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CONCEITOS E FUNDAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO Profª. Zillá Oliva Roma CONTEÚDO PROGRAMÁTICO AULA 1 - HISTÓRIA, CONCEITO E FUNDAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO AULA 2 - PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AULA 3 - PODERES E DEVERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AULA 4 - ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA AULA 5 - ATOS ADMINISTRATIVOS Olá, pessoal, tudo bem? Esse é o material de apoio da disciplina Conceitos e Fundamentos de Direito Administrativo. O ideal é que vocês consigam tanto assistir às vídeo-aulas, quanto estudar este material, pois contém detalhamentos a respeito de todo o conteúdo. Aliás, ressalto a relevância da leitura, inclusive, das notas de rodapé. Como mencionado em vídeo-aula, o Direito Administrativo não se encontra codificado, de modo que seu estudo se dá com base na Constituição Federal e em leis esparsas, bem como na doutrina e jurisprudência correlatas. Essa disciplina é bastante interessante e útil, inclusive porque fornece todos os elementos necessários para que haja uma boa compreensão de qualquer lei de cunho administrativo, porque seus conceitos e fundamentos se mantêm hígidos em qualquer hipótese. Por exemplo, aprendemos que os pilares (pedras de toque) do regime jurídico administrativo (regime jurídico de direito público) são a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do mesmo. Se formos estudar a Lei de Licitações e Contratações Públicas (LF 8.666/93), veremos quais os caminhos a serem percorridos para que a Administração Pública possa alienar ou comprar um bem, por exemplo, tudo com fulcro na indisponibilidade do bem público, princípio pelo qual o administrador público é mero gestor da coisa pública, podendo dela dispor tão somente nos termos e condições legais, prestando contas de sua atuação. Por fim, ressalto a elevada importância dessa disciplina para diversos concursos públicos, de diferentes níveis. No que precisarem (dúvidas, críticas, sugestões, etc), estarei disponível no fórum de dúvidas. Espero que aproveitem essa disciplina de pós-graduação tão relevante! AULA 1 - HISTÓRIA, CONCEITO E FUNDAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO 1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA ANTIGUIDADE E SURGIMENTO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Antes da Revolução Francesa (1789), não se podia falar em Direito Administrativo, vez que não havia leis para reger a Administração Pública, ou melhor, nem havia Administração Pública propriamente dita, da forma como a conhecemos1. Havia sim aparatos executivos2, que consistia na execução de ordens do rei, que detinha poder ilimitado, por escolhidos seus, cuja atuação não se submetia às leis, ou seja, não imperava o princípio da legalidade. Na antiguidade remota (oriental: Índia, China, Assíria, Babilônia), predominava o traço teleológico como fundamento do poder supremo dos chefes, cujas ordens eram automaticamente cumpridas sem nenhum tipo de questionamento. Na antiguidade clássica (Grécia e Roma), havia institutos para manter a ordem interna e defender as cidades contra ataques externos. Por exemplo, em Atenas, havia alguma normatização referente à fiscalização do dinheiro público. Mas se costuma dizer que a função administrativa de qualquer Estado ou sociedade sempre existiu, por mais simples e primitiva que tenha sido. Ou seja, em todas as épocas existiram instituições administrativas no sentido material. Mas o direito administrativo surgiu, de fato, a partir do desenvolvimento do Estado de Direito, sendo fruto da Revolução Francesa, pois antes havia apenas Estados de Polícia, que são governos por homens, sob a égide do Absolutismo 1 Sentidos da Administração Pública: sentido objetivo (consiste na própria atividade administrativa exercida pelos órgãos e entes estatais; administração pública com letras iniciais minúsculas) ou sentido subjetivo (Administração Pública com iniciais maiúsculas, conjunto de órgãos, entidades e agentes públicos que exercem essa atividade administrativa). 2 Em Roma, por exemplo, havia um exército regular e funcionários que formavam uma “Administração Pública” que, em nome de César, cobrava tributos, por exemplo, mantendo uma estrutura minimamente organizada para controlar e fiscalizar as atividades dos particulares. Mas esses funcionários não compunham propriamente uma Administração Pública como conhecemos atualmente, vez que sua atuação não se sujeitava a um conjunto de princípios e regras de direito público, de modo que eram meros executores de ordens emanadas do rei (longa manus). Monárquico, não Estados de Direito, que são governos pelas leis. Em razão disso, a França é considerada o berço do Direito Administrativo. Em razão disso, nem se falava em responsabilidade civil do Estado, por exemplo, mas tão somente em sua irresponsabilidade civil (king can do no wrong), pois se considerava que o rei era uma figura colocada por Deus no poder. No Estado de Direito, impera o princípio da legalidade, sujeitando-se à lei não apenas a população em geral, como também todos agentes públicos, inclusive aqueles que a editaram. Como termo inicial do Direito Administrativo (“certidão de nascimento do Direito Administrativo”), fala-se da Lei de 28 do Pluvioso do ano VII (1800, França), que foi editada no sétimo ano após a adoção oficial do Calendário da Revolução Francesa (1793) no mês das chuvas (Pluvioso, de 20 de janeiro a 18 de fevereiro), tendo sido a primeira lei a organizar a Administração Pública, francesa no caso, criando também o Conselho de Estado francês. No meio acadêmico, Barão de Gérando foi o primeiro professor de Direito Administrativo, na Faculdade de Direito de Paris, tendo lançado livros em 1817 e 1819. Em verdade, seus estudos eram focados em questões de Direito Sanitário, que é um sub-ramo do Direito Administrativo. Já o Caso Blanco, em 1873 na França, foi o primeiro em que houve discussão a respeito de causas envolvendo a Administração Pública, sendo, conforme doutrina majoritária, a verdadeira certidão de nascimento do Direito Administrativo. Tratou-se de atropelamento de menina por vagonete da Companhia Nacional de Manufatura do Fumo, que era explorado pelo Estado. O pai da menina ingressou com ação, requerendo indenização para o Estado em razão do acidente. Fala-se em julgado pioneiro porque houve, em verdade, um conflito de competência, tendo o Tribunal de Conflitos Francês decidido que a causa deveria ser julgada pelo contencioso administrativo, porque as regras que se aplicam à responsabilidade civil estatal são diferentes daquelas previstas no Código Civil. A primeira obra de Direito Administrativo publicada no mundo foi Principi Fondamentali Del Diritto Amministrativo3, de Gian Domenico Romagnosi, na Itália, em 1814. Já a obra Principes d’Administration Publique, de Charles Jean Bonin, de 1808, foi a primeira que distinguiu o Direito Administrativo do Direito Constitucional. 3 Aqui o nome da obra está escrito corretamente, diferentemente do inserido no slide da aula respectiva. No Brasil, a primeira obra publicada foi “Elementos de Direito Administrativo”, de Vicente Pereira do Rego, de 1857, e o primeiro professor foi Furtado de Mendonça, em 1856, na Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). 2. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS/DE JURISDIÇÃO Sistema administrativo é o regime adotado pelo Estado para controlar atos administrativos, havendo duas espécies de sistemas, a saber: o da jurisdição una/sistema inglês e o da jurisdição dual/dupla/sistema francês. Pelo sistema de jurisdição una/sistema inglês, qualquer causa, envolvendo ou não a Administração Pública, pode ser dirimida pelo Poder Judiciário. É o sistema adotado no Brasil desde o advento da Constituição de 1891. Atualmente, encontra-se previsto no art. 5º, inc. XXXV, da CF, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se, pois, do princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou seja, qualquer causa pode ser levada ao Judiciário, independentemente das partes envolvidas. Ou seja, apenas o Poder Judiciário propriamente dito possui a competência para aplicar o direito em caráter de definitividade, de modo que apenas as suas decisões podem transitar em julgado (coisa julgada). Já no sistema de jurisdição dual/sistema francês, tem-se o chamado contencioso administrativo, que vigorou no Brasil Império. Nesse sistema, as causas que envolvem a Administração Pública, quando atua por meio de suas prerrogativas, são processadas e julgadas perante um juízo administrativo, com força de coisa julgada, juízo este separado do juízo comum, de modo que há, em verdade, duas jurisdições. Ou seja, não se pode falar em contencioso administrativo nos países que adotam a jurisdição una, vez que as decisões proferidas em sede de processo administrativo não possuem o condão de transitar em julgado, sempre estando sujeitas à impugnação perante o Poder Judiciário. Por exemplo, no Brasil, há diversos processos administrativos, mas sem aptidão para formar coisa julgada. Em processos perante o DETRAN, por exemplo, a respeito de suspensão ou cassação do direito de dirigir, o condutor sempre poderá levar a decisão final ao Judiciário, numa tentativa de anulá-la em razão de suposta ilegalidade ou irrazoabilidade/desproporcionalidade. Ou, ainda, uma empresa contratada pelo Poder Público após regular licitação que descumpriu parte do contrato administrativo e teve contra si instaurado processo administrativo pelo contratante e, ao final, lhe foi aplicada, por exemplo, a penalidade de suspensão temporária do direito de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração envolvida. Ela pode levar a questão ao Judiciário, numa tentativa de anular essa decisão administrativa, alegando, dentre outros argumentos, que a penalidade imposta foi irrazoável/desproporcional ou que não obedeceu aos parâmetros legais, ou ainda, que não foi observado o devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, CF4), que deve ser respeitado também em sede de processo administrativo. Claro que, em alguns casos, o ordenamento exige o esgotamento da via administrativa para que se possa ingressar com ação perante o Poder Judiciário, mas essa não é a regra. Tem-se, por exemplo, a previsão do art. 217, §§ 1º e 2º, da CF, segundo a qual “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”; “A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”. Ou, ainda, da necessidade de se juntar prova da recusa de acesso/retificação de informação em bancos de dados de caráter público para se impetrar habeas data5. Outro caso é o da súmula vinculante, que opera efeitos vinculantes inclusive à Administração Pública (art. 103-A, CF6), de modo que em caso de seu 4 Art. 5º, inc. LIV, CF: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. 5 Art. 5º, inc. LXXII, CF: “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”. Art. 8º, § ú, LF 9.507/97: “A petição inicial deverá ser instruída com prova: I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão”. 6 “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. descumprimento ou aplicação indevida pela Administração, cabe reclamação perante o STF, mas o art. 7º, § 1º, da LF 11.417/067 dispõe que somente cabe reclamação nesse caso depois de esgotadas as vias administrativas. Por fim, o art. 5º, inc. I, da LF 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança)8 também prevê que não cabe a concessão da ordem quando ainda cabível recurso administrativo com efeito suspensivo, sem necessidade de caução. 3. TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES Pela teoria/princípio da Separação de Poderes, concebida em 1748 por Montesquieu, as funções estatais devem ser exercidas por Poderes distintos, a saber: Legislativo, Executivo e Judiciário, para evitar abuso de poder ou ilegalidades, o que ocorre frequentemente quando se concentra poder nas mãos de uma única pessoa ou órgão. Atualmente, no Brasil, a adoção do princípio se dá pelo art. 2º da CF, segundo o qual “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Tal previsão é cláusula pétrea, não podendo ser abolida por emenda constitucional, conforme prevê o art. 60, § 4º, inc. III, da CF9. Mas mesmo reconhecendo a necessidade de independência entre os Poderes, apontava que, para haver equilíbrio, não poderiam ser desrespeitados em suas funções, nem poderiam exercê-las de forma autoritária ou abusiva, de modo que deveria haver uma forma de intervenção em situações desarmônicas. É o que chamamos de sistema de freios e contrapesos. Nesse ponto, quando o Poder Judiciário declara a inconstitucionalidade de uma lei/ato normativo (fruto da atuação do Executivo e do Legislativo), tem-se uma forma de concretização do sistema de freios e contrapesos. Ou ainda, quando o 7 “Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar- lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. § 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas”. 8 “Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução [...]”. 9 Art. 60, § 4º, inc. III: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] a separação dos Poderes [...]”. Judiciário intervém em políticas públicas. Ou quando o Poder Legislativo fiscaliza o Poder Executivo10, dentre diversos outros controles. De toda forma, a teoria dos três Poderes não pode ser compreendida sob um enfoque estanque e rígido, vez que, para além de sua função típica, exercida predominantemente, os Poderes estatais também exercem funções atípicas. Ou seja, a separação de Poderes estatais se dá em razão da predominância de funções, não por sua exclusividade. O Poder Executivo, de forma predominante, exerce a função administrativa11, e também de governo/política, mas exerce, de forma atípica, função normativa (quando edita medida provisória, por exemplo, conforme prevê o art. 62 da CF12) e função judicial (como na concessão de indultos, por exemplo, conforme prevê o art. 84, inc. XII, da CF13, caso em que a decisão do Executivo possui definitividade). O Poder Judiciário, predominantemente, exerce função jurisdicional, exercendo também função administrativa (por exemplo,quando instaura processo administrativo disciplinar [PAD] contra seus servidores públicos, quando publica edital de licitação pública para contratar empresa para fornecer bens, prestar serviços ou realizar obra pública, quando abre concurso público para provimento de cargos/empregos públicos14, etc) e a normativa (por exemplo, quando os Tribunais editam seus próprios Regimentos Internos15, que podem ser, inclusive, objeto de 10 Art. 49, inc. X, CF: “É de competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;” Art. 70, CF: “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”. 11 A função administrativa pode ser analisada sob os critérios subjetivo/orgânico (o sujeito/ente/órgão público responsável pelo exercício da função administrativa) e objetivo (material/conteúdo da atividade, a saber: FOMENTO (economia, atividades) + INTERVENÇÃO (de forma indireta: no domínio econômico, na propriedade privada; de forma direta: criação de empresas estatais) + SERVIÇOS PÚBLICOS + PODER DE POLÍCIA, ou formal/regime jurídico administrativo/prerrogativas). 12 Art. 62. “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. 13 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] inc. XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. 14 Súmula vinculante 43: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. 15 Art. 96, CF. “Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos”. controle concentrado de constitucionalidade se, além de serem abstratos e genéricos, contiverem inovação). Por fim, o Poder Legislativo exerce tipicamente a função normativa/legislativa, mas também a função administrativa (da mesma forma que os outros Poderes) e a judicial (por exemplo, no impeachment, ao processar e julgar o Presidente e Vice- Presidente da República nos crimes de responsabilidade, dentre outros, conforme prevê o art. 52, incs. I e II, da CF16, e quando concede anistia, por meio de lei, nos termos do art. 48, inc. VIII, da CF17). Mister ressaltar que, diferentemente das funções judicial e legislativa (possuem recesso/intervalo), a função administrativa nunca se suspende ou interrompe. 4. CONTROLE DE ATOS ADMINISTRATIVOS/POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO Em sede de Separação de Princípios, tem-se tema bastante polêmico, que é a possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário intervir em políticas públicas, ou melhor, se o Judiciário pode controlar o ato administrativo. É pacífico que, uma vez provocado, pode analisar se o ato administrativo obedeceu ao princípio da legalidade. Mas não é pacífico se pode analisar o mérito do ato administrativo, o que envolve o motivo e o conteúdo do ato. Nesse ponto, haveria eventuais faixas de insindicabilidade judicial, que são matérias que não poderiam ser analisadas pelo Judiciário. Como supramencionado, para que haja equilíbrio entre os Poderes, em tese, eles não poderiam agir fora de suas atribuições, o que inclui o Poder Judiciário. Mas em caso de insatisfação, a jurisdição acaba sendo o veículo natural aos irresignados. 16 Art. 52. “Compete privativamente ao Senado Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice- Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”. 17 Art. 48. “Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: [...] inc. VIII – concessão de anistia”. Assim, a intervenção judicial nos atos administrativos/políticas públicas deve ser entendida como possível e necessária em diversas hipóteses, principalmente para de concretizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, mencionados no art. 3º da CF18, ou ainda quando o ato praticado se mostrar irrazoável ou desproporcional, levando-se em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que se aplicam igualmente à atuação administrativa. Ou seja, não se poderia falar, genericamente, que o controle judicial dos atos administrativos viola de plano o princípio da Separação de Poderes (art. 2º, CF/88), inclusive em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV, CF). Conforme já decidido por diversas vezes pelos Tribunais Superiores, por exemplo, especialmente o Superior Tribunal de Justiça, o Judiciário pode, dentre outros provimentos jurisdicionais: (i) determinar que o Estado implemente plantão em Delegacia de Atendimento ao adolescente infrator, (ii) obrigar Administração Pública a manter quantidade mínima de medicamento em estoque e a garantir o direito à acessibilidade em prédios públicos, (iii) obrigar Município a fornecer vaga em creche, (iv) determinar a reforma de cadeia pública, a construção de nova unidade prisional ou a realização de obras emergenciais em estabelecimento prisional, etc. Especificamente quanto à determinação de reforma de cadeia pública, em razão de superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade (defeitos estruturais, ausência de ventilação, iluminação e instalações sanitárias adequadas), o STJ entende que a ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgado pedido veiculado em ação civil pública que, entre outros, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver prova objetiva da incapacidade econômico financeira do ente federado19. Tratar-se-á um pouco mais a respeito na aula sobre os atos administrativos. 18 Art. 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 19 STJ, 2ª Turma, REsp 1.389.952/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 3/6/2014. 5. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO A doutrina tenta conceituar o Direito Administrativo, mas sempre se encontra falhas nesses conceitos, vez que se mostram incompletos. Por exemplo, Celso Antônio Bandeira de Mello o conceitua como “o ramo do Direito Público que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem”. Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua como “o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativasque integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”. Por sua vez, para José dos Santos Carvalho Filho, é “o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir”. Para Hely Lopes Meirelles, é um “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. Em suma, podemos conceituar Direito Administrativo como o ramo do direito público composto por um conjunto de regras e princípios que tem por objeto o exercício da função administrativa (não apenas exercida pelo Poder Executivo, mas também pelos outros Poderes estatais), exercida sob o regime de direito público (regime jurídico administrativo), em prol do interesse público. Mister ressaltar que o Direito Administrativo não se encontra codificado, podendo ser estudado com base na CF e em leis esparsas (LF 8.112/90, 8.666/93, 8.987/95, 9.784/99, 11.079/04, 11.107/05, etc) e como fontes se tem a própria lei, a jurisprudência, os costumes e a doutrina. A lei como fonte do Direito Administrativo deve ser considerada em seu sentido amplo, abrangendo também as normas constitucionais, o que se chama de juridicidade, mais ampla que a mera legalidade. Em relação aos costumes, para parte da doutrina, são diferentes de praxe administrativa, que é o procedimento adotado rotineiramente na Administração, inexistindo consciência de sua obrigatoriedade. Já nos costumes, a consciência é indispensável (condição subjetiva). 6. REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO O regime jurídico administrativo é o regime jurídico de direito público, enquanto o regime jurídico da Administração Pública envolve tanto o de direito público, quanto o de direito privado, este quando a Administração atua em paridade de armas com o particular (contrato de locação de imóvel para uma repartição pública, contrato de abertura de conta corrente entre particular e a Caixa Econômica Federal, que compõe a Administração Pública Indireta, a venda no mercado de produtos de sociedade de economia mista, que também integra a Administração Pública Indireta, dentre outros exemplos, sendo todos contratos administrativos atípicos). As pedras de toque do regime jurídico administrativo (expressão cunhada por Celso Antônio Bandeira de Mello) são: a supremacia do interesse público (prerrogativas) e a indisponibilidade do interesse público (restrições), sempre em nome do interesse público. Pela supremacia do interesse público, o interesse público prevalece sobre o interesse privado, razão pela qual há presunção, ainda que relativa (iuris tantum) de legitimidade dos atos administrativos, possibilidade de alteração unilateral de contrato administrativo por parte da Administração, desapropriação (art. 5º, inc. XXIV, CF20), requisição administrativa (art. 5º, inc. XXV, CF21), poder de polícia (administrativa), cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, etc, sempre para se atingir as finalidades constitucionais e legais. Contudo, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que esse essa supremacia não pode ser alegada abstratamente, de modo que a Administração Pública não pode empregar a supremacia do interesse público como fundamento irrefutável para sempre justificar quaisquer condutas. Já pela indisponibilidade do interesse público, tem-se a impossibilidade de o administrador público fazer o que quiser com a coisa pública. Isso porque a disponibilidade advém do direito de propriedade, mas como o administrador público não é proprietário da coisa pública, apenas deve geri-la, nos termos constitucionais 20 Art. 5º, inc. XXIV - “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. 21 Art. 5º, inc. XXV - “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.” e legais, prestando contas de sua atuação (restrições para alienar bens públicos, concurso público, licitação pública, motivação dos atos administrativos, etc). Com efeito, o administrador não age visando a um interesse seu, mas sim ao interesse da coletividade, necessitando de poderes para alcançar tais fins, caso contrário não teria meios para fazer prevalecer o interesse coletivo sobre o individual. Nesse diapasão, a Administração Pública pode estar numa relação de verticalidade ou de horizontalidade com o particular. Numa relação vertical, há a incidência do regime jurídico administrativo/de direito público, ou seja, da supremacia do interesse público (desapropriação de bens22, aplicação de multas de trânsito, tributação, etc). Já numa relação horizontal, há paridade de armas entre ambos, vez que a Administração não atua com suas prerrogativas (contrato particular de locação de imóvel), onde se encontram os chamados atos da Administração, que se diferenciam dos atos administrativos propriamente ditos, porque estes são praticados com fulcro no regime jurídico administrativo. Por fim, como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, o regime jurídico administrativo de qualquer Estado e em qualquer momento histórico sempre parte do binômio poderes da Administração Pública e direitos dos administrados. 7. A PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO E A PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO A doutrina clássica divide o Direito em Direito Público e Privado. O Direito Público (Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Processual) tem por objeto regular os interesses da sociedade como um todo, disciplinar a relação da sociedade com o Estado e dos órgãos e entidades públicas entre si, tutelando o interesse público. Para tanto, há desigualdade nas relações jurídicas por ele regidas, em razão da supremacia do interesse público sobre o privado, que é um dos pilares do regime jurídico administrativo. 22 Embora o art. 5º, inc. XXII, da CF garanta o direito de propriedade, seu inc. XXIII dispõe que a propriedade atenderá a sua função social. Já o Direito Privado (Direito Empresarial, Direito Civil, etc) tem por objeto regular interesses individuais, para o fim de possibilitar uma convivência harmoniosa em sociedade, havendo, pois, igualdade jurídica nas relações. Em verdade, é difícil definir o que seria Direito Público e o que seria Direito Privado, até porque mesmo nas áreas do Direito Privado pode haver alguma interferência de normas de direito público, e vice-versa. Inclusive, cada vez mais tem havido intersecções entre ambos, com influências recíprocas. Por exemplo, a título de privatização do direito público, tem-se a incidência do princípio da eficiência, acrescido ao art. 37 da CF pela Emenda Constitucional 19/9823, a privatização de empresas estatais (serviços economicamente sustentáveis em regime de mercado), a criação de agências reguladoras24, o emprego de meios alternativos de solução de conflitos envolvendo a Administração Pública (mediação, arbitragem), a possibilidade de ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos da Administração Direta por meio de contratos de gestão (art. 37, § 8º, CF), etc. A título de publicização do direito privado, tem-se o intervencionismo estatal nas relações de consumo25 e trabalhistas, também em contratos civis paritários (dada a função social do contrato26), etc. Por fim, questiona-se: regra de Direito Público é sinônimo de regra de ordem pública? Não! As regras do Direito Público regulama atuação do Estado na satisfação do interesse público, enquanto as regras de ordem pública são aquelas imperativas/inafastáveis/imodificáveis pela vontade das partes. Por exemplo, no Direito Tributário, há obrigação legal de se pagar imposto de renda em caso de recebimento de renda, não havendo como se convencionar de forma diferente, por isso se trata de regra de ordem pública no âmbito do Direito Público. Outro exemplo 23 A Administração Gerencial se pauta na eficiência, enquanto a Administração Burocrática recaía tão somente sobre a legalidade. 24 A retirada de serviços do Estado-Empresário levou à necessidade de maior regulação de diversos setores. 25 Art. 1º do Código de Defesa do Consumidor (CDC): “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social [...]”. Art. 5º, inc. XXXII, CF: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;” Art. 170, CF: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor”. 26 Art. 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. é a vedação de casamento entre pais e filhos presente no Código Civil. Nesse caso, há regra de ordem pública no âmbito do Direito Privado. Em suma, ordem pública é conceito muito mais amplo que Direito Público. 8. ESPÉCIES DE INTERESSE PÚBLICO (RENATO ALESSI) A doutrina diferencia interesse público primário do secundário, com base em doutrina do italiano Renato Alessi, trazida ao Brasil por Celso Antônio Bandeira de Mello. Por interesse público primário, entende-se aquele interesse legítimo, da coletividade, que deve sempre ser perseguido. São os chamados interesses gerais imediatos, que fundamentam os poderes e os deveres da Administração Pública. Conforme ensina Rodolfo de Camargo Mancuso, “Quando se lê ou se ouve a expressão ‘interesse público’, a presença do Estado avulta em primeiro plano. É como se ao Estado coubesse não só a ordenação normativa do ‘interesse público’, mas também a soberana indicação de seu conteúdo. [...] evoca, imediatamente, a figura do Estado, e mediatamente, aqueles interesses que o Estado ‘escolheu’ como os mais relevantes, por consultarem aos valores prevalecentes na sociedade”. Ainda, ensina Hely Lopes Meirelles que interesse público “é a aspiração de uma coletividade para a obtenção de um bem, de uma atividade ou de um serviço de fruição geral”. Por exemplo, dispõe o art. 519 do Código Civil que “Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa”. Ou seja, se uma pessoa teve um bem desapropriado, por utilidade pública/interesse social, e o bem não tiver o destino ao qual se desapropriou, o desapropriado pode exercer seu direito de preferência de recomprar o bem, por seu preço atual. É claro que essa hipótese não se aplica quando o ente expropriante, em que pese ter alterado a finalidade da desapropriação, atendeu igualmente ao interesse público primário. Por exemplo, se iria construir um hospital público, mas por fim acabou construindo uma escola pública. Já o interesse público secundário é o “fazendário”, no sentido de Fazenda Pública, sendo o interesse do governante da ocasião, mas sempre com finalidade pública, ou seja, se legitima caso se coadune com o interesse público primário. São os chamados interesses gerais mediatos. Por exemplo, uma sociedade de economia mista (entidade pública administrativa) visa ao lucro também para que o Estado, enquanto acionista majoritário, possa realizar mais investimentos e prestar serviços públicos. 9. ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Cabe arbitragem para dirimir conflitos envolvendo a Administração Pública? Conforme prevê o art. 54 da LF 8.666/93, “Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”. Ou seja, por essa regra, as normas de direito privado se aplicariam supletivamente, de modo que a arbitragem caberia sim também nos contratos envolvendo a Administração Pública. Contudo, esse tema já foi bastante polêmico, tendo havido a corrente doutrinária que entendia não ser possível e a que entendia ser possível, se houvesse previsão legal. Atualmente, a primeira corrente é minoritária, baseando-se no princípio da indisponibilidade do interesse público, do juiz natural (em tese, é o Judiciário que deve conhecer das causas27) e da inafastabilidade da jurisdição (porque a arbitragem substitui a jurisdição estatal, de modo que o Judiciário não pode substituir a decisão do árbitro). A segunda corrente é majoritária, no sentido de a Administração Pública poder adotar a arbitragem se houver previsão legal (de preferência específica), observar a legalidade (não pode ser por equidade/princípios gerais do Direito, conforme autorizado pelo art. 2º da LF 9.307/9628) e a publicidade (não pode ser sigilosa). Tais requisitos são chamados pela doutrina de condições de arbitrabilidade. 27 Art. 5º, inc. LIII, CF: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. 28 Art. 2º. “A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio”. É claro que o interesse público é indisponível por essência, mas seus contornos de aspecto predominantemente patrimonial podem ser transacionados. De qualquer forma, a LF 9.307/96 foi alterada pela LF 13.129/15, que inseriu a possibilidade explícita de a Administração Pública utilizar a arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Assim, conforme o art. 1º, §§ 1º e 2º, da Lei, “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.” Ainda, prevê o art. 2º, § 3º, da Lei que “A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”. Mas mesmo antes dessa expressa disposição legal, o ordenamento jurídico brasileiro já continha essa previsão em diversas leis especiais, como por exemplo: ▪ Art. 23 da LF 8.987/95: “São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: […] XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais”; ▪ Art. 93, inc. XV, da LF 9.472/97: “O contrato de concessão indicará: […] o foro e o modo para solução extrajudicial das divergências contratuais”; ▪ Art. 20 da LF 9.478/97: “O regimento interno da ANP disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na conciliação e no arbitramento”; ▪ Art. 35, inc. XVI, LF 10.233/01: “[…] regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem”; ▪ Art. 11, inc. III, da LF 11.079/04: o instrumento convocatório poderá prever “o empregodos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato”; ▪ Art. 44-A da LF 12.462/11: “Nos contratos regidos por esta Lei, poderá ser admitido o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307/96, e a mediação, para dirimir conflitos decorrentes da sua execução ou a ela relacionados”. Com efeito, o compromisso arbitral não afasta eventual controle de legalidade (observância do devido processo legal) pelo Judiciário, porque apenas é vedado ao Judiciário substituir a decisão de mérito proferida pelo árbitro, não havendo que se falar em violação do princípio do juiz natural. Também não há prejuízo ao interesse público, vez que não é qualquer pessoa que é árbitra em se tratando de conflitos envolvendo a Administração Pública, havendo sua contratação, conforme entendimento majoritário, com fulcro em motivada hipótese de inexigibilidade de licitação pública (art. 25, inc. II, LF n. 8.666/93). AULA 2 - PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO O Direito é formado por um conjunto de princípios e regras. Mas qual seria a diferença entre ambos? Os princípios possuem elevado grau de generalidade e menor grau de efetividade, carecendo de integração jurisdicional para operar seus efeitos, principalmente em sede de jurisdição constitucional, fruto do pós-positivismo, sob a égide do neoconstitucionalismo, a partir do qual os princípios passaram a exercer um papel bastante relevante no Direito como um todo. Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que os princípios são as viga mestras do edifício jurídico. Com efeito, possuem dupla função: servem para fundamentar as regras e para interpretá-las, para que o intérprete possa alcançar seu sentido e alcance. Já as regras possuem um menor grau de generalidade, por terem conteúdo mais imediato e evidente, tendo, em razão disso, maior grau de efetividade, vez que podem ser aplicadas diretamente, sem a integração jurisdicional. Os princípios podem ser implícitos, o que a doutrina chama de princípios reconhecidos, ou explícitos, sendo estes aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico. Os princípios que se aplicam à Administração Pública se encontram esparsos pelo ordenamento, sendo os mais relevantes os explícitos previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, doravante apenas CF, a saber: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”. Há também princípios explícitos nas Constituições dos Estados29 e nas Leis Orgânicas dos Municípios. Em sede infraconstitucional, há os princípios do art. 2º da LF 9.784/9930 e outros, inclusive em sede estadual/municipal. Trataremos agora dos princípios do art. 37, conhecidos pela sigla LIMPE. 29 Art. 111 da Constituição Estadual de SP: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”. 30 “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. 1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Preceitua o art. 5º, inc. II, da CF que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, que é o significado do princípio da legalidade genérica, aplicável a todos indistintamente na esfera privada. Contudo, em se tratando de Administração Pública, aplica-se o princípio da legalidade estrita, ou seja, a atuação administrativa deve ser secundum legem, de modo que somente pode agir conforme disposição expressa ou, no mínimo, autorização legal, tratando-se, pois, de uma garantia de respeito aos direitos dos cidadãos, ou seja, um claro limite à atuação estatal. Em verdade, mais apropriado que legalidade, dever-se-ia falar em princípio da juridicidade, que envolve, para além da observância das leis, a obediência aos princípios. Em caso de ato administrativo ilegal, o ordenamento prevê diversos instrumentos possíveis de serem empregados pelo prejudicado, sendo os mais relevantes o mandado de segurança e a ação popular. Conforme prevê o art. 5º, inc. LXIX, da CF, “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. Em continuação, dispõe o art. 5º, inc. LXXIII, da CF: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. No Direito Tributário, incide o princípio da legalidade estrita, conforme dispõe o art. 150, inc. I, da CF, pelo qual “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. No Direito Penal também incide o princípio sob a forma estrita, dispondo o art. 5º, inc. XXXIX, da CF, que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, o que já estava previsto no art. 1º do Código Penal. Por fim, nos atos administrativos vinculados, a lei já determina todos os elementos do ato, não havendo possibilidade de escolha pelo administrador público, ao passo que nos atos administrativos discricionários, a lei deixa uma margem de escolha pelo administrador nos requisitos do motivo e do conteúdo do ato, observando, sempre, os termos e limites legais. 2. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE O princípio da impessoalidade pode ser analisado sob diversos ângulos. Pelo aspecto da isonomia, todos os particulares devem ser tratados pela Administração Pública da mesma forma, salvo discriminações permitidas pelo texto constitucional. Por exemplo, a Administração abre concurso público para prover seus cargos públicos de provimento efetivo31, paga débitos judiciais por meio de precatórios32, instaura licitação pública para contratar empresa para fornecer produto/prestar serviço33, dentre outros. Nesse diapasão, há controvérsias, inclusive em sede judicial, a respeito de determinadas exigências feitas dos candidatos em concursos e licitações públicas. Por exemplo, exigências em concurso público para prover Cargos de Soldado Militar, em que há previsão de altura mínima, idade máxima para inscrição, vedação de ter tatuagem, etc. Para a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é possível discriminar com fulcro na Constituição e em motivo razoável, sendo possível exigir altura mínima e idade máxima se levando em consideração o tipo de atribuição do cargo a ser exercido, 31 Art. 37, inc. II, CF: “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, [...].” 32 Art. 100, CF: “Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ãoexclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”. 33 Art. 37, inc. XXI, CF: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. desde que haja prévia autorização legal para tanto34, não podendo a exigência ser feita diretamente no edital. Há também algumas exigências em edital de licitação pública que ensejam impugnação por parte de candidatos, como certificações específicas de qualidade. Conforme prevê a Súmula 17 do TCE-SP, “Em procedimento licitatório, não é permitido exigir-se, para fins de habilitação, certificações de qualidade ou quaisquer outras não previstas em lei”. Nesse diapasão, o STF entende que lei estadual que exige certidão não prevista na LF 8.666/93 é inconstitucional, porque é a União que tem competência legislativa privativa sobre normas gerais de licitação e contratação (art. 22, inc. XXVII, CF)35. No caso específico, lei estadual exigia Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor, não prevista na LF 8.666/93. Ainda, conforme dispõe o art. 3º, § 1º, inc. I, da LF 8.666/93, é vedado aos agentes públicos “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato”. Sob um outro ângulo, pode-se analisar o princípio da impessoalidade como a vedação à promoção pessoal de agente público36, de modo que a atuação pública deve dar-se para atingir a finalidade pública, não para promover a pessoa do agente público37. Em verdade, é em razão desse princípio que os atos administrativos praticados por agente público de fato/putativo são considerados válidos, porque não foram feitos pela pessoa do agente, mas sim pela Administração Pública. 34 Súmula vinculante 44: “Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”. 35 Plenário, ADI 3.735/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 8/9/2016. 36 Art. 37, § 1º, CF: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. 37 Art. 2º, § único, incs. III e XIII, da LF 9.784/99: “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades”; “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige”. Como exemplo de agente público de fato/putativo, ter-se-ia um servidor irregularmente investido em cargo público porque não teria o nível exigido de escolaridade para tomar posse, o que somente veio a ser percebido posteriormente, ou ainda, um servidor que continuou na ativa mesmo já tendo havido a publicação da concessão de sua aposentadoria no Diário Oficial. Todos os atos praticados por eles no exercício da atividade pública conservam sua validade, vez que os administrados são terceiros de boa-fé e a pessoa realmente parecia ser servidor público, também pelo princípio da segurança jurídica. Maria Sylvia Zanella Di Pietro distingue a impessoalidade externa da interna. A externa seria o princípio da finalidade pública, ou seja, na relação com o administrado, não podendo haver perseguições ou favoritismos, devendo a atuação sempre buscar o interesse público, e a interna seria no sentido de que o ato administrativo é imputado ao órgão/entidade, não à pessoa do agente/servidor. Essa impessoalidade dita interna se correlaciona com a teoria do órgão/da imputação volitiva de Otto von Gierke, segundo a qual os servidores/agentes públicos atuam em nome da Administração, de modo que, em havendo prejuízo aos administrados, quem deve ressarcir os danos é a própria Administração, cabendo direito de regresso contra o agente/servidor tão somente posteriormente, se comprovado dolo ou culpa. É o que o Supremo Tribunal Federal chama de tese da dupla garantia38. 3. PRINCÍPIO DA MORALIDADE Pelo princípio da moralidade, a atuação dos agentes públicos deve ser ética e proba39. Trata-se, aqui, de moralidade objetiva, não da subjetiva, o que significa que, independentemente do que o agente publicar pensar em sede íntima, deve agir de forma ética. Nesse ponto, a principal incidência do princípio da moralidade é justamente sobre atos administrativos discricionários, no que a doutrina chama de mérito administrativo (motivo + objeto do ato). 38 Garantia ao administrado prejudicado, que poderá contar com uma maior saúde financeira (da Administração) e ao servidor/agente público, que não será demandado judicialmente de forma prioritária, evitando inclusive abuso de poder por parte da Administração (RE 327.904). 39 Art. 2º, § único, inc. IV, LF 9.784/99: “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa- fé”. Ainda, a moral comum é diferente da moral administrativa. Aquela diz respeito à correção de atitudes na vida particular (determinadas condutas seriam certas e outras erradas). Já a moral administrativa traz exigências mais rigorosas, em prol de uma boa administração. Um tema bastante comentado nessa seara é o nepotismo, inclusive o cruzado. A Resolução nº 7 do CNJ vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, tendo tido sua constitucionalidade confirmada pelo STF na ADC 12, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O STF ratificou a competência do CNJ para tanto, já que foi instituído como órgão do Judiciário justamente para controlar sua função administrativa e financeira. Além disso, o CNJ apenas detalhou a previsão constitucional do princípio da moralidade (art. 37, CF). De qualquer forma, dispõe a Súmula Vinculante 13 que “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. A súmula deve ser lida por partes para ser mais facilmente compreendida. É inconstitucional nomear cônjuge/companheiro/parente em linha reta/colateral até o terceiro grau, inclusive por afinidade + da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica que seja investido em cargo de direção/chefia/assessoramento + para o exercício de cargo em comissão/de confiança/função gratificada + na Administração como um todo + incluindo nepotismo cruzado. Conforme jurisprudência pacífica, tal entendimento não se aplica para cargos políticos (Secretários Estaduais, Municipais e Ministros de Estado) e efetivos40, aplicando-se para cargos/funções de confiança e em comissão como assessor, chefe de gabinete. Ainda, não há nepotismo se a pessoa nomeada possui parente 40 O STF entende que essa vedação não alcança cargos públicosde provimento efetivo, porque isso poderia inibir o próprio provimento, violando o art. 37, incs. I e II, da CF, que garante o livre acesso a cargos/funções/empregos públicos aos aprovados em concurso público. (Plenário, ADI 524/ES, Rel. originário Min. Sepúlveda Pertence, redação para o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, j. em 20/5/2015). no órgão sem influência hierárquica sobre sua nomeação, porque vedar o acesso a cargo/emprego público tão somente em razão de parentesco com qualquer servidor que tenha competência para nomear viola o princípio da impessoalidade41. Um importante instrumento constitucional para anular ato que atente à moralidade é justamente a ação popular42. 4. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE Pelo princípio da publicidade, há necessidade de se conferir transparência aos atos administrativos, para fins de controle. Negar publicidade a ato oficial é ato de improbidade administrativa (art. 11, inc. IV, LF 8.429/9243). A publicidade é condição de eficácia do ato44, não requisito de sua validade ou existência. Publicidade (notificação, publicação, afixação de avisos, divulgação na internet) não se confunde com publicação (é apenas uma das formas de se conferir publicidade a um ato administrativo, que consiste na divulgação em órgão oficial45, que pode ser a imprensa oficial). Com efeito, se a lei não determinar a forma da publicidade, cabe ao administrador público averiguar se o ato operará efeitos internos (veículos de circulação interna, como boletins e circulares) ou externos (nomeação de servidor público). Em continuação, dispõe o art. 5º, inc. LXXII, da CF que cabe habeas corpus a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou 41 STF, 2ª Turma, Rcl 18.564/SP, Relator originário Min. Gilmar Mendes, redação para o acórdão Min. Dias Toffoli, j. em 23/02/2016. 42 Art. 5º, inc. LXXIII, CF: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, [...]”. 43 “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: [... ]negar publicidade aos atos oficiais”. 44 Art. 61, § ú, LF 8.666/93: “Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, [...]”. 45 Art. 2º, § único, inc. V, LF 9.784/99: “divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição”. de caráter público”, exigindo a lei prova da negativa de acesso (art. 8º, § único, LF 9.507/97). Ainda, prevê o art. 5º, inc. XXXIV, da CF, que “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: [...] b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. Em continuação, dispõe o art. 37, § 3º, da CF, que “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: [...] inc. II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.” Com efeito, a lei somente poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade/interesse social o exigirem (art. 5º, inc. LX, CF), de modo que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º, inc. XXXIII, CF). Regulamentando os dispositivos constitucionais, a LF 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação), em seu art. 23, prevê que: “São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado [...] as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; [...] etc. Ainda, seu art. 24, § 1º, prevê prazos máximos de restrição de acesso à informação, impossibilitando informações sigilosas de modo perpétuo: “Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes: I - ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos; II - secreta: 15 (quinze) anos; e III - reservada: 5 (cinco) anos. [...]” § 4º. “Transcorrido o prazo de classificação ou consumado o evento que defina o seu termo final, a informação tornar-se-á, automaticamente, de acesso público”. Ou seja, a publicidade é a regra, sendo o sigilo a exceção. Houve um determinado caso em que um jornal solicitou que o Governo Federal fornecesse a relação dos gastos efetuados com o cartão corporativo pelo Chefe de Escritório da Presidência da República entre 2003 e 2011, tendo obtido apenas os valores despendidos, não informações detalhadas (tipos de gasto, datas, CNPJ/razão social das empresas contratadas, etc). O STJ entendeu que essa recusa constitui violação ao direito de acesso à informação de interesse coletivo, por não haver evidência de que a publicidade no caso atentaria contra a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República ou de suas famílias, conforme prevê o art. 24, § 2º, da LF 12.527/1146. Consignou, ainda, que “a transparência dos gastos e das condutas governamentais não deve ser apenas um flatus vocis, mas sim um comportamento constante e uniforme. Além disso, a divulgação dessas informações seguramente contribui para evitar episódios lesivos e prejudicantes”. O STF adotou o mesmo entendimento em caso de jornal buscando informações sobre uso de verba indenizatória por senadores, em razão de a publicidade desses dados não acarretar nenhum risco à segurança dos parlamentares, nem violar sua privacidade/intimidade (Plenário, MS 28.178/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 04/03/2015). Por fim, conforme entendimento jurisprudencial pacífico, é legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes de seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias (ARE 652.777/SP, STF), não cabendo nenhum tipo de indenização por parte do Estado em razão dessa publicação, não havendo que se falar em dano moral pela violação da intimidade e vida privada. 5. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional, buscando-se uma maior produtividade e redução dos desperdícios de dinheiro público (otimizar o custo- benefício). 46 As informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição. É também chamadode princípio da qualidade do serviço público (EC 19/98: Reforma do Estado). Hely Lopes Meirelles entende tratar-se de direito fundamental do cidadão, inclusive no que concerne aos prazos legais que a Administração deve observar (art. 5º, inc. LXXVIII, CF: razoável duração do processo). Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu direito à indenização em razão de demora na concessão de aposentadoria, pela não observância do prazo legal sem justificativa: “ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. ATRASO NA CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ART. 49 DA LEI Nº 9.784/99. 1. Ao processo administrativo devem ser aplicados os princípios constitucionais insculpidos no artigo 37 da Carta Magna. 2. É dever da Administração Pública pautar seus atos dentro dos princípios constitucionais, notadamente pelo princípio da eficiência, que se concretiza também pelo cumprimento dos prazos legalmente determinados. 3. Não demonstrado óbices que justifiquem a demora na concessão da aposentadoria requerida pela servidora, restam feridos os princípios constitucionais elencados no artigo 37 da Carta Magna. 4. Legítimo o pagamento de indenização, em razão da injustificada demora na concessão da aposentadoria. 5. Recurso especial provido” (REsp 687.947). Em regra, entende-se como demora excessiva aquela que dura mais de 1 ano (AgRg no REsp 1.469.301 e AgInt no AREsp 483.398/PR, STJ). Em continuação, no que toca ao serviço público prestado por concessionárias/permissionárias, dispõe o art. 6º, § 1º, da LF 8.987/95, que “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. Em se tratando de serviços públicos em geral, dispõe o art. 37, § 3º, da CF que “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; [...]”. Em sede de eficiência no funcionalismo público, prevê o art. 41 da CF: “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. [...] § 4º. “Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade”. Ainda, dispõe o art. 39, § 2º, da CF: “A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados”. Bem como prevê o art. 39, § 7º, da CF: “Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade”; 6. OUTROS PRINCÍPIOS: PRINCÍPIO DA FINALIDADE (PÚBLICA) Pelo princípio da finalidade (pública), a atuação pública deve dar-se para atender a fins de interesse geral47. Nesse ponto, seria sinônimo de princípio da impessoalidade, conforme entendimento de Hely Lopes Meirelles. Maria Sylvia Di Pietro, por sua vez, entende que o princípio da finalidade se inclui na supremacia do interesse público sobre o particular. O desvio de finalidade, que é uma das formas de abuso de poder, pode ser (i) genérico (notório, quando o administrador buscou satisfazer seus interesses pessoais de forma nítida) ou (ii) específico (sutil, sendo mais difícil de comprovar, como numa desapropriação de bem de propriedade de desafeto, numa remoção de ofício de servidor como forma de perseguição e não como uma forma de melhor alocar a mão de obra, numa colocação de servidor em disponibilidade como forma de assédio moral). 47 Art. 2º, § único, inc. II, LF 9.784/99. Conforme dispõe o art. 2º, § ú, e, da LF 4.717/65, em havendo desvio de finalidade, o ato é nulo, não cabendo convalidação: “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”. Ou seja, a finalidade do ato administrativo é sempre o interesse público, de modo que qualquer finalidade diversa enseja a nulidade do ato, sem qualquer possibilidade de convalidação. Cabe mandado de segurança também em caso de ato com desvio de finalidade, o que consiste em flagrante ilegalidade, vez que a finalidade do ato administrativo sempre deve ser o interesse público, nada diferente disso. 7. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE Pelo princípio da razoabilidade (de origem anglo-saxônica), o administrador público deve atuar de forma equilibrada e razoável. Um ato irrazoável é contrário ao Direito (antijurídico/ilegal), podendo ser controlado pelo Poder Judiciário. Incide propriamente nos atos administrativos discricionários, nos quais há margem de liberdade de escolha ao administrador, nos termos e condições legais (juízo administrativo de conveniência e oportunidade). A razoabilidade se bifurca em três subprincípios, a saber: (i) adequação/conformidade – há conformidade do ato com o fim pretendido? (ii) necessidade/exigibilidade – não há uma maneira menos prejudicial? e (iii) proporcionalidade strictu sensu? Ou seja, ultrapassada a análise dos dois primeiros subprincípios, conclui-se que o ato é sim proporcional. Aplica-se bastante o princípio da razoabilidade em relação a diversas exigências feitas em editais de concurso público e licitação pública. Por exemplo, em diversos Estados da Federação, exige-se altura mínima de 1,55m para mulheres e 1,60m para homens participarem de concurso público para prover cargo de Soldado PM, bem como de idade máxima para inscrição no certame de 30 anos, ou ainda, restrição a candidatos com tatuagem48. Tratar-se-iam de 48 2. “O candidato ao ingresso poderá apresentar tatuagem, exceto quando: 2.1. divulgar símbolo ou inscrição ofendendo valores e deveres éticos inerentes aos integrantes da Polícia Militar; 2.2. fizer alusão a: 2.2.1. ideologia terrorista ou extremista contrária às instituições democráticas ou que pregue a violência ou a criminalidade; 2.2.2. discriminação ou preconceito de raça, credo, sexo ou origem; 2.2.3. ideia ou ato libidinoso; 2.2.4. ideia ou ato ofensivo aos direitos humanos” (edital do concurso exigências discriminatórias, violando, portanto, o princípio da impessoalidade, sob o aspecto da isonomia, e o da razoabilidade? Por primeiro, dispõe a Súmula 683 do STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido“. Ou seja, como se trata de função policial, faz todo o sentido exigir idade máxima para inscrição no concurso. Ainda, a respeito da altura mínima exigida, como mencionado no tópico a respeito do princípio constitucional da impessoalidade, é possível haver essa exigência em razão da natureza do cargo a ser provido. Em continuação, entendeu o STF, em sede de repercussão geral, que editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais (RE 898.450/SP, STF, RG). O STF e o STJ também reconheceram a irrazoabilidade do art. 170 da LF 8.112/90, que prevê:”Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor” (MS 23.262/DF, STF e MS 21.598/DF, STJ), ou seja, se não há mais possibilidade de pretensão punitiva pela Administração de servidor público em razão do decurso do prazo prescricional, não se pode inserir esse fato no registro do servidor, inclusive em razão do princípio da presunção de inocência. Por fim, a jurisprudência é pacífica ao reconhecer a razoabilidade das cotas étnico sociais em concursos públicos e vestibulares (ações afirmativas). O STF, no julgamento da ADC 41/DF, decidiu que é constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta, conforme previsão do art. 1º da LF 12.990/14. 8. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE público para provimento de cargos de Soldado PM de 2ª Classe do Quadro de Praças de Polícia Militar - QPPM) de São Paulo, 2018). Como supramencionado, a proporcionalidade (de origem germânica) é faceta da razoabilidade, consistindo, basicamente, na adequação entre meios e fins, sendo necessário aferir eventual excesso na prática do ato administrativo49. A título de exemplo, imaginemos um servidor público que faltou apenas uma vez ao serviço sem justificar, não havendo possibilidade de abono no estatuto dos servidores. A Administração instaura PAD (processo administrativo disciplinar) e aplica a penalidade de demissão. É proporcional o ato administrativo? Evidentemente que não, cabendo penalidades mais brandas, como advertência ou até mesmo suspensão por determinado tempo. 9. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO Conforme prevê o art. 93, inc. X, da CF, “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas”. A motivação faz parte da forma do ato, por consistir na exteriorização dos motivos de fato e de direito que levaram o administrador à prática do ato. O momento ideal de se motivar um ato é antes ou concomitantemente a sua prática, mas o STJ (AgRg no RMS 40.427/DF, 2013) já aceitou motivação ulterior de ato administrativo discricionário (em sede de informações em mandado de segurança. Nesse sentido, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: “[…] nos casos em que a lei não exija motivação, não se pode […] descartar alguma hipótese excepcional em que seja possível à Administração demonstrar […] que (a) o motivo extemporaneamente alegado preexistia; (b) que era idôneo para justificar o ato e (c) que tal motivo foi a razão determinante da prática do ato. Se estes três fatores concorrem, há de se entender, igualmente, que o ato se convalida com a motivação ulterior”; A respeito da motivação, muito se discute a respeito de sua necessidade. Todos os atos administrativos devem ser motivados ou tão somente aqueles expressamente previstos em lei? Com efeito, dispõe o art. 50 da LF 9.784/99: 49 Art. 2º, § único, inc. VI, LF 9.784/99: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. “Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo”. O art. 50 da LF 9.784/99 consiste em rol legal exaustivo ou exemplificativo? Para José dos Santos Carvalho Filho (corrente minoritária), trata-se de rol exaustivo, de modo que tão somente esses atos precisam ser motivados. Mas a doutrina majoritária entende que o rol é meramente exemplificativo, porque o princípio da motivação é constitucional, não podendo uma lei infraconstitucional, no caso, a LF 9.784/99, se sobrepor. Ou seja, conforme a melhor doutrina, todos os atos administrativos (vinculados e discricionários) devem ser motivados/fundamentados, devendo ser demonstradas as razões de fato e de direito que levaram à tomada de determinada decisão ou à prática de determinado ato administrativo. A finalidade da motivação é justamente viabilizar um controle interno e externo da atuação da Administração (por exemplo, pelo Poder Judiciário, pelos Tribunais de Contas), principalmente porque o Poder Judiciário pode analisar os atos administrativos (art. 5º, inc. XXXV, CF - inafastabilidade da jurisdição/sistema inglês), também com fulcro na cidadania, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. II, CF). Em continuação, a doutrina e a jurisprudência entendem ser válida a motivação aliunde/per relationem prevista no art. 50, § único, da LF 9.784/99: “A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”. Apenas casos expressamente previstos não precisam ser motivados, como a nomeação/exoneração ad nutum de servidor público para exercício de cargo público em comissão assim declarado em lei (art. 37, inc. II, in fine, CF). Contudo, pela teoria dos motivos determinantes, mesmo sem haver essa exigência de motivação, caso ela ocorra, os motivos de fato e de direito devem se coadunar com a realidade, sob pena de nulidade do ato. 10. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Dispõe o art. 5º, inc. LIV, da CF, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Isso significa que, quer no âmbito judicial, quer no administrativo, o cidadão deve ter contraditório, ampla defesa e, dentre outros, juízo natural garantidos. Nesse ponto, especifica o inc. LV do art. 5º: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. E mesmo fora do âmbito de processo tramitando perante a Administração Pública, há outros processos administrativos e, mesmo nesses casos, é de rigor a observância do devido processo legal, o que a doutrina chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. O STF já decidiu, por exemplo, que uma associação, que deseja expulsar um associado, deve respeitar o devido processo legal, não podendo fazê-lo de forma sumária. No caso, entendeu que “o espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais” (2ª Turma, RE 201.819, Relator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, j. em 11/10/2005). Outro exemplo seria um condomínio aplicando multa a um condômino, caso em que também seria de rigor o devido processo legal, assegurando-se direito de defesa ao condômino, devendo toda a legislação ser lida a partir