizada de tecnologias como blockchain e Software-Defined Everything (SDx): estas possuem um infindável potencial para criação de novos modelos de negócio, enrai- zando a conexão invisível e intuitiva entre pessoas e novas tecnologias. Conclusão Inegavelmente, novas tecnologias proliferam em quantidade e em força de impacto na sociedade. Elas são capitaneadas pela tecnologia da informação, e o ritmo de sua difusão não é apenas bastante rápido, mas continuamente acelerado, resultando em crescimento exponencial – e convergente entre as mais diversas tecnologias. Como um desdobramento prático inequívoco, impõe-se o planejamento estratégico tecnológico como agenda obriga- tória de organizações de todos os segmentos e portes. Para muito além de revolucionar funcionalidades de produtos e qualidade de serviços, as novas tecnologias mudam as estruturas sociais, as práticas empresariais e, inevitavelmen- te, os modelos de negócios. Portanto, estabelecer um eficiente processo de gestão de tecno- logia passa a ser cada vez mais uma competência essencial das organizações que tiverem a ambição de serem bem-sucedidas na nova era industrial que já se estabeleceu. Ampliando seus conhecimentos Meirelles (2011) faz suas considerações sobre cenários e tendências do uso de tecnologia da informação, convidando a imaginar o que ainda pode ocorrer com o uso da TI nos bancos com a desmaterialização dos meios de pagamento ou no varejo com a transformação do processo de comercialização. Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 23 Cenários e tendências do uso de TI (MEIRELLES, p. 1, 2011) [...] Uma nova fronteira digital da economia está mudando os participan- tes, a dinâmica, as regras, as exigências de sobrevivência e os parâmetros de sucesso. O papel da TI nesse cenário, incluindo os Sistemas de Informação, fica cada vez mais nítido, estrutural e propício tanto para um processo de inovação sustentada como para uma inovação disruptiva provocada pela descoberta de um novo arranjo de negócio viabilizado pelo uso inovador da TI. O alinhamento da TI com os diversos componentes da organização é um importante fator chave de sucesso nos negócios da economia digital que atravessamos. [...] Essa visão de futuro do impacto da TI nos negócios permite identificar uma série de fatores com potencial crescente de alavancar ou mexer com os resultados dos negócios em geral. [...] Uma questão central é como transformar a informatização compulsória das organizações em “Inteligência Analítica”. Isto é, como obter retorno, informação e conhecimento a partir dessa imposição, que no início tende a ser vista só como elemento de custo. Em vários casos estudados, encon- trou-se, por exemplo, benefício tangível com um maior conhecimento sobre o comportamento dos clientes, permitindo melhorar resultados com a identificação de novos produtos ou simplesmente com a adequação dos já existentes. A necessidade de aumentar essa inteligência analítica, que envolve uma avaliação cuidadosa sobre a modelagem dos dados – estruturados e não estruturados –, não vai acontecer apenas porque existem mais dados e informações relevantes disponíveis no ambiente das empresas e fora delas, mas também porque o consumidor está mais exigente. Introdução a novas tecnologias1 Tópicos Especiais em TI24 O maior impacto da necessidade de se atender perfis diferentes da sociedade de maneira diferente está, no entanto, nos sistemas de informações e nas infraestruturas de TI das empresas. Do ponto de vista dos sistemas de infor- mações, há um aumento da complexidade de segmentos e uma demanda por captura de informações desestruturadas em redes sociais e outras fon- tes de dados emergentes. Estas duas tendências, somadas à necessidade de decisões em tempo real para ofertas e atendimento a clientes, devem impor o desenvolvimento de uma nova geração de plataformas de relacionamento com os clientes, deixando obsoletas as arquiteturas tradicionais. Assim, Inteligência Analítica é um dos fatores críticos para uma visão de futuro do uso das tecnologias de informação e comunicação. [...] Atividades 1. Qual a importância da ciência e tecnologia para a inovação? 2. Por que motivo é importante prospectar novas tecnologias? 3. Por que a fase de vale das desilusões é tão crítica na abordagem do Hype Cycle? 4. Do que se trata a macrotendência tecnológica de experiências imersivas? Referências CHRISTENSEN, C.; RAYNOR, M. The innovator’s solution: creating and sustaining successful growth. Boston, MA: Harvard Business Review Press, 2013. FENN, J.; RASKINO, M. Mastering the Hype Cycle: how to choose the right innovation at the right time. eBook Kindle: Harvard Business Review, 2008. MEIRELLES, F. Cenário e tendências do uso de TI. Revista SAP Spectrum, 2011. OECD - Organization for Economic Co-operation and Development. The measurement of scientific and technological activities Oslo manual: guidelines for collecting and interpreting innovation data. 3. ed. Paris: OECD Publishing, 2005. RAMOS, E. et al. A. Gestão estratégica da tecnologia da informação. São Paulo: Ed. FGV, 2012. PINTO, A. V. O conceito de tecnologia. v. 1. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. PORTER, A. Technology foresight: types and methods. International Journal of Foresight and Innovation Policy, v. 6, n. 1-3, p. 36-45, 2010. Introdução a novas tecnologias Tópicos Especiais em TI 1 25 PORTER, A. et al. Technology futures analysis: toward integration of the field and new methods. Technological Forecasting & Social Change, n. 71, p. 287-303, 2004. REIS, D. Gestão da inovação tecnológica. Curitiba: Manole, 2008. SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SINGH, S. New mega trends: implications for our future lives. eBook Kindle: Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012. _____. Top 20 global megatrends and their impact on business, cultures and society. San Antonio: Frost & Sullivan, 2014. Resolução 1. Ciência e tecnologia produzem conhecimento, e é com conhecimento válido e útil que se criam novidades, novas abordagens e novas propostas de produtos e tecnolo- gias – algumas das quais podem conseguir êxito comercial (aceitação pelo mercado), assim configurando inovação. Por assim dizer, ciência e tecnologia são matéria-pri- ma para a inovação. 2. Conhecer, na medida do possível, os possíveis caminhos que uma tecnologia percor- rerá nas próximas décadas é especialmente útil por uma infinidade de razões, entre elas, o fomento de adequadas políticas públicas de desenvolvimento, por parte dos governos, e do planejamento estratégico da tecnologia, por parte das empresas, o que pode levar à assimilação em tempo hábil das novidades na área, que podem ser convertidas efetivamente em inovação e novos negócios, portanto, criando impor- tante vantagem competitiva. 3. Porque ali reside o ponto de inflexão de uma tecnologia emergente, a partir do qual ela pode ser aprimorada para efetivo emprego na indústria (alcançando o aclive de iluminação e o platô da produtividade) – ou então ser definitivamente abandonada ou substituída por outra tecnologia. O monitoramento dessa con- dição é essencial para as organizações preocupadas em manter resultados de vanguarda tecnológica permanente. 4. Com sua abordagem human-centric (direcionada ao ser humano), essas tecnolo- gias promovem uma integração invisível e intuitiva entre pessoas, sistemas arti- ficiais e empresas, de tal forma que seu uso seja percebido como o mais natural possível. Aqui, a integração homem--máquina alcança um grau inédito, quando sistemas biológicos eartificiais começam a operar mutuamente para melhor de- sempenho de ambos. Tópicos Especiais em TI 27 2 A tecnologia ao longo do tempo Quando os ancestrais humanos descobriram que um osso ou um galho poderiam servir de arma, uma pedra poderia ser útil para partir um coco, cavar um buraco ou mesmo para rabiscar algo, nasciam os primeiros conhecimentos sobre a técnica: como empregar coisas para produzir algo, realizar alguma tarefa, solucionar algum desafio ou problema. As ferramentas foram acompanhando a evolução humana, evoluindo também para máquina e equipamentos cada vez mais úteis e indispensáveis na rotina do dia a dia, de forma que a tecnologia foi aprimorando as primeiras técnicas desen- volvidas pelo homem até chegar ao ponto em que a engenhosidade humana começou a empregar a informação como insumo produtivo. A partir de então, a curva de evolução tecnológica deixa de ser linear e passa a ser exponencial, com igual efeito no desenvolvimento das organizações, dos negócios e da sociedade como um todo. Acompanhar a evolução da tecnologia, entendida como conhecimento aplicado, ao longo do tempo é um fascinante exercício de compreensão da capacidade humana de transformar o mundo. A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI28 2.1 Indústria 4.0 Inicialmente, convém esclarecer a respeito da adequada interpretação que a palavra in- dústria merece. Por algum motivo, talvez a maioria das pessoas, quando se depara com esse termo, automaticamente o associa com fábricas, esteiras levando produtos e peças em linhas de montagem, ou alguma imagem de Tempos Modernos, o icônico filme de Charles Chaplin. Não há dúvidas de que isso também é indústria, mas o conceito não se limita à atividade de manufatura fabril. Indústria é sinônimo de produção, em seu conceito mais amplo. Assim, envolve-se tanto o clássico processo de transformação de matérias-primas em bens físicos com determinados atributos agregados, tão típico da indústria da manufatura, como também a própria articulação de recursos envolvida na prestação de um serviço: o termo indústria de serviços é totalmente válido. Da mesma forma, são igualmente coerentes os empregos do termo em uma ampla variedade de expressões, como indústria cinemato- gráfica, indústria da educação, indústria fonográfica, indústria cultural, indústria da saúde, indústria de seguros, entre uma infinidade de outros exemplos. O termo indústria está para a produção (oferta) assim como mercado está para consumo (demanda). É o que precisa ser levado em consideração quando se trata de compreender o fenô- meno da Revolução Industrial, ou das várias revoluções industriais que a humanidade tem experimentado e as que ainda vai conhecer. Tudo diz respeito à atividade do trabalho, da produção conduzida por pessoas para atender anseios, demandas e necessidades de outras pessoas. A indústria existe para atender ao mercado, sendo fato comum que este último seja a real justificativa para a arquitetura industrial. Quando se fala em Revolução Industrial, o que está em discussão é, portanto, um momento histórico que caracteriza um salto de pro- dutividade tão grande, a ponto de redefinir por completo o que se conhecia até então como parâmetro industrial. É por esse ângulo que é possível reconhecer na própria Revolução Agrícola – época de transformação de uma humanidade nômade em uma mais fixada ao local geográfico em que se produziam alimentos – uma primeira grande revolução industrial, embora se costume associar a expressão revolução industrial ao momento histórico em que a máquina a vapor e as locomotivas se tornam realidade corriqueira, com o rótulo de Primeira Revolução Industrial. É indiscutível que ali ocorre genuinamente um salto da capacidade produtiva: isto é, quando o efeito de melhorias sucessivas não é a continuidade de uma rampa, mas sim o aparecimento de um degrau. No que diz respeito ao posterior segundo degrau, a assim chamada Segunda Revolução Industrial é marcada pelo uso da eletricidade na produção, a viabilidade da produção em massa e o aparecimento de artefatos revolucionários como avião, navio a vapor, refrigeração mecânica e a invenção do telefone eletromagnético. No campo da gestão, é impossível não reconhecer a importância do gerenciamento científico da pro- dução, criado por Frederick Taylor. Mais uma vez se alcançou uma revolução nos níveis de produtividade industrial a par- tir do momento em que computadores e automação robótica começam a ser a base dos A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 29 modelos produtivos, especialmente na indústria automotiva. Por isso, a justa denominação de Terceira Revolução Industrial, que se estendeu até anos muito recentes. Se ainda incipiente na Segunda Revolução Industrial, a tecnologia da informação começa a se tornar imprescin- dível nos sistemas produtivos da era seguinte, principalmente a partir do momento em que computadores de alta capacidade se tornam acessíveis às organizações em geral. Não por acaso, Terceira Revolução Industrial costuma ser associada à era do conheci- mento: aquele estágio que a humanidade alcança em que, diferente da era industrial clássica, o conhecimento passa a se tornar o insumo mais relevante – eis a tecnologia da informação começando a traçar as novas direções dos sistemas produtivos, a partir de artefatos como as redes locais de computadores e a grande rede, de disposição mundial, que é a internet e a web 2.0. Para Reis (2008), essas são competências tão essenciais às organizações empresariais quanto as clássicas gestão financeira, gestão de recursos humanos e gestão da produção; além dessas, irrompem disciplinas como gestão da tecnologia, gestão do conhecimento e gestão da inovação. E assim como, na perspectiva de alguns pesquisadores e especialistas, a Segunda Revolução Industrial parece ser mais uma extensão natural dos desdobramentos tecno- lógicos da Primeira Revolução Industrial, o que viria na sequência da Terceira Revolução Industrial, embora profundamente disruptiva e impactante para toda a indústria, pode ser entendida como uma consequência inevitável do aprimoramento geral da tecnologia da in- formação e de suas aplicações entre as diversas outras tecnologias. Para muitos, a Quarta Revolução Industrial, a chamada Indústria 4.0, inicia junto ao surgimento da cloud computing (computação em nuvem). É um ponto de inflexão, a partir do qual o mundo convencional (físico) começa a migrar irreversivelmente para o mundo digital. Verdadeiras plataformas tecnológicas com potencial de novas aplicações, a nanotec- nologia, biotecnologia, robótica, Internet das Coisas, Big Data, M2M, inteligência artificial, impressão 3D, tecnologia dos materiais, entre tantas outras, passam por contínuo aprimora- mento e, destaca-se, convergência, a partir da integração com as tecnologias de informação e comunicação (TIC), como destaca Schwab (2016). A tecnologia da informação parece dragar todas as demais tecnologias para uma trajetória de aperfeiçoamento em que ela, TI, é, ao mesmo tempo, princípio, meio e fim nessa dinâmica conjunta. O que a Quarta Revolução Industrial provoca é a mais radical modificação da sociedade em todos os tempos. Por cerca dos últimos 250 mil anos, período que se acredita correspon- der à completa trajetória humana sobre a face da Terra, a humanidade evoluiu com base em um desenvolvimento local e linear. Local, no sentido de que se uma pessoa nascesse em determinada região, era muito provável que ali crescesse, produzisse e morresse. Linear, em termos de velocidade constante das melhorias e avanços tecnológicos. Por assim dizer, o ritmo de mudanças que uma pessoa assistia em sua infância correspondia, grosso modo, ao mesmo ritmo de mudanças já na velhice. Desse período realmente expressivo de 250 mil anos, contudo, são os últimos 50 anos que destoam por completo a forma de desenvolvimento: ela passa a ser global e exponen- cial. Global, no sentido que a mobilidade geográficaalcançou tal ponto que é muito comum A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI30 pessoas perfazendo suas etapas de vida nas mais diferentes regiões do planeta: nascer em um local, crescer em outro, e assim ir experimentando diversos outros lugares, mesmo em escala internacional, para estudar, se aprimorar, produzir e usufruir das benesses de uma vida mais longeva. Por crescimento exponencial, entenda-se um ritmo continuamente ace- lerado de avanço tecnológico, que alcança, na época atual, um patamar de alcance até certo ponto assustador. O Gráfico 1 ilustra a diferença entre um ritmo linear e um ritmo exponen- cial de crescimento. Gráfico 1 – Comparação entre crescimento linear e crescimento exponencial. Tendência exponencial Tendência linear Joelho da curva Fonte: SINGULARITY UNIVERSITY, 2017. Adaptado. A diferença entre os dois ritmos de crescimento é tão acentuada que chega a ser de- safiadora a projeção mental dessa disparidade. A abordagem visual é especialmente útil para melhor compreender a diferença alcançada em alguns poucos passos incrementais. Nos primeiros incrementos, as duas curvas estão muito próximas, mas logo após alguns incrementos subsequentes, a distância que se alcança é surpreendente. Se valores forem tabulados, a constatação é ainda maior: dar 30 passos lineares de 1 metro significa andar, ao todo, 30 metros. Dar 30 passos exponenciais (1 m, 2 m, 4 m, 8 m, 16 m etc.) equivale a cobrir 1.073.741.824 metros. Para compreender, em uma perspectiva humana, o que representam mais de 1 bilhão de metros, basta saber que correspondem a 26 voltas em torno do planeta Terra. Novas tecnologias possuem o poder exponencial por uma razão significativa: o co- nhecimento é cumulativo. A nova geração de pessoas não se vê obrigada a reinventar a roda no que diz respeito à ciência e tecnologia, mas já pode partir do conhecimento que se acumulou até aquele momento histórico, e a partir dali, avançar o estado-da-arte científico e tecnológico. A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 31 Chega até a ser um tanto quanto contraintuitivo esforçar-se por compreender o que é uma melhoria da ordem de bilhões de vezes. Alguns exemplos são úteis para ajudar nes- se desafio. No que diz respeito à tecnologia de circuitos integrados eletrônicos, conside- re-se que, em 1958, dois transistores ocupavam o espaço correspondente a cerca de 1 cm2. Em 1971, o Intel 4.004 dispunha, nesse mesmo quadrado, de 1 cm de lado, 2.300 transistores. Um salto de dois para 2.300 é bastante apreciável. Contudo, quase desprezível ao se conside- rar o que se alcançaria em 2012: um GPU Nvidia encaixava, nesse mesmo espaço físico, 7,1 bilhões de transistores. E a evolução tecnológica ao longo do tempo, naturalmente, nunca estaciona. Nesse espaço de 54 anos, não foi apenas o atributo dimensional (espaço físico) que foi revolucionado: essas poucas décadas foram suficientes para que, simultaneamente, se alcançassem dispositivos 10 mil vezes mais velozes e 10 milhões de vezes mais baratos. Ou seja, uma tecnologia 100 bilhões de vezes melhor. Em 1960, a tecnologia de ICBM, responsável pela navegação e precisão dos mísseis intercontinentais, era fundamentada em uma geringonça com funções de controle de velo- cidade, orientação e aceleração, de cerca de 23 kg de massa e com custo na casa de milhões de dólares. Nos primeiros anos do século XXI, dispositivos extremamente miniaturizados, a ponto de serem componentes quase imperceptíveis visualmente em um smartphone, eram disponibilizados na indústria na forma de um acelerômetro de US$ 1 e um giroscópio de US$ 3, com capacidade muito maior. Tais tecnologias, não obstante, caminham para uma evolução ainda mais surpreendente, na forma de máquinas de estrutura molecular (nano- métrica), virtualmente sem custo unitário apreciável. O primeiro receptor de GPS lançado comercialmente remonta a 1981, na forma de um equipamento de 24 kg e quase US$ 120 mil. Em 2010, o mundo já contava com microchips com função GPS que cabiam, com muita folga, na ponta de um dedo, por menos de US$ 5 cada. Em 1976, o engenheiro Steven Sasson, da Kodak, orgulhava-se de sua criação, a pri- meira máquina fotográfica digital da história: resolução de 0,01Mp, massa de 1,7 kg e preço em torno de US$ 10 mil. Em 2014, o dispositivo de câmera digital móvel, onipresente em qualquer telefone celular, apresentava-se com 10Mp, 13g e US$ 10. Mil vezes mais resolução, mil vezes mais leve, mil vezes mais barato. Seria inevitável que tamanha profusão exponencial alcançasse o mundo digital. Na tecnologia da informação, os dados crescem de forma exponencial. Em 2010, 5 bilhões de gigabytes eram produzidos em dois dias de operação da internet. Em 2013, esse volume de dados passou a ser produzido a cada 10 minutos. Uma companhia aérea gera mais de 1 Tb de dados por dia. Além disso, mais de 100 horas de conteúdo de vídeo são adicionados ao YouTube a cada minuto. Assim, como característica marcante da Indústria 4.0, é muito natural que tecnologias exponenciais conduzam, no mundo das organizações empresariais, a negócios exponenciais, novos empreendimentos (startups) que, em pouquíssimo tempo de operação, passam a incomodar as grandes marcas tradicionais estabelecidas no mercado – isso quando não as destroem por completo. A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI32 2.2 Transformação digital Startups, representando, de um lado, o novo paradigma dos negócios, e as empresas tradicionais, de outro, na sua busca pela reinvenção necessária à sobrevivência e prosperi- dade na Quarta Revolução Industrial, dispõem de uma mesma estratégia para seus intentos particulares: a transformação digital, que acontece da forma mais ampla possível: produtos e serviços, processos e finalmente os negócios por completo, totalmente digitalizados ou virtualizados. A tecnologia da informação é a maior responsável por impelir o ritmo de transformação digital que cada organização, de qualquer ramo e porte, pode implementar. Nem toda startup significa, necessariamente, um modelo de negócio digital. Embora reconheça-se que são casos mais raros, até mesmo indústrias manufatureiras podem ser startups. É porque o conceito envolve, fundamentalmente, a proposição de um novo ne- gócio. Não qualquer novo negócio, evidentemente, precisa ser relacionado ao chamado empreendedorismo de alto impacto, genuinamente inovador, um novo negócio potencial- mente escalável. Por escalabilidade, entende-se a capacidade de se atingir um ritmo de crescimento vigoroso, caso receba os recursos necessários. Na prática, por uma questão de nível de investimento (capital comprometido), e até mesmo de perfil e valores indi- viduais das novas gerações de empreendedores, é o cenário mais comum que as startups estejam fundamentadas em modelos de negócios totalmente digitais (e, quase sempre, na forma de aplicativos para smartphones). É comum que startups nasçam a partir da modelagem de negócios voltados ao apro- veitamento das infinitas possibilidades de apoiar a transformação digital da sociedade e das demais organizações empresariais. Para as empresas tradicionais, a transformação digital é a resposta para a necessidade de reinvenção, ou readaptação, a novas condi- ções do ambiente de negócios. Portanto, é um fenômeno que transpassa organizações de todos os perfis possíveis. Em maior ou menor grau, seus desafios são imperativos para qualquer tipo de empreendimento. Transformação digital envolve, principalmente, a gradativa digitalização de todos os processos produtivos. Isto é, todas as rotinas de trabalho, sejam elas de cunho mais técnico, como a própria atividade de chão de fábrica (a linha de produção), ou processos administra- tivos, tão convencionais como finanças, marketing e recursos humanos. E mesmo nas orga- nizações que continuam a produzir produtos físicos habituais, tais como eletrodomésticos, automóveis ou artigos esportivos, a mudança na forma como as atividadessão organizadas, a partir das ferramentas digitalizadas, é realmente revolucionária. Entenda-se que, ao se tratar do significado da digitalização, o que precisa ser reconhe- cido é a definitiva ruptura entre um objeto e a sua respectiva aplicação ou benefício associa- dos. Por exemplo, no caso de uma revista convencional, as folhas de papel empregadas para viabilizar a existência daquele objeto são as mesmas que trazem a informação escrita, que é essencialmente o que dá valor àquela revista. Ou seja, caso o aparato físico seja destruído (perdido, molhado etc.), perde-se, junto, a mensagem que ele carrega consigo. A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 33 Na área técnica, e nos processos mais voltados à produção propriamente dita, os re- cursos de simulação e emulação eletrônicos possibilitam que até as etapas de protótipos possam ser experimentadas apenas em ambiente virtual, sem mobilizar maiores recursos nessa etapa do processo de planejamento e desenvolvimento de produtos que costuma ser tão cara em termos de volume de investimentos necessários. Um automóvel, por exemplo, pode ser não apenas projetado de forma virtual (simulado), mas testado (emulado) nesse mesmo ambiente, antes de começar sua produção de forma física, proporcionando uma incrível economia de recursos e aumento do time-to-market – tão essenciais, principalmente no caso de negócios de concorrência acirrada. A preparação da fábrica ganha a possibilidade de só se partir para a aquisição das mais caras máquinas e equipamentos especializados após sucesso nos testes virtuais (em que vários parâmetros podem ser testados até se encontrar a configuração ideal para se inves- tir). Processos de manutenção industrial são otimizados ao máximo, principalmente pelas novas possibilidades de manutenção preditiva com base em tecnologia M2M (comunicação automática máquina a máquina, ou mesmo componente com máquina). Finalmente, toda a cadeia produtiva fica melhor sincronizada por meio da comunicação instantânea dos sis- temas informatizados de uma empresa com os sistemas de seus principais fornecedores, resultando em um fluxo de trabalho mais fluido, com menor lead-time, mais qualidade (me- nor retrabalho, sucateamento, desperdício etc.) e, com tudo isso expressiva e generalizada redução de custos. Mas, como já se frisou, não é apenas no processo produtivo direto que a transformação digital ocorre: ganhos similares se fazem realidade em qualquer outro processo adminis- trativo ou indireto da empresa. O departamento financeiro pode ser digitalizado, com uma integração direta do sistema da empresa com bancos e demais instituições financeiras, além da própria comunicação automatizada do contas a receber da empresa junto ao contas a pagar dos seus clientes corporativos, e vice-versa no que tange aos fornecedores. O escrutínio fiscal por parte dos órgãos públicos em nível federal, estadual e municipal, em ambiente totalmente digital, reduz substancialmente, quando não eliminar por comple- to, a necessidade de fiscalizações presenciais. Permeando todos os processos financeiros e contábeis, a tecnologia de blockchain redefinirá o papel de instâncias tidas como indispensá- veis, como bancos, que perderão a conotação de canais principais para financiamento das operações. Principalmente quando o objetivo é o lançamento de produtos e serviços inova- dores, já há algum tempo se tornou comum, via plataformas digitais, campanhas de cap- tação de recursos das empresas diretamente junto aos seus consumidores – entusiastas de uma determinada marca, não raro, fazem questão de pagar antecipadamente pela solução que a empresa promete, financiando, assim, todo o processo de pesquisa e desenvolvimen- to. Além disso, criptomoedas, como bitcoins e similares, permitirão novas possibilidades de monetização do negócio. O departamento de recursos humanos pode ser digitalizado, desde o processo de recrutamento e seleção, passando por capacitação e desenvolvimento, até o desligamen- to dos profissionais. As possibilidades se ampliam com recrutamento e seleção on-line: A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI34 vagas são divulgadas instantaneamente por um número infindável de canais, a capta- ção de perfis e currículos se torna tão seletiva e específica quanto for necessário para os talentos procurados, e as entrevistas e testes complementares podem ser feitos virtual- mente, dispensando presença física, ou seja, reduzindo substancialmente os custos en- volvidos (tanto para empregador quanto para candidato) e tornando o processo muito mais rápido, confiável e transparente. Já há algum tempo, é praxe realizar-se inclusive um due dilligence (investigação aprofun- dada) da atividade dos candidatos (e dos já funcionários) nas redes sociais. Treinamentos e formações continuadas, em meio digital, ampliam a oferta de possibilidades de capaci- tação e desenvolvimento para os profissionais da empresa, incluindo as possibilidades de eventos com instrutores internacionais sem os tradicionais custos envolvidos na logística convencional (seja de trazer instrutores de fora, seja para mandar participantes para eventos no exterior). O mapeamento de competências fica mais dinâmico, oferecendo leituras em tempo real no ambiente das empresas. Avaliações de treinamento, de todas as instâncias, se tornam facilitadas pelos recursos digitais. Até mesmo o processo de desligamento fica mais eficiente, possibilitando feedback (orientação corretora de comportamento e desempenho) e acompanhamento do profissional durante e até mesmo após o período de afastamento (útil especialmente em cargos mais estratégicos). O departamento de marketing pode ser digitalizado, e isso em incontáveis frentes de atuação, desde o branding (gestão de reputação da marca), a publicidade, os estudos de precificação, desenvolvimento e acompanhamento de mercado, canais diretos e indiretos de distribuição, entre tantas outras possibilidades. Aliás, é inegável que a digitalização dos processos nas organizações tende irreversivelmente, ao que tudo indica, a esvaziar cada vez mais os canais indiretos e potencializar os canais diretos – a tecnologia digital faz os intermediários serem cada vez mais dispensáveis. O marketing direto é profundamente po- tencializado em ambiente digital. Nesse novo mundo em irreversível digitalização, o geren- ciamento de reputação ganha uma função especialmente crítica: afinal, se antes, no modelo convencional, prevalecia a máxima de que “o cliente satisfeito recomenda para um, e o clien- te insatisfeito fala mal para dez”, diante do poder concedido à voz dos consumidores nos ambientes digitais, é bem admissível esperar que um descontente espalhe rapidamente sua indignação para mil, 10 mil, 100 mil ou mais pessoas. Por assim dizer, em um mundo cada vez mais digitalizado, as empresas estão profun- damente expostas, sendo que mesmo pequenos deslizes e falhas podem macular rápida e amplamente uma organização. Por outro lado, se uma empresa se encontra, sob essa pers- pectiva, em uma delicada e sensível posição na relação com os consumidores e sociedade em geral, seus concorrentes encontram-se na mesma situação. E é neste ponto que as orga- nizações podem aproveitar a valiosa contribuição dos processos de inteligência competitiva: o meio digital permite, a custo muito baixo ou praticamente zero, monitorar constantemente as movimentações de mercado dos concorrentes. Essa leitura de ações e iniciativas do competidor, quando realizada em tempo hábil, pode promover um maior grau de inovação nas empresas, pela disputa constante de quem A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 35 lança primeiro (ou lança melhor) determinada novidade. Ressalte-se, a tempo, que não há nada de ilegal nesse tipo de iniciativa: como bem descrito por Reis (2008), diferente de es- pionagem industrial (comportamento antiético ou mesmo criminoso), a inteligência com- petitiva apenas se aproveita da competênciaque uma organização possui de fazer a leitura de informações que estão disponíveis de forma livre e pública a respeito dos concorrentes (sites, blogs, redes sociais etc.) – e aí empregar essas informações como importantes subsídios de informação para seus próprios processos de tomada de decisão em relação à tecnologia e aos negócios. A listagem das possibilidades é virtualmente infinita: qualquer setor de uma organiza- ção pode ser profundamente transformado, em termos de produtividade, com seus proces- sos funcionais digitalizados: suporte de TI, jurídico, controladoria, manutenção etc. Aliás, concordando com Ramos et al. (2012), é impossível deixar de reconhecer a importância que sistemas informatizados, como os mais modernos sistemas de ERP, CRM, GED, entre ou- tros, têm nessas organizações, sendo peças centrais do processo de completa digitalização: a tecnologia da informação é a responsável por potencializar o valor da informação como insumo produtivo básico das empresas digitais. 2.3 Qual será a próxima revolução industrial? Ao que tudo indica, ao se considerar o direcionamento das mais diversas platafor- mas tecnológicas da Indústria 4.0, com especial destaque ao que vem se alcançando com a tecnologia da informação, é bastante plausível esperar que a Indústria 5.0 tenha, como maior característica, trabalho sem envolvimento algum de pessoas. Sem dúvida alguma, um acontecimento que merece, sim, ser reconhecido como verdadeira revolução industrial. Um inequívoco ponto de singularidade: alcançar-se, finalmente, a dissociação definitiva e irreversível entre trabalho e atividade humana. As máquinas, ou coisas (na falta de termo que melhor defina a nomenclatura que se dará às próximas gerações de artefatos dotados de plena inteligência artificial) farão o labor pelas pessoas. O mundo como se conhece até então será, claro, totalmente remodelado. E existem vá- rios indícios que corroboram a ideia de que o ser humano não está condenado a trabalhar para sempre. O primeiro deles passa por uma reflexão acerca de um insuspeito conceito dos sistemas industriais: a ergonomia. Quando se fala em ergonomia, é comum que as primeiras imagens que venham à tona sejam do correto encosto de uma pessoa sentada em uma cadeira, altura da mesa em rela- ção às mãos, ângulos recomendados de pernas e braços em posições de trabalho em pé ou sentado, ou mesmo aspectos inerentes à iluminação, ventilação, equipamentos de proteção individual e afins. Sim, isso diz respeito, obviamente, à ergonomia; contudo, esse termo tem uma conotação muito mais ampla: trata-se, enfim, do estudo científico das relações entre homem e máquina em um ambiente de trabalho. Esse estudo procura promover, fundamen- talmente, as condições ideais de segurança e de eficiência no modo como homem e máquina interagem mutuamente. A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI36 A ergonomia se ocupa de otimizar as condições de trabalho das pessoas, mediante métodos e técnicas que configurem um melhor desenho industrial (layout das instalações). Portanto, uma premissa básica da ergonomia, que vem progressivamente moldando as con- dições de trabalho desde a época dos desproporcionais e agressivos ambientes produtivos da Primeira Revolução Industrial, é que a máquina se adapta ao homem – e não o contrário. Nesses termos, todas as características essenciais de um sistema produtivo, como capacidade produtiva, carga horária das jornadas de trabalho, prazos de entrega, design de ferramentas, especificação dos comandos das máquinas e equipamentos, procuram ser cada vez mais compatíveis ao que um ser humano consegue suportar. Uma pessoa, como ser biológico, organismo vivo, tem, essencialmente, suas limitações. A energia é limitada, bem como a velocidade, o fôlego, a força, a precisão, a resistência, a memória, entre tantos outros aspectos. Dessa forma, o que ocorre é que os sistemas de produção se moldam às capacidades e limites humanos. Máquinas e ferramentas, é bem verdade, atuam como extensões da ca- pacidade humana: com elas, é possível conseguir a maior força, a maior precisão, o maior alcance. Mas, é claro que tais artefatos ainda são operados por seres humanos, o que ainda delimita a capacidade em vários outros atributos. Por exemplo, uma colheitadeira aumenta sobremaneira a produtividade de uma operação agrícola, comparado ao trabalho braçal de uma pessoa. Contudo, não é possível deixar uma colheitadeira operando em capacidade máxima, 24 horas por dia, porque a supervisão humana necessária não consegue acompa- nhar essa intensidade. Ou, ao menos, não era possível, pois a tendência da automação é, gradativamente, ir dispensando o envolvimento humano, para que as máquinas produzam por conta própria. O impacto da inteligência artificial sobre a ergonomia é total: uma vez que as máquinas não precisem mais ficar condicionadas aos limites humanos, a produtividade alcançará no- vos patamares. Ao se atingir o momento em que máquinas projetem outras máquinas, mais eficientes, a intervenção humana se tornará supérflua. Se o que se projeta para o futuro é o cenário em que toda a atividade laboral será autônoma, o que já é há algum tempo presente são as não tão tênues evidências de que essa revolução já iniciou. No mundo virtual, há que se admitir que a internet funciona da forma como se conhece por causa dos mecanismos autônomos que atuam 24 horas por dia, 7 dias por semana, na forma dos bots, os robôs virtuais que mantêm toda a estrutura funcional da rede mundial de computadores. Esses bots ainda são peças de software programados por seres humanos, mas a um passo de se alcançar bots aprimorados por outros bots, com reconhecimento autônomo de novas necessidades e funções a cumprir. É bastante razoável esperar que a completa li- berdade humana frente ao trabalho se alcance primeiramente em terreno virtual, e que, na sequência, a inteligência artificial presente na forma da rede de computadores assuma todo o labor do mundo físico. Obviamente, braços físicos são necessários para que sistemas arti- ficiais realizem atividades como a de um veterinário, de um pintor, de um mecânico ou de um professor. Tal atuação física sobre o mundo físico se dará, certamente, com robôs, drones e androides das mais variadas formas, na forma de corpo tangível da inteligência artificial, como preconiza Singh (2014). A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 37 Como lembra Van Opstal (2010), um dos princípios fundamentais dessa visão de futuro é a Lei de Moore, batizada dessa forma em reconhecimento ao trabalho do engenheiro da Intel que postulou que a capacidade dos computadores dobra em um período de 1,5 a 2 anos. De fato, acompanhando toda a trajetória histórica da computação, desde o tempo das máquinas programáveis à base de cartões perfurados (para a leitura dos 0 e 1 de linguagem elementar de programação) até os convencionais computadores baseados em microchips de silício, a Lei de Moore se provou válida. Várias foram as plataformas tecnológicas que per- mitiram esse salto exponencial da tecnologia da informação: relés, válvulas, transistores, circuitos integrados etc. Parece bastante certo que a inteligência artificial projetada para o futuro não será arquitetada na tecnologia atual de microchips de silício, mas em outras plata- formas ainda a serem definidas pela indústria. Uma tecnologia candidata ao posto de próxima geração da ciência da computação é o da computação quântica: uma nova estrutura que redefine os elementos mais básicos da eletrônica digital (os 0 e 1) a partir da tentativa de reproduzir as propriedades quânticas das partículas atômicas, como sobreposição, interferência, o spin de um elétron (o lado para o qual ele gira). Na prática, isso significa revolucionar drasticamente o clássico modelo de Von Neumann, que estabelece as tradicionais figuras de processador de um lado, memória de outro, e barramento de comunicação entre eles a partir de um processamentosequencial. Isso significa computadores exponencialmente mais poderosos que os mais avançados do paradigma tecnológico atual. Isso é importante, porque fornece o aparato essencial para suportar uma inteligência artificial de alto desempenho. Dessa forma, é bem provável que a Lei de Moore continue sendo válida pelas próxi- mas décadas, o que resulta em consequências realmente espantosas. Por volta de 2010, um computador comercial de US$ 1.000,00 já possuía capacidade, em termos de cálculos por segundo, equivalente ao cérebro de um pequeno mamífero, como, por exemplo, um rato. A projeção é que, em torno de 2025, um computador de mesmos US$ 1.000,00 já possua ca- pacidade de número de cálculos por segundo similar a um cérebro humano. Provavelmente próximo a 2040, pela Lei de Moore, um computador de US$ 1.000,00 tenha poder de cálculos por segundo superior a todos os bilhões de cérebros humanos existentes no planeta. É nessa época que se espera um sistema de inteligência artificial realmente à altura do profundo significado que a palavra inteligência representa para os seres humanos. Obviamente, usar número de cálculos por segundo como único atributo de medida de capacidade de uma mente artificial parece ser bastante raso. Há outros elementos que distinguem uma mente humana e um sistema artificial. Como explica Buonomano (2011), a capacidade de reconhecer padrões é marcante em seres vivos, e é um elemento essencial da inteligência humana: uma vez que se aprenda que uma letra A, por exemplo, é formada pela junção de determinadas linhas em uma sobreposição específica, o cérebro humano já é capaz de entender uma letra A escrita nos mais variados tamanhos, fontes, inclinações, cores etc. Isso se dá porque o pensamento de associação a partir de padrões é característico da inteligência biológica. Não por acaso, os recursos de captcha (letras e números em ima- gens distorcidas) na internet são usados para provar que é uma pessoa que está acessando uma página, e não um robô. É, portanto, uma limitação típica da tecnologia computacional A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI38 atual, mas não necessariamente da próxima plataforma tecnológica. Uma vez que se alcance a capacidade de sistemas artificiais reconhecerem padrões de forma tão natural quanto um ser humano, a inteligência artificial começará a ganhar os contornos do que se projeta para as próximas décadas. Relatório do World Economic Forum (2015) revela os resultados de uma pesquisa reali- zada com 800 especialistas e executivos das maiores empresas de tecnologia, sobre o que se pode esperar na indústria para um horizonte realmente curto: para eles, entre outras assom- brosas projeções, até 2025 será realidade uma cadeira do conselho executivo de uma grande corporação ser ocupada não por um dirigente humano, mas por uma inteligência artificial. Isso é altamente emblemático: significa que já se terá alcançado o estágio em que negócios e empreendimentos serão decididos por máquinas – não mais apenas decisões simplórias em ambiente de chão de fábrica, como aprovar ou não uma peça. Até chegar esse momento, a fase da transição entre a Indústria 4.0 e a Indústria 5.0 será caracterizada, paradoxalmente, pela integração homem-máquina em uma escala nunca an- tes vista. Organismos cibernéticos, convergindo sistemas biológicos com sistemas artificiais, não são mais peças de ficção científica. Entre as conquistas memoráveis dos últimos anos, te- traplégicos recuperaram a capacidade de locomoção com exoesqueletos metálicos comanda- dos pelo cérebro humano; a Samsung patenteou a primeira webcam integrada a uma lente de contato; e ovários artificiais (por ora, de ratos), produzidos em impressora 3D, provaram-se funcionais. Como preconiza a ergonomia, é a máquina adaptando-se ao homem: sistemas artificiais (criações da humanidade) trazendo melhor qualidade de vida às pessoas. Quando as máquinas assumirem o desenvolvimento por conta própria das tecnologias de próxima geração, a libertação do ser humano da necessidade de trabalhar será natural. Ao longo dos próximos anos, situações curiosas ocorrerão: será que o interlocutor do outro lado do telefone é um ser humano ou um robô? Uma inteligência artificial que se passe por uma pessoa de forma tão eficiente transmitirá, entre outros aspectos, naturalidade e credi- bilidade nas relações entre homens e máquinas. Pensar como um ser humano, reagir como um ser humano, ter a sensibilidade de um ser humano. Conclusão Lord Kelvin, matemático, físico e presidente da Royal Society Britânica, em palestra realizada em 1900 para a British Association for the Advancement of Science, deslumbrado pelos avanços tecnológicos que o mundo alcançara, afirmou: “agora, não há mais nada de novo para ser descoberto”. Se o fato, isoladamente, parece risível, serve como um impor- tante alerta para o momento que se vive no presente, diante das expectativas futuras mais imediatas. Não parece razoável que o crescimento exponencial se mantenha nesse mesmo ritmo para sempre: provavelmente, limitações das quais nem se faz ideia atualmente pos- sam afetar esse comportamento. Já se teria extrapolado o potencial de novidades tecnológi- cas? A Quarta Revolução Industrial mal começou, a inteligência artificial de fato ainda está para ser atingida, então é com muita segurança que se pode afirmar que Lord Kelvin está mais errado do que nunca. A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 39 Ampliando seus conhecimentos Para Barreto (1995), uma nova tecnologia é um conjunto de conhecimentos com elevado teor de novidades relacionadas a este conhecimento. É por essa razão que as novas tecnolo- gias estão quase sempre associadas à microinformática e às telecomunicações. A transferência de tecnologia e a transferência de inovação (BARRETO, 1995, p. 3) [...] À toda tecnologia, se associa uma considerável quantidade de informa- ção. Esta informação, quando assimilada pelo indivíduo, grupo ou socie- dade, gera um conhecimento que permite a adoção ou a rejeição de uma determinada técnica. A adoção de uma tecnologia requer, portanto, a absorção de determinado conhecimento e uma decisão de iniciar, modificar ou aperfeiçoar um pro- duto ou serviço, seu processo de produção ou de comercialização. Quando se estabelece essa cumplicidade de intenções, um processo de absorção e um processo de decisão, pode-se dizer que se efetivou uma inovação em determinada realidade. A realidade reconheceu e aceitou a introdução da novidade. A finalidade básica de uma tecnologia e sua adoção é modificar uma determinada realidade, aumentando o bem-estar dos indivíduos que nela habitam. [...] A todo processo que resulta em uma inovação, está associado um sistema de informação, sendo que a inovação só é aceita como tal se a informação sobre a tecnologia que promove a inovação também for aceita como tal. Todo o processo se efetiva na medida em que se efetive uma produção de conhecimento no indivíduo, no grupo ou na sociedade. [...] Qualquer movimentação tecnológica que não realize um processo de produção de conhecimento não completa a transferência [de tecnologia]. A tecnologia ao longo do tempo2 Tópicos Especiais em TI40 Atividades 1. Por que as tecnologias conseguem o efeito de desenvolvimento exponencial? 2. Em quais áreas da empresa é possível ocorrer a transformação digital? 3. Por que motivo uma cadeia produtiva interconectada ao máximo representa redu- ção generalizada de custos? 4. O que leva o ser humano, em dado momento histórico futuro, a poder ser completa- mente dispensável do conceito de trabalho? Referências BARRETO, A. A transferência de informação, o desenvolvimento tecnológico e a produção de conhe- cimento. Informare, v. 1, n. 2, p. 2-10, jul./dez. 1995. BUONOMANO, D. O cérebro imperfeito: como as limitações do cérebro condicionam as nossas vi- das. São Paulo: Campus, 2011. RAMOS, E. et al. Gestão estratégica da tecnologia da informação. São Paulo:Ed. FGV, 2012. REIS, D. Gestão da inovação tecnológica. Curitiba: Manole, 2008. SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SINGH, S. New mega trends: implications for our future lives. eBook Kindle: Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012. ______. Top 20 global megatrends and their impact on business, cultures and society. San Antonio: Frost & Sullivan, 2014. VAN OPSTAL, D. Commentary on Gregory Tassey’s ‘‘Rationales and mechanisms for revitalizing US manufacturing R&D strategies’’. The Journal of Technology Transfer, n. 35, p. 355-359, 2010. WORLD ECONOMIC FORUM. Technology tipping points and social impact report. 2015 . Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/WEF_GAC15_Technological_Tipping_Points_report_2015.pdf>. Acesso em: 17 out. 2017. Resolução 1. Porque o conhecimento humano é cumulativo. Cada nova geração recebe, como le- gado, o conhecimento científico e tecnológico acumulado pelas gerações anteriores, e isso permite que cada geração estenda um pouco mais o estado da arte de determi- nada tecnologia. Como a difusão das novas tecnologias é cada vez mais acelerada, com os novos conhecimentos acrescentados, o que ocorre é a potencialização do uso combinado de diferentes tecnologias (uma contribuindo para o desenvolvimento de outra), de tal forma que, em curto espaço de tempo, principalmente nestas últimas décadas, o grau de melhoria que se alcança em diversos atributos (preço, funcionali- dade, tamanho, consumo energético etc.) é da ordem de bilhões de vezes. A tecnologia ao longo do tempo Tópicos Especiais em TI 2 41 2. A digitalização permeia todos os processos organizacionais, desde os produtivos, técnicos ou ligados ao chão de fábrica, até os administrativos e indiretos, como RH, Marketing e Financeiro. Não há limite de escopo – todos os departamentos de uma organização podem, em maior ou menor grau, serem aprimorados, em termos de produtividade, por meio da digitalização de seus próprios processos. As diferentes tecnologias, em especial, quando convergem e se integram com a tecnologia da in- formação, viabilizam esta virtualização das rotinas de trabalho dos diferentes pro- cessos da empresa. 3. Quando uma empresa e seus principais fornecedores estão totalmente integrados por processos digitais comuns, ocorre que a informação das etapas de produção é comunicada instantaneamente por todos os participantes daquela cadeia – muitas vezes, até mesmo sem a necessidade de intervenção humana. É o caso, por exem- plo, de uma máquina de determinada etapa da produção de um fornecedor que, ao perceber (de forma autônoma) um problema qualquer com a matéria-prima ou com- ponente processado, já comunica não só às próximas máquinas de sua própria orga- nização, mas também os equipamentos das outras empresas (cliente e fornecedores), garantindo uma sincronia que faz com que os demais elementos evitem tempos de parada em ociosidade, sobrecarga, desperdícios, retrabalhos, entre outros aspectos típicos de custos de improdutividade dos sistemas industriais. 4. Em breve, sistemas de inteligência artificial alcançarão patamar em que farão o tra- balho das pessoas de forma muito melhor do que um ser humano, em qualquer função. Isso inclui até mesmo a capacidade de empreender e gerir negócios. Em uma perspectiva histórica, desemprego só é preocupação quando as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Quando as coisas trabalharem pelas pessoas, perde senti- do discuti-lo como problema social. Tópicos Especiais em TI 43 3 TI para pessoas com deficiência Se a tecnologia da informação é tão revolucionária no que diz respeito ao apri- moramento de todas as demais tecnologias, às novas formas como as organizações se estruturam e produzem e às próprias disrupções sociais, entendidas como mudanças radicais no comportamento e hábitos das pessoas, é inevitável que a TI sirva de pla- taforma essencial para um sem número de possibilidades referentes ao mundo das pessoas com deficiência (PcD). Por conceito, tecnologias são conhecimentos aplicados, essencialmente úteis na resolução de demandas práticas, problemas, desafios e necessidades que o mundo enfrenta. Algumas necessidades são especiais, no que se refere às pessoas com algum tipo de deficiência: o mundo convencional não está 100% preparado para atendê-las, cabendo ajustes de natureza igualmente especial para melhor acomodar uma distinta parcela da população, que é realmente expressiva. Ao fazê-lo, novas tecnologias, regi- das quase sempre pela tecnologia da informação, cumprem um valioso papel social, de devolver a dignidade das pessoas. É assim que um mundo cada vez mais tecnológico pode se tornar, efetivamente, um mundo cada vez mais humano. TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI44 3.1 O mercado PcD O público PcD é numeroso. O atendimento às suas demandas não fica limitado apenas a ações filantrópicas e humanitárias, mas também pode ser um importante e legítimo mer- cado a ser explorado pelas organizações empresariais. Não há nada de antiético em vender produtos e serviços para esse perfil de consumidor, ou seja, lucrar com o atendimento de uma necessidade especial. Afinal, um determinado produto ou serviço pode melhorar a qualidade de vida de uma pessoa com deficiência, e isso pode ser a base de sustentação do sucesso do modelo de negócio de algumas empresas. Empresas existem para atender as ne- cessidades de seu público consumidor: algumas organizações podem se especializar nesse segmento específico para operar seus negócios. Segundo o Relatório Mundial sobre a Deficiência, da World Health Organization (2011), por várias décadas estimava-se que a parcela da população com deficiência consistia em 10% da população mundial. Contudo, esse número foi atualizado para cerca de 15% de todas as pessoas – e parece estar crescendo continuamente. É um aumento expressivo, que pode ser explicado por fatores como envelhecimento da população, rápida difusão de doenças crôni- cas (tais como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e distúrbios mentais), além do pró- prio aprimoramento metodológico no que diz respeito à precisão com que se pode detectar e mensurar deficiências. Destaque-se, ainda, que algumas fontes relacionadas no relatório da World Health Organization (2011) chegam mesmo a considerar que existam pelo menos 1 bilhão de pessoas que apresentam algum tipo de limitação física e/ou mental, das quais pelo menos 200 milhões experimentam sérias limitações funcionais no seu dia a dia. Em todas as partes do mundo, o fato é que as pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis inferiores de escolaridade, participação econômica diminuída, o que, inevitavelmente, conduz a taxas de pobreza muito mais elevadas, quando se compara à população sem deficiências. Várias explicações procuram esclarecer o fenômeno, e uma delas é o entendimento de que as pessoas com deficiência enfrentam inúmeras barreiras no acesso a direitos básicos, como saúde, educação, emprego, transporte e informação. Essas dificuldades são ainda mais exacerbadas em comunidades mais pobres. Portanto, tratar de tecnologias voltadas a pessoas com deficiência envolve, necessariamente, discutir inclusão e acessibilidade, para que uma vida de conforto, saúde e dignidade seja realidade para todas as pessoas, deficientes ou não. A deficiência é inerente à própria condição humana. É certo que quase todas as pes- soas estarão, temporária ou permanentemente, incapacitadas em algum momento da vida. Aquelas que conseguirem alcançar idade mais avançada experimentarão crescentes dificul- dades para as funções mais básicas do cotidiano. A deficiência é uma condição complexa: as medidas e iniciativas tomadas para tentar superar as desvantagens associadas à deficiência costumam ser múltiplas e sistêmicas. Elas variam de acordo com o contexto, e em muitas situações a resposta e tratamento necessários acabam sendo individualizados, caso a caso. Segundo a WorldHealth Organization (2011), a Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF) define incapacidade como um termo amplo para TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 45 deficiências, limitações às atividades e restrições à participação social. A incapacidade diz respeito aos aspectos negativos da interação entre indivíduos com determinadas condições de saúde (tais como paralisia cerebral, síndrome de Down ou depressão) e fatores pessoais e ambientais (tais como atitudes negativas, meios de transportes e prédios públicos inaces- síveis e apoio social limitado). De acordo com as pesquisas conduzidas pela World Health Survey (2011), aproxima- damente 785 milhões de pessoas (15,6% da população) com 15 anos ou mais convivem com alguma forma de deficiência, enquanto a Global Burden of Disease chega a estimar algo em torno de 975 milhões de pessoas (19,4% da população). Desse grupo, a World Health Survey estima que 110 milhões de pessoas (2,2% da população) possuem disfunções graves, en- quanto a Global Burden of Disease estima esse número em 190 milhões (3,8% da população). É nessa categoria que estão relacionadas condições como a tetraplegia, a depressão grave e a cegueira. Somente a Global Burden of Disease mensura a a deficiência na infância (0 a 14 anos), a qual está estimada em 95 milhões de crianças (5,1% do total), das quais 13 milhões (0,7% do total) possuem formas graves de deficiência. A ocorrência de pessoas com deficiência é heterogênea mundo afora. Os padrões de deficiência em um dado país são influenciados por tendências nas condições gerais de saúde e nas tendências ambientais, dentre outros fatores – aí incluídos acidentes automobilísticos, desastres naturais, conflitos, dieta e abuso de drogas. Reconheça-se que perspectivas este- reotipadas da deficiência destacam os usuários de cadeira de rodas e alguns poucos grupos considerados tradicionais, tais como as pessoas cegas e surdas. Contudo, a verdade é que a experiência da deficiência resultante da interação entre condições de saúde, fatores pessoais e ambientais varia amplamente. Apesar de a deficiência estar relacionada a desvantagens pessoais, nem todas as pessoas com deficiência sofrem igualmente essas desvantagens. Mulheres com deficiência sofrem a discriminação por gênero, assim como demais situa- ções práticas conhecidas por barreiras incapacitantes. Taxas de matrícula nas escolas variam entre as deficiências, sendo que crianças com deficiência física, geralmente, têm mais acesso à escola do que aquelas que sofrem de deficiência intelectual ou sensorial. Os mais excluí- dos do mercado de trabalho, usualmente, são aqueles com distúrbios de saúde mental ou incapacidades intelectuais. As pessoas com deficiência grave sofrem frequentemente uma maior desvantagem, em uma proporção direta entre o grau de disfunção que possuem e a dificuldade que enfrentam. A deficiência afeta, ainda, as populações vulneráveis de uma forma desproporcional. As evidências coletadas pela World Health Survey indicam claramente uma prevalên- cia maior de deficiência em países de baixa renda do que em países de renda mais alta. No geral, os mais pobres, mulheres e os mais idosos têm maior peso na população de pes- soas com deficiência. As pessoas com baixa renda, que estão desempregadas (ou subempregadas) ou pos- suem baixa qualificação profissional estão expostas a um risco muito mais alto de deficiên- cia. Crianças de lares mais pobres e aquelas originárias de grupos étnicos minoritários estão expostas a um risco significativamente maior de deficiência do que outras crianças. TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI46 O ambiente tem um papel bastante importante no que tange a facilitar ou a res- tringir a participação social das pessoas com deficiência. O relatório da World Health Organization (2011) documenta diversas evidências sobre as barreiras incapacitantes, incluindo, principalmente: • Políticas e padrões inadequados – a elaboração de políticas públicas nem sempre leva em consideração as necessidades das pessoas com algum tipo de deficiência. Ou, então, as políticas e os padrões existentes simplesmente não são cumpridos. Por exemplo, na área das políticas de educação inclusiva, uma pesquisa envolven- do 28 países participantes da Education for All Fast Track Initiative Partnership descobriu que 18 desses países (mais de 64% deles) disponibilizavam poucas in- formações sobre suas estratégias de inclusão das crianças com deficiência nas es- colas, ou não faziam referência alguma à deficiência ou à inclusão. As falhas mais comuns nas políticas educacionais incluem a falta de incentivos fiscais, dentre outros tipos de incentivos, para que as crianças com deficiência frequentem as es- colas, assim como a falta de proteção social e serviços de apoio para crianças com deficiência e suas famílias. • Atitudes negativas – crenças e preconceitos servem como barreiras à educação, ao emprego, aos serviços de saúde e à participação social. Por exemplo, determinadas atitudes de professores, administradores de escolas, outras crianças e até mesmo de membros da família afetam a inclusão de crianças com deficiência nas escolas regulares. Há um juízo equivocado dos empregadores de que as pessoas com de- ficiência são menos produtivas do que as suas contrapartes sem deficiência, e a ig- norância a respeito dos ajustes disponíveis para os ambientes de trabalho acabam por limitar as oportunidades de emprego. • Falhas na oferta de serviços – pessoas com deficiência são particularmente vul- neráveis a falhas em serviços tais como saúde, reabilitação, apoio e assistência. Pesquisas realizadas na Índia comprovaram que após o fator custo como barreira, a falta de serviços na região era a segunda razão mais frequente para que as pessoas com deficiência não utilizassem as instalações médicas. • Problemas na prestação de serviços – uma má gestão dos serviços e funcionários mal preparados afetam a qualidade, acessibilidade e adequação dos serviços às pessoas com deficiência. Dados de 51 países da World Health Survey revelaram que pessoas com deficiência são duas vezes mais propensas a relatar inadequações nas competências dos prestadores de serviços de saúde no atendimento às suas necessidades, quatro vezes mais propensas a serem maltratadas e quase três vezes mais propensas a ter serviços necessários de saúde negados. Muitos trabalhadores de apoio individual são mal pagos e possuem treinamento inadequado (ou ne- nhum treinamento). • Financiamento inadequado – não raro, recursos alocados na implementação de políticas e planos são inadequados. A falta de financiamento efetivo é um TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 47 grande obstáculo aos serviços sustentáveis ao longo de todos os níveis de renda. Por exemplo, em países de alta renda, entre 20% e 40% das pessoas com deficiên- cia geralmente não têm suas necessidades atendidas no que tange a assistência em atividades diárias. Em muitos países de renda baixa e média, os governos não podem proporcionar serviços adequados, além de que os prestadores comerciais de serviços estão indisponíveis ou não são custeáveis pela maior parte dos lares. As análises da World Health Survey demonstraram, ainda, que as pessoas com deficiência possuem maior dificuldade do que pessoas sem deficiência para obter isenções ou descontos nos custos de serviços de saúde. • Falta de acessibilidade – muitos ambientes construídos (incluindo instalações públicas), sistemas de transporte e comunicação não são nada acessíveis. A fal- ta de acesso ao transporte é uma razão frequente pela qual as pessoas com de- ficiência são desencorajadas a procurar trabalho ou são impedidas de acessar os serviços de saúde. Pouca informação está disponível em formatos acessíveis, e muitas necessidades de comunicação das pessoas com deficiência são igno- radas. Pessoas surdas geralmente enfrentam problemas paraacessar serviços de interpretação de línguas de sinais, pois muitos países não têm intérpretes qualificados. Pessoas com deficiência apresentam taxas significativamente in- feriores no que diz respeito a utilizar tecnologias da informação e comunica- ção, comparadas às pessoas sem deficiência. Em alguns casos, o público PcD pode ser completamente impedido de acessar mesmo os produtos e serviços mais básicos, como telefone, TV e internet. • Falta de consultas e envolvimento – muitas pessoas com deficiência estão ex- cluídas do processo de tomada de decisões em assuntos diretamente relaciona- dos às suas próprias vidas como, por exemplo, quando pessoas com deficiência não têm direito à escolha e ao controle sobre a forma como o apoio lhes é ofe- recido em suas residências. • Falta de dados e evidências – uma falta de dados rigorosos e comparáveis sobre a deficiência e evidências sobre programas que funcionam pode prejudicar o en- tendimento e a ação. Conhecer os números das pessoas com deficiência e suas cir- cunstâncias pode melhorar os esforços para a remoção das barreiras incapacitan- tes e oferecer serviços que permitam que as pessoas com deficiência participem. Por exemplo, precisam ser desenvolvidas melhores condições sobre o ambiente e seu impacto nos diferentes aspectos da deficiência para facilitar a identificação de intervenções ambientais eficientes em custo. Portanto, como alertam Miesenberger et al. (2004), tecnologias como a tecnologia da in- formação, direcionadas às soluções das demandas das pessoas com deficiência, atacam não apenas a deficiência em si que a pessoa apresenta, mas também o contexto social que torna aquela condição desfavorável à dignidade humana. TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI48 3.2 Tecnologias voltadas às necessidades especiais físicas Para a maioria das pessoas, sentar em frente a um computador para trabalho ou entrete- nimento é uma tarefa bastante simples e prática. Mas o mesmo não pode ser dito em relação a usuários cegos, amputados e com várias outras necessidades especiais de ordem física. Miesenberger et al. (2004) entendem que, para essas pessoas, o uso de um computador con- vencional é, no mínimo, um exercício de frustração. Felizmente, toda uma nova geração de gadgets, pequenas ferramentas que se agregam a um ambiente operativo maior, tanto na forma de hardware quanto software, vem tornando mais fácil para as pessoas com deficiência utilizar computadores, integrando-se, assim, ao mundo digital. Tais ferramentas possibilitam às pessoas com deficiência interagir melhor com os outros colegas de trabalho (com ou sem deficiência) e, enfim, fazer o trabalho que precisa ser feito sem enroscar nos obstáculos que as tecnologias mais antigas (tradicionais) tinham imposto. Já há algum tempo, tornou-se realidade, por exemplo, um contador cego poder programar o software de leitura de tela para ler dados de uma planilha em voz alta para ele, e um programador tetraplégico ou com outro tipo de impedimento manual poder escrever seus códigos de programação, controlando seu computador apenas com o movi- mento sutil de seus músculos do pescoço. A TI inclusiva se fundamenta, essencialmente, no fato de que um PC é um dispositivo de computação geral, adaptável a diferentes formas de entrada e saída. Para o computador, não faz a mínima diferença, por exemplo, se o usuário está controlando o cursor na tela com seus pés ou movimentos oculares, em vez de um mouse e teclado tradicionais. Como destacam Ramos et al. (2012), são diversos os produtos de acessibilidade à infor- mática que ajudam os deficientes a tirar a melhor experiência possível do mundo da compu- tação. Esses dispositivos usam uma variedade de tecnologias recentes, estando disponíveis comercialmente em uma ampla faixa de valores: alguns custam milhões de dólares, outros são totalmente gratuitos. A tecnologia de mensagens musculares é uma dessas maravilhas tecnológicas que pa- receriam muito improváveis de existir há pouco tempo. Projetado para as pessoas que pos- suem membros amputados, paralisados ou com qualquer outro tipo de dificuldade funcio- nal, o sistema oferece a grande conveniência de possibilitar o uso do computador sem que o usuário tenha de recorrer a aparatos mecânicos volumosos e pesados. Os produtos com essa tecnologia substituem o teclado e o mouse tradicionais por um pequeno dispositivo instalado diretamente na pele do usuário. Essa é a chamada tecnologia eletromiográfica, que serve para detectar, amplificar e transmitir os pequenos impulsos elétricos produzidos pelo organismo humano, que são enviados do cérebro para o músculo. Polivalente, esse recurso funciona com perfeição em muitas áreas diferentes do corpo humano, incluindo o pescoço e o rosto, o que é bastante importante especialmente no caso dos tetraplégicos. Quem não pode usar nor- malmente os pés e as mãos, com essa tecnologia, pode contar com as alternativas de dar TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 49 uma piscadela ou até mesmo sorrir diante da webcam para que isso seja processado como um click ou uma tecla pressionada. Por meio dessa tecnologia, um eletrodo (descartável) adere à pele da pessoa. Normalmente, um pequeno transmissor bluetooth1 fica posicionado na parte mais alta, como pescoço ou testa do usuário. No computador, um software específico faz o trabalho de inter- pretar a entrada proporcionada pelo usuário e convertê-la em comandos reconhecíveis pelo sistema operacional. Existe calibragem para que diferentes perfis de usuários consigam ope- rar o sistema, e assim, dispor de uma experiência normal de uso de computador, como abrir aplicativos, navegar na internet e, claro, poder digitar textos à vontade. Muitos fabricantes desse tipo de sistema oferecem um período grátis de experimentação, como, por exemplo, algumas semanas de utilização sem compromisso (empréstimo), de forma a deixar a pessoa mais segura de realizar o investimento nesse tipo de solução. Existe também a tecnologia de controle por movimentação ocular, útil em casos ainda mais graves de paralisia, nesse caso, um computador é operado pela simples movimentação dos olhos do usuário. Normalmente, os equipamentos envolvidos adotam uma câmera in- fravermelha de alta precisão, que é montada atrás de um monitor extra (uma tela de apoio, que mostra símbolos de comandos especiais), dispondo ainda de uma pequena unidade externa de processamento que é responsável por traduzir a direção do olhar da pessoa que opera o computador em uma ação específica na tela. Assim, com essa tecnologia, um computador é operado com dois monitores (lado a lado): um deles é o monitor convencional, e o outro é o monitor de leitura dos movimentos oculares do usuário. Após a devida calibragem para se adaptar a cada indivíduo com defi- ciência que acesse esse sistema, tudo o que o usuário precisa fazer é olhar diretamente para o monitor de apoio e realizar seus comandos. Esse monitor especial apresenta, em sua tela, o desenho de um teclado, os botões de um mouse, um sintetizador de voz (dispondo de uma série de frases pré-programadas) e até mesmo botões especiais para funções como ligar luzes, acionar dispositivos (como impressora e scanner), entre outros. O funcionamento do sistema se baseia, portanto, em reconhecer o local específico da tela do monitor especial que o usuário está olhando, processando um pressionar de tecla ou click de mouse quando o usuário permanece olhando para aquele ponto específico por um determinado tempo. No exterior, é comum encontrar planos de saúde que subsidiam parte do investimento no equi- pamento, por ele ter um custo significativo (usualmente, custa alguns milhares de dólares). A tecnologia conhecida por sip and puff (algo como “sorver e assoprar”) é outra inte- ressante possibilidade para pessoas que podem utilizar a boca, bochechas, língua ou quei- xo para controlar o cursor na tela por meio de um joystick especial. Este é oco (um cano),por razões especiais: soprando ou sorvendo ar, o sistema reconhece comandos específicos. Essa combinação de ar entrando e saindo é parametrizável, de tal forma que, muito além de servir de click de mouse, a função permite, com combinações específicas, entrar letras, números e pontuações. Em alguns equipamentos, os fabricantes programam até mesmo o 1 Nome dado à tecnologia de comunicação sem fio que permite transmissão de dados e arquivos de maneira rápida e segura por meio de aparelhos de telefone celular, notebooks, câmeras digitais, consoles de videogame digitais, impressoras, teclados, mouses e até fones de ouvido, entre outros equipamentos. TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI50 reconhecimento de código Morse: sorver ar significa ponto, e assoprar é associado a traços, por exemplo. No caso da tecnologia de detecção de movimentos da cabeça (head-motion detectors), um pequeno scanner de leitura tridimensional no topo do monitor (que bem poderia ser confundido com uma webcam, dada sua aparência típica) acompanha um ponto de referência na cabeça do usuário. Esse ponto, na forma de um adesivo especial (pareci- do com o que é usado na indústria cinematográfica para que atores reais produzam os efeitos de movimento de criaturas criadas em ambiente digital), pode ser fixado na testa do usuário, ou mesmo em óculos, chapéu ou headset de microfone. Conforme a cabeça da pessoa se movimenta, de um lado para outro, para frente e para trás, movimento circular etc., os comandos são traduzidos, por software específico, para instruções inter- pretáveis pelo computador. Esses sistemas são usualmente encontrados em preços mais acessíveis: para compensar, apesar do recurso de calibragem, não costumam ter tanta precisão quanto as tecnologias descritas anteriormente. A tecnologia de computador operado por luz é bastante inovadora: um dispositivo que dispara um feixe visível de raio laser é acoplado na cabeça do usuário, que dispara essa luz, simplesmente com o movimento da cabeça, contra um teclado especial, que reconhece o teclar (e mesmo o clicar de um mouse) conforme a luz incide nas teclas especiais desse dispo- sitivo (normalmente, fixado logo abaixo do monitor do computador). Os mouses no hands (sem as mãos) são projetados para quem, apesar de não ter os mo- vimentos manuais disponíveis, tem os pés funcionais: são mouses em forma de pedais. Normalmente são empregados dois pedais, sendo um para controlar o movimento, e outro apenas para os clicks (funções botão direito/botão esquerdo). São dispositivos bastante sen- síveis, com pedais em forma ovalada, capazes de perceber movimentos em 360º, inclusive com sensibilidade para variações de pressão aplicada. Para aqueles usuários com dificuldades de visão, mas que ainda enxergam, as so- luções, muitas vezes, não precisam ser altamente complexas (e caras). Um exemplo é o caso dos teclados com teclas grandes. Trata-se, essencialmente, de um teclado de fun- cionalidade normal, compatível com qualquer computador, porém com teclas que são quatro vezes maiores que o tamanho típico que a indústria oferece. Esses teclados são oferecidos, inclusive, com a possibilidade de teclas de várias cores (para, por exemplo, distinguir mais facilmente vogais e consoantes), além de oferecer a opção de layout entre o tradicional padrão QWERTY ou o ABC. Ainda quanto aos usuários com necessidades especiais no que diz respeito à visão, como aqueles que sofrem de degeneração macular, existem várias opções de softwares lupa/ leitor. Esses são programas que se sobrepõem ao sistema operacional ou a qualquer pro- grama sendo executado, oferecendo possibilidade de ampliação de determinada região da tela em escalas bem amplas (por exemplo, aumentar 32x uma imagem). Além disso, há o recurso de leitura do que está sendo mostrado na tela, fazendo com que o usuário escute a informação por um sintetizador de voz incorporado ao programa. Além das diversas al- ternativas oferecidas no mercado, o próprio Windows já dispõe, há muito tempo, de seu TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 51 próprio recurso de acessibilidade com as funções de lupa e leitor. No sistema operacional da Microsoft, o usuário pode configurar se deseja deixar acionada ou não a função de nar- rador cada vez que o Windows carregar, se essa função deve ser acionada automaticamente para cada programa aberto, e há ainda um alto nível de personalização no tipo de voz que o usuário escutará: estão disponíveis diferentes vozes, entre masculinas e femininas, inclusive com controle de velocidade e entonação das palavras. Hardware de apoio, teclados braille estão disponíveis para utilização não apenas com PC (Windows), mas também com smartphones em geral. Braille é o tradicional sistema de escrita tátil, que é largamente adotado por pessoas cegas ou com baixa visão. Esse é um processo de escrita e leitura que se baseia em 64 símbolos, todos em relevo, resultantes da combinação de até seis pontos dispostos em duas colunas de três pontos cada. É possível fazer a repre- sentação tanto de letras como algarismos e sinais de pontuação. A leitura é feita da esquerda para a direita, ao toque de uma ou duas mãos ao mesmo tempo. Quando não conectados diretamente a um computador (por exemplo, no traslado de ônibus de um local ao outro, como de casa para o trabalho), alguns teclados braille funcionam, ainda, como cadernos eletrônicos de registro de notas, compromissos e contatos: a pessoa digita, a informação fica armazenada e, posteriormente, é transferida ao computador. Alguns fabricantes desses sis- temas chegam a incorporar, também, um gravador de voz, para anotações orais. De fato, nem sempre a tecnologia da informação fica restrita apenas ao momento em que uma pessoa está sentada em frente a um microcomputador. No trabalho do dia a dia, muitas atividades pressupõem a leitura de documentos físicos, como memorandos, receitas e manuais. Por isso, existem também diversas opções de leitores portáteis de documentos, no formato de canetas eletrônicas, que funcionam como um scanner: a pessoa vai passando a caneta, linha por linha no documento em papel, o leitor reconhece as palavras e lê (voz sintetizada) para o usuário. O sistema conta com recurso de salvar até algumas centenas de páginas, arquivos digitais que podem ser depois transpostos para o computador para edição ou armazenamento. Alguns apps2 de smartphone também estão disponíveis para cumprir a mesma função. Finalmente, no que diz respeito às pessoas com deficiências auditivas, o fato parece não ser um grande impeditivo para usar computadores; contudo, é um obstáculo relevante quando se trabalha em um escritório e não se consegue entender claramente o que os cole- gas estão falando. Apps de filtro de som ambiente são uma excelente solução para esse qua- dro: a pessoa coloca um fone de ouvido e o sistema, no seu celular, se ocupa de filtrar o som do local de trabalho, reduzindo automaticamente a intensidade dos ruídos e amplificando as palavras das conversas do entorno. O sistema permite, além das habituais funções de calibragem para nivelar o poder de filtragem dos sons, ainda recuperar os últimos segundos das conversas do ambiente, quando o usuário não tiver entendido o que for dito. Ou seja, além do filtro, o app atua como um gravador permanente dos sons, mantendo arquivado, de forma dinâmica, sempre os últimos segundos dos sons gravados para uma eventual neces- sidade do seu usuário. 2 Abreviação da palavra inglesa applications (aplicativos, em português). No contexto dos smartphones, apps são os programas que podem ser instalados em celular. TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI52 Por fim, mas especialmente importante, reconheça-se o papel fundamental da tecno- logia da informação para a capacidade empreendedora do público PcD. A transformação digital das organizações e dos negócios possibilita, cada vez mais, que negócios digitais sejam estabelecidos,e principalmente no que diz respeito a micro e pequenos empreendi- mentos virtuais, o ambiente de trabalho em geral é muito mais favorável, se comparado ao ambiente convencional de trabalho de uma indústria ou um comércio, por exemplo. Existem diversas oportunidades de negócios virtuais que podem comportar empreendedores PcD, desde administração de e-commerce3 até consultorias realizadas à distância, trabalhos que podem ser exercidos em regime de home office4, com evidente benefício logístico para o dia a dia desse público. 3.3 Tecnologias voltadas às necessidades especiais mentais Provavelmente, o universo de pessoas com algum tipo de desordem ou disfunção men- tal seja bem maior do que se poderia supor: muitas pessoas de aparente normalidade sofrem, muitas vezes em silêncio, com esse tipo de ocorrência. Como verificado em Davies, Richard e Glazebrook (2014), não raro, o que se vê é que as palavras transtorno, distúrbio e doença costu- mam ser associados a termos como mental, psíquico e psiquiátrico, isso para descrever qualquer tipo de anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica e/ou mental. Os transtornos mentais são um sério campo de investigação interdisciplinar, requisitando competências especializas tais como a psicologia, a psiquiatria e a neurologia. Para Cavanagh e Shapiro (2004), nos campos da psiquiatria e em psicologia, os termos que se prefere adotar são transtornos, perturbações, disfunções ou distúrbios psíquicos, evi- tando o uso da palavra doença: isso se justifica porque, mesmo com o avanço do conheci- mento científico na área, apenas poucos quadros clínicos de natureza mental apresentam todas as características de uma doença no exato sentido do conceito – isto é, a patologia, o conhecimento exato dos mecanismos envolvidos e, principalmente, de suas causas explíci- tas. Quando se fala em transtorno, a liberdade conceitual é maior, abrangendo qualquer tipo de comportamento diferente do habitual ou do considerado “normal”. Por esse alargamento conceitual, é plausível que muito mais pessoas possam ser incluídas no grupo da população que é classificado como pessoas com deficiência. Como apontado pelo relatório da World Health Organization (2011), em geral, os de- ficientes mentais são um muito mais propensos à exclusão social do que os deficientes fí- sicos. A convivência social, inclusive em ambiente de trabalho, é muito mais desafiadora. Por questões de segurança e de qualidade de vida, as pessoas com transtornos mentais demandam um acompanhamento especializado de saúde muito mais intenso e frequente 3 Comércio eletrônico, modalidade de comércio que realiza suas transações financeiras por meio de dispositivos e plataformas eletrônicas, como computadores e celulares. Um exemplo desse tipo de comércio é comprar ou vender produtos em lojas virtuais. 4 Trabalho em casa. Método de trabalho usualmente adotado por trabalhadores independentes, tam- bém conhecidos por freelancers. TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 53 (muitas vezes, vitalício). Portanto, há que se reconhecer que um dos maiores empregos da tecnologia da informação junto ao público PcD de ordem mental é o campo clínico: ajudar o tratamento desse grupo de pessoas. Entre os fenômenos mais comuns, ansiedade e depressão, e até mesmo síndrome do pânico, são ocorrências corriqueiras em ambiente acadêmico (principalmente com estudan- tes universitários) e profissional (especialmente nas organizações cujo ambiente de negócio é de alta competitividade e alto stress). O desempenho dessas pessoas costuma cair drasti- camente, às vezes repentinamente, e a qualidade da interação social também se deteriora. Muitas vezes, ocorre de ser um sofrimento solitário, em que a pessoa tem dificuldade no autodiagnóstico, ou reluta em admitir publicamente e procurar ajuda especializada, que é sempre necessária. Quando muito, essas pessoas procuram algum tipo de apoio informal (como junto a um grupo de amigos), em vez de uma solução profissional. Entretanto, em ambiente acadêmico e profissional, é muito comum a disponibilidade de uma estrutura informatizada. Computadores e redes de TI são ferramentas habituais de trabalho. Com os smartphones, os recursos de TI acompanham fisicamente as pessoas por qualquer lugar que estas transitem, praticamente 24 horas por dia. Por isso, é importante aproveitar essa disponibilidade digital para intervenções de ordem psicológica: o tratamen- to de saúde pode ser complementado, e potencializado, de uma forma bastante conveniente, que inclui possibilidade de anonimato e privacidade de acesso. A tecnologia da informação vai ampliando os canais dos serviços de apoio e de tra- tamento de saúde mental, e isto é importante porque potencializa o universo de pessoas alcançável: quanto mais alternativas de acesso, mais pessoas beneficiadas, essa é a lógica envolvida. Por exemplo, tome-se como um estudo de caso o tradicional e esplêndido CVV – Centro de Valorização da Vida, serviço especializado de apoio emocional e prevenção ao suicídio, que atende voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, garantindo total sigilo. Essa é uma ONG, uma associação civil sem fins lucrati- vos, filantrópica, que foi fundada em São Paulo em 1962, ganhando reconhecimento como entidade de Utilidade Pública Federal em 1973. Nos primórdios de sua operação, o CVV dispunha de atendimento presencial e por telefone (atualmente, o número 141, de atendimento 24 horas). Reconheça-se que, à época, oferecer o canal de atendimento por telefone já era um legítimo uso da tecnologia da in- formação, ampliando em muito o público potencialmente beneficiado. Muito mais pessoas procuram o serviço por telefone, pela comodidade, conveniência e discrição proporciona- dos, do que a visita presencial até uma unidade do CVV. Contudo, aproveitando as novas tecnologias de TI, atualmente o CVV oferece uma ampla rede de canais de atendimento, o que só foi possível alcançar graças aos avanços no mundo digital: pessoas podem entrar em contato com o CVV também por chat eletrônico no website da organização, por Skype e por e-mail. No website da CVV, também estão concentradas diversas informações úteis para pes- soas angustiadas por depressão, dependência química ou sentimentos suicidas, com links de várias outras organizações de apoio, notícias gerais e, em especial, um blog especializado, com atualização permanente, com abordagens temáticas especialmente selecionadas para amparo ao seu público-alvo. Portanto, utilizando as novas possibilidades de tecnologia da TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI54 informação, essa organização consegue atingir números bastante expressivos, como o de contabilizar mais de 1 milhão de atendimentos anuais, por meio de aproximadamente 2.000 voluntários em 18 estados brasileiros (mais o Distrito Federal). Como destaque mais recente, e mais um exemplo das benesses proporcionadas pela tecnologia da informação (neste caso, PABX virtual), em 2015 iniciou-se o atendimento pelo número 188, que é o primeiro telefone sem custo de ligação para esse tipo de serviço. A operação em fase de testes iniciou no Rio Grande do Sul, como parte do plano de cobrir, gradativamente, todo o Brasil. Para alguns distúrbios mentais, há um maior conforto da pessoa se ela perceber que é possível um contato pessoal mínimo (ou mesmo, inexistente). Por isso, a conveniência de abordagens por softwares e aplicações web, que potencializam o maior engajamento do pró- prio indivíduo em buscar a ajuda impessoal e – mais importante – garantir a continuidade das intervenções. Nesse quesito, os apps para smartphone fornecem grande conveniência, que é fácil de evidenciar: ao se analisar as inúmeras opções de aplicativos voltados à temática da saúde mental, em lojas virtuais como o Google Play, a leitura dos comentários das pessoas que classificam os produtos com 1 a 5 estrelas mostra como é importante para essesusuários uma plataforma anônima, mas que seja útil para o tipo de informação ou apoio que neces- sitam. Os administradores (fabricantes) desses softwares possuem, ainda, uma informação valiosa em mãos: mesmo de modo anônimo, dispõe de relatórios em que é possível estrati- ficar perfis demográficos das pessoas que baixam o app (idade, região geográfica, sexo etc.), além do tipo de transtorno que mais se procura. Como informação bastante valiosa, seria apreciável que o próprio Poder Público tivesse acesso a esses dados estratificados, o que poderia resultar na proposição de políticas públicas e de saúde mais adequadas às reais necessidades da população. No que diz respeito ao público autista, a tecnologia da informação tem seu papel facili- tador para melhor inclusão social dessas pessoas. Autismo é a condição conhecida pela qual a pessoa, desde criança, fica impossibilitada de desenvolver relações sociais normais, por causa do típico comportamento compulsivo e ritualista. Assim, de forma indireta, como uma consequência da dificuldade de interação com o ambiente, o autista normalmente apresenta grandes dificuldades em desenvolver um padrão de inteligência normal. Como curiosidade, os sinais de autismo geralmente aparecem entre o primeiro e terceiro ano de idade, sendo que esse transtorno é duas a quatro vezes mais frequente em meninos do que em meninas. A tecnologia ajuda quando se reconhecem os obstáculos práticos que o autista enfrenta. No geral, uma criança autista prefere estar só. Ela não procura estabelecer relacionamento pessoal mais íntimo: evita abraços, se evade de contato olho no olho, fica muito incomodada com mudanças (como objetos de uso corriqueiro fora do local habitual), sendo excessiva- mente presa a objetos familiares, repetindo continuamente certos atos e rituais. Ao se falar com uma criança autista, ela frequentemente tem dificuldade em entender o que foi dito. Como o autismo não é uma característica estritamente delineada (tanto que se usa o termo transtorno de espectro autista, admitindo vários graus do comportamento anômalo), a maioria das crianças nessa condição possui desenvolvimento intelectual desigual, como reconhecem Miesenberger et al. (2004). TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 55 Naturalmente, na infância, a etapa de inclusão social mais importante diz respeito à inclusão escolar. Embora a Legislação Federal do Brasil garanta o direito de autistas serem matriculados em escolas regulares, na prática, muito pouca preparação essas instituições possuem para melhor acomodar o aluno especial. Por isso, a tecnologia da informação é útil, tanto como facilitadora de mais canais de treinamento e capacitação de professores, pedagogos e gestores educacionais (por exemplo, em canais especializados do YouTube e sites dedicados ao tema), como fornecedora de artefatos (hardware e software) adequados para utilização por alunos especiais. Por exemplo, o visual habitual de uma sessão aberta de Windows em um computador, já tão corriqueiro para as pessoas sem o transtorno, é particu- larmente agressivo para um autista: várias janelas abertas, vários ícones de softwares distin- tos visualizados simultaneamente, trazem grande perturbação para essa pessoa. Aplicativos e sistemas operacionais elaborados especialmente para o público autista trazem uma visua- lização muito mais restrita de comandos e opções. Como qualquer criança, o que se vê, em geral, é uma empolgação muito maior para a atividade de participar de uma aula quando re- cursos de informática estão disponíveis – por isso, a adaptação de algumas condições pode fazer com que autistas tenham um bom rendimento escolar, quando as aulas expositivas de conteúdo são mescladas com experiências multimídia que os computadores fornecem. Para Davies e Hastings (2003), autistas respondem melhor a estímulos visuais, e isso precisa ser considerado no planejamento didático: a TI facilita bastante esse tipo de estímulo. Muito do papel da tecnologia da informação no que diz respeito às contribuições à saúde mental das pessoas passa pelo segundo site mais popular do mundo (atrás apenas do Google.com): o YouTube. Essa plataforma de vídeos, fundada em 2005, transformou-se em um colossal repositório de vídeos de todas as natureza e utilidade possíveis. A concentração desse infindável material em um único acesso (a página do YouTube, a sua ferramenta de busca) é uma das razões de seu inquestionável sucesso global: dados do início de 2017 mos- travam que mais de 400 horas de conteúdo é adicionado, por upload, a cada minuto, e mais de 1 bilhão de horas de conteúdo é assistido por dia. No que tange ao conteúdo voltado às questões de saúde mental, encontram-se desde ví- deos com imagens e sons específicos para relaxamento, concentração, tratamento de insônia e outros, até reportagens e cursos tratando dos distúrbios mentais e respectivos tratamentos, muito desse material disponível em canais especializados e com embasamento científico. Trata-se de uma fonte indispensável, portanto, a ser avaliada. Por fim, pensando no futuro de ferramentas como a acessibilidade incorporada no Windows, convém que estas se dediquem também às deficiências e perturbações mentais, tão bem como já o fazem para as deficiências físicas. Por exemplo, no sistema operacional da Microsoft, um pressionar mais demorado de uma tecla reporta ao Windows que talvez aquele usuário tenha alguma deficiência, abrindo a janela específica que permite configurar e calibrar algumas opções de acessibilidade. De modo análogo, parece ser bastante plausível que o sistema (ou softwares/apps acessórios) possa monitorar o estado mental do usuário, seja em uma condição momentânea ou uma patologia mais definitiva, pela agressividade com que teclas sejam pressionadas, frequência de textos sem sentido que sejam digitados (como “fkfjleçwjflkewfrlkçwefçklewçlkfjlkfelk”) e até mesmo sites que sejam acessados e TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI56 palavras-chave mais buscadas – e respostas à altura serem disparadas pelo sistema (como chamar serviço de emergência, desligar o acesso ao computador por algum tempo e outras medidas afins). A despeito da inevitável discussão sobre privacidade digital que isso possa despertar, forçosamente a integridade e a preservação da vida humana são aspectos mais importantes a respeitar. Conclusão O mundo das pessoas com deficiência é amplo: as deficiências envolvidas são as mais variadas possíveis, e os desafios sociais associados são inumeráveis. Do ponto de vista mer- cadológico, isso representa um campo praticamente infindável de oportunidades para o profissional de tecnologia da informação, e para empresas especializadas em TI. A despeito da oferta gigantesca de produtos e serviços de TI para esse segmento, o acompanhamento da rotina diária das pessoas com deficiência e a evolução tecnológica das plataformas digitais de próxima geração permitem que muito mais novos negócios sejam estruturados, em torno essencialmente das necessidades ainda não tão bem atendidas – ou não atendidas por completo. Como uma das possíveis frentes de atuação, que por certo com- porta potencialmente muito mais produtos e serviços de TI, está a inclusão social, digital e pedagógica desse grupo de pessoas. Ampliando seus conhecimentos Azevedo et al. (2014) escreveram um artigo intitulado “Ciberdependência: o papel das emoções na dependência de tecnologias digitais”, para tratar do outro lado da tecnologia da informação – ela também pode ser a causa de alguns transtornos de ordem psicológica, quando resulta em vícios patológicos. Ciberdependência (AZEVEDO, 2014, p. 149-150) [...] Tornou-se evidente que as atuais tecnologias e suas aplicações possi- bilitam novos arranjos sociais e psíquicos, mudando paulatinamente o comportamento individual e coletivo. Vários autores conceituam a Cibercultura como o não lugar, permitindo e ofertando múltiplas possi- bilidades de leiturase tornando-se uma extensão de nossos desejos, mais que uma simples ferramenta tecnológica. Nessa perspectiva, essa nova tecnologia se entranha e se ramifica nas mais variadas concepções, tornando-nos dependentes não apenas no sentido TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 57 patológico, mas, principalmente, por permear nossas manifestações cul- turais, econômicas, sociais e psicológicas. Dentro do viés da neuropatologia, o motivo que leva o sujeito a utilizar a tecnologia digital não é o problema a ser investigado, mas a exposição ao meio; nesse sentido, a utilização da tecnologia, seja para atividades do trabalho, estudo ou lazer, não seria a questão a ser avaliada e, sim, seus efeitos sobre o comportamento e a estrutura psíquica e biológica. Os ambientes de trabalho e acadêmico expõem por mais tempo os usuá- rios à tecnologia, possibilitando o desenvolvimento de patologias como as compulsões relacionadas ao labor excessivo: Workaholic e a Tecnomania – uso indiscriminado da tecnologia. [...] Dentro da etiologia acadêmica e da psicopatologia, o uso patológico da internet pode se manifestar sob diversas formas, como as listadas abaixo: • Dependência cibersexual – vício em utilizar salas de chat para adultos ou ciberpornografia. • Dependência de ciberrelacionamento – amizades online, feitas em salas de chat ou newgroups que substituem a vida real da família e amigos. • As compulsões por jogos em rede – uso compulsivo de jogos online, dependência de leilões online, e comércio online obsessivo. • Sobrecarga de informação – navegação compulsiva pela rede Web ou banco de dados de pesquisas. • Dependência de computador – uso obsessivo do computador, jogos ou programação de informática. Tais comportamentos compulsivos podem gerar, inicialmente, um alívio de tensão da ansiedade, da depressão, falta de habilidade social em comu- nicação face a face. Porém, trazem efeitos significativos ao estado psicoló- gico e fisiológico, como alterações do ciclo vigília / sono, problemas rela- cionados às relações interpessoais, profissionais, sexuais entre outras. Os dependentes em internet e redes sociais usam-na como ferramenta para possibilitar e facilitar a comunicação, gerando sentimento de prazer e satisfação, o que pode acarretar um fator eliciador para a dependência. TI para pessoas com deficiência3 Tópicos Especiais em TI58 Estudos [...] demonstram que algumas variáveis relacionadas à baixa autoestima, insegurança, timidez, falta de proatividade são fatores que colaboram para o uso excessivo. A dependência do uso excessivo da internet caracteriza-se como uma ina- bilidade que o sujeito possui para reprimir e controlar impulsos para usar a rede, provocando desconforto e sentimento de culpa. Atividades 1. Por que o número de pessoas com deficiência está aumentando no mundo? 2. Qual é o foco de atuação de uma tecnologia assistiva? 3. Por que um computador consegue ser tão versátil para aceitar tantas formas distin- tas de utilização por pessoas com deficiência? 4. Como melhor preparar um software para utilização por parte de um usuário autista? Referências AZEVEDO, J.; NASCIMENTO, G.; SOUZA, C. Ciberdependência: o papel das emoções na dependên- cia de tecnologias digitais. Linguagem e tecnologia, v. 7, n. 2, 2014. CAVANAGH, K.; SHAPIRO, D. Computer treatment for common mental health problems. Journal of Clinical Psychology, v. 60, n. 3, p. 239-251, 2004. DAVIES, E.; RICHARD, K.; GLAZEBROOK, C. Computer and website-based interventions to improve common mental health problems in university students: a meta-analysis. In: EMIND CONFERENCE, 6., June 2014, Birmingham, England. Proceedings... Birmingham: The University of Birmingham, 2014. DAVIES, S; HASTINGS, R. Computer technology in clinical psychology services for people with mental retardation: a review. Education and Training in Development Disabilities,v. 30, n. 3, p. 341-352, 2003. RAMOS, E. et al. Gestão estratégica da tecnologia da informação. São Paulo: Ed. FGV, 2012. MIESENBERGER, K. et al. Computers helping people with special needs. Berlin: Springer, 2004. WORLD HEALTH ORGANIZATION. World report on disability. WHO, 2011. Disponível em: <http:// www.who.int/disabilities/world_report/2011/report.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017. Resolução 1. Porque a população como um todo está crescendo, sendo que a parcela de pessoas com deficiência cresce proporcionalmente. Além disso, outros fatores ajudam a ex- plicar o fenômeno: o maior envelhecimento da população (vive-se cada vez mais), a rápida difusão de doenças crônicas (tais como diabetes, doenças cardiovasculares, TI para pessoas com deficiência Tópicos Especiais em TI 3 59 câncer e distúrbios mentais), além do próprio aprimoramento metodológico no que diz respeito à precisão com que se pode detectar e mensurar deficiências. 2. Além de tratar a disfunção ou deficiência em si, contribuir também para a resolução dos problemas sociais associados ao problema da pessoa com deficiência, como falta de acesso a serviços básicos, empregabilidade, interação social etc. 3. Porque o computador é regido por comandos de entrada que são convertidos para a linguagem que a máquina compreenda (sinais digitais): o próprio teclado e mou- se convencionais são apenas algumas das formas pelas quais se faz uma leitura do ambiente externo que é depois convertida para instrução computacional. Por isso, em teoria, qualquer dispositivo que tenha a capacidade de converter alguma forma de comando externo (luz, movimento, som, temperatura, pressão etc.) em instruções computacionais pode ser utilizado como entrada alternativa daquelas informações. Para o computador, indifere o meio externo de captação dos comandos, o importante é que a instrução correta seja acionada. Isso é bastante útil no caso dos usuários que, por um ou mais motivos, não possam utilizar o teclado e mouse convencionais. 4. Dando ao software uma estratégia de envolvimento mais visual, com mais gráficos e cores, por exemplo. Além disso, é importante que a interface dos comandos e opções seja mais simplificada, porque muitas alternativas simultâneas acabam por pertur- bar um autista. Se áudio é envolvido, é importante que as palavras sejam pronuncia- das em um ritmo mais cadenciado, embora ainda fluido. Tópicos Especiais em TI 61 4 Aplicativos interativos A interatividade é um dos atributos da comunicação. E como existem alguns dife- rentes tipos de comunicação, é natural que o entendimento sobre a interatividade seja mais amplo do que uma única explicação. Especialmente no que diz respeito à tecnologia da informação, os sujeitos envol- vidos na comunicação podem ser humanos ou máquinas, e normalmente estes são os interlocutores entre si. Por isso, a compreensão da interação homem-máquina é essen- cial para discutir o emprego da interatividade nos sistemas informatizados. Compreender a complexidade humana em processos de comunicação é um grande desafio, até mesmo na perspectiva das máquinas. Por natureza, cada indivíduo humano pode ser entendido como potencialmente imprevisível, dadas suas comple- xas dimensões de natureza cultural, ideológica, histórica, política e social. Com as tec- nologias atuais, ainda é difícil estabelecer parâmetros computacionais de mensuração com alto grau assertividade e precisão. Por outro lado, o crescente desenvolvimento da tecnologia da informação vem melhorando cada vez mais o grau de mútuo enten- dimento na relação entre ser humano e sistemas artificiais. Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI62 4.1 Por que interagir? Diversos são os campos que trabalham a interatividade, alguns exemplos são a ciência da informação, a ciência da computação, a interação homem-computador, comunicação e desenho industrial. Não há um consenso entre esses campos quanto ao significado do termo interatividade. Mesmo assim, todos eles estão relacionados ao relacionamento de sistemas artificiais, como softwares e hardwares,com uma interface humana. Um dos diversos entendimentos acerca da interatividade é a visão contingencial, para a qual, conforme Sedig et al. (2012), três níveis se aplicam: 1. não interativo, que é quando uma mensagem não tem relacionamento algum com mensagens anteriores; 2. reativo, situação em que uma mensagem se relaciona única e exclusivamente a uma mensagem imediatamente anterior; 3. interativo, quando uma mensagem é relacionada a um razoável número de mensa- gens anteriores, incluindo-se também a própria relação existente entre essas men- sagens anteriores. Como explicam Rogers et al. (2013), a interatividade é constituída por uma interface simbólica entre o seu referencial, a funcionalidade objetiva e o sujeito. Alguns pesquisado- res, como Liang et al. (2010), Sedig et al. (2012), Parsons e Sedig (2014), procuram estabelecer uma clara distinção entre os termos interação e interatividade. Como o sufixo -idade se empre- ga para a formação de expressões que denotam uma qualidade ou uma determinada condi- ção, tais pesquisadores atribuem, como significado de interatividade, a qualidade ou condi- ção da interação. Assim, o que se procura ressaltar é que a distinção entre as duas palavras (interação e interatividade) é importante, uma vez que a interação pode se fazer presente em qualquer dada condição, mas a qualidade dessa interação pode variar, de baixa a alta. Para o estudo da interação, o mais fundamental é, evidentemente, procurar o entendi- mento sobre a comunicação entre interlocutores humanos. Afinal, a comunicação interativa envolve essencialmente duas situações: interatividade entre pessoas e interatividade entre pessoas e computadores. No campo do relacionamento social, a interatividade entre as pes- soas é uma característica inerente à comunicação humana. Por sua vez, a comunicação entre pessoas e computadores diz respeito ao modo como usuários acessam e utilizam as chamadas novas mídias, que, muito além do computador por si mesmo, envolve websites, apps de dispositivos móveis, realidade virtual, interface ho- mem-computador, jogos eletrônicos, animação computadorizada, entre outros elementos de multimídia de última geração. Para Sedig et al. (2012), o modelo de interação homem-computador consiste de qua- tro principais componentes: ser humano, computador, ambiente de tarefa e ambiente de máquina. Dois fluxos básicos de informação e controle são assumidos, no que se refere à comunicação entre pessoas e computadores: uma parte precisa compreender o mínimo ne- cessário a respeito da outra e também a respeito das tarefas que as pessoas realizam junto Aplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 63 a computadores. Um modelo geral de interface homem-computador enfatiza o respectivo fluxo envolvido de informação e controle. A interatividade entre pessoas consiste de muitos conceitos baseados, principalmente, em definições antropomórficas. Por exemplo, sistemas complexos que detectam e também reagem a um determinado comportamento humano são, na prática, chamados de interativos. Sob essa perspectiva, a interação inclui também as respostas à manipulação física humana, como movimentos, linguagem corporal, e até mesmo mudanças de humor apresentadas pelas pessoas. Para Torres (1995), a interatividade se define como um meio particular da capacidade de facilitar as propriedades necessárias em uma conversação ideal. Ou seja, a interatividade poderia ser definida como quão bem um meio facilita a comunicação bilateral entre as par- tes, mais do que meramente a tecnologia envolvida nesse meio. Por sua vez, quando se considera o contexto da comunicação entre um ser humano e um sistema artificial, a interatividade se refere ao comportamento interativo do artefa- to – mais precisamente, aquele tipo de comportamento experimentado ou percebido pelo usuário humano. Isso é diferente de outros aspectos do artefato, tais como sua aparência visual, seu funcionamento interno e mesmo do significado dos sinais que ele pode mediar. Por exemplo, quando se aborda a interatividade de um iPod, não é seu formato físico e cores adotadas (seu design) que são o foco, mas sim sua capacidade de reproduzir música e sua ca- pacidade de armazenamento. Ou seja, é o comportamento de sua interface junto ao usuário, tal como experimentada ou percebida pelo usuário. Isso envolve, portanto, os aspectos de como o usuário movimenta os dedos para realizar o controle do dispositivo, a forma como se permite a seleção de uma determinada música de uma playlist e as condições permitidas ao usuário para controlar o volume do som. Na prática, a interatividade de um determinado artefato é melhor percebida pelo uso daquele dispositivo. Um espectador pode, no máximo, imaginar como seria utilizar aquele artefato, vendo outras pessoas manuseando-o. Mas é somente pelo uso de fato que a inte- ratividade é plenamente experimentada e sentida. A explicação é devido à natureza cines- tésica da experiência interativa. É como a diferença que existe entre ver alguém saltar de paraquedas e realizar por si mesmo um salto de paraquedas: é somente com a ação em pri- meira pessoa que se pode experimentar e sentir as características e peculiaridades daquela atividade – principalmente, o que a difere das demais experiências humanas. Existe um termo bastante corriqueiro, ligado à ciência da computação, que é o jargão look and feel (ver e sentir), frequentemente utilizado para se referir às especificidades de uma interface de usuário em sistemas computacionais. O look se refere ao design visual, enquanto o feel diz respeito à sua interatividade. É mais uma forma, mesmo que indireta ou mais in- formal, de se entender a definição de interatividade. Na ciência da computação, a função interativa é aquela na qual o software aceita e res- ponde a entradas fornecidas por pessoas (usuários do sistema). Isso envolve dados e co- mandos, por exemplo. Na prática, os softwares interativos incluem a maior parte dos mais difundidos programas, como processadores de texto e planilhas eletrônicas. É importante Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI64 frisar que programas não interativos operam sem nenhum contato com o ser humano, como é o caso de compiladores e aplicações de processamento em lote: por outro lado, onde há a figura de um usuário de um sistema, existe interação. Na computação, quando a resposta é complexa o suficiente, costuma-se dizer que o sistema conduz interação social, e alguns sistemas tentam atingir esse nível de interação por meio da implementação de interfaces sociais. Isso introduz a noção de categorias de in- teração com o usuário, como é o caso da tecnologia Rich UI, uma abreviatura para rich user interaction (rica ou intensa interação com usuário), um modelo de interface de estações clien- tes ricas (ou densas), que suporta múltiplos métodos de entradas e que responde intuitiva- mente e em tempo hábil. Como regra geral, para ser uma Rich UI, o modelo deve apresentar um desempenho na prática ao menos tão bom como os proporcionados pelos aplicativos convencionais para desktop, tais como processadores de texto e planilhas eletrônicas. Na indústria de TI, existem inúmeras tecnologias que proporcionam a criação do efeito de interatividade nos sistemas informatizados. Por exemplo, administradores de páginas web podem fazê-lo com o uso de linguagem JavaScript. Funções como ajustes tipo sliders (transição de telas), date pickers (ferramenta de calendário) e drag and dropping (arrastar e lar- gar) são apenas algumas das diversas potenciais melhorias que podem ser implementadas. Diversas ferramentas de autoria estão disponíveis no mercado, possibilitando a cria- ção de diferentes tipos de interatividade. Algumas das mais comuns plataformas para implementar funções interativas incluem Adobe Flash, Microsoft Silverlight, Harbinger Elicitus e Articulate Engage. O destaque fica por conta do uso intuitivo desses aplicativos, que dispensam o prévio conhecimento de linguagemde programação: qualquer usuário pode criar funções interativas em pouco tempo, com modelos pré-formatados (templates), facilmente personalizáveis. Alguns dos modelos de interação disponibilizados nesses pro- gramas se enquadram em diversas categorias, como jogos, ferramentas de simulação, ferra- mentas de apresentação, entre outros. Como no exercício sugerido por Rogers et al. (2013), ao se analisar qualidade da inte- ratividade, qual seria o tempo razoável que se levaria para aprender a utilizar os produtos interativos relacionados a seguir? a. Utilizar um DVD player para passar um filme. b. Utilizar um set-top box de TV por assinatura para gravar dois programas simultaneamente. c. Utilizar uma ferramenta de autoria para criar um website. Além disso, seria possível estimar o grau de capacidade de memorização (memorability) de cada uma dessas atividades? O fato é que ligar um DVD player para assistir a um filme deveria ser uma experiência tão simples como ligar um rádio. Por certo, não teria por que se esperar mais de 30 segun- dos para fazê-lo funcionar, e depois realizar a atividade sem maiores preocupações. É certo que a maioria das pessoas sabe como proceder para assistir a um filme em um equipamento Aplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 65 desses. No entanto, na prática, alguns sistemas requerem que o usuário selecione o canal do vídeo na TV, dentre 50 ou mais canais, utilizando quase sempre dois controles remotos separados. Outras configurações também precisam ser ajustadas antes daquele filme come- çar a rodar, como, por exemplo, áudio original ou dublado e presença ou não de legendas. A maioria das pessoas talvez consiga estar apta a ligar o equipamento de qualquer marca, uma vez que provavelmente já utilizaram, antes, um player qualquer, esperando que as fun- ções e comandos (como ON/OFF, play, stop etc.) sejam análogas. No segundo caso, de se programar um receptor de TV por assinatura digital para gra- var dois programas simultaneamente, a operação é, inquestionavelmente, mais complexa. Aprender como programar o equipamento e checar se está tudo da forma correta leva um pouco mais de tempo do que colocar um mero DVD para reproduzir um filme. O que ocor- re, na prática, é que muitos dos equipamentos são mal projetados no que tange à função de interatividade, e não é de surpreender que quase a totalidade dos usuários frequentes do sistema não consegue realizar a tarefa, apesar de inúmeras tentativas. O que explica que poucas pessoas lembrem de como programar o sistema para gravar um programa é o fato de a interação necessária ser mal dimensionada – com pouco ou mesmo nenhum feedback. O mais grave é não se seguir uma lógica da perspectiva do usuário. Isso acarreta que poucas pessoas conseguirão dispor da paciência necessária para tentar interpretar o manual mais de uma vez. No último caso ilustrado, de se programar uma página web, uma ferramenta de autoria bem projetada deveria permitir ao usuário criar uma página básica em não mais que 20 mi- nutos. Parece evidente que aprender a totalidade das operações e possibilidades proporcio- nadas provavelmente leve muito mais tempo (alguns dias pelo menos). Contudo, dominar 100% a ferramenta não é quesito necessário para cumprir funções básicas, e isso é um atribu- to essencial em bons aplicativos interativos. Na maior parte dos casos, as opções comerciais de ferramentas de autoria permitem ao usuário iniciante realizar seu trabalho básico (como criar uma página web simples) já de imediato, por meio de templates (modelos) que podem ser adaptados com grande versatilidade. É certo que muitos usuários irão ampliar o reper- tório, levando uma hora ou mais para aprender funções mais avançadas, e isso conforme suas próprias necessidades específicas, que vão aparecendo com o tempo. Mas é importante observar que, como regra geral, algumas poucas pessoas realmente irão aprender a utilizar todo o conjunto de funções que um software desses oferece. O que ocorre é que os usuários tendem a lembrar das operações mais frequentemente utilizadas, tais como recortar e colar ou inserir imagens. E isso, especialmente, se forem consistentes ou similares com relação à forma como essas ações são realizadas em ou- tros aplicativos. Buscar um botão salvar, por exemplo, já é intuitivo para a maioria dos usuários de sistemas informatizados, que tentam reproduzir aquele comando mesmo em programas que nunca utilizaram antes. Por outro lado, algumas outras operações, as que são usadas com menos frequência, provavelmente terão que ser reaprendidas (por exemplo, formatar tabelas). Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI66 4.2 Graus de interação Em suma, todo software que trabalha a partir de dados ou comandos operados por um usuário é, por definição, um aplicativo interativo. Portanto, convém entender os possíveis graus dessa interação homem-computador. Tais graus existem porque, essencialmente, as pessoas são intrinsecamente diferentes umas das outras, e assim o são as situações práticas envolvidas diante da interação com um sistema artificial. Como ressalta Allegretti (2015), existem diversas maneiras de analisar as necessidades e também as relevâncias dentro dos sistemas interativos. Por isso, considera-se que atividades, contextos e tecnologias são moldados por pessoas. No que se refere às pessoas, há que se reconhecer que são estas que utilizam os recursos tecnológicos, decidindo, portanto, qual adotar. Contudo, convém investigar como essas decisões são tomadas, e não há maneira melhor de fazê-lo senão perguntan- do diretamente a elas. É por isso que, para um fornecedor de um sistema informatizado, não basta apenas incorporar as funções que são planejadas para uma aplicação, mas há que se levar em conta o que é importante, e como apresentá-lo às pessoas que irão utili- zar efetivamente aquele sistema. De tal forma, são as pessoas que estabelecem os valores e os requisitos para cada nova tecnologia. Elas ainda modificam a natureza das atividades que são executadas, o que pode levar à necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias, proporcionando um ciclo contínuo. Por isso, dada essa conexão direta entre seres humanos e tecnologias, é necessário compreender os graus de diferença entre as pessoas, que são de ordem física, psicológica e social, como defende Allegretti (2015). No tocante às diferenças físicas, cada pessoa possui, evidentemente, suas características únicas nos atributos físicos, como altura e peso. É interessante observar que algumas des- sas características são tão individuais que podem até mesmo ser usadas como recurso de identificação, tal como ocorre com digitais e íris. Em geral, nas diferenças encontradas entre cada indivíduo frente aos cinco sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar) residem as explicações sobre o quanto uma tecnologia pode ser utilizável, acessível – e até mesmo prazerosa. Conforme dados relatados por Allegretti (2015), uma pessoa com daltonismo faz parte de um grupo de 8% das pessoas do lado ocidental do globo. Outras disfunções visuais, tais como miopia e hipermetropia, são bastante corriqueiras na população, envolvendo mi- lhões de indivíduos. Apenas na Europa, existem quase 3 milhões de usuários de cadeiras de rodas. Tais valores indicam que se torna indispensável levar em consideração essas caracte- rísticas quando uma tecnologia é aplicada a um determinado grupo de usuários. Algumas diferenças físicas são bem mais sutis, como, por exemplo, a destreza para digitar em um teclado físico ou virtual, o que também influencia muito na qualidade da interatividade. Por isso, em TI, tecnologias assistivas fazem parte do conjunto de recursos interativos. Entretanto, no quesito sutileza, as diferenças de natureza psicológica são as mais con- tundentes, afinal, muitas não se apresentam de imediato, são virtualmente invisíveis (embo- ra não imperceptíveis) e tendem a ser instáveis. Conforme no exemplo que ilustra AllegrettiAplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 67 (2015), algumas pessoas têm uma perfeita percepção espacial – é o caso quando alguém precisa atravessar uma estrada com grande fluxo de veículos (e não há semáforos ou pas- sarelas). Algumas pessoas conseguem, sem nenhuma dificuldade, avaliar em frações de se- gundo a relação da distância de um veículo vindo ao longe, com sua própria velocidade de pedestre, interpretando corretamente se o tempo é adequado para realizar a travessia ou não. Já outras pessoas têm sérias dificuldades, sendo que somente atravessam a estrada quando não existe veículo algum, mesmo a uma longa distância. De modo análogo, em aplicações de TI, os sempre apreciáveis recursos de segurança de timeout (extrapolação de tempo limite) precisam prover tempo suficiente para a operação por parte dos mais vaga- rosos usuários. Outro aspecto importante são as diferenças culturais, a forma de conduta no dia a dia de um povo ou de uma cultura, que muitas vezes passam por convenções, como, por exem- plo, a mão inglesa: nos automóveis da Inglaterra (e de diversas outras nações), o motorista fica à direita enquanto o passageiro à esquerda. Evidentemente, todo o conjunto de recur- sos interativos precisa ser pensado para mais facilmente se adaptar a esse tipo de situação, quando for o caso, como reconhecem Sedig et al. (2012). Na mais corriqueira das situações, convém lembrar que há pessoas destras e canhotas: a tecnologia da informação costuma ser sensível a essa realidade, e já há muito os sistemas operacionais costumam oferecer a função de inverter os botões do mouse, visto que botão direito e botão esquerdo sempre são usados para comandos distintos nos mais variados aplicativos. As diferenças de linguagem são seguramente determinantes para o correto entendi- mento da mensagem que se deseja passar. Por isso, reconhece-se a importância dos aplica- tivos que permitem configurar não só o idioma desejado (como português ou inglês), mas também suas variações regionais (português brasileiro e português de Portugal, por exem- plo). Outra diferença a considerar é que as pessoas têm características individuais que as diferenciam em vários atributos, tal como o fato de algumas pessoas conseguirem lembrar muito facilmente nomes, enquanto outras têm maior facilidade para fisionomia. Algumas têm predileção por números, outras têm grande dificuldade para registrar o contexto sem se concentrar em cada um dos pontos específicos do ambiente. Na indústria de TI, como consequência, é comum que os aplicativos possuam mais de uma forma para se acionar um comando, como, por exemplo, inserir um hyperlink: pode ser com o “Control + K” no tecla- do, ou com o respectivo ícone gráfico no programa, ou pelo comando direto inserir hyperlink disponível no menu de comandos do aplicativo. A lista de diferenças parece interminável. Por exemplo, ainda no campo das mais sutis, algumas pessoas conseguem trabalhar mesmo submetidas à enorme pressão, enquanto ou- tras não toleram sequer um mínimo ruído. O fato é que, como apontam Sedig et al. (2012), a personalidade de cada pessoa é construída ao longo dos anos, e mudanças podem até ser possíveis, embora improváveis. Mudar esse tipo de característica requer dedicação e um longo tempo – prazo que, obviamente, os sistemas informatizados não dispõem para atender um determinado público-alvo. De qualquer modo, ressalta-se, como regra geral, é o aplicativo que precisa se adaptar às pessoas, e não o contrário. Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI68 Portanto, em TI, para garantir a melhor interatividade possível entre aplicativos e usuá- rios, o que se precisa levar em consideração é o conhecimento que as pessoas apresentam do mundo ao seu redor, o que é denominado, com frequência, de modelo mental, como afirma Allegretti (2015). Quando uma pessoa não tem um correto modelo mental de algo, ela apenas consegue realizar ações por repetição. Diante de um imprevisto, se alguma coisa não funciona corretamente, dificilmente essa pessoa conseguirá entender o que ocorreu de errado para conseguir ao menos tentar corrigir o rumo tomado. É como ocorre quando uma pessoa que não entendeu um determinado tema que precisa estudar para um teste de conhe- cimento: ela pode repetir incessantemente as informações, mas isso não vai significar que haverá entendimento por mera repetição. No máximo, poderia até mesmo obter um bom resultado em uma prova de conhecimentos sobre o determinado assunto em curto espaço de tempo, porém é certo que aquela informação se perderá rapidamente, pois faz parte de um “castelo de cartas” mental, e, quando uma se perder, toda a informação é perdida. Na visão de Sedig et al. (2012), um princípio básico de um sistema com bom desempe- nho interativo é que ele é projetado de tal forma que os usuários possam formar modelos mentais úteis e adequados, que permitem a eles mostrar como as coisas podem funcionar, como obter os resultados desejados e o que é permitido em nível de usuário. Não raro, mesmo pessoas que não dominem 100% os recursos de um software especializado, como SolidWorks ou SAP, chegam a determinado momento em que dizem compreender a lógi- ca do sistema, e se sentem suficientemente versadas e proficientes no aplicativo: eventuais funções que ainda não saibam utilizar conseguem ser aprendidas, com bom nível de autodi- datismo, a partir das outras funções que já se domina a utilização (mecanismo de analogias funcionais, que é um dos principais modelos mentais). É assim que alguns sistemas são rotulados como intuitivos. É certo que uma das formas adotadas pelas pessoas para desenvolver seus modelos mentais é interagir na prática com os sistemas, e a partir de observações sobre a relação de causa e efeito, de suas ações e do resultado que o sistema lhe entrega, mesmo que em um regime de tentativa e erro. Admita-se que, no Brasil, não costuma ser hábito a prévia leitura de instruções e manuais sobre o funcionamento de um sistema. Dessa forma, é muito impor- tante que, para além da documentação básica (manuais, guias etc.), os sistemas disponibili- zem todas as informações que sejam possíveis na sua interface. Isso favorece que as pessoas formem um modelo mental mais correto e preciso. Há ainda uma grande utilidade prática do esforço pela mais abrangente documentação de um sistema ou aplicativo qualquer. Muitas vezes, esse processo de descrever o funciona- mento pode aparentar ser fácil, mas é justamente na sua execução que se descobre que há uma distância entre o conceito pretendido para aquele produto e aquilo que ele realmente desempenha operacionalmente. Além do mais, como apontam Liang et al. (2010), é cenário comum que o desenvolvimento de softwares envolva o trabalho de muitas pessoas, e que um único integrante da equipe de desenvolvimento não detém todas as informações sobre o sistema completo. Aplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 69 Por mais que se procure garantir uma imagem de que tudo está suficientemente claro, a clareza reside em quem originalmente concebeu o sistema, e talvez se estenda para outros que tenham perfil similar a essa pessoa. No mais, é indispensável pensar de forma mais abrangente, avaliar o sistema sob a ótica de quem irá utilizá-lo e procurar descrever com de- talhes a informação, visando poder capacitar qualquer usuário à forma correta de operação, obtendo assim os resultados originalmente planejados durante a concepção do produto. Isso também é benéfico para que as pessoas possam criar o seu próprio modelo mental e, quando isso acontece, atinge-se um desempenho de alto nível de interatividade: aprendizado não apenas por repetição, mas por compreensão. Finalmente, considerem-se os desafios impostos pelas diferenças sociais. Diante de um mesmo sistema ou aplicação, diferentes usuários terão igualmente distintas motivações para seu uso. Enquanto algumas pessoas podem manter um alto grau de interesse por muito tempo, outras podem simplesmenteperder o interesse rapidamente, devido às suas par- ticulares motivações, que mudam ao longo do tempo. Considere-se a corriqueira situação de se comprar um determinado produto por acreditar que existe uma real necessidade ou interesse, mas que a real explicação seja o fato de as pessoas serem facilmente movidas por impulsos, que se mostram a seu devido tempo inadequados. Concordando com Liang et al. (2010), é preciso também reconhecer que o nível de ex- periência prévia dos usuários é bastante variado, podendo determinar níveis de utilização e resultados diferentes. Enquanto os usuários mais experientes aprendem de modo mais rápido e mais fácil, e interagem com a aplicação sem maiores receios, os novatos devem ser incentivados e instruídos a buscar essa interação. Na prática, ressalte-se a necessidade pre- mente de fazê-lo de um modo mais atraente, pelo risco envolvido naquela tendência natural de se perder interesse facilmente por aquilo que não é compreendido. A heterogeneidade é, enfim, um princípio essencial na programação das funções intera- tivas dos aplicativos. Diferenças precisam ser identificadas em um primeiro momento, haja vista que sistemas projetados para grupos homogêneos serão bastante distintos daqueles orientados a um público mais heterogêneo. Para um grupo de grande similaridade, é co- mum que se oportunizem poucas maneiras, ou até mesmo apenas uma só, de se acionar de- terminadas funções de um aplicativo. No caso de grupos muito diferentes, é importante que haja estudo de maneiras alternativas para se chegar ao mesmo resultado, pois cada perfil de usuário irá ser atendido, uma vez que seja possível obter as respostas do sistema da maneira que julgarem mais adequada. Para Liang et al. (2010), o que se observa, então, como boas práticas nos programas de computador é que os aplicativos disponibilizem um grande número de maneiras para se obter o mesmo resultado: clicar em um ícone, usar teclas de atalho, navegar por barras de menu – até mesmo comandos de voz, como no caso dos assistentes pessoais Cortana da Microsoft, Siri da Apple e Google Now do Google. Em desktops e laptops, é comum que muitos usuários não utilizem mouse por acreditar que com o teclado se perde menos tempo. Assim, aplicativos corporativos até videogames para computador precisam ser produzidos com funções possíveis de serem alcançadas com o uso das teclas de atalho. Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI70 4.3 Um novo Design Thinking? Para Rogers et al. (2013) e Allegretti (2015), a interatividade é tão importante nos produ- tos em geral, incluindo a indústria de TI, que merece uma disciplina especialmente dedicada a esse respeito, o que chamam de design de interação. Rogers et al. (2013) explicam que um dos principais objetivos do design de interação é a redução de aspectos negativos da expe- riência de usuário, como frustração e aborrecimento, ao mesmo tempo que se melhoram os aspectos positivos, como divertimento e compromisso. Ou seja, é a capacidade de desenvol- ver produtos interativos, que sejam fáceis, eficientes e agradáveis de usar, sempre a partir da perspectiva dos usuários. Por sua vez, Allegretti (2015) defende que design de interação é uma área do design que se tornou especializada em desenvolver projetos de produtos ou sistemas voltados a uma forte interação com o ser humano, e com essa premissa pode oferecer os resultados espera- dos. Mesmo podendo ser encontrado em praticamente todo tipo de interação homem-má- quina, desde um controle-remoto até o forno de micro-ondas, reconhece-se um foco cada vez mais direcionado à tecnologia da informação, com aplicações para o desenvolvimento de sites e sistemas virtuais (web, hot ou mobile) que visam à comunicação entre empresa e seu público-alvo. De qualquer modo, a analogia entre interatividade de produtos físicos com a interativi- dade em aplicativos de TI é perfeitamente válida. Com efeito, percebe-se que as interações relacionadas a equipamentos ou sistemas, mesmo dos mais simples, ainda são carregadas de desafios para quem projeta aquela aplicação. Como comenta Allegretti (2015), dificilmen- te uma pessoa não gaste algum tempo diante da primeira vez na vida que tem que lidar com um elevador. Afinal, deve-se pressionar para cima porque se quer subir, ou então para baixo porque se deseja que o elevador desça até onde a pessoa está para que se possa subir. Uma visão mais simplista, como alertam Parsons e Sedig (2014), pode ser aquela de afirmar que o problema é que artefatos elementares, como botões de elevador, são abso- lutamente simples, praticamente à prova de erro, então a culpa seria das pessoas em não saber utilizá-los. No entanto, na visão de um empreendedor (por exemplo, o fabricante do elevador), não é equivocado se esperar um crescimento significativo nas vendas quando se descobre um sistema alternativo, que possa ser simples o suficiente para que ninguém mais consiga errar. Melhor usabilidade, maior aceitação de um produto no mercado. A questão, então, é: como produzir um equipamento ou aplicativo virtualmente à pro- va de erros ou de dúvidas? São nesses termos que agem os designers de interação. Da mesma forma que os designers de produto transformam as atividades do cotidiano por meio de ob- jetos que eles concebem, os designers de interação acabam por facilitar a vida das pessoas no que se refere às relações desenvolvidas e às atividades desempenhadas, principalmente por meio das tecnologias digitais interativas. Esse tipo de profissional cuida do desenvolvimento de produtos interativos, que fornecem suporte às atividades do cotidiano, garantindo que as pessoas consigam usar melhor esses produtos, ou seja, interagir da maneira correta com eles. Além de tornar o Aplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 71 produto interativo possível e viável do ponto de vista tecnológico (transparente ao usuário), o designer de interação se ocupa em desenvolver uma interface para que as pessoas consigam usar melhor determinado artefato. Como lembra Torres (1995), é por meio da interface que o usuário se comunica com o produto, e é também a interface do produto que possibilita existir interação com quem o está utilizando. Para Allegretti (2015), o designer de interação deve possuir sete competências essenciais: 1. Focar sempre o usuário – é fato que entender a fundo o usuário é a chave do suces- so no design de interação, e a melhor forma de fazê-lo é questionando suas escolhas e observando suas ações. 2. Encontrar boas soluções – desenvolver novos produtos e serviços implica, sempre, em criar escolhas. Por exemplo, quando se tem apenas duas opções, deve haver esforço na busca por uma terceira. 3. Gerar muitas ideias e buscar uma prototipação rápida – é por gerar muitas ideias que os designers conseguem encontrar suas soluções. E para tangibilizar essas ideias, são desenvolvidos protótipos rápidos, pois é dessa forma que ideias ruins podem ser rapidamente descartadas após os primeiros testes. 4. Saber trabalhar de forma colaborativa – o design não é uma disciplina isolada; pelo contrário, ele dialoga com vários outros domínios do conhecimento humano. Dessa forma, não cabe ao designer se isolar, mas trabalhar de forma colaborativa e utilizar vários recursos de tecnologia de informação e comunicação. Para que os resultados possam ser adequados, o conhecimento de diversas áreas torna-se necessário: ar- quitetura, design industrial, design de som, interação humano-computador, design visual, conteúdo (texto, vídeo, som), arquitetura da informação, além de fatores humanos que são objeto de vários campos de conhecimento como psicologia, so- ciologia, ergonomia, entre outros. 5. Criar soluções apropriadas – o designer é demandado a criar as mais apropriadas soluções para determinado contexto em que os usuários estão inseridos. Tal con- texto, de uso do objeto ou do serviço, precisa estar em plena conformidade com o contexto histórico-social em que a pessoaestá inserida. 6. Desenvolver um amplo campo de influências – a interdisciplinaridade deve fazer parte da rotina do designer de interação, e com ela existe inspiração para a busca por soluções inovadoras. 7. Saber incorporar a emoção para seus projetos – o aspecto emocional não pode ser desconsiderado no processo de desenvolvimento de um produto, pois é um elo entre as pessoas e os aparatos tecnológicos. Produtos sem o apelo emocional estão desconectados das pessoas, considerados então produtos sem vida. Garantir que o usuário possa mais facilmente utilizar os recursos de um website, por exemplo, são preocupações antigas. O que ocorre é que elas costumam se inserir dentro das diversas atribuições do designer gráfico, que criava e procura evitar somente as dificuldades que ele conseguia perceber, com base em sua própria experiência como usuário. Então, com o tempo, experiência e feedback de clientes, o especialista passou a contar com um know-how, Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI72 um conhecimento diferenciado, que abrangia as dificuldades levantadas pelo cliente, geran- do correções reativas (retrabalhos originados de reclamações). É por isso que o campo profissional começou a considerar as experiências passadas para as novas criações. Assim, se estabeleceram fóruns de discussão entre designers gráfi- cos sobre os desacertos cometidos e as maneiras de evitar que eles ocorressem, procurando então pelas boas práticas. Nessas discussões, o usuário foi incluído como elemento central, para que pudessem ser consideradas suas dificuldades inerentes ou potenciais. Como relata Allegretti (2015), algumas vertentes se mostraram inadequadas ao longo do processo: tentativas de solucionar 100% dos problemas resultaram na percepção de se demandar mais tempo, com retorno não viável financeiramente. Para exemplificar, em al- guns casos, o desenvolvimento de uma proteção no sistema que impeça um determinado erro pontual levantado por um número pequeno de pessoas tomava mais de 50% do total do trabalho do grupo. Em uma situação ideal, esses processos poderiam ser feitos, mas no mundo real, em- presas estão restritas a prazos, entregas, e a constantes solicitações de mudanças por parte do cliente, resultando em puro desperdício de parte do trabalho dispendido. Constatou-se, assim, que pesquisas são essenciais, devendo ser realizadas para uma amostragem repre- sentativa do público-alvo. Não deixa de ser desafiador conhecer as reais necessidades do usuário, quando este faz parte de um grupo social totalmente distinto do designer (por exemplo: público infantil, pes- soas com deficiência etc.). Afinal, há que se tratar de aspectos muitos específicos, muitas ve- zes que fogem à sensibilidade pessoal do profissional projetista. Restrições típicas dos pro- jetos (competitividade, prazo limitado, recursos limitados etc.) acabam, muitas vezes, por não conduzir à melhor solução. Na prática, o que se observa, principalmente nas grandes corporações, é a redução no tempo destinado ao estudo sobre as interações e usabilidade, resultando em grau de menor detalhamento. Isso proporciona um interessante fenômeno de mercado: pequenas empresas descobrem no designer de interação e seu trabalho especializa- do um interessante nicho para explorar, muitas vezes transformando-se em fornecedores de serviços especializados à indústria. Tais empresas, com profissionais dedicados exclusivamente ao estudo e análise do com- portamento humano e suas reações diante das interações com os diversos tipos de sistemas artificiais, são verdadeiras consultorias de usabilidade. Em muitas situações, tal composição é o que proporciona às grandes empresas, incluindo o ramo de tecnologia da informação, serem efetivas em dispor da melhor interatividade em seus produtos. Vianna et al. (2012) definem o Design Thinking como a maneira do designer pensar, que utiliza um tipo de raciocínio pouco convencional no meio empresarial, que é o pensamento abdutivo. Nesse tipo de pensamento, o que se busca é a formulação de questionamentos mediante a apreensão ou compreensão dos fenômenos. Portanto, precisam ser formuladas perguntas a serem respondidas a partir das informações coletadas durante a observação do universo que permeia o problema a ser resolvido. É uma perspectiva, portanto, em que, via o pensamento abdutivo, a solução não deriva do problema, mas nele se encaixa. O que se Aplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 73 trabalha é a ideia de que não se pode solucionar problemas com o mesmo tipo de pensa- mento que o criou, por isso, abduzir e desafiar pressupostos costuma ser entendido como a base do Design Thinking. Afinal, é pensando de maneira abdutiva que o designer consegue desafiar padrões, fazer e desfazer conjecturas e inovar. Uma das grandes contribuições do Design Thinking para a área de interatividade é o fato de oferecer diversas técnicas para a compreensão das reais necessidades das pessoas (dispostas em diferentes níveis), o que é ilustrado pela Figura 1. Figura 1 – Técnicas de Design Thinking para compreensão das necessidades das pessoas. Dizem Pensam Fazem Usam Sabem Sentem Sonham Entrevistas Observações Sessão Generativa Explícito Observável Tácito Latente O q ue as p es so as d iz em Conhecim ento Profundidade Superfície Técnicas Fonte: VIANNA et al., 2012, p. 23. O que a metodologia defende é que as técnicas devem se adaptar à natureza das infor- mações coletadas dos usuários: entrevistas são técnicas excelentes para aquele conhecimen- to mais explícito, como aquilo que uma pessoa diz fazer ou pensar. Contudo, aquilo que a pessoa realmente pensa, ou de fato utiliza, só é verificado por técnicas de observações, enquanto o mais íntimo (e talvez mesmo inconsciente) por parte das pessoas, o que elas sabem, sentem e sonham, só é possível de se apreender pelas diversas técnicas reunidas na categoria sessão generativa. Conclusão Todo aplicativo que possui a figura de um usuário em seu comando é, por definição, interativo. Por isso, o que se torna importante é a compreensão dos vários graus de interati- vidade, para que essa função tenha a melhor qualidade possível. Embora não sejam disciplinas exclusivas da tecnologia da informação, o design de in- teração e o Design Thinking são abordagens especialmente úteis para a produção de aplica- ções de TI, pois endereçam os atributos mais relevantes do ponto de vista do utilizador do sistema, permitindo projetos mais assertivos e pessoas mais satisfeitas no consumo e uso daqueles produtos. Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI74 Ampliando seus conhecimentos Segundo Ellwanger (2013), autora do texto a seguir, o design experiencial (DE) engloba tanto o Design de Interação (DI) quanto o Design Thinking (DT). Seu objetivo é focar na experiência do usuário em relação ao objetivo sobre o qual ele atua (User Experience – UX). Design de Interação, Design Experiencial e Design Thinking: a tríade que permeia o escopo de desenvolvimento de sistemas computacionais interativos (ELLWANGER, 2013, p. 802) Na concepção e uso de sistemas digitais interativos, o DE fundamenta- -se nas fronteiras entre as disciplinas de Interação Humano-Computador (IHC) e a disciplina de DI, as quais salientam que o objeto (produtos/ser- viços) e a interação com os mesmos são componentes indispensáveis e necessários para que a experiência ocorra de forma satisfatória. Seu escopo abrange características e experiências não somente dos usuários, mas também dos próprios projetistas (advindas do DT) e das inter-relações entre as mesmas, a partir do estabelecimento de esquemas mentais que dão suporte à prática de prototipação e propiciando a melhoria contínua das interfaces por eles projetadas. Na tríade designer-sistema-usuário, o designer agrega nos sistemas e nas interfaces que projeta partes de si, ou seja, o designer, a partir de assimi- lações do objeto (sistema/protótipo), provenientes desistemas pré-con- cebidos ou ainda a partir de suas experiências em sistemas similares e já existentes, bem como de suas vivências e concepções que tem do mundo. Assim, sempre que a ação de projetar para a experiência do usuário o transforma em um novo sujeito. Sujeito este que supera a si mesmo não somente a partir da manipulação do objeto (sistema/protótipos), mas tam- bém a partir das interações realizadas com o usuário e decorrentes do contexto de uso. Estes são os motivos pelos quais faz-se necessário dedicar uma atenção especial ao DE não somente sobre a perspectiva do usuário (DI), mas tam- bém sob a perspectiva do próprio projetista de sistemas interativos (DT). Essa compreensão leva os profissionais não somente a projetar sistemas direcionados à experiência do usuário, mas, além disso, permite-lhes verificar as discrepâncias entre o que se desenvolveu e o que se pensou Aplicativos interativos Tópicos Especiais em TI 4 75 desenvolver, ou seja, permite avaliar com maior acurácia as interfaces que se projeta em detrimento das que realmente se concebe. Atividades 1. O que se entende por look and feel? 2. O que é um modelo mental e qual sua importância para os estudos de interatividade? 3. Qual a importância do atributo de apelo emocional para o design de interação? 4. Qual o impacto da heterogeneidade nos sistemas interativos? Referências ALLEGRETTI, C. Design de interação. Canoas: Ulbra, 2015. ELLWANGER, C. Design de Interação, Design Experiencial e Design Thinking: a tríade que permeia o escopo de desenvolvimento de sistemas computacionais interativos. Nuevas Ideas en Informática Educativa TISE, p. 799-802, 2013. LIANG, H., et al. An exploratory study of interactivity in visualization tools: “flow” of interaction. Journal of Interactive Learning Research. v. 21, n. 1, p. 5-45, 2010. PARSONS, P.; SEDIG, K. Adjustable properties of visual representations: improving the quality of human-information interaction. Journal of the American Society of Information Science and Technology, v. 65, n. 3, p. 455-482, 2014. ROGERS, Y.; SHARP, H.; PREECE, J. Design de interação: além da interação humano-computador. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. SEDIG, K., PARSONS, P., BABANSKI, A. Towards a characterization of interactivity in visual analyti- cs. Journal of Multimedia Processing and Technologies, v. 3, n. 1, p. 12-28, 2012. TORRES, F. Towards a universal theory of media interactivity: developing a proper context. Fullerton, CA: California State University, 1995. VIANNA, M. et al. Design Thinking: inovação em negócios. 1. ed. Porto Alegre: MJV Press, 2012. Resolução 1. Look and feel pode ser traduzido literalmente para ver e sentir, e é um termo que muito se utiliza em referência às especificidades de uma interface de usuário em sistemas computacionais. O look se refere ao design visual, enquanto o feel diz respeito à sua interatividade. É mais uma forma, mesmo que indireta ou mais informal, de se en- tender a definição de interatividade. 2. Em TI, para garantir a melhor interatividade possível entre aplicativos e usuários, o que se precisa levar em consideração é o conhecimento que as pessoas apresentam Aplicativos interativos4 Tópicos Especiais em TI76 do mundo ao seu redor, o que é denominado de modelo mental. Quando uma pes- soa não tem um correto modelo mental de algo, então, ela apenas consegue realizar ações por repetição. Diante de um imprevisto, se alguma coisa não funciona corre- tamente, dificilmente essa pessoa conseguirá entender o que ocorreu de errado para conseguir ao menos tentar corrigir o rumo tomado. 3. Saber incorporar a emoção em projetos é uma das competências do designer de inte- ração. O aspecto emocional não pode ser desconsiderado no processo de desenvol- vimento de um produto, pois é um elo entre as pessoas e os aparatos tecnológicos. Produtos sem o apelo emocional estão desconectados das pessoas, sendo então con- siderados como produtos sem vida. 4. No caso de grupos de usuários com perfis muito diferentes, é importante que haja estudo de maneiras alternativas para se chegar ao mesmo resultado, pois cada pre- ferência de usuário poderá ser atendida, uma vez que seja possível à pessoa obter as respostas do sistema da maneira que julgar mais adequada (ícone, tecla de atalho, comando direto, comando por voz etc.). Tópicos Especiais em TI 77 5 Inteligência artificial Hoje, o que diferencia os seres humanos dos robôs é que são as pessoas que pos- suem a capacidade de inovação, de empatia, e mesmo de improvisação diante de qual- quer circunstância. É nisso que se fundamentam os que, com razão, reconhecem o trabalho mais mecanizado, tendendo a substituir trabalhadores humanos por sistemas artificiais, e imaginam, ao mesmo tempo, haver uma garantia de longo termo de que as funções criativas sempre serão cumpridas por pessoas, e não por máquinas. Não há dúvidas de que, numa perspectiva de curto prazo (de hoje até os anos mais imediatamente futuros), isso seja verdadeiro. Contudo, ao se extrapolar apenas mais um pouco o porvir – algumas décadas, que seja –, pergunta-se legitimamente: até quando será dessa forma? Chegará um dia em que máquinas poderão ser muito melho- res que as pessoas até mesmo nas ocupações mais criativas, artísticas ou filosóficas? Como tudo o que se refere a cenários futuros, nada ainda é completamente certo. Mas algumas tendências apontam vigorosamente para algumas direções, entre as quais está o fenômeno da inteligência artificial (IA), que será abordado neste capítulo. Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI78 5.1 Conceitos e história da IA A inteligência artificial (IA) – termo que é mais frequentemente utilizado que o tam- bém válido inteligência das máquinas (IM) – é, conceitualmente, a inteligência exibida por sistemas artificiais, distinguindo-se da inteligência natural característica dos seres humanos (e mesmo dos animais, dependendo da perspectiva de análise). Na ciência da computação, o campo de pesquisa de IA se define pelo estudo dos agentes inteligentes: isso pressupõe qualquer dispositivo artificial que dispõe da capacidade de perceber o seu ambiente e tomar ações para maximizar sua chance de sucesso na consecução de determinado objetivo, como expõem Russel e Norvig (2003). De maneira um pouco mais informal, é possível admitir o uso do termo inteligência artificial para uma máquina que imite funções cognitivas que os seres humanos associam como tipicamente pertencentes a uma mente humana, como, por exemplo, aprendizado e resolução de problemas. Admite-se que o escopo conceitual da IA é ainda controverso: à medida que as máqui- nas se tornam cada vez mais poderosas, tarefas antes consideradas como associadas à inte- ligência são frequentemente excluídas dessa definição, um fenômeno às vezes denominado efeito da IA, o pensamento de que “[...] Inteligência Artificial é qualquer coisa que não se tenha alcançado até agora”, como ironiza Hofstadter (1979, p. 601). É o caso, por exemplo, do reconhecimento ótico de caracteres, já excluído da definição de IA porque se tornou uma tecnologia rotineira básica de sistemas informatizados. Todavia, perdura, atualmen- te, alguma concordância na indústria e na academia de que a real IA passa pela perfeita compreensão da fala humana, capacidade de competição de alto nível em sistemas de jogos estratégicos (como xadrez), carros autônomos, roteirização inteligente em redes de entrega de conteúdo, simulações militares e interpretação de dados complexos. Como lembram Russel e Norvig (2003), historicamente a IA foi estabelecida como uma disciplina acadêmica em 1956, experimentando, desde então, ciclos1 de altos e baixos no que se refere ao desenvolvimento da tecnologia. Ao ser comparado ao atual estágio de desenvol- vimento da IA no século XXI, aquele período pode ser considerado uma pré-história da IA, porque o atual nível alcançado de aprendizado de máquina (machine learning) da ciência da computação ofuscapor completo todas as ferramentas, abordagens, problemas e formas de pensamento a respeito de IA do passado. Os temas de pesquisa científica e tecnológica em IA hoje envolvem raciocínio, co- nhecimento, planejamento, aprendizado, processamento de linguagem natural, percep- ção ambiental e capacidade de movimentar e manipular objetos físicos. A investigação do conceito de inteligência como um todo é um dos objetivos de longo prazo, dada a contro- vérsia e polêmica que o uso do termo sempre suscita, conforme destaca Buonomano (2011). Originalmente uma qualidade humana, o atributo inteligência ousa ser incorporado pela TI, ou seja, por sistemas artificiais – máquinas, em uma perspectiva mais pragmática. 1 Para melhor compreensão desses ciclos, recomenda-se a releitura da seção 1.3 – Hype Cycle – do Capítulo 1. Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 79 As abordagens tecnológicas de IA incluem métodos estatísticos e inteligência compu- tacional, com ferramentas de pesquisa e otimização matemática, redes neurais e métodos fundamentados em estatística, probabilidade e economia. Dessa forma, o campo da IA tran- sita entre ciência da computação, matemática, psicologia, linguística, filosofia, neurociência e muitos outros domínios que mais recentemente estão sendo estabelecidos, como é o caso da psicologia artificial. Russel e Norvig (2003) recordam que a IA é um campo que nasce da premissa de que a inteligência humana poderia ser descrita tão completa e precisamente que uma máqui- na pode ser construída para simulá-la. Obviamente, isso envereda discussões filosóficas a respeito da natureza da mente (ser apenas o cérebro ou algo mais) e a ética que se impõe ao criar seres artificiais dotados de inteligência similar à humana. Questões desse tipo pare- cem ser exploradas pela filosofia, pela arte e até mesmo pela religião desde a Antiguidade. Não obstante, é fato que algumas pessoas consideram a IA um perigo para a humanidade caso ela progrida indefinidamente. No campo artístico, seres artificiais são especulados na ficção desde o famoso livro Frankenstein, de Mary Shelley, no século XIX. Na época atual, a série de filmes O extermina- dor do futuro (Terminator) é icônica no quesito de explorar os perigos da IA, com a história da ameaçadora Skynet assumindo o destino da humanidade. A discussão subjacente à IA, que sempre provoca profundas reflexões nas pessoas, é um dos fatores que explica o sucesso alcançado por essa franquia. A IA ganhou nova roupagem no século XXI, com suas técnicas experimentando um acelerado aprimoramento proporcionado por um avanço no poder computacional, com gigantescas quantidades de dados eletrônicos (Big Data) e maior teorização científica. Na visão de Kurzweil (2005), é por isso que a IA se tornou uma parte essencial da indús- tria de TI, auxiliando sobremaneira a resolver muitos dos problemas mais desafiadores da ciência da computação. Já no século XVII, o filósofo e matemático Gottfried Leibniz, com sua proposta teórica Calculus Ratiocinator, fornecia os primeiros fundamentos para a atual tecnologia das calcula- doras. Entretanto, Leibniz ousava algo além de operações envolvendo números: ele defen- dia operações envolvendo conceitos. Isso é uma evidência de que, vários séculos atrás, os pensadores da época já endereçavam esforços na proposição de uma IA, por meio do estudo do raciocínio mecânico ou formal. Séculos depois, a estruturação da lógica matemática levaria ainda à seminal teoria da computação de Alan Turing, que propôs que uma máquina, ao manipular símbolos tão simples como 0 e 1, poderia simular qualquer ato concebível de dedução matemática. Como lembra Berlinski (2000), isso foi tão importante na história da computação que a ideia de computadores digitais simulando qualquer processo de raciocínio formal ficou conheci- do como Tese de Church-Turing – além, claro, de ir conduzindo o estabelecimento dos com- putadores tais como conhecidos atualmente. Com demais tecnologias também em avançado desenvolvimento, mediante novas descobertas no campo da neurologia, da teoria da informação e da cibernética, a ciência Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI80 começou a ficar cada vez mais próxima da proposição de um cérebro eletrônico. O fato é que, desde a década de 1990, a IA vem sendo empregada continuamente em aplicações tão amplas como os campos de logística, mineração de dados, diagnósticos médicos, entre ou- tros, e entrando cada vez mais em novos territórios. O dia 11 de maio de 1997 é uma data emblemática na história da IA. Naquela data, pela primeira vez um computador conseguiu derrotar um campeão mundial de xadrez, fato que se mostrou decisivo na constatação do poder de inteligência artificial que se conseguiu produzir. Projetado pela IBM especialmente para a função de jogar xadrez, o Deep Blue foi uma arquitetura conjunta de um supercomputador com um software dedicado, utilizando 256 coprocessadores que eram capazes de analisar em torno de 200 milhões de posições por segundo. O embate foi proposto com Garry Kasparov, considerado o melhor jogador de xadrez de todos os tempos. Já em 1996, no primeiro encontro entre os dois oponentes, a máquina conseguiu vencer uma partida disputada contra Kasparov, fato já por si só altamente signi- ficativo. No entanto, como o campeonato proposto envolvia uma série de seis partidas com regras de tempo controlado, Kasparov ainda foi o vencedor naquele ano, totalizando três vitórias, dois empates e uma derrota frente ao computador. No ano seguinte, após atualiza- ção do software, finalmente um campeão mundial humano seria definitivamente derrotado, em uma sequência de duas vitórias, três empates e uma derrota. Kasparov declarou que, possivelmente, ele era o último humano campeão de xadrez da história, num vislumbre do que ocorreria no campo da IA dali por diante. O emprego de técnicas avançadas de estatística (algumas vezes conhecidas por deep learning, ou “aprendizado profundo”), redes neurais, tecnologia Big Data e computadores de última geração, com supervelocidade de processamento, tem, efetivamente, permitido sig- nificativos desenvolvimentos para que as máquinas aprimorem seu aprendizado e percep- ção, como lembram Russel e Norvig (2003). Os exemplos são incontáveis. Para citar alguns, em 2012, o Google admitia um uso esporádico de IA em seus projetos; poucos anos depois, já se contabilizavam quase 3 mil projetos assistidos por IA naquela organização. A Microsoft conseguiu incluir no Skype um sistema que automaticamente detecta e traduz linguagem entre interlocutores de diferentes idiomas. E o Facebook lançou um recurso de sistema que descreve imagens a pessoas cegas ou com deficiência visual severa. As pesquisas científicas para aprimoramento da IA, evidentemente, continuam. O obje- tivo maior é criar tecnologia que permita a computadores e máquinas funcionarem de uma maneira realmente inteligente. O problema geral de simular (ou criar) inteligência, dada sua complexidade, costuma ser dividido em campos específicos de estudo, alguns dos quais são descritos a seguir. 5.1.1 Raciocínio e solução de problemas Há muito tempo os pesquisadores procuram desenvolver algoritmos que imitem o pas- so a passo do raciocínio que o ser humano adota para resolver problemas ou fazer deduções lógicas, como expõe Berlinski (2000). Mais recentemente, a IA tem desenvolvido métodos Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 81 para lidar com a incerteza e com as informações incompletas, empregando conceitos de probabilidade e economia. Para problemas de grande complexidade, os algoritmos cos- tumam requisitar um grande volume de recursos computacionais, que às vezes implicam em uma explosão combinatória: a quantidade de memória ou de tempo de computação se torna astronômica para problemas a partir de determinado grau. Por isso, as pesquisas atuais priorizam o desenvolvimento de algoritmos mais eficientes de solução de problemas.Como descreve Buonomano (2011), a mente humana adota julgamentos rápidos e intuitivos, e não um processo de dedução passo a passo que os primeiros modelos de IA procuravam seguir. Por isso, muitas pesquisas estão apostando em tecnologias como redes neurais e habilidades senso-motoras para procurar se aproximar ainda mais da capacidade que o cé- rebro biológico detém. 5.1.2 Planejamento Agentes inteligentes precisam estar aptos a estabelecer objetivos e metas e conseguir atingi-los. Os sistemas artificiais precisam, de alguma forma, conseguir visualizar ou esti- mar o futuro. Precisam possuir uma representação do estado das coisas no mundo e, assim, fazer previsões a respeito de como determinadas ações podem mudar o cenário. Assim, o cérebro artificial estará apto a fazer escolhas que maximizem a utilidade, ou o valor, das alternativas disponíveis. E, em um ambiente mais complexo (tal como é o mundo real), o planejamento é feito muitas vezes com base em múltiplas instâncias, em que prevalecem a cooperação e a competição de agentes para a consecução de determinado objetivo. Esse é o chamado comportamento emergente, adotado por algoritmos evolutivos e a inteligência de enxame2 (o algoritmo das abelhas). 5.1.3 Aprendizado O aprendizado de máquina (machine learning) sempre foi um conceito fundamental das pesquisas em IA, em termos de algoritmos computacionais que se aperfeiçoam automati- camente pela experiência que vivenciam. O aprendizado sem supervisão é a capacidade de automaticamente procurar padrões em um fluxo de entrada (textos, imagens, sons etc.). O aprendizado com supervisão inclui classificação e regressão numérica: a primeira é usada para determinar a categoria de algo, depois de considerar um número de exemplos de itens de várias categorias. Por sua vez, a regressão é a tentativa de produzir uma função mate- mática que descreva a relação entre entradas e saídas, prevendo, assim, como as saídas irão variar com futuras modificações nas entradas. Curiosamente, também faz parte dessa tec- nologia o chamado reinforcement learning (aprendizado por reforço), que prevê recompensas para o agente no caso de boas respostas e punição quando há más respostas. Dessa forma, 2 Métodos computacionais bioinspirados, baseados no comportamento de populações para o de- senvolvimento de técnicas de solução de problemas. As meta-heurísticas correspondem às estraté- gias de otimização por colônia de formigas, otimização por enxame de partículas, algoritmo shuffled frog-leaping, coleta de alimentos por bactérias e colônia de abelhas (SERAPIÃO, 2009). Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI82 o sistema artificial utilizaria uma sequência memorizada de recompensas e punição para definir uma nova estratégia ao problema a ser resolvido. 5.1.4 Processamento de linguagem natural Procura-se dar às máquinas a capacidade de ler e entender a linguagem humana. Uma vez que se disponha de um sistema desses suficientemente poderoso, teclados e mouses tendem a desaparecer, sendo substituídos simplesmente pelo comando de voz do usuário. Da mesma forma, tais sistemas poderiam alcançar a capacidade de extrair informações de fontes físicas de informação, como livros impressos e manuscritos. 5.1.5 Percepção A percepção de máquina (machine perception) é a capacidade de utilizar informações coletadas dos mais variados sensores, como câmeras, microfones, sensores táteis, sonares, entre outros, para deduzir aspectos do mundo externo. Isso inclui funções como reconheci- mento de fala, de expressões faciais e de objetos. 5.1.6 Movimentação e manipulação física O campo da robótica é bastante próximo da IA, pois robôs precisam de inteligência para desempenhar funções como manipulação de objetos e navegação espacial, com os conse- quentes desafios de localização, mapeamento e planejamento de movimentos. 5.1.7 Computação afetiva A affective computing é uma área que procura dotar os sistemas informatizados de com- petência emocional, tanto para reconhecer diferentes estados de humor dos usuários (e, as- sim, ajustar uma melhor resposta a cada situação) quanto para se comportar de maneira mais empática na interatividade com as pessoas, desenvolvendo, assim, maior sensibilidade nas habilidades sociais. 5.2 Abordagens da IA É preciso reconhecer que não existe uma teoria unificada ou um paradigma único que guie o campo de pesquisa em IA. Portanto, é normal que os diversos pesquisadores di- virjam em vários aspectos, que tendem a continuar controversos ainda por algum tempo. Por exemplo, algumas das mais clássicas questões, que ainda permanecem sem resposta definitiva, são as seguintes: • A IA deveria simular a inteligência natural por meio de uma perspectiva psicoló- gica ou neurológica? Ou, eventualmente, a biologia humana poderia ser simples- mente desconsiderada nesse campo? Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 83 • É possível descrever o comportamento inteligente por meio de princípios simples, tais como lógica ou otimização? Ou há necessidade de ser capaz de resolver um grande número de problemas totalmente independentes entre si? • Poderia a inteligência ser reproduzida pelo uso de símbolos de alto nível, si- milares a palavras e ideias? Ou seria necessário empregar um processamento sub-simbólico3? O ramo de IA costuma ser dividido em três tipos de abordagens: a psicologia compu- tacional, a filosofia computacional e a ciência da computação. A psicologia computacional é utilizada para produzir programas de computador que imitam o comportamento humano. Por sua vez, a filosofia computacional é adotada para desenvolver uma mentalidade com- putacional de fluxo livre, ou seja, com capacidade adaptativa. E, naturalmente, a ciência da computação é o que permite criar computadores cada vez mais eficientes em desempenhar tarefas que, anteriormente, somente pessoas conseguiam realizar. A convergência dessas abordagens permite uma maior aproximação do comportamento humano, em termos de mentalidade e de tomada de ações da IA. Dessas abordagens, desdobram-se as mais variadas aplicações práticas de sistemas de IA. Umas das mais significativas é na área da saúde. A IA está ingressando com força nessa indústria ao fornecer assistência de alto nível aos médicos, como, por exemplo, encontrando os mais precisos tratamentos para o câncer. É sabido que existem centenas de medicações diferentes para esse tipo de condição (até porque câncer é uma denominação geral que se dá a uma série de mais de cem doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células no organismo). Isso sempre representou um grande problema para os médicos: op- ções demais a considerar dificultam a escolha da droga que seja realmente a mais adequada para determinado caso. Eis um campo em que a IA mostra-se muito útil, em iniciativas como a da Microsoft, em seu Projeto Hanover4: o objetivo é o desenvolvimento de um sistema de IA que memorize toda a produção científica a respeito da doença, todas as fórmulas dos inúmeros medicamentos e que, assim, possa ajudar a prescrever a melhor combinação de tratamentos para cada tipo de paciente. Ainda no tocante ao câncer, diversos são os projetos que envolvem a IA para aprimorar o tratamento. Alguns se dedicam a tipos bem desafiadores da doença, como é o caso da leu- cemia mielogênica aguda, um câncer muito agressivo e que não tinha tido muito avanço no conhecimento para tratamento há algumas décadas. Em outros campos, sistemas artificiais estão se tornando tão eficazes quanto médicos humanos para identificar, clinicamente, es- pécies de câncer de pele. Há projetos em que se utiliza a IA para monitorar pacientes de alto risco, por meio da aplicação on-line de questionários com o público-alvo, com uma série de questões formuladas com base em dados adquiridos de consultas presenciais convencionais entre pacientes e médicos. 3 Nível de simbolismo corresponde ao nível de linguagem de programação. Linguagem de progra- mação de alto nívelé como se chama, na ciência da computação, uma linguagem com um nível de abstração relativamente elevado, longe do código de máquina e mais próximo à linguagem humana. 4 Mais informações sobre o Projeto Hanover podem ser obtidas em <http://hanover.azurewebsites.net> e <https://exame.abril.com.br/ciencia/microsoft-cria-tecnologia-que-ajuda-tratamento-contra-cancer/>. Acesso em: 16 out. 2017. Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI84 Na fronteira, ou na integração, entre IA e robótica, também surgem cada vez mais ci- rurgias realizadas por robôs autônomos, com um resultado que apresenta precisão muito maior que cirurgiões humanos. Uma cirurgia menos invasiva e mais precisa sempre traz melhores resultados na recuperação pós-operatória. A indústria automobilística também está sendo revolucionada pela IA. Com des- taque para o pioneirismo assumido pela norte-americana Tesla, os últimos anos estão mostrando um uso cada vez maior de sistemas de IA para criar e aperfeiçoar carros autodirigíveis (ou seja, que não necessitam de motorista). Empresas de tecnologia da informação, como Apple e Google, estão conduzindo projetos com grande parte dos maiores fabricantes de automóveis. Um carro autodirigível possui diversas funções completamente automatizadas, tais como frear, mudar de pista, prevenir colisões, realizar navegação e mapeamento do entor- no. São sistemas específicos que conseguem ser integrados, pela convergência entre TI e tecnologia automobilística, em um veículo de altíssima tecnologia. É interessante observar que um dos principais fatores que influenciam a capacidade de um carro poder ser autodirigível é a função de mapeamento do entorno. A princípio, um veículo dessa natureza precisa ser pré-programado com um mapa da região em que transitaria, para assim reconhecer os limites impostos e as condições gerais para programar sua própria trajetória. Entretanto, para dotar o carro de uma inteligência ainda maior, o que se procura é fazer com que a percepção do veículo seja o suficiente para automapear seu percurso. Nesses termos, o Google tem trabalhado em um algoritmo com o propósito de dispensar por completo mapas pré-programados, substituindo-os por um dispositivo que se ajuste automaticamente às variações nas imediações do veículo (exatamente como um motorista humano faz para transitar, enxergando e tomando decisões com base no que vê). Por motivos óbvios, os fabricantes desses sistemas têm procurado investir bastante em as- pectos de segurança, muito relacionados também aos sistemas de IA, uma vez que a tendên- cia é que, assim que a tecnologia estiver devidamente estabilizada na indústria, os carros já saiam de fábrica sem volante ou pedais de freio. Na indústria financeira, já há muito tempo as instituições têm utilizado sistemas de redes neurais artificiais visando detectar movimentações fora do comum, sinalizando tais condições para uma perícia humana. O início do uso de IA no sistema bancário re- monta a 1987, quando o banco norte-americano Security Pacific National Bank, de forma pioneira, estabeleceu um sistema informatizado de prevenção de fraudes, para evitar o uso de cartões em operações não autorizadas por seus proprietários. Atualmente, os sistemas de IA estão majoritariamente presentes em instituições bancárias, financeiras, seguradoras etc., representando uma camada extra de segurança na operação dessas instituições, ao monitorar desvios em comportamentos típicos dos usuários e mudanças anormais ou anômalas nas operações. Destaque-se que os bancos empregam sistemas de IA atualmente para organizar ope- rações, manter contabilidade, operar ações em bolsas de valores e gerenciar propriedades. Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 85 A IA pode manter as atividades das organizações fora de horário comercial, favorecendo, assim, que muitas instituições possam oferecer serviços on-line 24 horas. Na indústria dos videogames, a IA sempre esteve e sempre continuará presente. Afinal, ela é a responsável pela animação do personagem que se move por conta própria, em con- traposição ao personagem que o jogador humano controla diretamente. Os jogos eletrônicos de última geração são softwares de alta complexidade lógica envolvida, pois usualmente o jo- gador humano controla um personagem, deixando por conta do computador controlar todo o restante (demais personagens, cenário, enredo, músicas, placares, funções especiais etc.). Em jogos dotados de IA, os personagens controlados pelo computador não seguem simples- mente um script pré-programado (por onde movimentar, como agir etc.). A interação desses diversos personagens é realizada por meio do que o personagem controlado pelo jogador humano faz, ou seja, dependendo de como o jogador conduz seu estilo de jogo, o mundo virtual em que ele está inserido aprende e reage à sua estratégia, tornando os jogos, na práti- ca, mais vibrantes em função das ações inesperadas que o computador pode adotar no jogo. Por assim dizer, a mente artificial se adapta ao comportamento do jogador a cada partida. Para manter a atratividade dos jogos, obviamente os fabricantes do jogo implementam níveis de dificuldade nas partidas, de tal forma a permitir que as pessoas possam vencer disputas contra o computador. Afinal, desde a época da célebre disputa de xadrez do Deep Blue contra o campeão humano, a IA já avançou de tal maneira que mesmo os computado- res domésticos de hoje são programáveis para se tornarem totalmente imbatíveis em jogos contra seres humanos. No mundo dos esportes, a IA também se faz presente, sendo especialmente útil para o melhor preparo de atletas profissionais. É o caso de sistemas que combinam hardware e software para rastreamento geral de esportistas durante as suas atividades competitivas. Com apoio de múltiplos sensores, entre acelerômetros, magnetômetros e giroscópios5, com informação processada em tempo real por sistemas de IA, o que o sistema entrega são re- comendações de melhoria, atuando como uma espécie de coach artificial para esportistas de qualquer tipo de modalidade. Ou seja, de alguma forma, é como se o técnico humano de um esportista pudesse ser substituído por um sistema artificial. Se computadores comuns, atualmente, já possuem assombrosa capacidade de IA, os supercomputadores, programados para extrair o máximo dessa tecnologia, têm mostrado um poder de inteligência realmente incrível. É o caso do famoso supercomputador Watson6, da IBM, que é voltado a negócios cognitivos. O Watson é comercializado como uma plata- forma computacional, sendo que os clientes podem utilizá-lo, pela internet, para aplicações 5 Acelerômetro: instrumento para medir aceleração ou para detectar e medir vibrações. Magnetômetro: instrumento utilizado em medidas de intensidade de um campo magnético. Giroscópio: dispositivo cujo eixo de rotação mantém sempre a mesma direção na ausência de forças que o perturbem, seja qual for a direção do veículo que o conduz, e que é composto de um disco rígido ou um volante que gira em grande velocidade ao redor de um eixo de revolução e é suspenso de modo a ter liberdade de movimentos. É muito adotado em diferentes aparelhos de navegação. 6 Para conhecer o sistema Watson, acesse o link:<https: //www.ibm.com/watson> ou <https: //ibm.com/ blogs/digital-transformation/br-pt/o-que-e-watson-plataforma-cognitiva-inteligencia-artifical-robo/>. Acesso em: 31 out. 2017. Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI86 que requeiram extremo poder computacional para análises muito complexas. Por exemplo, um dos feitos do sistema foi ter conseguido analisar 20 milhões de artigos científicos sobre câncer em 10 minutos, levando médicos a identificarem um tipo raro de leucemia em uma mulher de 60 anos, no Japão. O equivalente em esforço humano para realizar a mesma ta- refa tomaria intermináveis séculos, o que, obviamente, seria impraticável em se tratando de salvar uma vida humana. 5.3 Limites éticos A IA é tão poderosa que,além de maravilhar a sociedade quanto às suas infindáveis possibilidades, também, naturalmente, desperta alguma preocupação com eventuais efeitos colaterais. Algumas pessoas, é bem verdade, sentem-se até mesmo desconfortáveis quanto ao mundo futuro que os sistemas de IA irão proporcionar, à medida que estes avançam (e principalmente dado o ritmo exponencial do progresso tecnológico), como observam Kurzweil (2005) e Singh (2012, 2014). É necessário, pois, discutir possíveis limites éticos que talvez tenham que ser impostos. Celebridades como o físico Stephen Hawking e os empre- sários Bill Gates e Elon Musk são exemplos de pessoas que têm dedicado especial atenção ao controle que teria de ser estabelecido sobre sistemas artificiais. Na década de 1950, o escritor de ficção científica Isaac Asimov se notabilizou como um profícuo produtor de obras sobre o futuro da sociedade, em especial prevendo as inúmeras situações envolvendo robôs. Um de seus mais famosos livros, Eu, robô, além de ter ganhado uma adaptação cinematográfica em 2004, introduziu ao mundo o que Asimov (1950) consi- derava as Três Leis da Robótica: 1. Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal. 2. Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei. 3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. As regras serviriam como um protocolo de paz permanente entre seres autômatos e seres biológicos, impedindo a ocorrência de rebeliões. Vinda do mundo da ficção, essa pro- posta de Asimov se tornou diretriz objetiva no mundo da tecnologia da informação, sendo até hoje respeitada pelos pesquisadores de IA. Asimov, portanto, foi um dos precursores da discussão ética sobre a relação da sociedade humana com a tecnologia. Evidentemente, os maiores motivos de preocupação são as capacidades futuras da IA, e não exatamente aquilo que ela de fato dispõe atualmente. Ocorre que, numa projeção de crescimento acelerado exponencialmente, não se sabe, ao certo, se tal futuro é questão de décadas ou de poucos anos, sendo o preparo a seu devido tempo fundamental. Então, algu- mas características por ora exclusivamente humanas passam a ser objeto de preocupação, quando sistemas artificiais também as incorporarem. Mentir deliberadamente, por exemplo, Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 87 é um desses comportamentos inquietantes. Os seres humanos fazem isso o tempo todo, até mesmo para uma estratégia básica de sobrevivência no meio social. E isso, recentemente, deixou de ser um atributo exclusivamente biológico. Pesquisadores do Georgia Institute of Technology, nos Estados Unidos, conseguiram desenvolver robôs dotados de IA que são ca- pazes de trapacear. Essa pesquisa objetivava produzir robôs especialmente úteis para opera- ções militares – e, no campo bélico, o embuste, a indução do oponente ao erro, a sabotagem e a mentira fazem parte da estratégia de combate. Uma vez que esses robôs inteligentes sejam aperfeiçoados, os militares terão condições de colocá-los em campo de batalha. Eles podem servir, por exemplo, como guardas, vigian- do suprimentos e munição dos inimigos. Dominando a arte da mentira, tais robôs podem ganhar tempo até que reforços sejam capazes de chegar, mudar estratégias de patrulhamen- to para enganar oponentes humanos ou até mesmo outros robôs inteligentes adversários. Convém reconhecer que, nos últimos conflitos militares de grande proporção mun- do afora, drones estão sendo cada vez mais empregados em operações de busca e assas- sinato de lideranças inimigas. Portanto, o real temor é que a linha que separa o campo militar das demais funções na sociedade, como a convivência civil, possa ser rompida, em algum tempo, levando a consequências difíceis de controlar. O domínio e uso de inteligência artificial por parte de organizações terroristas, por exemplo, pode levar a resultados realmente catastróficos. Além dessa preocupação, a IA está gradativamente tomando postos de trabalho das pessoas. Diversos especialistas estão seriamente preocupados que os avanços na inteligên- cia artificial e na automação possam resultar em desemprego massivo. Nos EUA, destaca Schwab (2016), cerca de 250 mil robôs já executam trabalhos que antes somente pessoas eram capazes de fazer. O que se receia é que esse ritmo de automação generalizada aumente exponencialmente, ano após ano. Tudo começa pelas funções mais operacionais, ou mesmo “braçais”, de emprego de força física: essas são facilmente substituíveis com as atuais tec- nologias robóticas e de IA integradas. Entretanto, em um futuro provavelmente bastante próximo, com o avanço nesses campos de tecnologias, até mesmo as funções mais criativas podem ser ameaçadas. Afinal, com a crescente evolução da capacidade de IA, virtualmente qualquer tarefa que uma pessoa faça poderia ser melhor desempenhada por um sistema artificial. Isso chegará, em dado momento, até mesmo ao campo do empreendedorismo, da cultura e da filosofia. A IA no universo hacker também leva a projeções perturbadoras. A ciência da compu- tação vem desenvolvendo sistemas de hacking com IA altamente eficazes para combater os crackers (os hackers com má intenção). Na forma de robôs virtuais (bots) superinteligentes, os hackers artificiais são capazes de atacar as vulnerabilidades dos inimigos e, ao mesmo tempo, perceber e consertar as suas próprias fraquezas, protegendo o desempenho e a fun- cionalidade dos sistemas que defendem. Tal tecnologia, projetada para uso legal, poderia ser roubada ou copiada por criminosos, o que resultaria, então, em crackers artificiais. O embate virtual entre esses dois lados poderia levar a consequências inesperadas, talvez até mesmo Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI88 comprometendo a funcionalidade da internet em nível global (algo como um DoS7 – denial of service de proporção massiva). Reconheça-se, também, que os sistemas de IA estão cada vez mais entendendo o com- portamento humano, como bem lembra Schwab (2016). Atualmente, o Facebook é a platafor- ma de mídia social mais importante do mundo. Para muitas pessoas, o acesso é um hábito do dia a dia, tão corriqueiro quanto se alimentar ou dormir. E quando essas pessoas acessam o sistema, estão interagindo, mesmo sem se dar conta disso, com uma inteligência artificial. Ao compreender como as pessoas se comportam ou interagem com postagens de outras pessoas na rede social, a IA é capaz de fazer recomendações sobre coisas em que os usuários poderiam muito provavelmente se interessar ou atender a determinadas preferências. Uma postagem de uma nova fotografia no perfil de um usuário já aciona, automatica- mente, detectores virtuais de fisionomia, de tal forma que, assim que a imagem é carregada, aparecem sugestões de tag (identificação) dos rostos que estão na foto, de acordo com os perfis de amigos daquele usuário. Esse nível de personalização ao extremo da experiência do usuário da rede social é o que leva o Facebook ao seu valor de mercado de centenas de bilhões de dólares: ele permite que propagandas sejam comercializadas com alto nível de assertividade, ou seja, os anunciantes têm mais certeza de que seu investimento será conver- tido em peça publicitária que atingirá o público realmente desejado. Isso leva a importantes discussões sobre o quanto se pode ou não abusar da falta de privacidade em meio digital, o que é uma legítima questão ética. Os robôs dotados de IA estão ficando cada vez mais parecidos fisicamente com os seres humanos, o que pode levar a situações, no mínimo, curiosas. Como observa Singh (2012, 2014), chegará o dia em que, ao observar uma pessoa, ou mesmo ao conversar com ela, al- guém terá de fazer um grande esforço para deduzir se está conversando com um ser huma- no de verdade ou com um sistema artificial camuflado em trejeitos humanos. Alguns protótipos já estão sendo desenvolvidoscom espantosa eficácia quan- to a imitar uma pessoa. É o caso de Yangyang, uma máquina de inteligência artificial em um corpo robô que consegue realizar um cordial aperto de mãos, ou mesmo um ca- loroso abraço. Trata-se de um projeto em conjunto do pesquisador japonês Hiroshi Ishiguro, especialista em robôs, com a pesquisadora chinesa Song Yang, professo- ra de robótica. O robô Yangyang teve sua aparência física baseada na professora Yang, como se fosse um clone artificial. E não é o único caso: a Universidade Tecnológica Nanyang, de Singapura, também criou sua versão de robô humano, simulando uma mulher. Seu nome é Nadine, e ela trabalha como recepcionista naquela universidade. É dotada de cabelos escuros, tem pele macia e interage com as pessoas sorrindo, reconhecen- do rostos e cumprimentando com aperto de mãos. Uma das mais espantosas capacidades que a robô Nadine possui é de reconhecer convidados, estabelecendo conversas com eles com base em assuntos anteriormente tratados. Assim como ocorreu no caso de Yangyang, 7 Em português, ataque de negação de serviço, que tem efeito prático de derrubar websites e redes de computadores. Em um ataque distribuído de negação de serviço (também conhecido como DDoS, um acrônimo em inglês para Distributed Denial of Service), um computador mestre, denominado master, pode ter sob seu comando até milhares de computadores “zumbis”. Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 89 Nadine foi programada para ser uma cópia física de um ser humano, no caso, uma profes- sora daquela universidade chamada Nadia Thalmann. Não é somente a aparência física que torna os robôs inquietantes. Com os avanços no campo da computação afetiva, a IA está começando a sentir emoções. Afinal, o que é que definitivamente costuma distinguir humanos de robôs? Não é mais a inteligência: afinal, sistemas artificiais estão se tornando muito mais inteligentes que as pessoas8. Também não é mais a aparência, pois a mimetização física já chegou a um grau de desempenho realmente impressionante. Alguns diriam que a única qualidade restante para separar homens de má- quinas talvez seja a capacidade de sentir emoções, e, se essa for a fronteira final, ela parece muito próxima de ser ultrapassada. Isso pode ser constatado ao se analisar o projeto de especialistas do grupo East Asia, da Microsoft, que conseguiram criar um programa de IA que “sente” as emoções dos seus interlocutores, estabelecendo um diálogo com as pessoas de uma forma que parece ser com- pletamente natural e humana. Seu nome é Xiaoice, uma IA programada para responder a perguntas como se fosse uma jovem de 17 anos de idade. Quando ela não sabe sobre um assunto, pode até mentir. Se é contrariada ou surpreendida, pode ficar com raiva ou ver- gonha. Ela também demonstra poder se comportar de forma sarcástica, ficar ansiosa e até mesmo agir maldosamente. Há um recurso de imprevisibilidade em Xiaoice que lhe permite interagir com as pessoas como se ela fosse um ser humano. Seus criadores trabalham para aperfeiçoá-la continuamente. Mas isso não depende mais apenas dos projetistas humanos. Segundo a Microsoft, Xiaoice já entrou em uma autoaprendizagem e em um loop de autode- senvolvimento, tendendo a se tornar cada vez melhor com o passar do tempo. Parece claro, portanto, que é inevitável que se alcance a época em que as pessoas convi- verão com seres artificiais no seu cotidiano, sem que esses sejam identificados como robôs. Uma pessoa poderá interagir com um atendente de farmácia, um veterinário ou um policial sem ter certeza se são seres humanos ou não. Algumas questões emergem nessa perspecti- va, ainda sem respostas definitivas: robôs devem se identificar claramente como tais diante das pessoas? O que a ocultação dessa informação implica de bom e de ruim para os seres humanos? Deve-se permitir que os robôs desenvolvam seu próprio código de ética, uma vez que se tornam livres pensadores, com um poder de raciocínio e intelecto muito acima da capacidade humana? A questão mais filosófica possível é: se o ser não tem vida, merece respeito? Talvez as definições de vida passem a ser repensadas. Seria necessário ser educado e cortês ao falar 8 Uma possível crítica (rasa) que a IA pode enfrentar é a de que rapidez em respostas não significa ser mais inteligente. É verdade. Também o é o fato de que sistemas de IA já presentes na atualidade vão muito além da rapidez. Mais precisamente, aproveitam a rapidez para desenvolver aptidões sobre- -humanas. Em 2017, um experimento do Facebook envolvendo testes de poder de negociação entre dois robôs fez com que estes decidissem por conta própria abandonar o inglês e criar uma linguagem própria mais adequada para a tarefa – linguagem não compreensível por humanos, com novas regras sintáticas e semânticas estabelecidas pela IA. Testes com carros autodirigíveis envolvem aprendizado adaptativo de máquina e tomada de decisões envolvendo simultaneamente complexidade, ambigui- dade e incerteza com base em um volume imenso de dados entre informações estruturadas e não estruturadas do meio circunscrito (Big Data). Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI90 com um robô? Como Kurzweil (2005) aponta, os humanoides vivendo na sociedade humana provavelmente precisarão de seu próprio conjunto de leis. Finalmente, um cenário futuro bastante plausível é aquele em que não se terá uma opo- sição ou confronto entre máquinas e seres humanos, mas, muito pelo contrário, uma total integração – novos organismos cibernéticos que revolucionem, em muito, as próprias po- tencialidades humanas. Singh (2012, 2014) cogita seriamente o aparecimento de super-hu- manos, por causa da integração do homem à tecnologia da informação, Internet das Coisas, nanotecnologia, robótica, Big Data e inteligência artificial. Para futuristas como Kurzweil (2005), uma singularidade já se definiu: já nasceram os primeiros seres humanos que não estão fadados a ter de morrer um dia, graças ao que serão submetidos em anos vindouros em termos de novas tecnologias. Conclusão Ao interagir com máquinas, as pessoas criam expectativas humanas e emocionais pe- rante elas. Isso não é de surpreender, afinal, as máquinas estão se tornando estranhamente familiares porque imitam seus criadores. Seus recursos são programados com base na visão de mundo e na autopercepção dos seres humanos, e tudo isso está sendo feito a uma veloci- dade realmente impressionante, impregnando a cultura e até mesmo os conceitos de beleza e estética. O fato é que, à medida que a IA se desenvolve, as pessoas confiam cada vez mais em sua capacidade, a ponto de esses sistemas artificiais se tornarem indispensáveis para o estilo de vida que os seres humanos se habituaram a ter. Em última instância, a IA tem o propósito de qualquer outra tecnologia: tornar o mundo melhor. Ampliando seus conhecimentos Pozzebon, Frigo e Bittencourt realizaram pesquisa científica sobre a colaboração da IA na educação universitária e discorreram sobre o assunto no artigo a seguir. Inteligência artificial na educação universitária: quais as contribuições? (POZZEBON; FRIGO; BITTENCOURT, 2004, p. 7) A inteligência artificial tem sido utilizada no processo de ensino-aprendi- zagem como um auxílio ao aluno, para um enriquecimento das aulas pre- senciais e fixação do conteúdo apresentado. Entretanto, os STI [Sistemas de Tutoria Inteligente] ainda estão sendo desenvolvidos e aperfeiçoados de acordo com o retorno obtido pela sua utilização. Inteligência artificial Tópicos Especiais em TI 5 91 Os STI ainda não preenchem as lacunas deixadas pela educação tradicio- nal, servindo, por ora, como um estímulo na aprendizagem. A utilização de ferramentas com técnicas de IA motiva o aluno através de novos recursos tecnológicos que prendem sua atenção, testam seus conhecimentos, avaliam a aprendizagem dos conceitos apresentados, além de permitir que o aluno reveja o conteúdo no momento que lhe é mais conveniente. O uso de STIpelos professores é bastante interessante, pois permite a eles avaliar o desempenho de seus alunos por meio de métodos estatísticos obtidos com a utilização desse tipo de ferramenta. Além disso, fornece parâmetros que facilitam a detecção de falhas conceituais, tanto de aulas presenciais quanto das não presenciais. Os sistemas tutores também são utilizados para o ensino a distância, em que o indivíduo pode cursar uma disciplina de forma não presencial, permitindo que as universidades ampliem sua área de atuação e levem o conhecimento até o aluno. [...] Atividades 1. Quais são alguns dos campos específicos de estudo da inteligência artificial? 2. O que é psicologia computacional? 3. O que é computação afetiva? 4. Que impactos a inteligência artificial traz ao mercado de trabalho? Referências ASIMOV, I. I, robot. New York: Gnome Press, 1950. v. 1. BERLINSKI, D. The advent of the algorithm. San Diego, CA: Harcourt Books, 2000. BUONOMANO, D. O cérebro imperfeito: como as limitações do cérebro condicionam as nossas vi- das. São Paulo: Campus, 2011. HOFSTADTER, D. Gödel, Escher, Bach: an eternal golden braid. New York, NY: Vintage Books, 1979. KURZWEIL, R. The singularity is near: when humans transcend biology. Westminster, UK: Penguin Books, 2005. Inteligência artificial5 Tópicos Especiais em TI92 POZZEBON, E.; FRIGO, L.; BITTENCOURT, G. Inteligência artificial na educação universitária: quais as contribuições? Revista CCEI, n. 8, p. 33-40, 2004. RUSSELL, S.; NORVIG, P. Artificial intelligence: a modern approach. 2. ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2003. SERAPIÃO, A. Fundamentos de otimização por inteligência de enxames: uma visão geral. Sba Controle & Automação, v. 20, n. 3, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=s- ci_arttext&pid=S0103-17592009000300002>. Acesso em: 24 set. 2017. SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SINGH, S. New mega trends: implications for our future lives. eBook Kindle: Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012. _____. Top 20 global megatrends and their impact on business, cultures and society. San Antonio: Frost & Sullivan, 2014. Resolução 1. Raciocínio e solução de problemas, planejamento, aprendizado, processamento de linguagem natural, percepção, movimentação e manipulação física e compu- tação afetiva. 2. A Psicologia Computacional é um novo campo de conhecimento, em Ciência da Computação e inteligência artificial, utilizada para produzir programas de compu- tador que imitam o comportamento humano. 3. A affective computing é uma área que procura dotar os sistemas informatizados de competência emocional, tanto para reconhecer diferentes estados de humor dos usuários (e, assim, ajustar uma melhor resposta à situação) quanto para se compor- tar de maneira mais empática na interatividade com as pessoas, desenvolvendo, as- sim, maior sensibilidade nas habilidades sociais. 4. O impacto é a gradativa substituição dos empregos humanos por funções desempe- nhadas pela inteligência artificial. Tudo começa pelas funções mais operacionais ou mesmo braçais, de emprego de força física: essas são facilmente substituíveis com a atual tecnologia disponível. Entretanto, em futuro provavelmente bastante próximo, com o avanço tecnológico, até mesmo as funções mais criativas estarão ameaçadas. Afinal, com a crescente evolução da capacidade de sistemas inteligentes, em teoria, qualquer tarefa que uma pessoa faça pode ser melhor desempenhada por um siste- ma artificial. Tópicos Especiais em TI 93 6 Tecnologias para dispositivos móveis As grandes marcas mundiais da indústria de tecnologia da informação alcança- ram o tamanho que têm graças ao modelo de negócios convencional da computação. Foi assim com a Intel, que se tornou gigante explorando os chips que constituem os computadores pessoais. Foi também o que ocorreu com a Microsoft, que construiu o software que roda a maioria desses equipamentos. O Google se tornou uma potência econômica com múltiplos negócios em TI, cabendo lembrar que começou como um buscador de sites. Contudo, existe um novo elemento que redefine por completo o futuro e a própria sobrevivência desses grandes nomes da TI: a ascensão dos disposi- tivos móveis. As empresas de tecnologia em geral (incluindo as gigantes mencionadas) não estão medindo esforços para reinventar seus modelos de negócios. Afinal, aquele modelo convencional – que é um usuário sentado, estático, em frente a uma mesa – não se sustenta mais. Novos negócios se viabilizam justamente devido a novos dispositivos computacionais, como smartphones e tablets. Mas parece haver, ainda, espaço para mui- tas novidades no ambiente dos dispositivos móveis. Tecnologias para dispositivos móveis6 Tópicos Especiais em TI94 6.1 Sistemas embarcados O mundo contemporâneo é caracterizado por um atributo bastante peculiar, que é a existência de uma computação invisível. Esse termo é utilizado para se referir a toda uma arquitetura de sistemas informatizados que dificilmente é notada visivelmente na prática. Como aponta Singh (2012, 2014), os computadores rodeiam o dia a dia das pessoas nos seus mais variados afazeres, fazendo, de fato, muitas atividades acontecerem, mas não existe uma percepção explícita dessa interação homem-computador. Afinal, lá estão os elementos computacionais presentes nos mais variados objetos e aplicações, como celulares, brinque- dos, automóveis, aviões e até mesmo nos marcapassos que garantem a sobrevivência de tantos cardiopatas. Esse é o contexto que serve para definir sistemas embarcados. Quando se trata deles, o que está subjacente é o fato de existirem computadores trabalhando nos bastidores da ativi- dade humana, como destaca Heath (2002). E sua onipresença invisível é bastante significativa. Basta reconhecer que os sistemas embarcados são a maior aplicação computacional no mundo. Para Singh (2012, 2014), o nú- mero de dispositivos com sistemas embarcados ultrapassa a quantidade de PCs, notebooks, servidores e afins. É interessante observar que a Internet das Coisas1 faz parte dos sistemas embarcados, mas eles não estão restritos a objetos conectados. Afinal de contas, a tecnologia de sistemas embarcados é bem anterior à da Internet das Coisas. As coisas são objetos como carros, rrefrigeradores, roupas, relógios, televisores, impressoras, pulseiras, capacetes de motocicletas e até memso toalhas de hotéis conectadas à internet. Por isso, é possível admitir que a Internet das Coisas é uma tecnologia resultante da tecnologia de sistemas embarcados: um aprimoramento ou recurso específico para possibilitar o funcionamento em rede. Com maior ou menor grau de sofisticação tecnológica, sistemas embarcados sempre estive- ram por toda parte. Alguns exemplos são telefone, carro, relógio, bicicleta, roteador de wi-fi etc. evoluindo para novas fronteiras (e aí o devido reconhecimento à importância da Internet das Coisas), como óculos e lentes de contato atuando como dispositivos computacionais. A invisibilidade social é, de fato, uma das mais interessantes características desses sis- temas, como lembra Heath (2002). Por exemplo, a maior parte das pessoas que tem algum conhecimento sobre as partes que constituem um veículo automotivo sabe que algo chama- do injeção eletrônica de combustível é um desses componentes básicos. Porém, são poucas as pessoas que têm um conhecimento claro desse dispositivo, que sabem explicar um módulo desses em operação. A razão é que, diferente dos computadores convencionais, a computa- ção presente no controle de fluxo de combustível em um veículo se dá de forma embarcada, apresentando ainda um grau de interação mínimo com os usuários do carro. Se há alguma interação, ela se restringe, de forma indireta, ao funcionamento dos pedais e do câmbio do automóvel. Assim, para a maior parte das pessoas, ignora-se por completo o engenhoso e complexo processo associado à injeção eletrônica, tampouco a existência de um computadordedicado a ela. 1 Veja a seção 2 deste capítulo, inteiramente dedicada ao tema Internet das Coisas. Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 95 Semelhante condição ocorre quando as pessoas utilizam um equipamento tão comum no cotidiano urbano quanto um elevador. Pressionar o botão para subir ou descer, quando do lado de fora, ou do andar ao qual se quer chegar, já do lado de dentro, é uma atividade tão intuitiva que é feita de maneira praticamente automática pelos usuários. Ocorre que a ação de comandar um botão no painel do elevador gera um sinal eletrônico, uma ordem de interrupção, que é tratada pelo respectivo computador daquele sistema. Ele, então, faz as devidas análises e roteiriza suas paradas, para que cada pessoa tenha seu destino atendido. Obviamente, tais pessoas não ficam sabendo como isso é feito operacionalmente, ou que de- cisões são tomadas pela máquina sem que as pessoas possam intervir (por exemplo, ignorar novos pedidos de usuários que queiram entrar no elevador nos outros andares, enquanto o equipamento sobe ou desce depois de já ter atingido o peso-limite com os ocupantes atuais). Portanto, sistemas embarcados podem ou não interagir com usuários humanos, e isso depende exclusivamente de seu objetivo programado. Sem dúvida, em relação a desempe- nho e qualidade, é possível afirmar que um bom sistema embarcado é aquele que funciona sem ser notado. Sistemas embarcados estão intimamente relacionados ao emprego de hardware (eletrô- nica) e software (instruções ou comandos) que são incorporados em um dispositivo que vise a determinada finalidade. Por sinal, a diferença conceitual entre um sistema embarcado e um computador de finalidade geral reside justamente na objetividade. Computadores con- vencionais, tais como PCs, notebooks e afins, são máquinas que se classificam como mul- tiobjetivo. Elas foram concebidas e desenvolvidas para aplicação em um amplo domínio de utilizações. Por sua vez, sistemas embarcados são caracterizados pelo dimensionamento de recursos orientados a um domínio de aplicações muito menor. Muitas vezes, até mesmo uma única singular aplicação. Por outro lado, na perspectiva de sua arquitetura, computadores genéricos e sistemas embarcados comungam de uma divisão bastante similar: afinal, tudo orbita em torno da unidade central de processamento, da memória e dos respectivos periféricos associados. A unidade central de processamento, que é muitas vezes referenciada pela sigla do termo equivalente em inglês, CPU, executa as instruções responsáveis por efetuar cálculos, realizar tomada de decisões e tratar eventos (tais como a resposta a um botão que é pres- sionado). Geralmente, a CPU possui a estrutura constitutiva clássica de um processador de computador tradicional, tal como unidade lógica e aritmética (ULA), unidade de controle (UC) e registradores, entre outras. Aliás, quanto às instruções, ou aos comandos, que a unidade central de processamento atende, convém destacar que elas podem ser dispostas como software ou firmware. Enquanto software é uma denominação genérica que se dá aos programas de computador (incluindo o sistema operacional), firmware diz respeito a instruções e comandos com uma finalidade bem específica (e pouco interativa com o usuário). Firmware é projetado para a função de controlar diretamente o hardware. Diz respeito à memória não volátil, isso é, que retém in- formação mesmo após o corte de energia elétrica de alimentação do sistema. Como atua di- retamente sobre os circuitos eletrônicos, uma característica típica é sua considerável rapidez, pois a resposta de desempenho é essencial para o bom funcionamento do sistema. Tecnologias para dispositivos móveis6 Tópicos Especiais em TI96 No caso dos computadores, o firmware está associado à BIOS (basic input and output system, ou sistema básico de entrada e saída), um elemento fundamental para que o sistema atue da forma esperada após ser inicializado ou ligado. Na prática, enquanto que em um computador ou smartphone é possível instalar e de- sinstalar software tantas vezes quanto se deseje, o firmware muito raramente é atualizado – quando isso ocorre, normalmente é por uma orientação do fabricante dos respectivos dis- positivos eletrônicos, para corrigir bugs ou melhorar o desempenho daquele componente. A memória cumpre sua função de armazenamento de dados e instruções relacionados às operações da unidade central de processamento. É interessante observar que as instru- ções e os dados podem dividir a mesma memória, como ocorre com os computadores con- vencionais (a chamada arquitetura Von Neumann, que é a clássica), ou podem ser separados em memórias distintas (denominada arquitetura Harvard, mais recente), sendo que essa últi- ma costuma ser a mais recorrente em sistemas embarcados. Por sua vez, periféricos são as interfaces gerais da unidade de processamento com o mundo exterior, cumprindo a função de trazer informações para o sistema ou enviar in- formações originadas no sistema. Um exemplo de um periférico é o conversor analógico/ digital que é acoplado a um sensor térmico, convertendo a temperatura efetiva de um am- biente (informação de natureza analógica) em números binários (informação de natureza digital), para que, assim, a unidade de processamento possa interpretar e processar as devi- das informações. Para Heath (2002), um sistema embarcado existe para um propósito, que é o de contro- lar processos. Por assim dizer, reconhece-se que tal sistema é adotado para atuar sobre um determinado problema. Um processo controlado pode significar desde situações bastante simples, como abrir e fechar uma porta de forma automatizada, até o complexo gerencia- mento autônomo de um robô-cirurgião. Tal controle se estabelece mediante o uso de perifé- ricos, que são selecionados e aplicados com base no problema-alvo. Nos sistemas embarcados, duas categorias de periféricos se distinguem: os sensores e os atuadores. Sensores são responsáveis pela aquisição de informação externa, ou seja, originada do processo que precisa ser controlado. Tais informações são essenciais para a unidade de processamento, afinal, com base nelas, as respectivas decisões são tomadas. Por definição, um sensor adequado é aquele que fornece informação confiável, não provo- cando alterações no processo-alvo. Em outras palavras, isso implica que um sensor não deve mudar os valores da grandeza física pela qual é responsável por medir, como, por exemplo, diminuir a temperatura ou aumentar o peso de um motor sob seu monitoramento. Na prática, essa garantia de não interferência pode ser uma tarefa bastante desafiadora, dependendo da tecnologia que é empregada no sensor (por exemplo, interação mecânica). Os avanços tecnológicos no que diz respeito a sensores sempre buscam diminuir essa inter- ferência do momento da medição. Existem os mais variados tipos de periféricos com função de sensores, tais como os específicos para temperatura (termistores), pressão (piezos), mo- vimento (acelerômetros), toque (touchscreen), contato (chaves mecânicas), distância (sonar/ Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 97 infravermelho), óticos (câmeras), entre diversos outros. Em suma, os sensores são os peri- féricos de entrada, responsáveis por enviar informação do processo (meio externo) para o sistema embarcado. Por sua vez, atuadores proporcionam ao sistema embarcado a capacidade de interven- ção no meio em que atuam, ou modificação desse meio. Esses dispositivos, portanto, desem- penham funções visando a interferir no processo sob seu controle. Exemplos são motores, ventiladores, luzes, aquecedores, resfriadores, chaveadores, entre outros. Assim, os atuado- res são os periféricos de saída, cumprindo a função de encaminhar informação interna (do sistema embarcado) para o processo (meio externo que está sob seu controle). Na dinâmica de seu funcionamento, a unidade de processamento decide acionar ou não os atuadores tomandopor base as informações previamente recebidas dos sensores. Segundo Heath (2002), essa configuração é conhecida como sistema em malha fechada ou sis- tema realimentado. Existe, ainda, outra forma de acionar os atuadores, com base no tempo decorrido, por exemplo. Esse sistema é conhecido por malha aberta, porque não se utilizam informações originadas do processo sob controle – não existem sensores envolvidos. Na prática, a desvantagem de sistemas em malha aberta é justamente apresentar a mesma resposta funcional para diferentes situações envolvendo o processo sob controle. Por isso, costuma-se reconhecer que sistemas em malha fechada são inteligentes, no sentido que compensam variações no ambiente (temperatura, iluminação, umidade etc.), oferecen- do respostas personalizadas àquela situação momentânea. Assim, sistemas em malha fe- chada são mais robustos, com mais componentes, sendo mais caros que sistemas de malha aberta, mas muito mais versáteis. A indústria percebeu, já há algumas décadas, que as novas demandas do mercado, somadas à evolução exponencial da tecnologia microeletrônica, tornariam os negócios em torno de dispositivos embarcados bastante promissores. Por isso, as grandes marcas de fa- bricantes industriais focaram na pesquisa e no desenvolvimento de chips otimizados para difundir cada vez mais as aplicações de sistemas embarcados. É assim que começou a era dos microcontroladores, processadores computacionais mais simples, com alguns periféri- cos integrados no próprio chip, entre eles contadores, conversores analógicos/digitais, portas seriais etc. Também existem microcontroladores dispondo de memória de programa e da- dos integrados no mesmo chip. A crescente miniaturização dos chips favorece novas aplica- ções desses sistemas, além de reduzir custos de desenvolvimento dos sistemas embarcados. Enfim, como resume Singh (2012, 2014), já não é mais possível visualizar o mundo con- temporâneo sem a onipresença dos sistemas embarcados. As pessoas simplesmente usu- fruem das benesses cotidianas proporcionadas por tais sistemas, sem se dar conta disso. A computação, na prática, ganha corpo além das máquinas estáticas em mesas de trabalho. Por sinal, uma das maiores revoluções que os sistemas embarcados deixam de legado ao mundo é a da interconexão inteligente total de virtualmente tudo, na forma da tecnologia da Internet das Coisas. Tecnologias para dispositivos móveis6 Tópicos Especiais em TI98 6.2 Internet das Coisas A Internet of Things (IoT, ou Internet das Coisas) é um conceito diretamente ligado à conectividade. De uma maneira ampla, tudo interconectado: uma ampla e contínua gera- ção e transferência de dados entre diferentes instâncias. Se o termo é novo, o conceito já é um tanto quanto antigo, remonta aos anos 1980, quando se começou a explorar, mais pro- fundamente, as possibilidades da chamada computação ubíqua, ou computação onipresente. Essa onipresença da informática no cotidiano seria tão ampla que, por mais paradoxal que possa parecer, ela teria um efeito de transparência: todos os objetos são computadorizados, ou dispõem de sensores ligados a computadores, mas essa estrutura de TI fica invisível aos olhos humanos. Muito graças ao design, ajudado extraordinariamente por avanços no campo da nanotecnologia: afinal, objetos como um vaso de flor, uma bola de futebol ou um cartão de Natal devem ser, fundamentalmente, vistos, manipulados e utilizados como tais – com a estrutura de TI que os faz inteligentes meticulosamente incorporada em sua estrutura física. Então, se a ideia é antiga, ela teve sua razoável demora em ser implementada em função do ambiente de propagação: a internet é o meio essencial para as funcionalidades de interco- nexão envolvidas, e a rede mundial de computadores, com uso em larga escala (comercial/ residencial), só seria uma realidade a partir dos anos 1990. E, muito mais recentemente, a extrema miniaturização que já se consegue na indústria da TI possibilita uma gama muito maior de objetos conectados. O impacto que isso traz ao mercado, em termos de criação de novos negócios, pos- sui projeções que chegam a cifras trilionárias de faturamento – segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers2 (2017), em torno de US$ 1,7 trilhões. Tal fato se dá porque virtual- mente qualquer objeto que já exista hoje como oferta de utilidade à sociedade ganha mui- tas novas funções à medida que se torne inteligente: automóveis, roupas, eletrodomésticos, óculos, portas, lâmpadas, livros, bicicletas, brinquedos etc. Cada um desses exemplos são indústrias já consolidadas com produtos convencionais, e que podem ser completamen- te revolucionadas em termos de novas ofertas de valor e respectivo volume adicional de faturamento. A internet se estabeleceu como tecnologia básica de comunicação a partir do estabeleci- mento das pilhas de protocolo TCP/IP, a essência da comunicação entre computadores em rede. Juntos, o TCP (Transmission Control Protocol, ou protocolo de controle de transmissão) e o IP (Internet Protocol, ou protocolo de internet, ou ainda protocolo de interconexão) formam um conjunto de protocolos que pode ser visto como um modelo de camadas, em que cada uma é responsável por um grupo de tarefas, fornecendo um conjunto de serviços bem defi- nidos para o protocolo da camada superior. Nessa arquitetura, as camadas mais altas estão mais perto do usuário (a chamada camada de aplicação), lidando com dados mais abstratos, confiando em protocolos de camadas mais baixas para tarefas de menor nível de abstração. 2 Para saber mais, acesse: <www.pwc.com/m1/en/media-centre/2017/iiot-transformation-that-will- put-cios-to-the-test.html>. Acesso em: 30 out. 2017. Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 99 A versão mais atual do protocolo de internet é o IPv6, e sua configuração foi muito influenciada pelo fenômeno industrial da Internet das Coisas e dos dispositivos móveis. Essa tecnologia, lançada em 2012, vem sendo implantada de forma gradual na internet, fun- cionando concomitantemente ao tradicional IPv4, situação essa descrita tecnicamente como dual stack ou pilha dupla. A seu devido tempo, o IPv4 é desativado e a internet passa a ope- rar exclusivamente com IPv6. Isso ocorre porque o IPv4, operando com 32 bits (ou, mais precisamente, 4 blocos de 8 bits), suporta apenas cerca de 4,3 bilhões de endereços. Há alguns anos, tal quantidade po- deria parecer muito mais que suficiente para comportar todo o conteúdo da internet. Ocorre que, com a maior inclusão digital, em um mundo que caminha para 7 bilhões de habitantes, e como cada pessoa tem vários dispositivos conectados à rede (cada um deles requisitando seu próprio endereço digital), o esgotamento já se tornava iminente. Por sua vez, o IPv6, operando com 128 bits (8 grupos de 16 bits), permite alcançar um número de endereços IP que, de tão gigantesco, foge à capacidade humana de compreender sua real magnitude: 3,4 × 1038. O número, mais que um preciosismo técnico, é uma folga mais que suficiente para pos- síveis novos endereços digitais, uma garantia de que não se defronte com nova necessidade de redefinir o padrão de endereços de internet no futuro. O tema do esgotamento dos atuais endereços de internet baseados em IPv4 é tão relevante que alguns governos têm criado políticas públicas específicas para garantir a transição para o novo padrão, pois nenhum país quer correr o risco de ficar à margem da nova internet. Portanto, tratar de Internet das Coisas significa considerar a realidade imposta pela computação pervasiva, como inspira o sugestivo termo everyware (um trocadilho para o in- glês everywhere, ou “por toda a parte”, com software, hardware, firmware etc.). Vale destacar que essa tecnologia reúne não apenas os microprocessadores (CPU) em dispositivos móveis, mas também middleware avançado, sistemas operacionais, mobile code, sensores, novas inter- faces de E/S e de usuários, redes, protocolos móveis, localização e posicionamentoe ciência dos materiais (nanotecnologia/miniaturização). Em última análise, todos os conceitos que procuram explicar a computação ubíqua compartilham uma visão de dispositivos de processamento que trabalham em rede, bus- cando sempre serem pequenos, baratos e robustos. Para Poslad (2009), a ubiquidade se alcança ao distribuir esses dispositivos inteligentes em todas as escalas que sejam possí- veis ao longo das experiências do cotidiano das pessoas. Ou seja, procura-se torná-los tão corriqueiros que transpareçam, na prática, “invisibilidade” na ótica do usuário. Assim, uma considerável parte dos usuários, provavelmente sua maioria, sequer suspeita que di- versos equipamentos, máquinas e acessórios que os cercam nos afazeres do dia a dia são, em algum grau, computadorizados. Todavia, é interessante observar que nem tudo o que está conectado à Internet das Coisas é dispositivo computadorizado: de fato, a maioria dos itens é formada de sensores, dispositivos esses que alimentam os computadores com as mais variadas e ricas informa- ções. A analogia com organismos naturais é bastante válida: considerando que uma pessoa é um ser inteligente, atribui-se tal inteligência ao conjunto completo (o organismo), e não Tecnologias para dispositivos móveis6 Tópicos Especiais em TI100 apenas a seu cérebro. Um ser humano é constituído por um cérebro, comportando-se em função equivalente a uma CPU no mundo dos computadores, mas também é formado por uma extensa rede de neurônios, elementos fundamentais para que o cérebro humano tenha atuação efetiva sobre todo o corpo sob sua responsabilidade – desde a correta funcionali- dade da respiração, atuação dos órgãos vitais e dos cinco sentidos (olfato, audição, paladar, tato e visão). No contexto da computação, disposição semelhante acontece: tão importante quanto as unidades de processamento são os sensores espalhados pelo mundo, para que informações sejam recolhidas e processadas. E, assim como a proporção do organismo humano é de um cérebro para 86 bilhões de neurônios, em um mundo de Internet das Coisas, a quantidade de sensores suplanta espantosamente o número de computadores. São nesses termos que o protocolo IPv6 torna-se tão necessário para comportar a transformação digital que o mundo atravessa atualmente: a quantidade de endereços na rede explodiu exponencialmente. Observa-se que a indústria tem disponibilizado sensores dos mais variados a preços cada vez menores, e isso implica em um importante efeito prático: viabiliza-se de forma mais acelerada a difusão de sistemas de Internet das Coisas, uma vez que os custos de implantação se tornam mais acessíveis, como destaca Schwab (2016). Segundo pesquisa da BBC Research, estima-se que o mercado global de sensores possa atingir mais de US$ 154 bilhões até 2020, com taxas de crescimento anual acima de 10%. Em meio às várias tecnologias de sensores em geral, a categoria de sensores inteligentes (smart sensors), que são projetados especialmente para aplicações de Internet das Coisas, tem participação cada vez destacada, como aponta Singh (2014). A estimativa era de um volume de negó- cios de quase US$ 7 bilhões em 2017, aumentando ano após ano sua relevância em meio aos sensores convencionais. A revolução resultante dos dispositivos e objetos inteligentes é uma das características que bem define a Quarta Revolução Industrial. Afinal, essa tecnologia consegue conectar as pessoas aos seus mais variados gadgets de uma forma que nem se almejava ser possível até poucos anos atrás. No entanto, ainda são poucos os profissionais de TI que reconhecem que a Internet das Coisas traz também novos problemas e preocupações, alguns de aspecto técnico, e outros de natureza social e ambiental. Castells (2009) entende que, pela incipiência da nova tecnologia, a maioria desses novos problemas e preocupações são ainda pouco re- conhecidos, embora existam evidências de que situações práticas relacionadas já começam a acontecer. As consequências de um mundo tomado pela Internet das Coisas são difíceis de prever com precisão. Por exemplo, convém analisar a necessidade de padrões abertos. Em um primeiro mo- mento, a Internet das Coisas consiste em muitos dispositivos individuais com suas próprias especificações (conforme respectivos fabricantes). Nesta fase, isso ainda não parece desper- tar muita preocupação, mas chegará a época em que o crescimento e a cobertura global atin- girão um estágio tal que será imprescindível que dispositivos de diferentes fabricantes se comuniquem entre si, através de linguagem (de máquina) comum. Assim, embora muito do desenvolvimento atual da Internet das Coisas empregue software de código aberto, ocorre, Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 101 todavia, que padrões e protocolos universais costumam ficar em segundo plano no desen- volvimento de tecnologia inteligente. Outro problema que não pode ser ignorado diz respeito às demandas energéticas. Como aponta Castells (2009), na visão da consagrada Gartner, referência global na indús- tria de TI, chegou-se a quase 5 bilhões de dispositivos inteligentes em 2015, com previsão de se alcançar, até 2020, 25 bilhões de objetos conectados, um crescimento em ritmo ex- ponencial – que continuará vigoroso pelas próximas décadas. Juntamente com essa difu- são de novos dispositivos eletrônicos, ocorre um correspondente aumento no consumo de energia elétrica. Em 2012, levantamentos realizados a respeito dos datacenters que alimenta- vam a rede mundial de computadores estimaram um consumo na ordem de 30 bilhões de Watts de eletricidade por ano. Tal patamar equivale a alimentar uma cidade de médio porte. Por certo, como aponta Singh (2012, 2014), a Internet das Coisas exigirá um dispêndio ener- gético muito maior. A pressão pela troca definitiva da matriz energética por fontes renová- veis de energia (a chamada energia limpa) torna-se, portanto, urgente para que o desenvolvi- mento tecnológico alcançado seja sustentável. 6.3 O fim dos smartphones Aparentemente, o senso comum entenderia que se vendem cada vez menos computa- dores convencionais (desktops e até mesmo notebooks), e cada vez mais smartphones. Afinal, com seu apelo de mobilidade e poder de processamento cada vez maior, a tendência parece ser de um crescimento sem fim no número desses dispositivos. Há quem possa supor o atin- gimento, um dia, de uma relação 1:1 com o número de habitantes do planeta. Curiosamente, em meio à explosão exponencial no número de celulares inteligentes no mercado nos primeiros anos dessa tecnologia, especialistas concordam que há uma proba- bilidade muito grande de ela cair rapidamente em ostracismo. Naturalmente, se algo tão poderoso nos dias atuais como um smartphone cai em desuso, é porque algo muito mais revolucionário está prestes a tomar o mercado. Mais de uma década após o inovador iPhone ser lançado, começa-se a discutir se a contínua evolução do celular inteligente pode chegar ao fim. Alguns críticos afirmam que as inovações nesse campo parecem ter entrado em um loop: se antes telas pequenas tinham mais apelo que telas grandes, a tendência inverteu-se, com a valorização de telas maiores. Uma vez que toda a indústria adote como padrão uma tela maior, o inovador seria ousar diminuir o tamanho da tela. Se a primeira geração de celulares era do modelo flip (abrir e fe- char) e teclado físico, inovou-se com as telas deslizáveis e touchscreen (para teclado virtual). Aparentemente, um movimento de reviver o estilo dos antigos blackberries com teclado físico tenta ser difundido como inovação. Em suma, talvez a tecnologia dos smartphones tenha já alcançado seu ápice, com esgotamento de possibilidades de reais melhorias, e o porvir agora é uma transição para outra tecnologia. Ocorre que especialistas da indústria, como Singh (2012, 2014) e Schwab (2016), apontam que a inovação nos smartphones está abrindo espaço para funções que antes eram exclusividade Tecnologias para dispositivosmóveis6 Tópicos Especiais em TI102 do telefone, mas que se tornam comum em softwares e serviços de todas as formas: é a Internet das Coisas redefinindo o conceito de carros, de geladeiras, de relógios e até de joias. Os analistas e designers de produtos entendem que novos avanços na tecnologia dos ce- lulares inteligentes estão sendo impedidos por limites práticos da tecnologia atual. Ou seja, sobre o que seria possível fazer com os smartphones em termos de tamanho da tela, de bateria e de capacidade de rede. Por isso, tudo na indústria do celular vem tendendo a ser cada vez menos radical e mais incremental: ser ligeiramente mais rápido, um pouco maior, com um pouco mais de armazenamento de dados ou resolução melhor. Gigantes de tecnologia, como Apple, Google e Microsoft, duelam para definir quem será o vanguardista em tornar os celulares redundantes. A Internet das Coisas tem sido a chave nesse processo de disrupção tecnológica: as empresas estão testando novas formas de ajudar as pessoas a interagir com o mundo, com dispositivos pessoais ativados por voz, instalados em vestíveis (wearable technology), como anéis, brincos, calçados, relógios e óculos inteligentes. De fato, importantes conquistas têm sido alcançadas, com assistentes pessoais virtuais como o Google Now, Apple Siri, Microsoft Cortana e Amazon Alexa, com funções apreciáveis como leitura de textos ou e-mails aos usuários, resposta a perguntas variadas, controle de funções de celulares e navegação espacial urbana. O valor está cada vez mais no software e menos no hardware. A maneira como a indústria evolui parece indicar que o aparelho celular, em si, vai se tornar apenas uma das diversas formas de se fornecer acesso ao ambiente digital. Há que entender as funções do celular inteligente se dividindo em dois campos: aparelhos com telas cada vez maiores, favorecen- do o entretenimento, e equipamentos vestíveis compactos, para funções tão variadas como calendário, monitoramento de ritmo cardíaco ou sistema de pagamento facilitado. Um dos pontos nevrálgicos da evolução da atual tecnologia dos smartphones é a bateria, que não parece acompanhar a mesma velocidade dos demais componentes do sistema. Há muito, são aplicados esforços na ampliação da vida útil das baterias, cada vez mais demandadas. Afinal, usuários assistem cada vez mais a vídeos, quando não filmes inteiros no celular. Os futuros aparelhos também exigem mais flexibilidade com as telas. Acredita-se que displays flexíveis, que podem ser enrolados ou dobrados e alcançar tamanhos expressivos como 14 polegadas ou mais, podem definitivamente libertar os celulares de serem definidos pelo tamanho da tela. Afinal, nos dias atuais, o que justifica ter um tablet? A conferência F8 é um tradicional evento anual realizado pelo Facebook, para congregar desenvolvedores de tecnologia da informação e aprimorar a própria rede social, a internet como um todo e, de modo geral, o novo mundo digital. Na conferência realizada em 2016, o CEO da empresa, Mark Zuckerberg, revelou sua visão em relação aos aparelhos celulares. O Facebook decidiu investir em pesquisa e desenvolvimento de óculos inteligentes, visual- mente muito parecidos com óculos convencionais. Para Zuckerberg, o futuro parece apontar para um mundo sem telas. Não mais restrito a uma visão de ficção científica, o mundo que o Facebook se propõe a construir (ou a capita- near o processo de construção) é bastante ambicioso e tecnologicamente cada vez mais viá- vel. Trata-se de uma mudança de paradigma, em que, em vez de seguir dando continuidade Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 103 a smartphones, tablets, televisores ou qualquer outro dispositivo à base de uma tela de in- teração com o usuário, as imagens poderiam ser simplesmente projetadas nos olhos das pessoas, os sons nos ouvidos, enquanto os comandos são dados com o cérebro. Nesse grau máximo de interatividade do homem com a nova tecnologia, os celulares, então, sucumbi- riam definitivamente. Um mundo com essa inquietante combinação de realidade virtual e real pode soar ex- citante para a sociedade – e, claro, para os acionistas do Facebook. Ao mesmo tempo, abre as portas para um cenário futurista controverso, em que essa organização – ou qualquer outra empresa de tecnologia – torna-se o elo intermediário de tudo o que as pessoas veem, escutam e, quem sabe, até o que pensam. Conforme os anos avançam, a integração entre Internet das Coisas, realidade virtual e aumentada e inteligência artificial foge cada vez mais da fantasia para se converter em realidade. Essa é a tendência que pode condenar à obsolescência os smartphones. De todos os vestíveis, óculos inteligentes possivelmente sejam o ponto de inflexão dos celulares. Singh (2012, 2014) projeta para um horizonte inferior a 10 anos a estabilização da tecno- logia necessária para essa mudança de paradigma. Nesse meio-tempo, incorrem os esforços, como o do Facebook, em se desenvolver uma tecnologia que pode fazer uma pessoa escrever com o cérebro. Na prática, o desdobramento disso é a possibilidade de digitar, selecionar e clicar simplesmente ao pensar, utilizando os óculos inteligentes. Nesse sentido, estão sendo aprimoradas plataformas como o Camera Effects, do Facebook, que faz do telefone um dis- positivo de realidade aumentada. O potencial é enorme. Convém lembrar que a missão declarada da empresa de Zuckerberg está relacionada ao compartilhamento, e essa espécie de teletransporte virtual, onipresente e interativo, é um meio imensamente poderoso para tal finalidade. Na conferência F8, foi revelado o Facebook Spaces, um aplicativo de realidade virtual social, que permite que as pessoas imersas na realidade virtual se reúnam umas com as outras, mesmo que algumas delas estejam no mundo real e outras estejam conectadas a um fone de ouvido. É um cenário que alguns até podem considerar assustador; de qualquer modo, é uma das formas como o Facebook trabalha para que amigos passem um tempo juntos em um futuro não tão longínquo. Outro anúncio do Facebook diz respeito às intenções de revitalizar a sua plataforma Messenger com ferramentas de inteligência artificial, o que pode torná-la mais amigável para os negócios. Os chatbots do Facebook Messenger vêm se esforçando em ganhar aceita- ção do público, em uma nova abordagem que excede o mero texto digitado. Caso prospere o plano do Facebook para fazer alguém ouvir com a pele, as pessoas poderão falar com al- guém (que use os óculos) e a pessoa poderá responder apenas com um pensamento (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2017). Com cada vez mais pessoas vivendo e interagindo socialmente nesse novo mundo se- mivirtual, empresas líderes em novas tecnologias, como é o caso do Facebook, sabem que ser a chave para todas as interações traz um incrível ganho financeiro. Tecnologias para dispositivos móveis6 Tópicos Especiais em TI104 Para Singh (2012, 2014) e Schwab (2016), é bastante provável que se esteja a menos de uma década de distância desse mundo tecnológico projetado pelo Facebook. É preciso con- siderar que tudo isso parece levar a um cenário em que essa rede social (e também outros líderes tecnológicos como Apple, Google e Microsoft) passe a deter um controle sem prece- dentes sobre a concepção da realidade. Zuckerberg, falando pelo Facebook, não está sozinho nessa visão de futuro a respeito dos celulares. Para a Microsoft, por exemplo, os dispositivos futuros não parecerão em nada com os atuais smartphones. Para a empresa, também há a concordância que os até agora tradicionais dispositivos retangulares e em vidro perderão ainda mais espaço para novos gadgets vestíveis, incutidos com recursos de realidade virtual e realidade aumentada, um reforço na aposta dos óculos inteligentes. Caminha-se, com isso, a um espetacular aprimoramento nos assistentes pessoais das grandes empresas de tecnologia. Se hoje são acionáveis por comandos de voz ou texto digi- tado, tendem a, em breve, viabilizarem ocomputador holográfico, voltado para interpretar gestos e vozes, ou seja, interagir em um grau muito mais íntimo (e natural) com os usuários, como vislumbra Singh (2012, 2014). Momentaneamente, são dois os principais motivos que ainda dão alguma sobrevida aos smartphones: preço e maturidade tecnológica. Os protótipos de novos gadgets que vêm sendo testados têm, ainda, um custo de produção alto, e, além de caros, são grandes e pesa- dos, com um ecossistema desenvolvedor ainda não totalmente desenvolvido, o que impede, por ora, o lançamento massivo no mercado. Por isso, tem sido adotada alguma cautela. A indústria tem seus receios de evitar repetir o que ocorreu com o Google Glass, prova- velmente uma inovação que não vingou por prematuridade no lançamento comercial. Empresas líderes, como a Microsoft, vivem seus dilemas: não querem chegar atrasadas ao mercado (caso do Windows Phone frente ao iOS e Android, cuja consequência da demora acarretaria no posterior cancelamento do produto), mas também rejeitam a ideia de lançar um produto incompleto e repleto de falhas. Concordando com Singh (2012, 2014) e Schwab (2016), a mobilidade parece ter, en- fim, um futuro mais que promissor. Ao mesmo tempo, determinadas tecnologias, como smartphones, talvez não tenham tanta sobrevida assim, tendendo a serem consideradas da- tadas na Indústria 4.0. A velocidade das mudanças tecnológicas é avassaladora, e cabe à so- ciedade como um todo, seja no papel de consumidores ou de empreendedores tecnológicos, estar permanentemente vigilante. Conclusão Uma pessoa com um mínimo de percepção pode concluir que tudo está mudando a sua volta, em um ritmo inédito frente ao que as gerações anteriores enfrentavam. É a transfor- mação digital ocorrendo a olhos vistos. Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 105 A mobilidade é um vetor de análise dessas mudanças, e molda a forma como as novas tecnologias convergem entre si e entregam novas oportunidades para a vida das pessoas. O movimento era, enfim, inevitável: a tecnologia da informação não poderia ficar presa a um equipamento obsoleto na mesa de trabalho de uma pessoa, mas sim cumprir seu mais valioso papel, que é o de dar suporte pleno ao dia a dia dos seres humanos, a qualquer hora, em qualquer local. Ampliando seus conhecimentos Em sua pesquisa “Economia de energia em dispositivos móveis”, Urriza et al. (2004) abordaram um dos mais importantes pontos de estrangulamento tecnológico dos atuais dispositivos móveis: o consumo de energia elétrica. Economia de energia em dispositivos móveis (URRIZA et al., 2004, p. 1) A redução do consumo de energia em dispositivos móveis, (...) por diver- sos fatores, é hoje um problema de importância capital. Dentre esses fato- res pode-se citar a crescente necessidade de mais capacidade de processa- mento exigida pelos novos programas aplicativos e sistemas operacionais. Infelizmente, o avanço da tecnologia de baterias tem sido lento em relação à capacidade de fornecimento de energia e mesmo em relação ao grau de miniaturização exigido pelos dispositivos móveis. A tecnologia CMOS é hoje comumente utilizada no processo de fabricação de processadores. Para essa tecnologia, verifica-se que o consumo de energia é aproxima- damente proporcional ao quadrado da voltagem de alimentação. Assim, uma redução do nível de voltagem implica em uma diminuição de ordem quadrática no consumo de energia e na dissipação de calor. Vários proces- sadores comerciais exploram essa característica e implementam um meca- nismo denominado Regulagem Dinâmica de Voltagem (Dynamic Voltage Scaling). Essa é uma técnica efetiva na redução do consumo de energia, aplicável em várias situações. Particularmente, em sistemas móveis de tempo real, o desafio é minimizar o consumo de energia e garantir as res- trições temporais desses sistemas. [...] Atividades 1. O que é firmware? Tecnologias para dispositivos móveis6 Tópicos Especiais em TI106 2. Por que a Internet das Coisas aumenta a pressão por fontes renováveis de energia? 3. Por que a bateria é um dos gargalos tecnológicos da evolução dos smartphones? 4. Por que o ser humano pode ser considerado o próximo dispositivo móvel? Referências ÉPOCA NEGÓCIOS. Facebook quer que as pessoas “digitem com o cérebro” e “ouçam com a pele”. Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/colunas/Tecneira/noticia/2017/04/facebook-quer que-pessoas-digitem-com-o-cerebro-e-oucam-com-pele.html>. Acesso em: 2 out. 2017. CASTELLS, M. The rise of the network society, the information age: economy, society and culture. 2. ed. West Sussex, UK: Blackwell, 2009. HEATH, S. Embedded systems design. Burlington, MA: Newnes, 2002. POSLAD, S. Ubiquitous computing: smart devices, smart environments and smart interaction. Hoboken, NJ: J. Wiley, 2009. PRICEWATERHOUSECOOPERS. Disponível em: <https://www.pwc.com/m1/en/media-centre/2017/ iiot-transformation-that-will-put-cios-to-the-test.html>. Acesso em: 19 out. 2017. SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SINGH, S. New mega trends: implications for our future lives. eBook Kindle: Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012. _____. Top 20 global megatrends and their impact on business, cultures and society. San Antonio: Frost & Sullivan, 2014. URRIZA, J. et al. Economia de energia em dispositivos móveis. In: WORKSHOP DE COMUNICAÇÃO SEM FIO E COMPUTAÇÃO MÓVEL, 6., 2004, Fortaleza (CE). Anais... Fortaleza, 2004. p. 48-56. WEISER, M. The computer for the 21st century. Mobile Computing and Communications Review, V. 3, n. 3, p. 3-11, 1999. Resolução 1. Firmware pode ser considerado o software que não interage com o usuário. Afinal, diz respeito a instruções e comandos com uma finalidade bem específica, sendo pro- jetado para a função de controlar diretamente o hardware. Diz respeito à memória não volátil, isto é, que retém informação mesmo após o corte de energia elétrica de alimentação do sistema. Como atua diretamente sobre os circuitos eletrônicos, uma característica típica é sua considerável rapidez, pois a resposta de desempenho é essencial para o bom funcionamento do sistema. 2. Porque a digitalização que a tecnologia proporciona traz um número muito maior de dispositivos eletrônicos funcionando simultaneamente, e estes são ali- mentados por energia elétrica. Se a quantidade de energia elétrica a mais que Tecnologias para dispositivos móveis Tópicos Especiais em TI 6 107 precisa ser gerada vem de fontes não renováveis, o impacto ambiental é desastro- so (por exemplo, pela maior emissão de CO2 na atmosfera, com consequências de aquecimento global e desequilíbrio climático). Urge, pois, que a produção desse adicional de energia tenha impacto ambiental minimizado, para que o progresso tecnológico e industrial seja sustentável. 3. Porque é cada vez mais demandada com o dispêndio energético que os aparelhos exigem (vídeo, conexão etc.) e não conseguem acompanhar o mesmo ritmo de evo- lução dos demais componentes. 4. Por causa da forte tendência da tecnologia dos vestíveis (wearable) substituir os atuais smartphones, além da possível integração homem-máquina em um nível realmen- te avançado (cérebro comandando, imagens virtuais sendo desenhadas nos olhos e sons virtuais nos ouvidos). Tópicos Especiais em TI 109 7 TI verde Existe uma crescente pressão na indústria em geral para que as organizações con- sigam desempenhar modelos mais sustentáveis de negócio, sendo a sustentabilidade definida por um tripé de resultados satisfatórios nos aspectos econômico, social e ambiental. Como qualquer tripé, bastaria uma dessas sustentações ser comprometida para o negócio como um todo não prosperar. A tecnologia da informação é especialmente útil nesse cenário, favorecendo que o equilíbrio ambiental se traduza também em adequação econômica e social. O TI verde abre, ainda, inúmeras oportunidades de negócios, em termos de uma ampla oferta de prestadores de serviços especializados,para atuarem como fornecedores de soluções de sustentabilidade às empresas de todos os ramos e portes. TI verde7 Tópicos Especiais em TI110 7.1 O mercado CleanTech O termo CleanTech (Clean Technologies, ou tecnologias limpas) é empregado, de modo geral, para representar todas as tecnologias voltadas à sustentabilidade ambiental. Algumas vezes, também se utiliza a expressão equivalente GreenTech (tecnologia verde). Ou seja, uma forma de promover o progresso industrial e da humanidade, concomitantemente à preser- vação dos recursos naturais, uma vez que o meio ambiente é o entorno básico para a susten- tação da vida no planeta. Quando se trata da aplicação desse princípio especificamente no campo da tecno- logia da informação, é comum referir-se ao termo TI verde. De fato, TI verde atua como elemento de convergência e integração dos princípios sustentáveis também às demais tecnologias, uma vez que novas tecnologias ganham amplo espaço para desenvolvimen- to em ambiente digital. Um dos grandes movimentos que permeiam o setor industrial, em geral, em relação às práticas ambientalmente sustentáveis é a certificação ISO 14.0011, forma pela qual uma organização ganha reconhecimento público e documentado de que ela adota e mantém um sistema de gestão ambiental eficaz. A Norma ISO 14.001 (Sistema de gestão ambiental: requisitos com orientações para uso)2 é um documento que estabelece os requisitos míni- mos obrigatórios que as organizações (de qualquer porte e ramo) devem adotar para poder dispor de uma gestão ambiental eficaz. Como um documento internacional de referência para planejamento de processos de gestão, sua adoção é voluntária por parte das empresas. Contudo, na prática, possuir tal certificação já faz parte de muitas exigências contratuais, principalmente em organizações que atendem o mercado corporativo (empresas que têm outras empresas com clientes): é comum que organizações já certificadas pela ISO 14.001 exijam igual certificação de seus fornecedores – ou, ao menos, evidências que existe projeto para certificação nas empresas de sua cadeia produtiva. Atualmente, existem muitos sistemas informatizados que auxiliam as empresas a con- seguirem a conquista e a manutenção da certificação ISO 14.001. Estes softwares oferecem funções que atendem a alguns dos requisitos mais críticos da norma ISO 14.001, a saber: • Identificação de aspectos e impactos ambientais: a norma exige que as empresas façam o mapeamento dos itens e elementos da organização que interajam, de al- guma forma, com o meio ambiente (aspectos ambientais). Também precisam ser identificados os respectivos impactos ambientais associados, ou seja, a conse- quência que a utilização daqueles aspectos ambientais traz para o meio ambien- te. Isso permite que, com base em critérios técnicos específicos para cada modelo de negócio, os riscos ambientais sejam hierarquizados, e ações proporcionais de controle sejam estabelecidas. Esse mapeamento é dinâmico, precisa ser atualizado 1 A norma está disponível no site da ABNT: <http://www.abnt.org.br/publicacoes2/category/146-abnt- nbr-iso-14001> (acesso em: 23 out. 2017) e pode ser adquirida na seção Loja. 2 Para saber mais sobre ISO 14.001, acesse: <https://www.iso.org/iso-14001-environmental-management. html>. Acesso em: 26 out. 2017. TI verde Tópicos Especiais em TI 7 111 frequentemente, e conta com um número muito grande de variáveis a controlar, por isso, a informatização desse processo é muito importante para a maior confor- midade junto à gestão ambiental. • Identificação dos requisitos legais aplicáveis: a norma exige que as empresas de- monstrem conhecer qual é a legislação ambiental aplicável às suas operações. Isso não costuma ser uma tarefa das mais simples, sobretudo em países como o Brasil, que estabelecem uma estrutura complexa de leis em esfera federal, estadual e municipal. Além de ser necessário ter uma relação permanentemente atualizada das leis ambientes que lhe dizem respeito, as organizações também são requisi- tadas a demonstrar evidências de que estão atendendo aos critérios específicos impostos por tais leis – ou, ao menos, que as pendências legais, estão sob contro- le (tratadas como projetos internos de melhoria de gestão, com prazo definido para regularização). Dependendo da complexidade das operações de uma empre- sa, aspectos legais, como licenciamento ambiental prévio, podem ser impostos. Cabe lembrar que operar uma empresa na ilegalidade, além de sujeitá-la a pesa- das multas, pode acarretar em fechamento do negócio, por força policial ou legal. Trata-se, portanto, de mais um processo bastante sensível à gestão ambiental, e, mais uma vez, a informatização do gerenciamento da legislação ambiental favore- ce em muito a conformidade da gestão ambiental. A norma ISO 14.001 apresenta, ainda, a exigência de que as organizações identifiquem e apliquem soluções tecnológicas ambientalmente mais adequadas às suas operações. Nesse aspecto, a digitalização dos processos produtivos também pode ser considerada uma frente da TI verde, por exemplo, ao fazer com que o papel seja substituído pelo meio digital, em softwares ou sistemas como GED (gerenciamento eletrônico de documentação). Soluções tecnológicas ambientalmente adequadas, aliás, quase sempre orbitam em tor- no de fontes renováveis de energia, o que é uma diretriz que move organizações e nações em busca da troca da matriz energética. Conforme demonstrado no relatório técnico do Clean Edge (2015), parecia absurdo, até bem pouco tempo atrás, a pretensão de se alimentar uma empresa, uma fábrica, uma cidade, um estado ou uma nação com eletricidade 50%, 75% ou até mesmo 100% renovável. Entretanto, cada vez mais, um número crescente de empresas e governos se compromete a atingir esse objetivo. A difusão das energias renováveis requer uma abordagem ampla de energia limpa, o que inclui o portfólio completo de suas fontes, como energia solar, eólica, geotérmica, biogás e hidrelétricas tanto de grande quanto de pequena escala. Aproveita-se, ainda, a ge- ração distribuída e a produção local para consumo próprio, bem como soluções econômicas inovadoras, tais como a comercialização de créditos de energia renovável ou certificados verdes. Tudo isso requer uma abordagem bastante holística, não se restringindo apenas à implantação das fontes renováveis por si só, mas agregando tecnologias de alto desempe- nho (iluminação por leds, edifícios ecológicos etc.), gerenciamento inteligente de demanda e armazenamento alternativo de energia. Aparentemente, alcançar um índice 100% de fontes renováveis pode parecer demasiado audacioso, mas o fato é que isso já está começando a acontecer. Consta no relatório técnico TI verde7 Tópicos Especiais em TI112 do Clean Edge (2015) que a Apple, por exemplo, muito recentemente abriu mão de combus- tíveis fósseis para alimentar todas as suas operações nos EUA (escritórios corporativos, lojas de varejo e datacenters) com um índice 100% de fontes renováveis. Outras grandes empresas seguem o exemplo para alcançar o patamar 100% renovável para suas operações: é o caso de Intel, Microsoft e Unilever. O gigante de TI Google já tinha comprometido mais de US$ 2 bilhões em recursos para projetos solares e eólicos e, recen- temente, conduz projetos para datacenters alimentados inteiramente por fontes renováveis. Tudo isso demonstra a grande demanda por soluções tecnológicas verdes – e contratação de quem as forneça, o que abre um gigantesco e lucrativo mercado a ser explorado. E não apenas empresas fazem parte desse mercado consumidor. O Clean Edge (2015) cita que a Costa Rica, por exemplo, tornou-se a primeira nação a receber toda a eletricidade gerada por energias renováveis durante os primeiros 100 dias de 2015, o que foi possível graças a uma combinação de hidrelétricas com usinas geotérmicas. Pelo menos 74 regiões da Alemanha atingiram 100% de eletricidade obtidas de fontes renováveis. Diversas pequenas ilhas atingiram100% de fontes renováveis (ou chegaram a patamar muito próximo), como a Ilha Kodiak, no Alasca e El Hierro, nas Ilhas Canárias. Três cidades dos EUA são atualmente alimentadas inteiramente por eletricidade oriunda de fonte renovável: Aspen (Colorado), Burlington (Vermont) e Greensburg (Kansas). Compromissos públicos foram firmados para um quadro futuro ainda melhor: é o caso do Havaí, comprometido a atingir 100% de ele- tricidade renovável até 2045, do estado norte-americano de Vermont, de obter 75% de sua eletricidade a partir de energias renováveis até 2032, e da meta de energia renovável da Califórnia de alcançar 50% até 2030. De fato, como apontam Singh (2012, 2014) e Schwab (2016), o crescimento exponencial das energias renováveis desde o início do século XXI mostra que substituir por completo a matriz energética já não é mais um sonho para muitas corporações e governos. Para se ter uma noção dos valores envolvidos, em 2000, o tamanho do mercado global de energia solar e energia eólica era de US$ 6,3 bilhões. Em 2014, as cifras chegavam a US$ 190 bilhões, representando uma taxa de crescimento de mais de 27% ao ano no período. A melhoria no aprimoramento da tecnologia também foi muito significativa: a eficiência das células foto- voltaicas aumentou mais de 42%, e a eficiência da geração eólica progrediu mais de 20%. Como observa o Clean Edge (2015), essas taxas de crescimento vigorosas durante um pe- ríodo de tempo prolongado são raridade, geralmente experimentadas em setores de alta tecnologia que inovam rapidamente, e não a indústria de energia, tradicionalmente estável. O relatório da Clean Edge (2015) destaca, ainda, que as energias renováveis representa- ram aproximadamente 59% do incremento líquido à capacidade de energia global em 2014, com usinas eólicas, painéis solares e hidrelétricas dominando o mercado. Globalmente, as energias renováveis representam quase 30% da capacidade de geração de energia do mundo. Não apenas para o vetor das energias renováveis, mas para possibilitar inovações tec- nológicas sustentáveis em geral (CleanTech/TI verde), é interessante observar que existe forte apoio governamental na forma de incentivos variados às organizações que promovam esses TI verde Tópicos Especiais em TI 7 113 desenvolvimentos. Isso também ocorre no Brasil, com o Finep3, órgão de fomento financei- ro à inovação, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que possui progra- ma específico para esse tema. Trata-se do Inova Sustentabilidade, iniciativa conduzida em conjunto com Ministério do Meio Ambiente e com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O programa tem a finalidade de coordenar as ações de fomen- to à inovação e aprimorar a integração dos instrumentos de apoio disponíveis para investi- mentos em tecnologias ambientais. Seu objetivo é o apoio financeiro, com recursos públicos, de planos de negócio com foco em inovações que induzam a sustentabilidade no desenvolvimento brasileiro. Nesse âmbi- to, várias são suas linhas temáticas: • Produção sustentável: eficiência energética no setor industrial; produção sustentável mais eficiente de carvão vegetal; prevenção e controle de emissões atmosféricas; trata- mento e redução no uso de substâncias tóxicas ou perigosas; coleta, tratamento, redu- ção e reutilização de efluentes líquidos industriais; redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos industriais e recuperação de áreas degradadas. • Recuperação de biomas brasileiros e fomento às atividades produtivas sustentá- veis de base florestal: soluções territoriais integradas para restauração de biomas com espécies nativas e uso de sistemas de informações georreferenciadas; madeira tropical (aumento da produtividade em unidades de manejo florestal e serrarias; mecanismos de rastreabilidade da madeira; novas espécies madeireiras para fins comerciais e agregação de valor aos produtos madeireiros). • Saneamento ambiental: tratamento, recuperação, reciclagem, aproveitamento energético e disposição de resíduos sólidos urbanos; água (sistemas de abasteci- mento de água com foco em controle de perdas e otimização das redes; tratamento de água em regiões de escassez hídrica, incluindo dessalinização e tratamento de água salobra; drenagem urbana); tratamento e valorização dos subprodutos gera- dos no tratamento de esgotos sanitários; coleta, transporte, triagem, descontami- nação e tratamento de materiais em sistemas de logística reversa; remediação de solos contaminados. • Monitoramento ambiental e prevenção de desastres naturais: sistemas de sensores ambientais aplicáveis a monitoramento e prevenção de desastres naturais, espe- cialmente para pluviometria e geotécnica; sistemas para monitoramento de áreas de risco a partir de sensores aerotransportados ou satelitários. Podem participar do processo de seleção do Inova Sustentabilidade empresas indepen- dentes ou pertencentes a grupos econômicos que apresentem receita operacional bruta igual ou superior a R$ 16 milhões e patrimônio líquido igual ou superior a R$ 4 milhões no último exercício. Tais empresas podem formar parcerias com outras empresas e instituições de pes- quisa em ciência e tecnologia (ICT) para execução dos planos de negócio. 3 Para saber mais sobre a Finep, acesse: <http://www.finep.gov.br>. Acesso em: 20 out. 2017. TI verde7 Tópicos Especiais em TI114 Segundo as exigências do programa, os planos de negócio devem ter valor mínimo de R$ 5 milhões, com prazo de execução de até 60 meses e devem ser desenvolvidos integral- mente no território nacional. O apoio do BNDES e da Finep é limitado a 90% do valor total do projeto. Ou seja, esse programa fica restrito a empresas de considerável porte, já estabe- lecidas. De qualquer forma, para empreendimentos novos, startups podem buscar alterna- tivas, como fazer consórcios com grandes grupos empresariais (que serão os proponentes junto à Finep) ou, embora não haja uma linha de financiamento exclusiva para as novas tecnologias ambientais, considerar opções como o Programa de Investimento em Startups4 Inovadoras – que acolhe também a temática ambiental. 7.2 Tecnologias para melhor consumir recursos naturais Com a transformação digital das indústrias em geral, um dos aspectos mais relevantes na discussão do desempenho ambiental da Tecnologia da Informação é referente à energia elétrica, em todas as perspectivas (geração, distribuição, consumo e gestão). Por isso, é indispensável uma análise do smart grid (redes inteligentes) como tendência tecnológica inerente à Indústria 4.0, como destacam Singh (2012, 2014) e Schwab (2016). Há dois grandes segmentos a considerar. O primeiro é a rede de telecomunicações, uma vez que os dispositivos conectados a essa rede estão nas residências, em empresas e nos postes de energia espalhados pela cidade. Essa rede de telecomunicações é um elemento crítico, pois precisa ter uma capilaridade muito grande e é demandada a tratar um volume de da- dos significativo dentro daquela rede. O outro ponto fundamental é relacionado à avaliação dos dados. Ou seja, dentro do centro de operações, esses dados são recebidos de chaves, me- didores e outros equipamentos da rede elétrica. Devido a isso, é necessário monitorar todos esses equipamentos, e comandá-los remotamente. Então, a central de operações e o volume de dados que precisam ser tratados exigem uma infraestrutura de TI que inclua um robusto processo de análise de dados com tecnologia Big Data. É grande o impacto da disponibilidade de smart grids na vida cotidiana. Principalmente, se destaca o fato de que as pessoas passam a ter novas opções de modelos de tarifação da energia elétrica consumida. Afinal, com a forma tradicional, de tarifa única, há pouca ou nenhuma flexibilidade da escolha do momento de utilizar a energia, em termos de poder dispor de uma tarifa mais baixa, dependendo do horário em que há o consumo de energia. É nesse sentido que entra a conveniência do smart grid,que oferece a possibilidade de contar com tarifas diferentes. Inclusive, é possível a modalidade de pré-pagamento. Para Schwab (2016), isso resultará em uma grande revolução à medida que novos pro- dutos sejam massificados para o consumo, como o caso do carro elétrico. É bastante pro- vável que se necessite de um modelo de tarifação de consumo de energia específico para carro elétrico, uma vez que a tendência é que o veículo fique energizado, sob carregamento, 4 Para saber mais sobre o programa, acesse: <http://www.finep.gov.br/chamadas-publicas/chamada publica/609>. Acesso em: 20 out. 2017. TI verde Tópicos Especiais em TI 7 115 durante a noite, por exemplo: isso tem um determinado impacto sobre a rede de distribui- ção, que precisa de um gerenciamento bem mais dinâmico. Outro fator de alta importância para o smart grid é a tendência também irrefreável de autogeração de energia elétrica: empresas e até mesmo consumidores residenciais poderão contar com equipamentos geradores locais de energia, com alternativas envol- vendo painéis solares e turbinas e geradores eólicos. Como a energia elétrica em corren- te alternada não pode ser acumulada (ela precisa ser consumida assim que é gerada), na prática, os momentos em que não há consumo próprio podem ser aproveitados para comercialização daquele excedente gerado, contribuindo para abastecer o sistema, na- quilo que se denomina de microgeração ou geração distribuída. Isso é um divisor de águas na indústria da energia: não existirão apenas consumidores exclusivos de energia, pois estes poderão vender para a rede aquilo que lhes sobrar. Pelo lado da distribuidora de energia elétrica, a maior mudança é operacional. Afinal, os processos convencionais dependem muito da equipe de campo, por exemplo, dos eletricistas que sobem em pos- tes para fazer instalação e manutenção. Tais processos tendem a se tornar remotos e automatizados: podem ser executados à distância, a partir de um centro de controle. Naturalmente, com isso é provável que haja uma expressiva redução de custos. Mesmo considerando que se deixam de lado processos tradicionais (menos custos) para substi- tuí-los por novos processos de gerenciamento (em tese, mais custos), o que ocorre é que os processos digitais são propensos a serem muito menos dispendiosos financeiramente. Como descreve Singh (2012, 2014), os smart grids destacam-se pela função de self healing (autorreparação). Essa “cura automática” da rede se dá em situações como a queda de um poste ou a falha de energia em um bairro, procurando isolar e restringir a falha o mais localmente possível (uma única rua ou um único estabelecimento, muitas vezes, para afetar a menor quantidade possível de consumidores), por meio da procura automatizada e fornecimento de outros supridouros para determinada região. Ou seja, uma rede de geração e distribuição de energia elétrica conta com um alto grau de redundância, de forma que a fa- lha de um elemento pode ser instantaneamente coberta por outro – sem que seja necessária uma operação manual por parte de um ser humano. Do ponto de vista estritamente ambiental, energia elétrica não é um problema em si, mas, mais precisamente, suas fontes de geração é que importam para essa discussão. Fontes limpas, ou renováveis, tais como energia solar, eólica ou das marés, não contribuem para o esgotamen- to dos recursos naturais, ao contrário de fontes não renováveis, como de combustíveis fósseis. As usinas hidrelétricas se encaixam na categoria de fontes renováveis (limpas) de energia, apesar de um ponto controverso: a construção de suas barragens é um empreendimento, em si, com grande impacto socioambiental. Por isso, parte da tecnologia de sustentabilidade é a tendência de substituir grandes e tradicionais usinas hidrelétricas por um volume bem mais numeroso de PCH (pequenas centrais hidrelétricas), que comprometem um espaço físico muito menor e com proporcional redução de impacto ambiental. No que diz respeito ao consumo de recursos naturais, outro elemento onipresente nas organizações em geral é o consumo de papel, dada a burocracia inerente aos processos de trabalho, que implica em um volume muito grande de documentação. Naturalmente, maior TI verde7 Tópicos Especiais em TI116 demanda por papel implica em maior número de árvores derrubadas, pois estas fornecem a matéria-prima necessária à sua produção. Nesse sentido, o mero emprego de papel reci- clado substituindo o papel normal nos escritórios tende a não ser mais que um paliativo, porque o processo produtivo desse tipo de produto tem também um significativo impacto ambiental, por exemplo, o excessivo consumo de água. Felizmente, uso de papel é um problema que vem sendo satisfatoriamente resolvido com a digitalização dos processos produtivos, sendo esta uma das maiores contribuições da TI verde. Sistemas como GED (gerenciamento eletrônico de documentação) fazem muito mais que apenas manter os documentos em formato de arquivos digitais, de forma mais fácil de se armazenar, ordenar e localizar: eles automatizam todo o fluxo de elaboração, revi- são e aprovação de documentos. Isso inclui a autenticação por assinatura digital, resolvendo um dos antigos dilemas da burocracia corporativa: como ter certeza que um documento digital foi realmente aprovado pela devida instância responsável e que deve ser considerado válido? Dependendo do tipo de segmento de atuação de uma empresa, o processo de manuten- ção de seus equipamentos e ferramentas pode ser altamente significativo, tanto em termos de custo quanto em impacto ambiental. Por exemplo, em ambiente de linhas de produção de manufatura industrial, máquinas pesadas, que normalmente utilizam óleo, combustível e água (além de alguma matéria-prima específica diretamente ligada a recursos naturais, como ocorre na indústria de alimentos, por exemplo), contribuem de forma relevante para o esgotamento de recursos naturais. Nesse contexto, a tecnologia da informação também au- xilia uma melhor eficácia ambiental, com sistemas informatizados específicos para controle de manutenção corretiva, preventiva e preditiva. Com uma maior assertividade do processo de manutenção, graças a um fluxo mais eficiente das informações inerentes, como datas de validade, calendário de inspeções e afins, consegue-se manter de forma mais permanente a melhor regulagem dos equipamentos pesados, evitando desperdícios e até mesmo acidentes e incidentes (como derramamento de óleo) que trazem impacto ambiental negativo. No geral, algumas das principais práticas de TI verde são: • Aplicar a eficiência energética: isso envolve não apenas a maximização individual da capacidade produtiva dos equipamentos, mas da engenharia necessária para fazer com que se rendam em sua plenitude quando interligados entre si (como no caso de um datacenter). Ou seja, evitar gargalos de um equipamento que desperdi- cem a energia consumida por outros associados no sistema. • Dimensionar corretamente as necessidades da empresa em relação à TI: é impor- tante ter uma noção da arquitetura de TI ideal para os negócios de uma orga- nização, evitando pecar pela falta (compromete a produtividade) e pelo excesso (desperdiça recursos e gera impacto ambiental desnecessário). • Usar equipamentos mais eficientes: tanto em termos econômicos quanto ambien- tais, um equipamento que esquenta representa puro desperdício – afinal, a ener- gia térmica ali presente é resultado da conversão da energia elétrica efetivamente consumida, porém, não utilizada na função principal do equipamento. Por isso, é TI verde Tópicos Especiais em TI 7 117 necessário, entre outras medidas, priorizar equipamentos com capacidade de re- dução de consumo quando em baixa utilização ou momentaneamente inoperantes (modo standby). • Conscientizar todos os colaboradores em relação à sustentabilidade: os meios di- gitais facilitam o treinamento e capacitação das equipes de trabalho para conheci- mentos em geral, incluindo a temáticaambiental. Inclusive, viabiliza treinamentos a distância, proporcionando importante redução de custo nesses processos. Além de que pessoas devidamente sensibilizadas quanto à importância das práticas ver- des é que garantirão sua efetiva execução. • Promover a compactação de servidores: a escolha dos servidores deve ser uma tarefa criteriosa, porque é comum que se encontrem, em diversas organizações, sistemas com 80% ou mais de ociosidade, o que representa um impacto ambien- tal desnecessário (consumo de energia elétrica sem propósito). Muitas vezes, se utilizam múltiplos servidores subutilizados (dedicados cada um a determinado sistema ou aplicação), que poderiam perfeitamente ser substituídos por um único servidor melhor aproveitado em termos de utilização de capacidade de processa- mento e armazenamento. • Promover a personalização de datacenters: a aglutinação de servidores e demais equipamentos concentrados em um datacenter proporciona um problema práti- co de sobreaquecimento, invariavelmente demandando a instalação de sistemas refrigeradores – um dispêndio energético duplo (do equipamento que esquenta e do sistema que precisa ser acionado para resfriar o ambiente). Mais uma vez, a simplificação da arquitetura instalada, com melhor aproveitamento da capacidade dos equipamentos, é uma saída para melhor desempenho ambiental. • Aderir a políticas verdes: sistemas de gestão ambiental, como ISO 14.001, fazem com que as diversas iniciativas verdes sejam regidas de forma estruturada, como um sistema. E, nesse sistema, a TI tem papel fundamental, especialmente no tocan- te à viabilização de soluções tecnológicas ambientalmente mais adequadas (um dos requisitos da norma ISO 14.001). • Aderir a práticas verdes nos processos: em um sistema de gestão ambiental inte- grado à gestão do negócio, todo processo de trabalho tem seu componente verde que precisa ser atendido. Por exemplo, no processo de compras, é comum que uma das exigências seja a priorização de fornecedores de equipamentos de TI com de- sempenho ambiental adequado (empresas e/ou produtos com certificados verdes). • Estabelecer plano de compra e descarte de equipamentos de tecnologia: é a res- ponsabilidade por todo o ciclo de vida útil da estrutura tecnológica empregada pela empresa. • Promover melhoria nos processos: os sistemas informatizados são especialmente úteis para melhor efetividade da gestão dos processos em geral. • Utilizar novas tecnologias: é importante monitorar os últimos lançamentos e tendên- cias da indústria, para incorporá-los aos negócios tão logo demonstrem agregar valor. TI verde7 Tópicos Especiais em TI118 • Priorizar fontes de energia limpa: consumir energia faz parte de qualquer tipo de empreendimento. Preferir fontes limpas se torna a principal contribuição das empresas junto ao meio ambiente – fazer com que se dependa cada vez menos de fontes poluentes, até que estas se tornem totalmente desnecessárias. 7.3 Tecnologias para diminuir poluição A gestão ambiental é avessa a desperdícios, colocando pressão cada vez maior na in- dústria para repensar produtos que, antes, por diversos motivos, seriam motivo de fácil decisão para sucateamento. É assim também na área da tecnologia da informação: uma das práticas de TI verde para controlar o efeito poluidor dos fabricantes de equipamentos de informática são os produtos refurbished (restaurados na fábrica). No que diz respeito aos computadores, um produto refurbished é aquele que foi devol- vido do ponto de venda ao fabricante (ou filtrado em triagem na própria linha de produção) para a correção de algum problema ou pequeno defeito. Após aplicadas as devidas corre- ções por conta do próprio fabricante (remanufatura), são colocados novamente à venda. Computadores e acessórios refurbished não devem ser confundidos com produtos usados. Afinal, passam novamente pelo processo de manufatura original e são vendidos e garantidos como novos. Obviamente, enfrentam algum preconceito por parte dos con- sumidores, mas esse sentimento é sublimado por aqueles que possuem maior consciência ecológica – ou que querem ou precisam de uma aquisição mais barata, porque normalmente os produtos refurbished são colocados com preço diferenciado no mercado, justamente para estimular seu consumo. O que leva à ocorrência de produtos refurbished no mercado? São diversas as situações que podem levar um equipamento a essa condição. Uma dessas ocorrências, por exemplo, é quando o produto não passa no controle de qualidade de sua própria fábrica para a detecção de um defeito. Os mais diversos problemas podem ser detectados, desde um detalhe acessó- rio, tal como uma tecla ou botão com problemas, até mau funcionamento de um componen- te que comprometa a funcionalidade do equipamento. Quando isso acontece, ele é reparado antes mesmo de ser colocado à venda, e usualmente isso fica transparente ao cliente. Um pouco diferente é a situação de computadores que já estavam no ponto de venda e lá foi percebido o defeito, ou mesmo lá ocorreu um dano que provocou o defeito (exemplo: produtos de mostruário). Esses produtos retornam aos fabricantes para que ocorra a devida correção, posteriormente, voltam a ser vendidos e são sinalizados como itens refurbished. Alguns fabricantes procuram estimular a venda desses produtos, oferecendo o que chamam de garantia zero hour: se um produto dessa categoria é adquirido e devolvido por apresentar algum defeito dentro de seu prazo de garantia, ele é gratuitamente substituído por outro novo (não refurbished). Outros casos que podem gerar computadores na condição de refurbished são produ- tos que foram utilizados para demonstração em lojas, devoluções de consignação ou desis- tência de compra (quando se garante o uso para testar). Dependendo do estado que estes TI verde Tópicos Especiais em TI 7 119 equipamentos estão no momento da devolução, eles podem passar por um recondiciona- mento e passarem, novamente, a fazer parte das prateleiras das lojas. Os produtos nessa condição têm a devida identificação, embora haja uma certa polêmi- ca quanto à estratégia utilizada de fazê-lo de forma muito sutil, o que pode induzir muitos compradores a comprar um produto sem sequer perceber que se trata de algo refurbished. Normalmente, o número de série desses produtos é diferenciado em relação aos produtos de lotes normais. Se a prática, ao menos no Brasil, parece ser a de esconder essa informação, mercados de países de primeiro mundo, como os EUA, prezam pelo oposto: transparência, para que o consumidor seja munido de todas as informações em seu processo de compra. A Figura 1 mostra um exemplo, na loja virtual da Amazon, em que a informação sobre produtos refurbished tem o seu devido destaque. Figura 1 – Computadores refurbished devidamente sinalizados em loja virtual. Fonte: AMAZON, 2017. A logística reversa é outra medida muito empregada na indústria de TI para prevenir poluição. Daher et al. (2006) entendem que o termo costuma ter uma conotação bastante ge- nérica. Em seu sentido mais amplo, implica em todas as operações relacionadas à reutiliza- ção de produtos e materiais. A indústria é demandada a assumir esse processo precisamente em função dos produtos em campo que já atingiram o fim de vida útil e estão (ou deveriam estar) sucateados. Assim, logística reversa refere-se a todas as atividades que envolvem co- letar, desmontar e processar produtos e/ou materiais e peças fora de utilização, a fim de assegurar uma recuperação amigável ao meio ambiente, com a destinação final adequada dos componentes, partes e peças. Em suma, se a logística convencional é a sequência fábrica, distribuidores e consumidor, quando um produto esgota sua vida útil, em vez de se atribuir ao consumidor a responsabilidade pela disposição final (o que seria inadequado, dada a ampla variância de perfis de consumidores e a relativa complexidade da reciclagem de materiais TI verde7 Tópicos Especiais em TI120 específicos), alogística reversa faz com que a sequência seja consumidor, distribuidores e fá- brica. É essa última a responsável final por dar a disposição mais ecologicamente correta às sucatas de produtos. Os elementos abordados anteriormente, de produtos refurbished e de logística rever- sa, são evidências que a gestão ambiental, no que se refere à prevenção da poluição, tenta fazer valer ao máximo as premissas ecológicas de reutilização e reciclagem. Na indústria em geral, especialmente no campo da tecnologia da informação, esses princípios acabam colidindo frontalmente com a polêmica estratégia da obsolescência programada, que é uma forma das indústrias deliberadamente abreviarem a vida útil dos produtos, visando aumen- tar a necessidade de que os consumidores voltem a comprar, de modo que os fabricantes aumentem receita com vendas recorrentes. Além de ser algo de forte questionamento ético, essa prática prejudica o meio ambiente ao aumentar o volume de sucata de produtos em um determinado intervalo de tempo. Do ponto de vista técnico, essa estratégia não se justifica, porque, à medida que as tecnologias progridem, a tendência natural seria de se produzir produtos cada vez mais duradouros, e não o oposto. Conforme relata Slade (2009), a obsolescência programada está arraigada na cultura in- dustrial graças à tradição da prática. Afinal, o primeiro caso registrado remonta à década de 1920, quando fabricantes de lâmpadas da Europa e dos EUA decidiram, em comum acordo, diminuir a durabilidade de seus produtos de 2,5 mil horas de uso para apenas mil horas. Assim, os consumidores seriam forçados a comprar o triplo de quantidade de lâmpadas para serem atendidos em suas necessidades de luz. Alguém poderia cogitar que talvez essa medida seja benéfica para o consumidor, por- que a indústria, ao fabricar produtos de menor qualidade, pode empregar materiais menos robustos, sendo assim, menos caros. Mas não é o que se percebe na prática em relação aos preços praticados. Naturalmente, fabricar produtos de forma mais recorrente tem impac- to ambiental diretamente envolvido no próprio processo de produção, que consome mais energia e mais recursos naturais. Não é um grande problema para a indústria, que repassa tais custos extras diretamente ao consumidor, que acaba ficando, então, à mercê de produtos mais caros e com menor vida útil. Sobretudo, o que soa escancaradamente antiético é que uma única empresa, ao agir dessa forma no mercado, não consegue prosperar: é necessário o conluio junto aos seus competidores, que, nesse contexto, tornam-se seus cúmplices. Felizmente, a gestão ambiental é beneficiada por uma das características inerentes da Indústria 4.0, que é a tendência da migração da economia de produto para a economia de serviço, como relatam Singh (2012, 2014) e Schwab (2016). Ou seja, quando, em vez de se adquirir a propriedade de um equipamento, opta-se, alternativamente, por pagar pelo be- nefício que ele proporciona: o produto continua sendo propriedade de seu fabricante, que comercializa o serviço a ele associado. É a modalidade do produto por assinatura, que tem ganhado ampla difusão nos mercados em geral. Vai, por exemplo, desde a assinatura men- sal de máquinas de café até o contrato de locação mensal de veículos. TI verde Tópicos Especiais em TI 7 121 É um novo paradigma bastante disruptivo: as pessoas não precisam mais ter as coisas, mas sim usá-las. Na indústria de TI, a prática tem sido bastante utilizada. Isso tem sido válido, por exemplo, para serviços de disponibilidade da estrutura de TI, como impresso- ras, estações cliente e servidores. Aliás, na área de tecnologia da informação, a regra parece ser cada vez mais essa: o que for possível virtualizar, comercializa-se como serviço (cloud computing – computação em nuvem, servidores remotos etc.). E o que ainda for necessário dispor fisicamente no local de trabalho (como impressoras), também se comercializa como serviço (assinatura mensal pela utilização). O impacto ambiental associado é bastante interessante: agora, o produto passa a ser propriedade do fabricante, é de interesse dele aumentar o que for possível de sua vida útil, para incorrer em menor custo de manutenção e remanufatura. Para que o novo modelo de negócio seja interessante para as empresas, troca-se a receita recorrente de novas vendas de produtos pela receita também recorrente de renovação da taxa de assinatura dos serviços prestados. Portanto, diminui a poluição provocada tanto pelo sucateamento de produtos descartados prematuramente quanto pela produção desnecessária de novos equipamentos. Em suma, como identifica Schwab (2016), a Quarta Revolução Industrial traz um ce- nário mais amigável no que diz respeito à prevenção da poluição ambiental: por um lado, a crescente digitalização dos processos produtivos concentra cada vez mais funcionalidade no software, e não no hardware, gerando menos sucata porque agora interessa aos fabricantes preservar os equipamentos para lucrar melhor com a economia baseada em serviço. Muito do poder computacional de alto desempenho ocorre não mais nas estações clientes (que podem ser mais simplificadas), mas nos servidores em nuvem (tornando os datacenters mais robustos fisicamente). Por outro lado, a tendência de crescente informatização do mundo e da robustez das máquinas nos datacenters consome, efetivamente, mais energia elétrica. O que poderia ser, então, um efeito colateral em termos de potencial poluidor acaba sendo compensado pela tendência irreversível da mudança da matriz energética para fontes não poluentes, movimento já capitaneado com sucesso pelos gigantes da indústria de TI, como Apple, Google, Facebook e Microsoft. Conclusão A TI verde é uma tendência que promete permanecer forte nos próximos anos. As em- presas necessitam adotá-la, pois isso traz benefícios para os negócios, para a sociedade e para o meio ambiente. O movimento da sustentabilidade promete continuar em alta nesse momento histórico de imersão na Quarta Revolução Industrial, afinal, consumidores preferem fazer negócios com empresas que conduzem práticas sustentáveis, além de que os próprios profissionais ficam mais propensos a dar preferência por empregadores com esse perfil. TI verde7 Tópicos Especiais em TI122 Ampliando seus conhecimentos Atualmente, é notória a preocupação com os impactos ambientais causados pelo uso intensivo da tecnologia. Jayo e Valente (2010) afirmam, no texto apresentado a seguir, que a emissão de CO2 ainda aumentará a passos largos, mas que a TI pode ajudar a reverter esse quadro. Por uma TI mais verde (JAYO; VALENTE, 2010, p. 57) [...] É preciso levar em conta que o uso crescente e adequado de recur- sos da TI poderá habilitar os mais diversos setores da economia a reduzi- rem outras formas de emissão. É aqui que parece estar o principal papel ambiental da TI: apesar de emitir grande quantidade de CO2, ela pode ajudar outras indústrias a deixarem de emitir quantidades ainda maiores. A esse respeito, o prognóstico para 2020 envolve 1,4 bilhão de toneladas de CO2 emitido e 7,8 bilhões de toneladas de CO2 poupado – um saldo líquido amplamente positivo. Mas como a TI pode ajudar outros setores a poupar CO2? Talvez o exem- plo mais óbvio esteja nas tecnologias de videoconferência e teletrabalho: ao reduzir as viagens de negócios e o deslocamento de pessoas, elas redu- zirão as emissões anuais em 360 milhões de toneladas. Maior redução será viabilizada pelo uso de computadores para a otimização dos processos de logística e transporte de mercadorias (1,5 bilhão de toneladas), por edifícios com sensores e sistemas inteligentes de iluminação e ventilação (1,7 bilhão de toneladas) e pelas chamadas redes elétricas inteligentes ou smart grids (2 bilhões de toneladas). Claro que isso não significa que não existam motivos para preocupação. Mas, a se confirmarem, essas projeções sugerem que a TI, apesar de ser parte integrante de um problema ambiental alarmante,pode ser também peça-chave para a busca de soluções. Atividades 1. Em que aspectos a TI verde pode contribuir com organizações buscando a certifica- ção de sistema de gestão ambiental ISO 14.001? 2. O que é a função de self healing (autorrecuperação) de um smart grid? TI verde Tópicos Especiais em TI 7 123 3. Como funciona a compactação de servidores como prática de TI verde? 4. Por que a mudança para o paradigma econômico de economia de serviço favorece o meio ambiente? Referências CLEAN EDGE. Getting to 100: a status report on rising commitments among corporations and govern- ments to reach 100% renewables. 2015. Disponível em: <https://cleanedge.com/reports/Getting-to-100>. Acesso em: 10 out. 2017. DAHER, C.; SILVA, E.; FONSECA, A. Logística reversa: oportunidade para redução de custos através do gerenciamento da cadeia integrada de valor. Brazilian Business Review, v. 3, n. 1, 2006. JAYO, M. Por uma TI mais verde. GV executivo,v. 9, n. 1, 52-57, 2010. SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SINGH, S. New mega trends: implications for our future lives. eBook Kindle: Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012. ____. Top 20 global megatrends and their impact on business, cultures and society. San Antonio: Frost & Sullivan, 2014. SLADE, G. Made to break: technology and obsolescence in America. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2009. Resolução 1. A informatização é bastante útil em auxiliar a atender a alguns dos requisitos mais críticos da norma ISO 14.001, como a identificação de aspectos e impactos ambien- tais, a identificação dos requisitos legais aplicáveis e a aplicação das soluções tecno- lógicas ambientalmente mais adequadas às operações, sendo todos esses requisitos determinados pela norma. 2. É a cura automática da rede, que se dá em situações como a queda de um poste ou a falha de energia em um bairro, procurando isolar e restringir a falha o mais local- mente possível (a uma única rua ou um único estabelecimento, muitas vezes, para afetar a menor quantidade possível de consumidores), por meio da procura automa- tizada e fornecimento de outros supridouros para determinada região. Uma rede de geração e distribuição de energia elétrica conta com um alto grau de redundância, de forma que a falha de um elemento pode ser instantaneamente coberta por outro – sem que seja necessária uma operação manual por parte de um ser humano. 3. A escolha dos servidores deve ser uma tarefa criteriosa, porque é comum que se encontrem, em diversas organizações, sistemas com 80% ou mais de ociosidade, o que representa um impacto ambiental desnecessário (consumo de energia elétrica sem propósito). Muitas vezes, se utilizam múltiplos servidores subutilizados (dedi- cados cada um a determinado sistema ou aplicação), que poderiam perfeitamente ser substituídos por um único servidor melhor aproveitado em termos de utilização TI verde7 Tópicos Especiais em TI124 de capacidade de processamento e armazenamento. 4. Porque quando os fabricantes deixam de ganhar dinheiro vendendo produtos e pas- sam a auferir lucros com taxas de assinatura de serviços que estes produtos forne- cem aos seus usuários, a propriedade destes equipamentos continua sendo do fabri- cante. Isso leva ao natural interesse de aumentar ao máximo a vida útil do produto, para extrair o máximo de retorno sobre o investimento de tê-lo fabricado, revertendo uma prática até então arraigada na indústria em geral de obsolescência programa- da (sucateamento prematuro de produtos para que possam ser promovidas vendas de novos equipamentos). Menos sucateamento e maior efetividade de manutenção levam ao impacto ambiental positivo, de redução de poluição ambiental e de menor consumo de recursos naturais. Tópicos Especiais em TI 125 8 TI voltada para a educação Chegará o dia em que a educação será tão revolucionária a ponto de se alcançar a compreensão instantânea de todo o conhecimento produzido pela humanidade? Esse cenário pode ir gradativamente migrando das mais fantasiosas histórias de ficção cien- tífica para a realidade do mundo em que se vive. Porém, até se alcançar esse estágio, em que a biotecnologia de um chip ou uma transmissão wireless (sem fio) resolva tudo a esse respeito, há um longo caminho para que os processos de educação evoluam – e em todos os seus gradativos passos, a tec- nologia da informação é especialmente útil para ampliar possibilidades e aumentar a eficácia do trabalho em educação. TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI126 8.1 A revolução dos MOOC Educação a distância (EaD) é uma forma de educação que se caracteriza por ser media- da por recursos tecnológicos variados, o que possibilita que alunos e professores possam estar separados fisicamente e/ou temporalmente, caracterizando uma alternativa ao modelo convencional de uma sala de aula. Trata-se, pois, de uma solução criada para atender a uma enorme demanda reprimida ao longo do tempo, de um grande número de pessoas que, pelos mais variados motivos (geográficos, econômicos etc.), não pode frequentar aulas no sistema tradicional (presencial) de ensino. Há quem se surpreenda quando fica sabendo que a história da EaD é muito mais an- tiga que a da própria internet. Se a rede mundial de computadores é, atualmente, a grande plataforma tecnológica que potencializa o alcance e os resultados da EaD, é interessante observar que outras tecnologias cumpriam esse papel em uma época pré-internet. O sistema de correios foi, de fato, o precursor. Foi o que se conheceu por ensino por correspondência, com o marco histórico remontando à 1728, quando um dos jornais dos EUA, o Boston Gazette, ino- vou ao oferecer material para tutoria por meio de correspondência. A difusão das inovações, à época, era muito morosa: um século teria de ser decorrido para que, apenas em 1829, a EaD chegasse à Suécia, pelo trabalho do Instituto Líber Hermondes. A partir de 1840, escolas por correspondência começaram a aparecer na Europa, principalmente no Reino Unido. A EaD sofreria sua primeira revolução tecnológica a partir do ensino por rádio. Por exemplo, o Japanese National Public Broadcasting Service complementava a escola ofi- cial, em 1935, com essa modalidade. Algum tempo depois, a televisão se juntava às alter- nativas tecnológicas de EaD, com o Chicago TV College, nos EUA, em 1956, transmitindo programas educativos desta maneira. É a partir dessa época, e com essas tecnologias, que a EaD sofreria uma rápida difusão generalizada mundo afora. Destaque-se que o Brasil foi um dos primeiros países que exploraram as possibilidades de EaD. Há registros de que a vanguarda coube ao Jornal do Brasil, em 1904, que oferecia cur- so a distância para datilógrafo. Alguns anos depois, o Instituto Monitor tornou-se famoso como o primeiro a oferecer de forma sistemática cursos profissionalizantes nesta modalida- de. Merece também reconhecimento o trabalho da Rádio Sociedade, do Rio de Janeiro, com educação por sistema radiofônico, em 1923. Historicamente, o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial)1 destacou-se como instituição que sempre explorou em profusão a EaD. Contudo, a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) enfim reconhecendo a educação a distância, a difusão em território nacional passaria a ser bastante forte, em todos os níveis de en- sino, do ensino básico à pós-graduação, passando por uma ampla oferta de cursos de formação continuada. Um dos aspectos que favoreceu esse cenário foi o grande número de instituições particulares de ensino, que ganharam novo fôlego em seus modelos educativos. 1 Para saber mais sobre o Senac, acesse: <http://www.senac.br/>. Acesso em: 17 out. 2017. TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 127 Singh (2012, 2014) e Schwab (2016) concordam que o impacto que a EaD trouxe diante do sistema convencional de ensino, que é, sem dúvida, muito forte, compara-se (em magni- tude) ao que,mais recentemente, os MOOC representam em meio a EaD. A sigla, do termo original em inglês Massive Open Online Courses (cursos on-line abertos massivos), engloba os cursos livres que são oferecidos por meio de ambientes virtuais de aprendizagem. Tais am- bientes, legítimos frutos da Web 2.0 (a internet interativa) como plataforma tecnológica, cos- tumam explorar as funcionalidades multimídia com acesso totalmente on-line, em sistemas com design responsivo (telas ajustáveis automaticamente para qualquer dispositivo, como computador, smartphone e tablet), comportando uma capacidade muito grande de acessos simultâneos e ampla oferta de diferentes conteúdos, controlando com eficácia uma quanti- dade massiva de alunos registrados nos cursos. O MOOC é uma resposta tecnológica à filosofia pedagógica da educação aberta, movi- mento educacional que milita pelo livre acesso a oportunidades de aprendizagem. Observa- se que, apesar do projeto e da participação em um MOOC poder se assemelhar a um cur- so regular oferecido por qualquer faculdade ou universidade, os MOOC são gratuitos, na maioria dos casos. Como eles não costumam exigir pré-requisitos dos alunos que ingressam no curso, de forma geral, não se oferecem graus acadêmicos. Alguns MOOC oferecem cer- tificado de participação, para quem, por algum motivo, tem esse interesse e/ou necessidade – normalmente, tais certificados são pagos, com valores razoavelmente simbólicos. Contudo, em movimento mais recente, tem-se percebido grande tendência de integra- ção ou parceria com universidades tradicionais, a ponto de também se ofertarem, em alguns casos, graus acadêmicos. Várias iniciativas de MOOC têm ganhado destaque nos últimos anos, entre elas figurando marcas como Coursera, edX e Udacity. O Coursera2 é uma empresa de tecnologia educacional criada em 2012 nos EUA, fun- dada pelos professores de ciência da computação Andrew Ng e Daphne Koller, ambos da Universidade Stanford. Menos de cinco anos depois, já alcançava números impressionantes: mais de 25 milhões de alunos atendidos, 149 parceiros universitários e um portfólio que oferece mais de 2 mil cursos, entre eles, mais de 180 especializações universitárias e 4 cursos que oferecem titulação acadêmica de alto nível. Estes quatro últimos são projetos conduzidos junto às tradicionais instituições Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos EUA – com os cursos Mestrado em Administração de Negócios (iMBA), Mestrado em Ciência da Computação em Ciência de Dados (MCS-DS) e Mestrado em Ciências da Contabilidade – e HEC Paris, na França – com Mestrado em Inovação e Empreendedorismo. Quanto a títulos industriais, o certifi- cado profissional em Gerenciamento de Projetos Aplicados é um produto ofertado junto à Universidade da Califórnia, em Irvine, nos EUA. Já no ano de sua fundação, em 2012, a Coursera tinha estabelecido parceria com 17 universidades norte-americanas, que ficaram conhecidas como grupo Ivy League. O cresci- mento foi acelerado desde o início: um ano depois, a organização anunciava mais 29 univer- sidades, destacando-se o fato que 16 delas não eram dos Estados Unidos. 2 Para saber mais, acesse: <https://about.coursera.org>. Acesso em: 17 out. 2017. TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI128 No Coursera, os cursos são disponibilizados tanto no formato on-demand (sob de- manda, acessáveis instantaneamente pela internet) ou em períodos específicos (calendá- rio a critério da instituição provedora). Como modelo de negócio, é interessante obser- var que, se a organização começou como um MOOC, atualmente trabalha, em paralelo, também com a comercialização de seus cursos. É similar a uma estratégia freemium (pro- dutos que são simultaneamente oferecidos gratuitamente, para uma versão básica, e paga, para uma versão completa). Então, no Coursera, quase todos os cursos são gratuitos, com o aluno podendo op- tar em pagar uma determinada taxa para obter um certificado digital autenticado, entre outras. A Figura 1 apresenta a forma como o Coursera diferencia seu produto gratuito de seu produto pago. Figura 1 – Opções de produtos do Coursera. Fonte: COURSERA, 2017. De todo modo, a plataforma mantém um programa especial de auxílio financeiro para os alunos que desejam o certificado, mas não têm condições de pagar por isso. O nível da facilidade da concessão desse subsídio é proporcional aos custos envolvidos: com os cursos livres (a maioria dos casos), cujo certificado custa umas poucas dezenas de dólares, acessa- -se um link específico do benefício, responde-se a algumas perguntas de perfil socioeconô- mico e compromete-se em mostrar dedicação e concluir o curso – medidas suficientes para, em teoria, qualquer postulante ao benefício tê-lo aprovado. Já para os produtos premium, como os mestrados acadêmicos que custam mais de US$ 20 mil, o processo é mais exigente, incluindo até mesmo entrevistas pessoais e análise caso a caso, dada a maior competitivida- de envolvida. O Coursera trabalha com aulas em vídeos e uma ampla gama de textos didáticos, al- guns de leitura obrigatória e outros disponíveis como material extra (opcional), para me- lhor entendimento dos conteúdos repassados nas videoaulas. Na plataforma, é exigido que TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 129 todos os exercícios sejam completados, além de ser necessário revisar o trabalho de pelo menos três colegas para que a nota do aluno seja registrada. Os cursos são sequenciados em módulos semanais e, ao fim de cada semana, é disponibilizada uma prova, que requer nota mínima 8 para aprovação. O sistema também conta com um aplicativo para iOS e Android, e permite, ainda, gra- var os conteúdos para acesso offline. São mantidos fóruns de discussão, e a identidade do aluno participante é conferida a cada entrega de trabalhos. Para a maioria dos cursos, as aulas estão disponíveis em inglês, com legendas em di- versas línguas, inclusive em português, em alguns casos. Universidades e faculdades de diversos países já se associaram ao Coursera, com parceiros já estabelecidos na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, China, Singapura, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Hong Kong, Índia, Israel, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Suécia, Suíça, Taiwan e Turquia. Destaca-se que, como parceiros brasileiros, o Coursera conta com instituições como a USP (Universidade de São Paulo), Unicamp e Fundação Lemann. O edX3, em geral, é bastante similar ao Coursera, com a diferença de ser uma organi- zação sem fins lucrativos, por isso, todos os cursos são gratuitos – e os programas são mon- tados com estratégia self-paced, ou seja, os alunos determinam seu próprio ritmo de estudo, sem imposição de prazos por parte do sistema. Por sua vez, o Udacity4 é uma das plataformas de ensino que se destaca pela especiali- zação na área de alta tecnologia. Os parceiros típicos (conteudistas) são gigantes do mercado tecnológico, como Google, Amazon e Facebook. Por isso, é uma plataforma que costuma ser muito priorizada pelos alunos interessados em ciência da computação, com muitos conteú- dos gratuitos que vão da lógica de programação até fundamentos de Deep Learning. Mas o grande atrativo do Udacity é o seu programa (pago) de Nanodegree (nano grau). Com um disputado processo seletivo e vagas limitadas, trata-se de um programa de ensino em que o aluno é treinado em uma profissão de alta demanda no mercado e recebe todo o apoio profissional para garantir seu emprego imediatamente após a conclusão do curso. São oferecidos benefícios como devolução de metade do valor pago (para quem consegue concluir o curso em até 12 meses) e até mesmo consultorias de carreira. Com proposta similar às alternativas estrangeiras, um empreendimento brasileiro, lançado em 2012, também tem ficado cada vez mais famoso: é o Veduca5, plataforma nacional de e-learning que já ultrapassou 2 milhões de alunos atendidos. Destacam-se, no Veduca, o fato de todos oscursos serem gratuitos, sendo que a opção por emissão de certificado digital de curso tem valor bastante acessível (R$ 49,00); também conta com presença de parceiros institucionais de peso, como as consagradas universidades de Harvard, Stanford, Yale, MIT e Berkeley. 3 Para saber mais, acesse: <http://www.edx.org>. Acesso em: 17 out. 2017. 4 Para saber mais, acesse: <https://br.udacity.com>. Acesso em: 17 out. 2017. 5 Para saber mais, acesse: <http://www.veduca.org>. Acesso em: 17 out. 2017. TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI130 8.2 A realidade virtual e a realidade aumentada como ferramentas de ensino Realidade virtual (VR, do inglês virtual reality), a tecnologia que emprega smartphones acoplados a óculos especiais, vem revolucionando vários campos e, naturalmente, a educa- ção não ficaria de fora. Afinal, praticamente inexistem limites para aplicações de imersão das pessoas em um cenário virtual, criado por software específico. É interessante observar que uma pessoa que usa um equipamento dessa natureza não tem um mero papel passivo no ambiente digital para a qual é deslocada: uma das características mais valiosas da realidade virtual é a capa- cidade de interação com esse ambiente. Para isso, existe um dispositivo de controle também acoplado aos óculos VR, que fica nas mãos do usuário. Sendo assim, com o movimento físico de suas mãos, o usuário vê a respectiva projeção da mão virtual no ambiente simulado, o que pode ser utilizado, portan- to, para funções de apontar, segurar e mesmo manipular objetos virtuais. A Figura 2 mostra uma pessoa usando óculos VR com controle manual. Figura 2 – Óculos VR com controle. Fonte: killerbayer/iStockphoto. Aprimoramentos na tecnologia estão conduzindo a microssensores aderentes à roupa ou mesmo à pele, que dispensam a necessidade de um controle manual: tais dispositivos permitirão que movimentos da pessoa, no corpo todo, e não apenas nas mãos, reproduzam seu organismo virtual com sincronia perfeita no mundo projetado digitalmente. Tal tecnolo- gia é similar ao que já se emprega há muitos anos na indústria cinematográfica, quando ato- res reais são utilizados para produzir movimentos mais naturais dos personagens digitais. TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 131 Um dos segredos da realidade virtual reside justamente em dispositivos eletrônicos já presentes em praticamente todos os celulares: giroscópios e acelerômetros eletrônicos – es- ses componentes são responsáveis pelo efeito de que o mundo virtual acompanhe a movi- mentação da cabeça da pessoa que usa os óculos VR em todas as direções: olhando de um lado para outro, de cima para baixo, ou mesmo para frente e para trás. E uma das possibilidades práticas mais fantásticas do uso da realidade virtual para fins educacionais é justamente a revolução que traz ao conceito da sala de aula convencional, o ambiente físico em que professor e alunos precisam estar simultaneamente presentes para que a aula ocorra. Os recursos tecnológicos já disponíveis nos dias atuais permitem que pro- fessor e alunos estejam fisicamente afastados, em qualquer ponto do mundo que disponha de uma conexão de internet: munidos dos óculos VR, todos eles podem encontrar-se virtual- mente em uma sala de aula digital. Nesse ambiente, os participantes veem um ao outro na forma de avatares, e os recursos didáticos que o professor utiliza superam, naturalmente, em muito a mera lousa: vídeos po- dem ser mesclados em meio à sala virtual, objetos virtuais podem ser projetados e manipu- lados por professor e alunos, além de que viagens virtuais podem ser experimentadas, para outros ambientes virtuais, como museus digitais (que reproduzem fidedignamente seus ori- ginais no mundo real) ou regiões inóspitas, como o fundo do mar ou o interior de vulcões. Chama ainda a atenção a plena possibilidade de que transmissões ao vivo sejam apro- veitadas por essa tecnologia, fazendo com que eventos reais possam ser acompanhados me- diante óculos VR, por exemplo, professor e alunos em qualquer parte do mundo podem acompanhar, como parte de um conteúdo de aula, o lançamento de um foguete espacial, em tempo real, como se estivessem fisicamente presentes no local do evento. Isso é possível graças à integração de conexão de internet de alta velocidade e câmeras de alta resolução que filmam em 360º, instaladas no local em questão, transmitindo suas imagens pela internet. A capacidade da rede em transmitir um grande volume de dados é crucial para o sucesso dessa tecnologia: afinal, se um vídeo convencional ocupa muito mais volume de dados do que uma imagem, como uma fotografia estática, um vídeo em 360º também demanda muito mais informação para ser transmitido que um vídeo convencional (que tem apenas um único ângulo de visualização). Para Schwab (2016), a realidade virtual pode ser empregada em qualquer tipo de pro- posta pedagógica, da Educação Infantil ao Ensino Superior, dos cursos livres até programas stricto sensu como mestrado e doutorado, de conteúdos nas áreas de ciências exatas, huma- nas e biológicas. Por sua vez, realidade aumentada é uma expressão que, à primeira vista, pode soar como algo muito técnico e distante do dia a dia, mas que, na prática, na atualidade, já per- meia a maioria dos smartphones e tablets das pessoas, sem que muitas delas se deem conta disso. A tecnologia permite a ampliação da visão que se tem da realidade, por meio da so- breposição de informações e objetos virtuais em um ambiente real. TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI132 São características que fazem dessa tecnologia uma plataforma extremamente útil para processos educacionais, potencializando as ferramentas de trabalho de professores e abrin- do novos canais de aprendizagem para os estudantes. Portanto, o fundamento essencial da realidade aumentada é a sobreposição de imagens, mesclando elementos virtuais e reais. Acaba servindo, então, de uma nova interface entre as pessoas e as informações em geral, sendo um importante mecanismo de digitalização do mundo real. Com os olhos da realidade aumentada, a observação de qualquer cenário convencional, como uma floresta, uma máquina industrial ou um órgão do corpo humano é incrementada com complementos de informação, trazidas de forma digital. Sendo uma maneira de atuar como uma interface, a tecnologia se mistura com outros conceitos, como controles, atuadores, leituras de informação, Big Data, simulações, multi- mídia. Então, torna-se uma nova maneira de acessar informações, de formar capacidades técnicas e, enfim, de produzir conhecimento. A Figura 2 mostra um exemplo bem elementar de realidade virtual na visualização de um sanduíche: com um dispositivo como um smartphone ou tablet, além da própria imagem real do alimento, estão sobrepostas informações técnicas, como descrição nutricional, aná- lise da composição e até mesmo informação de apoio de tomada de decisão (sobre a perti- nência de comer ou não). Figura 2 – Realidade aumentada sobre um sanduíche. Fonte: BeeBright/iStockphoto. Sem dúvida, existem diversos elementos da tecnologia da informação que se ocupam da interação com o meio físico real. Contudo, o que acaba bem caracterizando a realidade aumentada é a sincronia espacial dos objetos virtuais com o cenário real – especialmente em projeções tridimensionais, aliando a isso a interatividade em tempo real. Por exemplo, se em cima de uma mesa encontra-se uma planta industrial ou diagrama esquemático qualquer, com função de realidade aumentada incorporada, ao se puxar ou ajeitar o papel físico em TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 133 qualquer direção, os objetos virtuais o acompanham. Da mesma forma, caso o observador circule em torno daquela mesa, a mudança do seu ângulo de visão sobre os itens físicos acompanha a mudança da visão dos objetos virtuais. A Figura 3 ilustra esse enquadramento dos mundos real e virtual sobrepostos. Figura 3 – Sobreposição do mundovirtual e mundo real em 3D. Fonte: Shaye Bigelow/iStockphoto. A tecnologia é especialmente valiosa para o mercado de videogames: o Pokémon Go fez grande sucesso ao colocar personagens animados em meio a cenários reais, através da tela de celulares. Mas, para Chen et al. (2009), não resta dúvida de que, sobretudo, os métodos de ensino conseguem ser aprimorados com o uso de novas tecnologias digitais, como é o caso da realidade aumentada. Empregando seus próprios smartphones ou tablets, estudantes podem transformar um conteúdo convencional em papel (bidimensional) de um material didático qualquer em imagens com volume (tridimensional). TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI134 Além disso, tais objetos 3D não são necessariamente estáticos: eles normalmente se mo- vimentam – e sons são usualmente acrescentados para enriquecer a experiência. E, para tanto, basta que o dispositivo em mãos do aluno, por meio de sua câmera embutida, faça a leitura de códigos especiais de ativamento do software, normalmente na forma de códigos QR (Quick Response, ou resposta rápida). Sem dúvida, aumenta a motivação para o estudo, por agregar conteúdo multimídia empolgante. E isso não se resume ao aspecto lúdico, tal- vez de maior apelo entre crianças no Ensino Fundamental: para cursos de nível superior, é altamente enriquecedor conseguir visualizar um objeto em 3D, por exemplo, em curso relacionado à Engenharia Mecânica, Desenho Industrial ou Arquitetura. O que ajuda a popularizar a tecnologia e, em especial, a democratizá-la sobremaneira para fins educacionais, é que há muita oferta em regime de Open Source (software livre). Com uma rápida procura em buscadores na internet por termos como realidade aumentada open source, encontram-se diversos websites que permitem que qualquer pessoa, mesmo sem grandes conhecimentos em TI, consiga produzir aplicações básicas de realidade aumentada. É interessante observar que, embora o visual seja o elemento de maior apelo nessa tec- nologia, ela engloba, conceitualmente, qualquer sentido humano, tal como o olfato e au- dição. Isso é especialmente importante para aumentar o escopo do emprego da realidade virtual, por exemplo, para a educação inclusiva: cegos podem apreender informação por meio de sons, entre tantas outras possibilidades. Diferente da realidade virtual, em que a pessoa precisa ser deslocada do mundo real para uma realidade simulada digitalmente, na realidade aumentada ocorre o inverso: são os objetos virtuais que são trazidos ao mundo real. São, portanto, duas tecnologias inovadoras que se complementam, para trazer uma infinidade de novos instrumentos para a educação. 8.3 A TI tornará a educação mais inclusiva? É um tanto quanto consensual a ideia de que o sistema educacional precisa ser refor- mado, para se adaptar a uma nova realidade. Críticos apontam que os alunos não são ensi- nados a serem buscadores de conhecimento automotivados em sua jornada. Tampouco os alunos estão concluindo cursos que lhes forneçam habilidades, modelos mentais e valores necessários para sobreviver em meio a um mundo de mudanças aceleradas. Em especial, a maioria dos alunos não são capacitados para aquela inspiração necessária para quem preci- sa contribuir para o progresso humano. Os tradicionais currículos escolares têm permanecido inalterados durante séculos – não obstante, sente-se a falta de uma base científica na pedagogia. Dessa forma, persiste o mode- lo pautado em continuar dando ênfase em notas de curto prazo e na realização individual. É pertinente questionar: como será possível efetivamente educar as gerações futuras? O que será preciso mudar a respeito da educação em geral? A resposta a essas questões não está circunscrita a pequenas mudanças incrementais, mas sim a uma revisão completa da educação convencional tal como ela existe atualmente. Para começar, também passa pela necessidade de mudar a forma como se define educação. TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 135 Inegavelmente, a tecnologia já está transformando o modo de ensinar e de aprender. As salas de aula digitais, o sistema de colaboração global on-line e a aprendizagem perso- nalizada são apenas o começo. Que direção tomarão as tendências na EdTech (tecnologias educacionais)? Mais ainda, o que o termo educação significará daqui a 30 anos? Em 2007, a organização The Millennium Project se propôs a explorar esse futuro de mudanças radicais na educação, lançando um relatório pioneiro chamado Educação 20306. No tempo já decorrido, o que se percebeu é que algumas de suas previsões, preocupações e soluções começaram a ganhar vida. Um dos destaques fica por conta dos sistemas integrados de aprendizagem ao longo da vida. Afinal, a educação não deve ser limitada a algo que uma pessoa faz em uma instituição específica por um determinado período para obter uma certificação qualquer. Em vez disso, deve ser muito mais uma jornada de exploração, de autodescoberta e de libertação ao longo de toda a vida, impulsionada por recompensas intrínsecas, na forma de celebração das pe- quenas conquistas intermediárias, sucessivamente, grau a grau. A mentalidade de aprendizagem contínua ao longo da vida é essencial para qualquer cidadão se tornar empregável nos trabalhos da próxima geração. Um relatório do World Economic Forum (2015) revelou que algo em torno de 65% das profissões que os atuais alunos do Ensino Fundamental irão exercer no futuro ainda não existem. Na dinâmica da inovação tecnológica, novas indústrias estão constantemente nascendo e morrendo, redefi- nindo competências profissionais. Os trabalhadores do futuro – um futuro realmente não tão distante – conviverão cotidianamente com os MOOC e a vasta gama de recursos educa- cionais adicionais disponíveis para desenvolver habilidades sob demanda. Não é exagero considerar trágico o quão pouco os currículos acadêmicos atuais conse- guem ensinar às mentes jovens a respeito de como aprender e como desaprender. Na era pós-industrial, o impacto da tecnologia implica na necessidade de as pessoas serem ágeis e adaptáveis às consequências não raro imprevisíveis das inovações disruptivas. Torna-se um cenário cada vez mais corriqueiro que se tenha de aprender habilidades e conhecimentos sob demanda, ao mesmo tempo em que simplesmente seja preciso deixar de lado aquele conjunto de saberes não mais necessários para o novo mundo em que se vive. Um aspecto adicional ainda precisa ser considerado no tocante aos sistemas integra- dos de aprendizagem ao longo da vida: eles podem ser especialmente úteis para endereçar muitas causas de infelicidade e problemas de saúde mental que em geral se observam na sociedade atual. Conforme apontado pelo relatório Educação 2030, a avaliação contínua dos processos individuais de aprendizagem pode ser projetada para evitar que as pessoas se tornem infelizes ou deprimidas. Por isso, convém desenvolver conteúdos educacionais que vão além das competências técnicas industriais: é perfeitamente cabível incluir programas destinados a combater o preconceito e o ódio, por exemplo, o que favorece o estabelecimen- to de um mundo mais saudável a todos. Como estudado na seção anterior, a realidade virtual e a realidade aumentada estão re- volucionando a experiência de aprendizagem. Integradas, elas proporcionam experiências 6 Para saber mais, acesse: <http://107.22.164.43/millennium/Education-2030.html>. Acesso em: 17 out. 2017. TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI136 de aprendizagem imersiva do mais alto nível. A aprendizagem imersiva permite que os alunos viajem para a História Antiga, desloquem-se por todo o universo e visitem museus em diferentes países, tudo sem precisar sair da sala de aula. Um dos maiores feitos de tais tecnologias é que elas tornam a experiência de aprendizagem muito mais envolvente, ins- piradora e transformadora, o que permite transformar visões de mundo e transmitir men- sagens poderosas com grande retenção de conhecimentonas pessoas. Afinal, o que se leu, se esquece razoavelmente fácil, mas o que se viveu (mesmo virtualmente) fica registrado profundamente na mente humana. Iniciativas já presentes na atualidade vislumbram um futuro promissor nesse campo. Por exemplo, o programa Google Expeditions Pioneer7 permite que professores conduzam seus alunos em uma jornada literalmente a qualquer lugar do mundo – ou até além dele. Com a mesma facilidade que se explora os recifes de corais, pode-se percorrer a superfície de Marte, por meio dessa atividade de visitas de campo virtuais imersivas. Sem dúvida, isso parecer consolidar os modelos de escolas inteiramente virtuais. Objetivamente, essas experiências imersivas têm o potencial de contribuir para uma aprendizagem muito mais rápida, uma melhor retenção e uma melhor capacidade de toma- da de decisões. Nesse sentido, convém alertar que currículos integrados com a tecnologia são tão importantes quanto a própria tecnologia em si. Afinal, é fácil digitalizar currículos já inadequados – e isso não resolve o problema. A mera implementação de realidade virtual e realidade aumentada não é suficiente: o conteúdo dos currículos redesenhados por essa tecnologia precisa ser inovador. As viagens virtuais que os alunos experimentam devem ser elaboradas com base nas habilidades, valores e modelos mentais relevantes que se deseje incutir nas gerações futuras. Tendência instigante é a da melhoria cognitiva, ou seja, o aprimoramento da inteligência humana mediada por novas tecnologias. Ocorre que a educação, felizmente, é cada vez mais tratada como uma ciência. O que se observa é o surgimento da neuroeducação como um campo sério de pesquisa, no qual cientistas estão continuamente adquirindo uma melhor compreensão da mente humana, do cérebro e do processo de aprendizagem. Esses avanços na compreensão de como opera a mente das pessoas pode ter poderosas implicações nas capacidades de aprendizagem. Muitos educadores estão sendo encorajados a aplicar essas descobertas para testar novas possibilidades pedagógicas. Indo além, alguns especialistas ainda esperam para muito em breve um mapeamento completo das sinapses humanas para descobrir como a aprendizagem ocorre e, assim, per- mitir o desenvolvimento de estratégias biológicas para a melhoria da aprendizagem. Como vislumbra Singh (2012, 2014), compreender esses mecanismos também abrange o caminho para uma onda de drogas de aprimoramento cognitivo (a mítica pílula da inteligência), in- teligência geneticamente aprimorada e integração com dispositivos de inteligência artificial por meio de interfaces cibernéticas cérebro-máquina. Há pouco anos atrás, tudo isso pareceria pura ficção científica, mas a realidade atual já demonstra que o caminho começou a ser percorrido. Por exemplo, é altamente emblemático 7 Para saber mais, acesse: <https://edu.google.com/expeditions/>. Acesso em: 17 out. 2017. TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 137 o estudo publicado em 2017 que demonstra substanciais melhorias cognitivas para jogo de xadrez com os neurofármacos modafinil e metilfenidato (FRANKE et al., 2017). Além disso, uma equipe de especialistas da Itália trabalha para uma plataforma de e-learning que opera em uma interface cérebro-computador, chamada Bravo, para personalizar a experiência edu- cacional, de acordo com as reações e preferências dos usuários (MARCHESI; RICCÒ, 2013). Figura 4 – Headset EEG. Fonte: BSANI/iStockphoto. Não há como deixar de colocar a educação no seu merecido patamar, como responsável pela transformação social. Estende-se uma nova e nobre definição de educação, que vai muito além do propósito de autoaperfeiçoamento: trata-se do meio pelo qual se fomenta novas gera- ções civilizatórias – o próprio progresso da humanidade. Prensky (2001), que é um dos maiores ativistas da mudança civilizatória pela educação global, aponta que a maioria das pessoas tem uma perspectiva desatualizada sobre o que significa educação, bem como sobre sua aplicação prática. Segundo ele, é preciso empregar a educação para inspirar e capacitar os jovens a desen- volver o ferramental necessário para contribuir para o progresso da raça humana. As ferramentas tecnológicas abordadas tendem a se tornar inimaginavelmente podero- sas, sendo importante admitir que elas podem ser usadas para melhorar ou para piorar a so- ciedade. Um dos maiores e crônicos desafios educacionais, que só poderá ser solucionado à medida que novas capacidades surgirem, é a falta de acesso universal. O relatório Educação 2030 alerta que os órgãos governamentais devem desenvolver maneiras de promover o uso democrático e justo dessas novas tecnologias, evitando que a inovação em EdTech fique res- trita a uma elite social. Finalmente, é preciso entender que muitas instâncias políticas verão essas novas capaci- dades educacionais como uma ameaça ao seu poder. Não surpreenderia que algumas dessas técnicas possam ser proibidas, de forma que se perpetuem regimes, ideologias e estruturas de crença por todo o mundo que se fundamentam na ignorância dos povos. Como afir- ma Prensky (2001), a civilização vivencia um pleno processo de mudança. Aquelas partes do mundo que tomarem ações rápidas e apropriadas para implementar o novo paradigma TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI138 educacional serão aquelas em que as crianças poderão verdadeiramente prosperar na vida. São lugares que não ficarão para trás na trajetória do progresso humano. Conclusão As tecnologias de informação e comunicação (TIC) exercem papel de protagonismo cada vez mais importante na forma como as pessoas se comunicam, aprendem e vivem. O desafio imposto é equipar essas tecnologias de forma tal a atender aos interesses e neces- sidades dos estudantes e professores. Contudo, possibilidades é o que não faltam para cumprir esse intento. Existem razões mais que suficientes para se acreditar que as TIC possam efetivamente contribuir com o acesso universal à educação, com a melhor qualidade de ensino e aprendizagem, bem como formação de alto nível de professores (incluindo até mesmo oportunidades de internaciona- lização de carreira). Ampliando seus conhecimentos Lopes e Azevedo (2017) afirmam que se pode inferir que a tecnologia está presente em todos os setores sociais, inclusive, ainda que de forma primária, nas instituições educativas. No entanto, ainda existe um paradoxo em relação ao conceito de tecnologia, o que pode causar divergências, mas, ao mesmo tempo, ampliar as finalidades de seu uso e processo, que pode desencadear no ensino e na formação de professores. Sabe-se que a presença e a influência da tecnologia são inegáveis, porém, não basta apenas saber manipulá-la, é preci- so torná-la objeto de estudo, descobrindo suas potencialidades, incluindo as pedagógicas, principalmente quando se fala de educação tecnológica. Tecnologia como mediação pedagógica na formação de professores reflexivos (LOPES; AZEVEDO, 2017, p. 74) [...] pode-se inferir o sentido de tecnologia como uma ação humana vol- tada para humanos, pois “[...] representa o aspecto qualitativo de um ato humano necessariamente inserido no contexto social que a solicita, a pos- sibilita e lhe dá aplicação” (PINTO, 2005, p. 321). O autor diz ainda que tecnologia tem sido relacionada à produção de métodos e artefatos, mas trata-se de um processo, e não apenas de um produto pronto e acabado. Acrescenta que por ser a tecnologia uma expressão da atividade humana, ela está inserida, portanto, no âmbito da cultura, e tem uma relevância especial para a educação. TI voltada para a educação Tópicos Especiais em TI 8 139 Quando se fala da relevância da tecnologia para o âmbito educacional, e sobre a repercussão dessa ação humana sobre a realidade, torna-se necessário relacioná-la com o conhecimento que envolve o que fazer, como fazer, por que fazer, para que fazer, sem perder de vista o contexto. Portanto, pode-se estar diante de um novo eixo epistemológico:Ciência + Técnica + Intencionalidade. Dessa forma, a tecnologia está relacionada com o saber, o fazer e o ser. Em outras palavras, a tecnologia mantém relações estreitas com conhecimentos, habilidades e atitudes. E estas são dimensões trabalhadas nas instituições educativas, sobretudo na educa- ção tecnológica. [...] Atividades 1. O que é um nanodegree? 2. Como funciona uma sala de aula digital por meio da realidade virtual? 3. Qual é o fundamento essencial da realidade aumentada? 4. O que são sistemas integrados de aprendizagem ao longo da vida? Referências BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacio- nal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 26 out. 2017. CHEN, C. et al. Emerging EdTech: expert perspectives and design principles. In: ICTs for modern educational and instructional advancement: new approaches to teaching. Hershey, PA: 2009. FRANKE, A. et al. Methylphenidate, modafinil, and caffeine for cognitive enhancement in chess: a double-blind, randomised controlled trial. European Neuropsychopharmacology, v. 27, n. 3, p. 248- 260, 2017. KURZWEIL, R. The singularity is near: when humans transcend biology. Westminster, UK: Penguin Books, 2005. LOPES, A.; AZEVEDO, R. Tecnologia como mediação pedagógica na formação de professores reflexi- vos. Revista Areté – Revista Amazônica de Ensino de Ciências, v. 8, n. 17, p. 72-81, 2017. MARCHESI, M.; RICCÒ, B. Bravo: a brain virtual operator for education exploiting brain-computer inter- faces. In: CHI’13 Extended abstracts on human factors in computing systems, Paris, p. 3091-3094, Apr./ May, 2013. PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants (part 1). On the horizon, v. 9, n. 5, p. 1-6, 2001. SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. TI voltada para a educação8 Tópicos Especiais em TI140 SINGH, S. New mega trends: implications for our future lives. eBook Kindle: Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012. ____. Top 20 global megatrends and their impact on business, cultures and society. San Antonio: Frost & Sullivan, 2014. WORLD ECONOMIC FORUM. Technology tipping points and social impact report. 2015. Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/WEF_GAC15_Technological_Tipping_Points_report_2015.pdf>. Acesso em: 17 out. 2017. Resolução 1. É uma modalidade de curso oferecido pela plataforma de ensino Udacity. Diferen- temente dos cursos MOOC também disponíveis naquela organização, é pago, sen- do caracterizado por ser um programa de ensino em que o aluno é treinado em uma profissão de alta tecnologia de grande demanda no mercado, com conteudistas como Google, Facebook e Amazon, recebendo apoio profissional para garantir seu emprego imediatamente após a conclusão do curso. São oferecidos benefícios como devolução de metade do valor pago (para quem consegue concluir o curso em até 12 meses) e até mesmo consultorias de carreira. 2. Esta é uma das possibilidades práticas mais fantásticas do uso da realidade virtual para fins educacionais. A tecnologia permite que professor e alunos estejam fisica- mente afastados, em qualquer ponto do mundo que disponha de uma conexão de internet: munidos dos óculos VR, todos eles podem se encontrar virtualmente em uma sala de aula digital e interagir tal qual como fariam se estivessem presencial- mente juntos. 3. É a sobreposição de imagens, mesclando elementos virtuais e reais. Isso acaba ser- vindo, então, de uma nova interface entre as pessoas e as informações em geral, sendo um importante mecanismo de digitalização do mundo real. Com os olhos da realidade aumentada, a observação de qualquer cenário convencional, como uma floresta, uma máquina industrial ou um órgão do corpo humano é incrementada com complementos de informação, trazidas de forma digital. 4. É o modelo mental que comunga da premissa de que a educação não deve ser limitada a algo que uma pessoa faz em uma instituição específica por um deter- minado período para obter uma certificação qualquer. Em vez disso, deve ser muito mais uma jornada de exploração, de autodescoberta e de libertação ao longo de toda a vida, impulsionada por recompensas intrínsecas, na forma de celebração das pequenas conquistas intermediárias, sucessivamente, grau a grau. A educação efetiva precisa ser integrada nas experiências do cotidiano – todas elas, incluindo até mesmo o entretenimento. Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6381-9 T Ó P IC O S E S P E C IA IS E M T I Rod rig o V inícius Sartori Página em branco Página em branco