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Política_de_Inclusão_Social_20183_EAD_SEC

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EAD
POLÍTICA DE INCLUSÃO SOCIAL
Eva Aparecida Pilom 
 
POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL 
 
Apresentação 
A presente disciplina busca discutir, de modo introdutório, a pertinência da 
noção de exclusão social para analisar os fenômenos a que se refere; a origem e o 
desenvolvimento do conceito (quando proposto como tal), em suas relações com 
noções afins como marginalidade, exército industrial de reserva e underclass. No 
entanto é necessário que antes ocorra uma profunda reflexão sobre os conceitos 
da dignidade humana; para isso são estudados os fundamentos alternativos de 
uma fundamentação do princípio da dignidade da pessoa humana, recorrendo à 
noção filosófica da alteridade, ou da responsabilidade pelo outro, na qual a ética é 
entendida como filosofia primeira e a subjetividade é percebida como 
sensibilidade. 
 Em um segundo momento, de cunho eminentemente teórico, são 
apresentadas reflexões sobre a afirmação dos direitos humanos presentes nas 
diferentes Constituições brasileiras do período republicano, em especial a 
Constituição de 1988. Questões éticas são problematizadas, assim como as 
contradições que marcam esses discursos. 
 Constata-se que há uma contradição de base na Constituição brasileira, a 
qual se objetiva na grande distância entre a afirmação dos direitos fundamentais 
ali preconizados e a realidade social, assim como na distância entre os muitos 
discursos em defesa de uma suposta ética e as práticas sociais efetivamente 
comprometidas com a superação das desigualdades sociais. 
 Como enfrentar as condições estruturais adversas da economia que levam 
à exclusão social, vedando aos pobres o acesso ao mercado de trabalho, à 
moradia decente e aos serviços coletivos de saúde, educação e lazer. Este estudo 
propõe, com base em conceitos de cidadania e sobretudo de Direitos Humanos, 
expor como os limites das políticas públicas inclusivas, mesmo com os avanços 
significativos na legislação, apresentam ausência de uma efetiva política, pois 
saber e fazer constituem duas dimensões complementares e interdependentes 
que permeiam todas as nossas atividades. Postulamos a busca contínua de 
conhecimentos e sua tradução em ações construtivas, sempre ancoradas na 
compaixão, na ética da responsabilidade e do compromisso com o bem-estar 
coletivo e a justiça social. 
Nesse sentido, faz-se jus ressaltar o quanto a Educação, enquanto eficaz 
instrumento de mobilidade social, incorpora possibilidades para que políticas 
inclusivas compensatórias corrijam as lacunas deixadas pelas insuficiências das 
políticas universalistas. Com isso se pretende equilibrar uma situação em que elas 
atendam à dimensão de uma inserção profissional mais qualificada e com isso 
ancoram em uma base maior de inteligência o desenvolvimento científico e 
tecnológico do país. 
De posse ao acesso de todos no ambiente escolar, com efetivas políticas 
públicas de inclusão na área educacional, acredita-se que pelo viés da Educação, 
onde perpassa o “saber”, estudos e debates dos grandes temas da sociedade 
contemporânea transmitam e refletiam a dinâmica da criação e recriação 
permanente da cultura e seus impactos na formação da personalidade dos 
membros da sociedade. 
 
Enfim, a interação entre Educação de qualidade e inclusão social expressa 
também a interação entre Cidadania e Direitos Humanos. No mundo globalizado 
e capitalista as injustiças sociais proporcionam aos indivíduos a exclusão, a 
ausência de identidade. Para tanto, a Educação pode ser a força motriz, um dos 
instrumentos para nortear por uma ética que preconize o bem comum da 
coletividade, em contrapartida da ideologia, ora transmitida pelo sistema vigente. 
 
Profª- Eva Aparecida Pilom 
 
Ementa: 
Direitos humanos e direitos fundamentais. Exclusão social e políticas de inclusão. 
Grupos excluídos e políticas de inclusão. Uma análise crítica a partir da perspectiva 
das minorias. Compreendendo a dignidade da pessoa humana e a questão da 
alteridade. Fundamentos para uma teoria da exclusão social: a intolerância. A 
função inclusivo-exclusiva do direito: uma visão crítica a partir dos postulados da 
igualdade e da liberdade. 
OBJETIVOS: 
Refletir a interação entre Educação de qualidade e inclusão social expressa 
na interação entre Cidadania e Direitos Humanos. No mundo globalizado e 
capitalista as injustiças sociais proporcionam aos indivíduos a exclusão, a ausência 
de identidade. Para tanto, a Educação pode ser a força motriz, um dos 
instrumentos para nortear por uma ética que preconize, o bem comum da 
coletividade em contrapartida da ideologia, ora transmitida pelo sistema vigente. 
 
CONTEÚDO: 
1- Justiça e Exterioridade: reflexões sobre o Direito e a Alteridade 
2- Direitos Humanos e Direitos Fundamentais 
3- Exclusão Social: aplicabilidade e implicações para a intervenção prática 
4- Exclusão Social e Políticas Públicas de Inclusão. 
 
METODOLOGIA 
Disciplina oferecida na modalidade a distância (EAD). Incentiva-se a formação de 
grupos de estudo autônomos, orientados pelo professor. 
 
AVALIAÇÃO 
No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, 
entretanto, se caracterizar como única forma possível e recomendada. Na 
avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e 
espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distancia permite que 
o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, 
obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. 
A avaliação terá caráter processual e, portanto contínuo, sendo os seguintes 
instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 
1) Tarefas através de questionários automáticos na plataforma de estudos; 
2) Provas semestrais realizadas presencialmente; 
 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA 
Marx, K. O Capital, três, Nova Iorque: International, 1894. 
ARON, R. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo. Editora Martins 
Fontes. 1995 
DOMINGUES, J. M. Teorias Sociológicas no Século XX. Rio de Janeiro: Editora 
Civilização Brasileira. 2004 
. 
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 
DOMINGUES, J. M. Sociologia e Modernidade. Para entender a sociedade 
contemporânea. 2005. 
LALLEMENT, M. História das ideias sociológicas. De Parsons aos contemporâneos. 
Petrópolis: Vozes, 2004. 
GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1998. 
FRIEDMAN, T. O mundo é plano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. 
IANNI, O. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1995. 
DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. São Paulo. 
Paulus. 1995. 
CINTRA, Benedito Eliseu. Emmanuel Lévinas e a ideia do infinito. In, Margem, São 
Paulo, n. 16, p. 107-117, dez. 2002. 
LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes. 1993. p. 98 
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.85 
SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1988. Revista 
Diálogo Jurídico, Ano I, Vol. I, Salvador, 2001. 
 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de 
Janeiro: Campus, 1992, p.2. 
BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, 
p.42. 
MARTINS, J. S. (1997). Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus. 
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira, 2002. 
CASTEL, Roberto. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 
Petrópolis: Vozes, 1998. 
ESCOREL, Sarah. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: 
Fiocruz, 1999. 
BRANDÃO, A. A. Raça, demografia e indicadores sociais. In: OLIVEIRA, I. de. (org.) 
Relações raciais e educação: novos desafios. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Geografia da educação brasileira, 2001. 
Brasília: Inep, 2002.CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à diferença: um reconhecimento legal. 
Educação em. revista, n. 30, p. 7-15, dez. 1999. 
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep –, 2002 
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas do século XX. 
Rio de Janeiro, 2003. 
Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, jan./abr. 2005 - Políticas inclusivas e 
compensatórias... 
 
 
 
UNIDADE 1 – JUSTIÇA E EXTERIORIDADE: REFLEXÕES SOBRE O 
DIREITO E A ALTERIDADE 
. 
 CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Refletir sobre a possibilidade de uma justiça vinculada a 
indivíduos concretos inspirada por discursos da alteridade, e a identificação da 
exterioridade enquanto padrão dominante de valores da exigência por justiça, 
capaz de buscar a responsabilidade pelo outro dentro do sistema jurídico. 
Conceituando alteridade 
 Alteridade (ou outridade) é a concepção que parte do pressuposto básico 
de que todo o homem social interage e interdepende do outro. Assim, como 
muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam a existência do "eu-individual" só 
é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se 
torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo). 
 Dessa forma eu apenas existo a partir do outro, da visão do outro, o que 
me permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, 
partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado que estou pela 
experiência do contato. 
 A “noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida 
que esta efetiva-se através das dinâmicas das relações sociais. Assim sendo, a 
diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão 
e conflito” (G. Velho, 1996:10) 
 “A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a 
ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em 
fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos 
‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos 
(gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. 
Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós 
mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa 
inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente 
reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.” 
(F. Laplantine, 2000:21) 
Definição de Michel de Montaigne: "Mas, para retornar a meu assunto, 
acho que não há nessa nação nada de bárbaro e de selvagem, pelo que me 
contaram, a não ser porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de 
costume; como verdadeiramente parece que não temos outro ponto de vista 
sobre a verdade e a razão a não ser o exemplo e o modelo das opiniões e os usos 
do país em que estamos".http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade 
 
Subjetividade 
A relação com o outro não pode ser uma relação de dominação, de poder, 
isso implicaria o extermínio da alteridade, deve ser, por outro lado, de respeito, de 
deixar ser, de ver no outro a infinitude ética, “uma relação anterior ao 
entendimento de uma vocação, relação que precede o entendimento e o 
desvelamento, precede a verdade”. 
O pensar levinasiano quando trata da subjetividade implica a percepção da 
consolidação de um humanismo filosófico centrado no outro. Um humanismo do 
outro, diferente do humanismo que considera todas as pessoas iguais, não as 
percebendo em sua unicidade e na sua temporalidade, reduzindo-as a conceitos, 
negando a alteridade destas. 
 “A crise do humanismo em nossa época 
tem, sem dúvida, sua fonte na 
experiência da ineficácia humana posta 
em acusação pela própria abundância de 
nossos meios de agir e pela extensão de 
nossas ambições. No mundo, em que as 
coisas estão em seu lugar. LÉVINAS, 
Emmanuel. Humanismo do outro 
homem... p. 71. 
A identidade constitui-se a partir do eu, é o ser onde o existir consiste em 
se identificar, no reencontro de tudo que chega ao ser com o eu. Em outro 
sentido, não se deve reduzir o outro ao eu, ou seja, o outro não deve ser visto a 
partir do meu conceito, não devo totalizar o outro, conceituá-lo. 
O eu encontra sua identidade na medida em que sai de si e se relaciona 
com o outro, esse sentido, o respeito pelo outro como outro não deve passar pela 
vontade de possuí-lo. 
Para Lévinas, o infinito está na alteridade, na impossibilidade de 
dominação, de compreensão absoluta do outro em sua diferença. A razão não 
pode se pretender universal justamente pela impossibilidade implicada no fato de 
que, ao trazer o outro para si, o outro é desrespeitado em sua diferença, esse 
movimento ontológico exprime a opressão do outro, a redução do diferente ao 
mesmo. 
O pensamento levinasiano parte do pressuposto da negação da alteridade, 
ou seja, que não somos vistos em nossas individualidades, nem mesmo com o 
respeito que merecemos enquanto subjetividade. Assim, na apresentação do 
rosto nu, do indigente, da viúva, do órfão e do estrangeiro, isto é, daqueles que 
são relegados ao mesmo, é um olhar de denúncia e apelo, é algo simbólico que 
esconde na dimensão carnal e fenomenológica a transcendência do seu mundo, 
da sua dor e de sua história. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
 
Justiça 
Lévinas busca uma justiça vinculada aos indivíduos concretos, a justiça 
provém dessa concretude, não inspirada por um ideal, mas pela palavra concreta, 
pelo discurso do Outro. 
“Corremos os risco de não perceber a 
vida que está aí diante de nós, e que 
precisa da nossa resposta. Corremos o 
risco de não perceber o rosto do outro 
que se encontra caído pelas ruas, o 
outro que em muitas situações está com 
sua dignidade ameaçada.” GODOY, 
Maristela. A constituição da 
subjetividade... p. 117-118. 
 
O discurso do Outro carrega a fala de toda humanidade. A justiça, assim 
não pode estar distante da relação do face-a-face, do contrário, transformar-se-á 
em tirania. Tanto a justiça como a política, devem estar permeadas pela 
concretude da fala do Outro. 
A Justiça apresentar-se-á como um árbitro sempre disposto a ouvir. A 
universalidade da lei não pode fazer desaparecer as diferentes falas e suas 
exigências, por isso nem sempre a democracia surgirá como justa. A tirania da 
maioria pode levar a sistemas autoritários e ditatoriais, como o stalinismo, 
nazismo e o fascismo. 
Lévinas reitera que a justiça fundamenta a verdade, que a consciência da 
minha indignidade moral, da arbitrariedade da liberdade injustificada, apenas 
torna possível a verdade do ser. 
A paz que deve proporcionar a justiça não representa necessariamente o 
fim dos combates, em que se percebe a vitória de uns em nome da derrota de 
outros. Este é o retrato de nossa história, sempre pronta a servir seus vitoriosos, 
em nome de uma ordem, em que o progresso só beneficiou a poucos. As vítimas, 
os excluídos da história, hoje exigem uma justiça que deve ser balizada pela ética, 
pela responsabilidade pelo outro. Através da razão é possível assegurar os 
discursos, garantindo um acordo, que não deve implicar uma unidade vazia, mas 
o respeito às diferenças. 
No rosto levinasiano se encontra uma ordem constante, um chamamento à 
justiça e um profundo apelo que vem dos oprimidos, daqueles expulsos de sua 
própria condição humana. Qualquer cidadão, desse modo, é capaz e legítimo 
para inquirir a justiça e exigir que a mesma esteja a serviço de um compromisso 
ético. 
“[...] na concretude de uma 
responsabilidade por outrem: 
responsabilidade que lhe incumbiria 
imediatamente na própria percepção de 
outrem, mas como se nesta 
representação, nesta presença, ela já 
precedesse esta percepção, como se ela 
já estivesse aí, mais velha que o 
presente, e, por isso, responsabilidade 
indeclinável, duma ordem estranha ao 
saber; como se, de toda a eternidade,o 
eu fosse o primeiro chamado a esta 
responsabilidade; impermutável e assim 
único, assim eu, refém eleito, o eleito. 
Ética do encontro, socialidade.” LÉVINAS, 
Emmanuel. Entre nós... p. 291. 
 
Dentro da sociedade, a própria justiça deverá atualizar e prolongar a 
responsabilidade pelo Outro. A política deve orientar-se pela Ética, senão perde-
se na teoria de princípios que não consegue cumprir. Ou seja, a justiça exercida 
pelas instituições deve buscar inspiração na relação do face a face que é sempre 
original. 
Deve-se ir em busca de um Estado orientado para a justiça e não na busca 
de uma justiça que surja para assegurar a subsistência do Estado. Lévinas destaca 
que o Estado Moderno representou na verdade a possibilidade de concretização 
de seus desejos, o começo da história de seres livres. 
Assim, a justiça não pode se contentar com suas conquistas, devendo 
sempre ser revista. A Ética é então o movimento possível da justiça. A justiça é, 
desse modo, a responsabilidade pela vida; a impossibilidade de omissão diante da 
negação da alteridade. 
 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
A EXTERIORIDADE E A DIGNIDADE HUMANA 
 
É através da alteridade que os direitos intrínsecos do outro serão 
reconhecidos, afirmando, assim, sua dignidade ao exigir a justiça desde a 
exterioridade, uma resposta perante a interpelação do outro. Nesse sentido afirma 
Ana Letícia B. D. Medeiros: 
A partir da denúncia da vítima é possível 
estabelecer uma lógica procedimental de 
natureza diversa da discursiva de caráter 
hegemônico, agora crítica, porque nasce 
do grito, de natureza testemunhal (a 
partir da experiência vívida) ou teórica 
(na condição de reconhecimento do 
“outro” assimetricamente exterior à 
totalidade opressora). 
 
O princípio da dignidade da pessoa humana é tratado como forma 
suprema de toda comunidade de comunicação, e interpõe uma verdadeira 
inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, o interpelante (oprimido, que possui 
sua alteridade negada pelo sistema jurídico hegemônico), “poderá deixar de 
apoiar as normas vigentes” desde sua alteridade negada. A dignidade não é 
garantida em condições de participação na comunidade de discussão ao 
interpelante, o que implica a abertura ética para que este possa questionar as 
normas vigentes. A não incidência da normatividade ao interpelante pode 
decorrer tanto, da não obtenção de condições mínimas de subsistência, 
acarretando em uma indignidade, quanto o fato de o ordenamento jurídico se 
encontrar em transição, de modo que os direitos da exterioridade serão tutelados, 
contudo esta proteção jurídica se projeta para o futuro. DUSSEL, Enrique. Filosofia 
da libertação: crítica à ideologia da exclusão. p. 57. 
Enrique Dussel expõe que: 
Da nossa parte, como latino-americanos, 
participantes de uma comunidade de 
comunicação periférica – dentro da qual 
a experiência da “exclusão” é um ponto 
de partida (e não de chegada) cotidiano, 
isto é, um a priori e não um a posteriori 
– nós precisamos obrigatoriamente 
encontrar o “enquadramento” filosófico 
dessa nossa experiência de miséria, de 
pobreza, de dificuldade para argumentar 
(por falta de recursos), de ausência de 
comunicação ou, pura e simplesmente, 
de não-fazermos-parte dessa 
comunidade de comunicação 
hegemônica. 
 
Uma comunidade de comunicação ideal teria as características de acordo 
com os enunciados seguintes: a) isenção de dominação e respeito à igualdade de 
todos os seus participantes possíveis (positividade); b) a priori pragmático de 
todos os seus (possíveis) participantes, além do direito de se colocar como outro 
perante a comunidade (negatividade). 
A partir disso, a comunidade de comunicação comunga com a alteridade, 
que pode ser pensada como capaz de enquadrar a exterioridade em diversos 
níveis, desde a total incapacidade de manifestação, até ao direito procedimental 
de discórdia. Abre-se, portanto, a comunidade de comunicação para a razão da 
alteridade, a razão do outro enquanto razão ética enquanto a base para a 
comunidade ideal de comunicação. 
A comunidade humana, real, sempre incorre na exclusão do outro, tanto 
no momento da fala, como no acesso aos meios de produção. Esta alteridade, 
pensada enquanto uma comunidade de excluídos, não é privada da razão, mas 
detém outras razões, as quais interpelam, expõe sua exterioridade, propugnando 
pela inclusão imperiosa – muitas vezes essa questão diz respeito a casos de vida 
ou morte – na comunidade de acordo com a justiça. O outro é a exterioridade 
enquanto tal, histórica e não apenas metafísica, o outro é a alteridade de todo 
sistema opressor, para além do mesmo, enquadrado na totalidade excludente. 
O rosto do outro se apresenta enquanto outro, no sistema totalizante e 
externa sua exterioridade, como uma liberdade que interpela, que provoca e 
resiste à totalização instrumental, o outro, assim, não pode ser tratado como algo, 
ente, mas como alguém, com dignidade, razão, voz, direitos. 
Enrique Dussel ao pensar na exterioridade aponta que: 
Mas entre as coisas reais que conservam 
exterioridade do ser, encontra-se uma 
coisa que tem eventos, que tem história, 
biografia, liberdade: outro homem. O 
homem, para além do ser, da 
compreensão do mundo, do sentido 
constituído por uma interpretação que 
supõe meu sistema, transcende as 
determinações e condicionamentos da 
totalidade, pode revelar-se como o 
extremamente oposto; pode 
increparmos em totalidade. Mesmo na 
extrema humilhação da prisão, no frio da 
cela e na total dor da tortura, mesmo 
quando seu corpo não era senão uma 
chaga viva, podia exclamar: “– Sou outro; 
sou homem; tenho direitos!”. 
 
O outro se exterioriza como alteridade quando irrompe a totalidade, 
quando se demonstra fora da norma, fora dos padrões e da totalidade vigente, 
em sua corporalidade sofredora de oprimido. O rosto sofredor daquele que pede 
por comida, o direito do outro, fora do sistema, não é um direito que se justifica 
pelo projeto normativo vigente, pelas leis que regulam a sociedade, seu direito, 
por ser alguém, livre, funda-se em sua exterioridade, “na constituição real de sua 
dignidade humana”. 
A exterioridade é o princípio para aqueles que exigem por justiça, pela 
ética enquanto responsabilidade pelo outro. A alteridade, associada com a 
exterioridade, é o fundamento para se promover uma outra práxis jurídica, 
alternativa, para além do sistema totalizante. DUSSEL, Enrique. Filosofia da 
libertação. p. 49. 
A forma concreta de busca dessa alteridade pode dar-se pela práxis 
jurídica alternativa, situando o pobre/oprimido, como realidade (histórica) e tendo 
na categoria (epistemológica) da exterioridade a fonte de uma ética jurídica de 
libertação.” LUDWIG. Celso Luiz. A alternatividade jurídica na perspectiva da 
libertação: uma leitura a partir da filosofia de Enrique Dussel. 
A identificação da exterioridade enquanto valor supremo da exigência por 
justiça constitui a formação de um instrumental apto a concretizar a práxis jurídica 
alternativa (práxis entendida aqui como a realidade vivida), capaz de buscar a 
responsabilidade pelo outro dentro do sistema jurídico, e a exteriorização, real, de 
seres humanos cujas necessidades fundamentais não são atendidas, cuja 
dignidade é violada e cuja vida concreta é negada. Realiza-se, através da ação 
cotidiana a “... afirmação ética radical da vida negada nas vítimas (materialmente), 
expressa pelo desejo e pela luta por viver e a partir do reconhecimento da 
dignidade da vítima como o Outro que o sistema que a nega”. 
 
INTERAGINDO CONHECIMENTO 
 
Assista ao clássico filme: A VIDA É BELA de Roberto Benigni -1998 
 Recorrendo à noção filosófica da alteridade, analise os fundamentos 
alternativos de uma fundamentação do princípio da dignidade da pessoa humana, 
através da mensagem veiculada pelo filme. 
 
UNIDADE 2 – DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAISCONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Percorrer os fundamentos legais da inclusão social defendidos na 
Constituição de 1988 - Constituição Cidadã, assim como sua eficácia e sua 
preservação. 
Quase que diariamente ouvimos meios de comunicação, pessoas, grupos e 
entidades debatendo e expressando posições acerca de direitos fundamentais das 
formas mais diversas possíveis. A cada crime que choca a opinião pública, os 
reclamos por aumentos de pena, tipificação de crimes como hediondos e até a 
adoção da pena de morte são trazidos à tona. Descobertos fatos envolvendo 
corrupção, propõe-se a volta da ditadura. Aumenta a violência urbana e são 
propostas ações da estrutura de segurança fora dos limites legais e aplaudem-se 
atividades de milícias armadas e filmes retratando ações violentas e fora da lei, 
como recentemente visto. Ocorrem aumentos de casos de disputas pela posse da 
terra, justificam-se atos de violência de parte a parte. Como se nada dissesse 
respeito à sociedade como um todo. Como se cada uma destas facetas dos 
conflitos sociais pudessem ser vistos e resolvidos isoladamente. Como se não 
fizessem parte tais fatos de conflitos sociais, envolvendo direitos que tanto 
custaram à sociedade, como um todo, conquistar. 
 “Direitos fundamentais do homem 
constituem a expressão mais adequada a 
este estudo, porque, além de referir-se a 
princípios que resumem a concepção do 
mundo e informam a ideologia política 
de cada ordenamento jurídico, é 
reservada para designar, no nível do 
direito positivo, aquelas prerrogativas e 
instituições que ele concretiza em 
garantias de uma convivência digna, livre 
e igual de todas as pessoas.” (José 
Afonso da Silva,) 
Ainda sobre a caracterização, registre-se a posição de J.J.G. Canotilho, em 
citação feita por Alexandre Moraes, em sua obra Direito Constitucional: 
“a função de direitos de defesa dos 
cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) 
constituem, num plano jurídico-objetivo, 
normas de competência negativa para os 
poderes públicos, proibindo 
fundamentalmente as ingerências destes 
na esfera jurídica individual; (2) implicam, 
num plano jurídico subjetivo, o poder de 
exercer positivamente direitos 
fundamentais (liberdade positiva) e de 
exigir omissões dos poderes públicos, de 
forma a evitar agressões lesivas por 
parte dos mesmos (liberdade negativa)” 
 
Para realmente adentrarmos aos aspectos históricos dos direitos 
fundamentais, registramos a posição do professor Uadi Lamêgo Bulos sobre o 
tema: 
“Por isso é que eles são, além de 
fundamentais, inatos, absolutos, 
invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis 
e imprescritíveis, porque participam de 
um contexto histórico, perfeitamente 
delimitado. Não surgiram à margem da 
história, porém, em decorrência dela, ou 
melhor, em decorrência dos reclamos da 
igualdade, fraternidade e liberdade entre 
os homens. Homens não no sentido de 
sexo masculino, mas no sentido de 
pessoas humanas. Os direitos 
fundamentais do homem nascem, 
morrem e extinguem-se. Não são obra 
da natureza, mas das necessidades 
humanas, ampliando-se ou limitando-se 
a depender do influxo do fato social 
cambiante.” 
 
Há registros de que o conceito de dignidade humana surgiu na 
antiguidade greco-romana e derivava somente da posição social que o indivíduo 
ocupava na polis e, ainda, que no Antigo Testamento a dignidade do ser humano 
proviria da ideia de ser ele filho de Deus e representar a imagem deste. Quanto a 
esses registros, merece destaque a posição de Santo Tomás de Aquino, que na 
“Lex Naturalis” ressalta a autonomia do direito como tema naturalmente humano, 
ao invés de um simples apêndice da teologia moral. Para Tomás de Aquino os 
direitos humanos seriam o princípio dos direitos naturais, autorizando assim, a 
resistência do súdito em face da opressão do soberano. 
A melhor expressão desse direito de resistência foi trazida por John Locke, 
para quem os homens se reuniam em sociedade para preservar a própria vida, a 
liberdade e a propriedade, e, sendo assim, tais direitos seriam oponíveis ao 
próprio soberano. 
 Avancemos para a positivação desses direitos tidos como inerentes ao 
homem em sua relação com o Estado. Aproveitamos aqui a lição de Norberto 
Bobbio, para quem o registro histórico do Estado moderno deriva da relação 
política entre este e o indivíduo. Veja-se: 
“a afirmação dos direitos do homem 
deriva de uma radical inversão de 
perspectiva, característica da formação 
do Estado moderno, na representação 
da relação política, ou seja, na relação 
Estado/cidadão ou soberano/súditos: 
relação que é encarada, cada vez mais, 
do ponto de vista dos direitos dos 
cidadãos não mais súditos, e não ponto 
de vista dos direitos do soberano, em 
correspondência com a visão 
individualista da sociedade (...) no início 
da idade moderna”. 
 
Embora sempre instigante a discussão acerca da classificação dos direitos 
fundamentais, seja em gerações como preferem alguns, seja em dimensões como 
preferem outros, sustentando que a conceituação geracional teria o efeito da 
exclusão de uma geração pela que lhe é posterior (Alexy e JJ.Gomes Canotilho). 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
O Estado Social no Brasil 
Para que melhor se possa entender o alcance dos direitos fundamentais 
inscritos na Constituição de 1988, é necessário um registro, ainda que sucinto, dos 
aspectos relativos à formação do Estado Social de Direito ou Estado Social no 
Brasil. Sendo assim, passemos a uma pequena abordagem sobre o conceito de 
Estado de Direito e, após, ao Estado Social. 
Sobre o Estado de Direito clássico, do ponto de vista formal, que é o 
modelo de Estado que garante os direitos civis, compreendidos aqui como os 
direitos oponíveis pelo indivíduo e por si, em face do Estado, na relação deste 
com a sociedade e ainda nas relações entre os membros dessa sociedade. Entre 
nós o Estado do período republicano, a partir de 1891, caracterizou-se inicialmente 
como um Estado de Direito Liberal, adotando o ideário da concepção liberal em 
contraposição ao modelo monárquico até então vigente. 
O Estado de Direito Social ou Estado Social é o modelo de Estado que 
incorpora direitos sociais para além do Estado de Direito clássico. Surgem em 
momentos de contradições históricas de determinadas sociedades, refletindo a 
contraposição entre as funções do Estado e os avanços sociais. Acerca da 
caracterização do Estado Social vamos nos valer do magistério de Paulo 
Bonavides sobre o Estado Social: 
“Quando o Estado, coagido pela pressão 
das massas, pelas reivindicações que a 
impaciência do quarto estado faz ao 
poder político, confere, no Estado 
constitucional ou fora deste, os direitos 
do trabalho, da previdência, da 
educação, intervém na economia como 
distribuidor, dita o salário, manipula a 
moeda, regula os preços, combate o 
desemprego, protege os enfermos, dá 
ao trabalhador e ao burocrata a casa 
própria, controla as profissões, compra a 
produção, financia as exportações, 
concede crédito, institui comissões de 
abastecimento, provê necessidades 
individuais, enfrenta crises econômicas, 
coloca na sociedade todas as classes na 
mais estreita dependência de seu 
poderio econômico, político e social, em 
suma, estende sua influência a quase 
todos os domínios que dantes 
pertenciam, em grande parte, à área de 
iniciativa individual, nesse instante o 
Estado pode, com justiça, receber a 
denominação de Estado Social” 
 
Em que pese a adoção de Estados Sociais por diversas sociedades, o Brasil 
apenas no início do século XX iniciou a transição do modelo de economia agrária 
para outro modelo de produção e, tal transição, exigia transformações, pois a 
adoção de Estado Liberal efetivada pela Constituição de 1891 não contemplava a 
necessidade de constitucionalizarem-se algumas relações sociais, especialmente 
as decorrentes de demandas de categoriasde trabalhadores necessárias à 
modernização das relações de produção. Esse foi um dos fatores que levaram à 
Revolução de 30, embora um dos seus maiores expoentes e condutores - Getúlio 
Vargas - pertencesse à oligarquia rural e fosse um dos seus representantes. 
Assim, vencida a fase inicial do processo de ruptura constitucional, a 
Constituição de 1934, por força da Revolução de 30, registrou alguns desses 
avanços sociais, elevando-os à categoria de direitos fundamentais. 
O Estado Social, entre nós, nasce como uma resposta conservadora ao 
incremento dos movimentos sociais, especialmente daqueles trabalhadores mais 
importantes ao novo modelo de produção para a qual era necessária a 
implantação de infraestrutura, e expressa o clamor social pelas garantias e 
cumprimento dos direitos sociais. Era preciso ultrapassar os limites do Estado 
liberal para garantir a paz social necessária à tranquilidade do processo produtivo. 
Perfeitamente adequada a observação de Norberto Bobbio acerca das 
diferentes relações entre as duas concepções de Estado: 
“Da crítica das doutrinas igualitárias 
contra a concepção e a prática liberal do 
Estado é que nasceram as exigências de 
direitos sociais, que transformaram 
profundamente o sistema de relações 
entre o indivíduo e o Estado e a própria 
organização do Estado, até mesmo nos 
regimes que se consideram 
continuadores, sem alterações bruscas, 
da tradição liberal do século XIX (...) 
Liberalismo e igualitarismo deitam suas 
raízes em concepções da sociedade 
profundamente diversas: individualista, 
conflitualista e pluralista, no caso do 
liberalismo; totalizante, harmônica e 
monista, no caso do igualitarismo. Para o 
liberal, a finalidade principal é a 
expansão da personalidade individual, 
abstratamente considerada como um 
valor em si; para o igualitário, essa 
finalidade é o desenvolvimento 
harmonioso da comunidade. E diversos 
são também os modos de conceber a 
natureza e as tarefas do Estado: limitado 
e garantista, o Estado liberal; 
intervencionista e dirigista, o Estado dos 
igualitários.” 
 
Se no início do século vigorava o receituário liberal, a partir de 1930 o 
Estado se fortalece e passa a pautar o processo capitalista em bases do próprio 
Estado de Direito, para melhor organizar e defender o próprio sistema capitalista. 
Entretanto, as pressões sociais continuam e é necessário que se faça a evolução, 
desta forma, chega-se à Constituição de 1934, a que anteriormente nos referimos. 
É nessa fase que se estimula e protege o capitalismo, pois este necessita de 
trabalho livre, pois, não há consumo sem salários e o modelo de produção arcaico 
e superado não mais interessa. Porém não interessa ao capital o tensionamento 
natural em Estados nos quais os direitos sociais, especialmente aqueles de 
expressão coletiva, são buscados pelos diversos setores sociais. Neste contexto de 
crescimento das reivindicações sociais por categorias de trabalhadores mais 
organizados sobrevêm o endurecimento do regime, através do golpe de 37. 
É necessário um novo respaldo jurídico para esse novo modelo de 
produção. Essa necessidade do capital, aliada às pressões sociais cria as condições 
para os avanços trabalhistas registrados na época, como por exemplo, a CLT, em 
1943, embora, registre-se, o regime de força tenha se estendido até 1945, com a 
convocação de Assembleia Constituinte. 
Após a 2ª Guerra Mundial é necessário criar uma válvula de escape para as 
pressões sociais. Era preciso uma transformação mais profunda no Estado de 
Direito, a fim de que não mais se justificassem Estados de Exceção como foi, por 
exemplo, o estado nazista. 
Desta forma, restaura-se o Estado de Direito e, nesse novo contexto social, 
avança o Estado Nacional para o modelo de Estado Social de Direito, 
constitucionalizando-se vários direitos fundamentais exigidos pelos movimentos 
sociais e pelos setores organizados da produção. Tal modelo mantém-se até 1964, 
quando pressionado pelos setores mais conservadores da sociedade os militares 
assumem poder, autoproclamando um processo revolucionário e, em nome deste, 
destituindo o Estado de Direito Social e instalando um Estado de Direito, que, 
embora possa parecer um contrassenso, ilegítimo, porque calcado na força das 
armas. 
O endurecimento do regime durou até o início da década de 80 com o 
período de distensão que acabou por levar a eleição do presidente da República, 
ainda, registre-se, pelo método indireto. Em 1985 são convocadas eleições para o 
Congresso Nacional Constituinte, que acontecem em 1986. Em 1988, promulgada 
a nova Constituição, restaura-se o regime democrático, após mais de vinte anos 
de regime de força, de exceção. Este, o contexto de elaboração e promulgação do 
Contrato Social vigente. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 
Os direitos fundamentais até aqui conquistados, pela humanidade e pelos 
brasileiros em especial, são fruto de longo processo histórico no qual a construção 
desse patrimônio, não raras vezes, custou vidas, gerou guerras, golpes de estado 
e outras manifestações violentas de força e demonstrações de poder mantido por 
força de armas. Dessa forma alinhamo-nos com o professor Ingo Wolfgang Sarlet 
que expressou de forma magistral a responsabilidade por sua manutenção, que 
transcrevemos: 
“A efetividade dos direitos fundamentais 
– de todos os direitos – depende, acima 
de tudo, da firme crença em sua 
necessidade e seu significado para a vida 
humana em sociedade, além de um grau 
mínimo de tolerância e solidariedade nas 
relações sociais, razão, aliás, pela qual de 
muito se sustenta a existência de uma 
terceira dimensão (ou geração) de 
direitos fundamentais, oportunamente 
designada de direitos de fraternidade ou 
solidariedade. A preservação do meio 
ambiente, o respeito pela intimidade e 
vida privada, a proteção da criança e do 
adolescente, a igualdade entre homens e 
mulheres, a liberdade de expressão, 
dependem de um ambiente familiar e de 
relações afetivas sadias e responsáveis, 
enfim, de muito mais do que um sistema 
jurídico que formalmente assegure estes 
valores fundamentais, assim como de 
Juízes e Tribunais que zelem pelo seu 
cumprimento.” 
 
Nosso Estado Nacional, ainda que tardiamente como ficou demonstrado 
quando nos referimos à formação do nosso Estado Social, evoluiu do Estado de 
Direito de matriz liberal burguesa para o Estado de Direito Social e nossa 
Constituição atual consagrou um elenco de direitos fundamentais, abrangendo 
tanto os direitos fundamentais como direitos de defesa, como também os direitos 
fundamentais a prestações, englobando-os no capítulo dos direitos sociais e 
espraiando-os pelo corpo da Constituição, tanto sob a forma de direitos 
explícitos, como sob a forma de direitos implícitos, ou decorrentes do regime e 
dos princípios por ela adotados. 
Sarlet (2001, p.19) aponta, citando D. Murswiek e C. Starck a relevância da 
dimensão econômica dos direitos sociais prestacionais, por terem este como 
objeto prestações do Estado diretamente vinculadas à criação, destinação, 
distribuição e redistribuição de serviços e bens materiais. Tal característica não 
ocorre com os direitos de defesa, que, na sua condição de direitos negativos, 
podem ser assegurados, quase que na maioria das vezes, independentemente das 
circunstâncias econômicas. 
Sobre a questão da eficácia, vigência e sistematização, Luís Roberto 
Barroso informa: 
“a efetividade significa, portanto, a 
realização do Direito, o desempenho 
concreto de sua função social. Ela 
representa a materialização, no mundo 
dos fatos, dos preceitos legais e 
simboliza a aproximação, tão íntima 
quanto possível, entre o dever ser 
normativo e o ser da realidade social” 
 
A incapacidade do Estado de promover justiça social conduz a uma crise 
dos direitos fundamentais. Eis que este, o Estado,atua em limites fáticos e para 
que o atendimento dos direitos fundamentais prestacionais possa ser alcançado 
na sua plenitude é necessário que tais limites reais possam ser ampliados ou, na 
hipótese alteração das destinações necessárias ao seu efetivo cumprimento, sejam 
estas feitas com rígida observância dos princípios democráticos que nortearam a 
opção pelo Estado Social. 
Com poucas exceções o Estado Nacional cumpre os direitos fundamentais 
de defesa, sendo os eventuais abusos cometidos, corrigidos pelo Poder Judiciário, 
ao quem compete atuar em defesa da sua guarda, seja em face do interesse 
individual, seja em nome da sociedade, dispondo esta dos mecanismos 
necessários. Parece-nos que neste aspecto, em face do tamanho e da 
complexidade de formação da sociedade brasileira, este princípio fundamental é 
plenamente satisfeito. 
Tem-se a convicção de que, tanto mais aprofundemos a experiência 
democrática - como, por exemplo, fez-se recentemente com a aprovação de 
Tratado Internacional sobre Direitos Humanos, com equivalência de Emenda 
Constitucional por aplicação da Emenda 45 -, ou ainda, com a firme decisão de 
destinar mais recursos para a educação, mais perto estaremos de conseguir 
efetivar todos aqueles direitos fundamentais que o legislador originário nos legou 
na moderna Constituição, não sem justiça, chamada de Constituição Cidadã. 
 
Constituição de 1988 
 A carta de 1988 demarca, no âmbito jurídico, o processo de 
democratização do Estado brasileiro, ao consolidar a ruptura com o regime 
autoritário militar, instalado em 1964. Esse processo iniciou-se dentro do próprio 
regime autoritário, devido às dificuldades em solucionar problemas internos e, em 
decorrência disso, as forças de oposição da sociedade civil se beneficiaram do 
processo de abertura, fortalecendo-se mediante formas de organização, 
mobilização e articulação, que permitiram importantes conquistas sociais e 
políticas. 
A Constituição de 1988 difere das constituições anteriores. Compreende 
nove títulos, que cuidam, dentre eles (1) dos princípios fundamentais; (2) dos 
direitos e garantias fundamentais, segundo uma perspectiva moderna e 
abrangente dos direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais dos 
trabalhadores, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos políticos; 
 
A Constituição de 1988 e os Direitos Humanos 
Como afirma Flávia Piovesan, a Carta de 1988 institucionaliza a instauração 
de um regime político democrático no Brasil, introduzindo indiscutivelmente 
avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na 
proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos 
humanos ganham relevo extraordinário, considerando-se a Carta de 1988 como o 
documento mais abrangente sobre os direitos humanos, jamais adotado no Brasil. 
Tamanha a vontade constitucional de priorizar os direitos e as garantias 
fundamentais que a Constituição, em seu artigo 60, parágrafo 4o, os declara 
cláusulas pétreas, compondo, assim, o seu núcleo intocável. 
Os direitos sociais, nesta Constituição, estão inseridos no título dedicado 
aos direitos e garantias, diferentemente do que ocorria nas Cartas anteriores, em 
que estes encontravam-se dispersos no âmbito da ordem econômica e social. 
Pode-se dizer que a Constituição atual, no capítulo dos direitos e garantias 
individuais avançou bastante, incorporando diversos anseios das sociedades. 
Tratemos de algumas inovações trazidas pela Carta de 1988: 
- O artigo 5o, inciso XIII aponta o racismo como crime inafiançável e imprescritível, 
sujeito à pena de reclusão nos termos da lei. Isso foi uma verdadeira vitória na 
tentativa de amenizar a triste realidade social brasileira, repleta de casos 
discriminatórios. 
- Ainda no artigo 5o, o inciso X refere-se à proteção à vida privada, à intimidade, à 
honra e à imagem das pessoas. Trata-se de uma conquista e de uma inovação. Na 
vida moderna, com o aumento da atividade dos meios de comunicação, é 
fundamental que a intimidade dos indivíduos seja amparada por lei. 
- O inciso III do artigo 5o prioriza que ninguém será submetido a tortura nem a 
tratamento desumano ou degradante. A tortura, como diz José Afonso da Silva, 
não é só um crime contra o direito à vida, mas sim, uma crueldade que atinge 
todas suas dimensões, e a humanidade como um todo. 
- Outra inovação relevante na atual Constituição é tratada no artigo 5o, inciso 
XXIII, que dispõe que a propriedade atenderá a sua função social. Este dispositivo 
teve grande importância, ao permitir que maior quantidade de pessoas tenha 
acesso a terra, já que número maior de imóveis estará sujeito a desapropriação 
para fins de reforma agrária. 
- Vê-se, nesta sucinta análise, que a filosofia dos Direitos Humanos está bastante 
presente na Constituição adotada por nosso país. 
 Todas as Constituições brasileiras apresentaram Declarações de Direitos. As 
duas primeiras contentaram-se com as liberdades públicas, objetivando limitações 
ao Poder. As demais, a partir de 1934, acrescentavam a estas, na Ordem 
Econômica, os direitos sociais. A atual já prevê ao menos um dos direitos de 
solidariedade. 
Pelo exposto, pode-se notar que houve, no Brasil, a progressiva 
conscientização social no sentido a importância da incorporação dos direitos 
humanos nas diversas Constituições nacionais. Essa incorporação deu-se de 
maneira crescente, de modo a atender cada vez mais os anseios da população, 
que exigia uma maior garantia para a efetivação de seus direitos. 
 Passou-se a crer que esta seria a única forma para que houvesse, 
realmente, a implementação dos direitos humanos a todos os indivíduos, e estes 
pudessem exercer de fato sua cidadania. 
 
 
 
INTERAGINDO CONHECIMENTO 
 
1- Identifique os direitos fundamentais que a Nossa Constituição consagrou 
ao evoluir do Estado de Direito de matriz liberal burguesa para o Estado de 
Direito Social. 
 
2- Reconheça nos vídeos abaixo Direitos Humanos violados, tendo como 
referência os Direitos Fundamentais inscritos na Constituição de 1988. 
 
Desigualdade social - 
http://www.youtube.com/watch?v=Uhpz2ZR5JM4&feature=related 
 
Ética e indiferença - 
http://www.youtube.com/watch?v=jL_OR0OaGnA&feature=related 
 
 
 
http://www.youtube.com/watch?v=Uhpz2ZR5JM4&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=jL_OR0OaGnA&feature=related
UNIDADE 3 - EXCLUSÃO SOCIAL: APLICABILIDADE E IMPLICAÇÕES 
PARA A INTERVENÇÃO PRÁTICA 
 
 CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Abordar as relações entre os significados da noção de exclusão social e 
suas implicações para a intervenção prática. 
 
A exclusão social tornou-se tema e noção frequentes nas pesquisas das 
ciências humanas e nas análises e propostas de governos, partidos políticos, 
organizações não-governamentais e outros agentes. Em alguns casos, o termo 
indica ruptura de laços sociais; em outros, refere-se a uma forma desvantajosa de 
inserção na sociedade capitalista, ou ainda à impossibilidade de acesso a bens 
materiais e simbólicos. A cada significado da exclusão social subjaz uma 
determinada maneira de entender a sociedade. Além disso, cada significado 
implica a construção de uma determinada via de encaminhamento de possíveis 
soluções para o problema. 
 
As situações abrangidas pelo termo são múltiplas e distintas: moradores de 
favelas, trabalhadores sem-terra, desempregados mesmo que oriundos da classe 
média, idosos, toxicômanos, mendigos e outros são considerados como excluídos, 
para interlocutores diferentes. 
 
O tema ganha complexidade teórica na medida em que não é apenas uma 
nova forma de se referir à velha pobreza, mas sugere mudanças no fenômeno da 
pobreza urbana e está ligado, em vários autores, à discussão sobre a crise de um 
certo modelo de sociedade – que pode ser a sociedade salarial ou mesmo a 
sociedade centrada no trabalho. Adiscussão é interessante não apenas para os 
pesquisadores, pela teoria em si. Interessa também para o conjunto da sociedade, 
principalmente porque a teoria e a prática influenciam-se mutuamente. 
 
 Antes de se difundir no Brasil, a noção de exclusão social formou-se e 
ganhou notoriedade na França. Seus primeiros usos, por Pierre Massí (no ensaio 
“Os dividendos do progresso”) e J. Klanfler (no livro Exclusão social: estudo da 
marginalidade nas sociedades ocidentais), na década de 1960, remetiam à ideia da 
sobrevivência de uma população à margem do progresso econômico e da 
partilha dos benefícios da sociedade industrial (Paugam, 1996). 
 
Mas o marco inicial da expressão “exclusão social” é comumente atribuído 
a René Lenoir, pelo livro Os excluídos: um francês sobre dez. Entretanto, neste 
livro, o termo exclusão social não era central e aparecia poucas vezes ao longo do 
texto. Esta obra trazia, porém, uma novidade importante: não se referia mais a um 
fenômeno residual e pouco influente sobre o conjunto da sociedade, como nos 
usos anteriores, mas a um problema que se propagava num ritmo rápido, 
atingindo cada vez mais pessoas. Exclusão era sinônimo de inadaptação social, 
que atingia os doentes mentais, toxicômanos, alcoólatras e outros grupos 
vulneráveis como os migrantes muçulmanos cuja integração era precária 
(Paugam, 1996). 
 
O tratamento da questão começa a mudar na década de 70, junto com o 
avanço do desemprego nos países centrais. Ganha destaque a noção de uma 
“nova pobreza”, que atinge setores anteriormente adaptados, mas que se tornam 
vítimas de uma conjuntura recessiva. Nesta mesma época, também frente a uma 
explosão do desemprego, a noção de exclusão social adquire destaque e novos 
contornos no Brasil. 
 
É verdade que o tema da desigualdade sempre esteve presente em nosso 
país. Mas entre as décadas de 50 e 70, a noção predominante para se referir ao 
fenômeno da pobreza, no Brasil como em outros países da América Latina, era a 
marginalidade. 
 
Esta noção difundiu-se através de Gunnar Myrdal, que a usava para 
caracterizar uma camada populacional miserável e economicamente supérflua. Na 
década de 70, underclass tornou-se sinônimo de pobreza persistente (Jenks, 1993) 
e associou-se à ideia de uma “cultura da pobreza”, marcada pela indolência, 
imprevidência e imoralidade (segundo os padrões de valores da burguesia norte-
americana), compreendendo usuais manifestações de alcoolismo, toxicomania, 
maternidade dissociada do casamento, desemprego e dependência de políticas 
sociais. Esta ideia deu suporte à divisão dos pobres em dois subgrupos: de um 
lado, aqueles que mereceriam ajuda e, de outro, os indivíduos e famílias cuja 
pobreza era atribuída ao seu próprio comportamento (Jenks, 1993). Tem-se aqui a 
ênfase da orientação culturalista da marginalidade. As demais orientações teóricas 
sobre a marginalidade caracterizavam-na como realidade estrutural ligada às 
contradições do modo de produção capitalista (Fassin, 1996). Assim, a 
marginalidade é definida em negativo em relação aos valores dominantes, ou seja, 
como carência em relação à inserção no mercado de trabalho, à proteção social, à 
habitação, à cidadania etc. (Fassin, 1996). 
 
Pereira (1984) mostra que a maior parte das definições de marginalidade 
aponta para a falta de integração a alguma dimensão da vida social. Sua visão, 
porém, é de que a marginalidade é uma forma específica de incorporação social, 
compreendendo as formas mais precárias de inserção. Seu indicador empírico 
nuclear é a renda-trabalho mínima, expressando as baixas oportunidades de 
trabalho (assalariado ou não). Os indicadores secundários estão relacionados ao 
consumo: baixas condições de moradia, higiene, alimentação, acesso aos serviços 
de saúde, escolarização etc. 
 
Em Paoli (1974), a marginalidade revela um tipo de exploração da força de 
trabalho requerida pelo capital nas economias dependentes. A situação marginal 
é explicada pelos níveis de participação econômica e cultural, sendo o marginal 
“um tipo humano cujo papel é de ‘sobra’ em relação às estruturas fundamentais 
da sociedade em que se insere – no caso, as formações capitalistas periféricas” 
(p.145). 
 
Em ambas as formulações, percebe-se uma relação de funcionalidade dos 
grupos marginais em relação ao capitalismo. Também Kowarick (1977) explicita 
esta ideia, ao defender que os “segmentos marginais das sociedades 
dependentes” desempenham papel de exército industrial de reserva. Além disso, 
vemos em Paoli, a construção da noção de marginalidade com referência ao 
trabalho, principalmente, e ao consumo, de modo derivado. Esta forma de enfocar 
o problema não se perde completamente na década de 90, quando a noção de 
marginalidade é deixada de lado pela maioria dos autores (o que, aliás, já vinha 
acontecendo desde a década de 80), desta vez em favor da expressão exclusão 
social. 
 
Os primeiros usos da exclusão social como noção são atribuídos por 
Nascimento (1994b) a Hélio Jaguaribe, em livro da segunda metade década de 80 
(Brasil: reforma ou caos). Neste livro, exclusão social identifica-se com pobreza, 
com origens nas raízes coloniais da sociedade brasileira e acentuada pela crise 
econômica do início da década de 80. Mas a noção é mais generalizadamente 
apropriada pelas ciências sociais na década de 90, em muitos casos com novos 
significados. Neste momento, torna-se frequente ver também o exército industrial 
de reserva, tal como concebido por Marx (1985), que consiste em uma “população 
trabalhadora excedente”, “produto necessário da acumulação ou do 
desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo” e que se constitui em 
“alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de 
produção capitalista” (p.191), oferecendo força de trabalho ao capital quando 
necessário e, pela concorrência, forçando os trabalhadores empregados a 
sujeitarem-se às exigências do capital. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
 
A frequência com que o termo exclusão social aparece e as diversidades de 
situações às quais ele se refere frequentemente tornam difícil saber exatamente o 
que ele pretende significar em cada contexto. Os próprios autores que refletem 
sobre o tema concordam que o termo assume na maior parte dos casos 
contornos vagos e é inespecífico (Demo, 1998; Escorel, 1999; Véras, 2001). 
 
Quando feita de modo refletido, a sua utilização sempre exige um 
complemento –exclusão em relação a quê? Ao mundo do trabalho? Às 
instituições escolares? Ao acesso à tecnologia? – ou a explicitação de uma 
definição como conceito. Entre os autores que elaboraram o conceito de exclusão 
social no Brasil, agrupamos três grandes conjuntos de significados, combináveis 
entre si: a) ruptura de laços sociais; b) inserção precária no mundo do trabalho 
e/ou do consumo; c) não realização da cidadania. 
O primeiro grupo sugere uma abordagem que vai além da explicação da 
desigualdade das décadas anteriores: trata do problema como um fenômeno 
novo em seu significado, relacionado à ruptura de laços sociais e fator de uma 
crise nos fundamentos da sociedade, já presente ou em vias de acontecer. A 
exclusão social é vista como um processo de ruptura sucessiva de laços sociais. 
Exclusão social seria, portanto, “um processo porque fala de um movimento que 
exclui, de trajetórias ao longo de um eixo inserção/exclusão, e que é 
potencialmente excludente (vetores de exclusão ou vulnerabilidades). Mas é, ao 
mesmo tempo, um estado, a condição de exclusão, o resultado objetivo de um 
movimento” (Escorel, 1999 
 
O segundo grupo aparece em parte como uma reação ao primeiro, 
reaproximando-se em vários pontos da noção de marginalidade. 
O terceiro, mais frequente, aborda uma outra perspectiva, relativa à 
cidadania, que pode estar ligada a qualquer uma das anteriores ou a nenhuma 
delas. 
 
Nesse sentido, observa-se uma trajetóriade rupturas parciais, que 
caracterizam situações de precariedade e vulnerabilidade podendo chegar por fim 
à ruptura total. 
 
A ideia de precariedade é geralmente apresentada como autoevidente, 
sem uma definição precisa, significando a ausência de condições consideradas 
pela sociedade como minimamente necessárias ao bem-estar, que se rompem 
são principalmente os que vinculam o indivíduo ao trabalho e às relações 
comunitárias e familiares. Já a vulnerabilidade se refere ao déficit de capacidade 
dos indivíduos, domicílios, grupos ou comunidades satisfazerem suas 
necessidades básicas (Katzman, 2000). Os autores franceses assim como o 
brasileiro Nascimento (1994a), dão mais ênfase às desvinculações com o trabalho, 
multiplicadas pelo crescente desemprego que marca as últimas décadas do século 
XX. 
No Brasil, onde, as condições de cidadania vêm sendo construídas de 
modo lento e precário, já antes da década de 80 o emprego formal não se 
estendia à grande maioria da população e a família ocupou sempre papel central 
na definição do lugar dos indivíduos na sociedade, de forma que a desvinculação 
sócio-familiar ganha premência na garantia de proteção aos indivíduos. Assim, 
sua desagregação torna-se o fator central no processo de exclusão social. 
 
Independente da ênfase que se dê a uma ou outra dimensão da exclusão 
social, o resultado é o mesmo: do ponto de vista do indivíduo excluído: solidão, 
isolamento e estigma; do ponto de vista da sociedade, ameaça à coesão social 
(Buarque, 1999; Castel, 1998; Escorel, 1999, Nascimento, 1994a, 1994b; Paugam, 
1996; Schnapper, 1996). 
 
A desvinculação dos indivíduos excluídos traduz-se num não 
pertencimento a grupos sociais e na não participação nas dimensões sociais da 
vida humana que Escorel (1999) sintetiza bem, ao definir a condição de exclusão 
“como a daquele que está ‘sem lugar no mundo’, totalmente desvinculado ou 
com vínculos tão frágeis e efêmeros que não constituem uma unidade social de 
pertencimento” (p.18). 
 
Já sob a abordagem que dá ênfase à sociedade, as ideias sobre a ruptura 
do tecido social envolvem uma retomada contemporânea das teorias de 
Durkheim sobre a integração social. A exclusão social seria como sugere 
Nascimento (1994b), um efeito secundário da ruptura da solidariedade orgânica, 
na medida em que cada vez mais indivíduos deixam de ser elos necessários de 
uma interdependência social conferida pela divisão do trabalho. 
 
Aos grupos excluídos, molda-se um conjunto de características interligadas: 
eles se tornam desnecessários do ponto de vista do funcionamento da economia 
capitalista (Buarque, 1993,1994; Nascimento, 1994a, Wanderley, 2001), objeto de 
desprezo, “não-forças políticas”. 
 
Castel prefere falar em desafiliação. Este termo, em vez de dar a falsa ideia 
de que há uma possibilidade de estar fora da sociedade, indica desligamentos, 
sem negar que os indivíduos que participam desse processo continuem a 
depender do centro, que se torna ultimamente mais importante para a sociedade 
do que em qualquer época anterior e, como potencial fonte de ameaças de 
violência contra os incluídos, objetos de uma discriminação cada vez mais 
acentuada (Buarque, 1993; Nascimento, 1994a). 
 
Tanto na formulação de Buarque como nas dos outros autores citados, os 
indivíduos excluídos passam a ser vistos pelos demais como não-semelhantes, ou 
seja, não é reconhecida neles qualquer fração de humanidade que faça com que 
os incluídos (ou grande parte deles) se reconheçam nos excluídos. Em função 
dessa condição, estes se tornam vítimas de ameaças de eliminação física, como de 
fato ocorre em acontecimentos cotidianos como ateamento de fogo a mendigos, 
chacinas de presos e meninos de rua, extermínios de vários grupos pobres etc. 
(Buarque, 1993, Nascimento, 1994a, Forrester, 1997). 
 
Quando buscam as razões para que se tenha chegado a tal situação – ou à 
ameaça premente de tal situação – vários autores encontram uma crise da 
organização atual da sociedade, que iria desde uma mudança dos valores (Zaluar, 
1997) até uma mudança dos próprios fundamentos dessa organização 
(Castel,1998; Paugam, 1996; Rosanvallon, 1998). Assim, Zaluar diz que a situação 
atual de anomia difusa, na qual deve ser entendida a exclusão social, é provocada 
pelas mudanças nas relações entre os sexos, nas formas de organização familiar e 
comunitária (com ênfase à ruptura dos laços vicinais) e nos valores, que antes 
tinham no trabalho sua principal referência e agora são sobretudo valores de 
consumo. Martins, ao criticar a exclusão social como conceito mas admiti-la como 
fenômeno equivalente à pobreza, também enfatiza o deslocamento do eixo de 
funcionamento da sociedade da produção para o mercado (isto é, para a 
circulação de mercadoria e serviços). 
 
Rosanvallon (1998) refere a “nova questão social” - que abarca mas 
ultrapassa a exclusão social - a disfunções da sociedade industrial, quando antigos 
mecanismos de solidariedade se tornam ineficazes. Esta questão se traduz pela 
inadaptação dos antigos métodos de gestão social, explicitada na crise do Estado 
Providência. Tal crise abrange uma dimensão financeira (desproporção entre 
despesas e receitas), ideológica (dúvidas quanto à eficácia do Estado empresário 
para conduzir políticas sociais) e filosófica (pela “desagregação dos princípios de 
organização da solidariedade e o fracasso da concepção tradicional dos direitos 
sociais”) (Rosanvallon, 1998, 25). 
 
Forrester (1997) não fala de ruptura de laços de sociabilidade exteriores ao 
mundo do trabalho, mas fala do fim do emprego como o fator fundamental nas 
transformações pelas quais as sociedades modernas passam. Argumenta que a 
financeirização da economia revela que a reprodução do capital deixou de exigir 
grande quantidade de trabalho e, dessa forma, e desemprego tornou-se 
estrutural, caracterizando o fim da sociedade organizada sobre o trabalho. O que 
o desemprego criaria, na verdade, não seriam excluídos – uma vez que a ideia de 
exclusão se refere ao padrão não mais vigente – mas uma maioria de incluídos 
num novo padrão. Não se trataria, portanto, de uma crise, mas de uma mutação 
rumo a uma nova civilização. 
 
A exclusão como inserção precária tem em sua abordagem a exclusão 
social não como sintoma ou elemento de crise de um dado tipo de sociedade, 
mas como decorrência do funcionamento desta organização social. 
 
Entre os autores que compartilham esta perspectiva, Sawaia (2001) deixa 
claro que a exclusão é parte de um processo de contradição, uma vez que ela 
nega a inclusão, ao mesmo tempo em que faz parte dela. 
 
“Em síntese, a exclusão é um processo 
complexo e multifacetado, uma 
configuração de dimensões materiais, 
políticas, relacionais e subjetivas. É 
processo sutil e dialético, pois só existe 
em relação à inclusão como parte 
constitutiva dela. Não é uma coisa ou um 
estado, é um processo que envolve o 
homem por inteiro e suas relações com 
os outros. Não tem uma única forma e 
nem é uma falha do sistema, devendo 
ser combatida como algo que perturba a 
ordem social, ao contrário, ele é produto 
do funcionamento do sistema” (Sawaia, 
2001, 9) 
 
Não se trata, portanto, de ruptura de laços sociais. Trata-se simplesmente 
de um determinado tipo de ligações. Também não representa estado de anomia 
ou qualquer tipo de crise de fundamentos da sociedade, mas parte do seu 
funcionamento. Da mesma forma, Santos (2001) enxerga na exclusão uma 
consequência das contradições da acumulação capitalista. 
 
Nesse sentido, a exclusão resulta da dinâmica da atual fase do capitalismo, 
sintetizada no conceito de globalização. A intensa especulação, o livre comércio 
imposto aos países periféricos (acompanhado de protecionismo nos países 
centrais), os empréstimos estrangeiros, com as consequentes dívidas externas e 
imposição de condições aos países endividados, conduzemao enfraquecimento 
da soberania dos países periféricos, com reflexos no seu desenvolvimento 
econômico e humano. 
Esta situação, agravada pelas políticas neoliberais que contribuem para o 
aumento das taxas de desemprego e pelo aumento da exploração da força de 
trabalho, significa para as classes subalternas a acentuação da exclusão da riqueza 
social, com associada deterioração das condições de vida, e afastamento dos 
centros de decisão política. A ideia de exclusão como forma subordinada de 
integração também está presente em autores que criticam a emergência da 
exclusão social como conceito, mas usam o termo como sinônimo de pobreza em 
seu sentido lato (ou seja, em relação às riquezas materiais mas também à 
participação política) (Demo, 1998) ou para se referir à nova forma de 
desigualdade social (Martins, 1997). 
Ambos os autores apresentam argumentos semelhantes contra o conceito 
de exclusão. Demo mostra que se os excluídos ameaçam a ordem social não são 
de fato excluídos, pois fazem parte do sistema. Mesmo quando desvinculados do 
mercado de trabalho (formal ou informal), os grupos excluídos são, para Demo, 
funcionais ao sistema capitalista. Na mesma linha, Martins sustenta a tese de que 
não existe exclusão, mas contradição, pois “no interior do que parece forte e 
dominante” cria-se “o nicho de ação eficaz dos frágeis” (p.14) e as reações fazem 
parte do sistema econômico e de poder, mesmo que os negue. 
Quando tocam nesse ponto, as teorias da exclusão social aproximam-se 
daquelas teorias sobre a marginalidade, tão em voga no Brasil nas décadas de 60 
e 70 para designar uma parcela da população que não se integrava aos setores 
modernos da economia ou se integrava de maneira subordinada ao sistema 
capitalista (Pereira, 1982; Paoli, 1974). Aproximam-se igualmente da ideia de um 
papel de exército de reserva, aparece como formado por vagabundos, 
delinquentes, prostitutas e outros elementos que compõem uma “massa 
indefinida e desintegrada”. 
 Martins caminha na direção da visão da contradição ao falar da exclusão 
como uma “inclusão estritamente em termos daquilo que é mais, conveniente e 
necessário a mais eficiente (e barata) reprodução do capital. E também ao 
funcionamento da ordem política, em favor daqueles que dominam” (p.20). A 
exclusão seria uma etapa entre uma forma e outra de exclusão: “a sociedade 
capitalista desenraiza, exclui, para incluir de outro modo, com as suas próprias 
regras, segundo a sua própria lógica” (p.32). A diferença entre o que acontecia em 
décadas atrás e o que ocorre nos dias atuais seria que antes as pessoas ficavam 
excluídas por pouco tempo, ao passo que agora, esse período deixou de ser 
transitório e se tornou um modo de vida, na medida em que há amplas parcelas 
da população (crianças prostituídas, moradores de favelas, cortiços, ocupações 
etc.) com poucas chances de reinserção. Desta forma, talvez a colocação inicial de 
Martins sobre a exclusão como forma específica de integração perca-se na 
própria argumentação posterior do autor. Sobre isto, fica a questão: ainda hoje, 
quando o desemprego total aumenta, como ele mesmo assinala, sustenta-se sua 
tese da exclusão como forma específica de integração? 
 
A ideia de cidadania que se opõe à exclusão social é, em termos gerais, a 
formulação clássica de T.H. Marshall (1967). Sua concepção compreende os 
direitos que asseguram ao indivíduo a garantia de um mínimo de participação na 
vida social e nas benesses, materiais ou não, criadas pela sociedade. Isto inclui três 
elementos: civil, político e social. “O elemento civil [da cidadania] é composto dos 
direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de 
imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos 
válidos e os direitos à justiça. (...) Por elemento político, se deve entender o direito 
de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo 
investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal 
organismo. (...) O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um 
mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por 
completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os 
padrões que prevalecem na sociedade” (Marshall, 1967, 64). 
 
Por outro lado, também quando a abordagem da exclusão social centra-se 
nas rupturas de laços sociais, a sua oposição à cidadania pode estar presente. 
Escorel (1999) sugere que o problema da exclusão social possa ser lido como não-
cidadania.
 
Sposati aplica seu índice de exclusão/inclusão social à cidade de São 
Paulo, diferenciando através dele as suas regiões. 
 
Trata-se de “um fenômeno de ampliação de parcelas significativas da 
população em situação de vulnerabilidade social, e também as formas de 
manifestação de exclusão, abarcando as esferas cultural, econômica e política” 
(p.49). Se a exclusão significa, como para Nascimento (1994b), “a negação do 
direito aos direitos” – já que os indivíduos excluídos passam a ser tratados como 
não-semelhantes –, então fica claro que eles estão, nesta concepção, ameaçados 
de expulsão da cidadania. Também quando a concepção de exclusão é tratada, 
numa outra perspectiva, como inserção precária na vida econômica e social, a 
ideia de não realização da cidadania é evidente. Afinal, pode-se dizer que a não-
participação num mínimo de bem-estar e segurança material e nas decisões 
políticas (verdadeira e não apenas formalmente), como Demo (1998) situa a 
exclusão, é exatamente a não-realização da concepção marshalliana de cidadania 
em seus aspectos social e político. 
 
Entretanto, o fenômeno da não realização da cidadania tem sido há várias 
décadas denunciado no Brasil, quando se anuncia a existência de “não-cidadãos”, 
“sub-cidadãos” e “cidadãos de segunda classe” (Carvalho, 2002). Aparece, na 
maior parte dos casos, como uma decorrência lógica de outras características 
mais essenciais da exclusão social e não como um de seus fundamentos. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Análises e proposições no debate sobre a exclusão social: uma relação íntima 
 
Como lembra Fassin (1996), não é por acaso que sociedades de períodos e 
contextos diferentes usaram noções e/ou conceitos distintos para se referir à 
pobreza urbana. Essas diferenças na maneira de conceber os fenômenos 
traduzem realidades distintas, bem como tradições políticas e intelectuais 
diferentes. 
 
Tomemos o exemplo da discussão da marginalidade, que em seu auge na 
América Latina se inseria num contexto de debates sobre as formações capitalistas 
periféricas. Como sugere Fassin, a discussão sobre os pobres desses países 
situava-se segundo parâmetros de centro e periferia, assim com se fazia com os 
países, em função do entendimento de que todos participavam de um processo 
geral do capitalismo, com relações de interdependência. 
 
Nota-se assim que a escolha dos conceitos e noções e a forma como eles 
são trabalhados também implica consequências para as formulações de cenários e 
proposições que se traçam a partir dessas análises. 
 
 
É o que Castel (1998) expõe, ao falar da aparente crise da sociedade 
salarial. Diante do fenômeno visível de aumento do desemprego, as possibilidades 
de reação dependem da interpretação que se dê ao problema. Caso acreditemos 
tratar-se apenas de um momento difícil, a ser provavelmente seguido por uma 
retomada do padrão anterior, basta encontrar alguns expedientes para sobreviver 
da melhor forma possível a esta fase difícil. Mas se, no outro extremo, 
considerarmos que presenciamos uma mutação completa da relação dos homens 
com o trabalho e, através disso, das relações sociais em geral, então as 
alternativas recaem sobre a invenção de uma maneira diferente de viver nesse 
mundo ou, na pior hipótese, sobre a resignação com a catástrofe. 
O livro de Forrester (1999) éum exemplo de como a análise sobre o 
problema sugere seu encaminhamento. Ao ver a situação atual como de mutação 
rumo a um novo tipo de sociedade, não mais passível de ser organizada sobre o 
trabalho, a autora sugere que os antigos critérios para tratar o problema devem 
ser abandonados, e se pergunta: por que não buscar outras soluções para a 
sobrevivência e para a vida que não estejam ligadas ao emprego? Provavelmente, 
propostas como esta, de mudanças radicais nos modos de vida, são as mais raras. 
Um primeiro olhar sobre os programas de governo das coligações de partidos 
que concorreram na última eleição presidencial da década de 90 sugere que a 
maioria deles associa a exclusão social à pobreza e ao não cumprimento dos 
direitos formalmente existentes e, a partir daí, aponta para a resolução do 
problema da exclusão social pela efetivação daqueles direitos, pela ajuda social às 
famílias mais pobres, pela educação e qualificação e pela criação de alguns postos 
de trabalho. 
 De modo semelhante, um levantamento preliminar das ONGs que atuam 
no combate e prevenção à exclusão social permite a hipótese de que sua 
concepção sobre a mesma está majoritariamente vinculada à ideia de não 
efetivação da cidadania, sendo suas propostas de atuação voltadas para a 
abertura de possibilidades de exercício dos direitos de cidadania. Por isto e pela 
análise das tendências históricas brasileiras, temos motivos para supor que exista, 
no Brasil, uma tendência geral a tratar a exclusão social como problema a ser 
resolvido pela capacitação dos indivíduos para o exercício de uma cidadania, que 
se supõe formada a priori, sem pensar em transformações estruturais 
macrossociais. Se de fato a questão for vista desse modo, as propostas de 
inclusão social se fariam “dos incluídos para os excluídos”, como se a inclusão se 
fizesse a despeito – ou mesmo apesar – dos excluídos. 
A hipótese se sustenta por vários motivos: primeiramente, porque a 
questão da cidadania, em seu aspecto referente aos direitos sociais, tem sido 
tratada historicamente no Brasil como algo concedido aos trabalhadores pelo 
Estado, e não conquistado (Telles, 1992, 1999; Carvalho, 2002). Sendo a exclusão 
social frequentemente tratada como a face oposta da cidadania plena, o 
problema da exclusão seria resolvido pela concessão de direitos reais (ou seja, 
concessão não apenas formal de direitos) para os setores excluídos. 
A segunda razão leva em consideração que até mesmo a maneira de 
definir um conceito pode implicar soluções que a ele se apresentem. Assim, por 
exemplo, pensemos sobre o conceito de vulnerabilidade, tão utilizado para falar 
do processo pelo qual se chega à exclusão. Este conceito aparece, em geral, 
associado à ideia de incapacidade de certos indivíduos, grupos ou comunidades 
responderem a certas situações de risco. Isto nos permite lançar duas hipóteses 
sobre as propostas de solução para os problemas respaldados por este conceito. 
Primeiramente, que se culpam as próprias vítimas desses processos pelos seus 
problemas, podendo-se cair nas mesmas armadilhas a que levou o conceito de 
underclass, ao permitir a distinção entre os que deveriam ser, de alguma forma 
socorridos e os que mereciam sua condição de pobreza. 
A última evidência que aponta para aquela hipótese refere-se à presença 
do pensamento neoliberal no Brasil, difundido pela grande imprensa e trazido 
para as políticas públicas na década de 90. Ele defende que a única igualdade à 
qual todos os indivíduos devem ter direito é a igualdade de oportunidades, 
dependendo a sua ascensão, a partir daí de sua própria capacidade e esforço 
(Friedman, 1980). Neste raciocínio, não seriam os próprios excluídos os 
responsáveis pela sua situação? Em vista da grande difusão deste tipo de 
pensamento, urge pensar se os partidos, governos e ONGs que tratam a questão 
da exclusão social não cedem a essas ideias. Aliás, quando se pensa em políticas 
sociais para os excluídos, não se está em busca da focalização que os princípios 
neoliberais recomendam?
 
Katzman (2000), por exemplo, ilustra bem este conceito, 
ao definir vulnerabilidade como: 
“a incapacidade de uma pessoa ou de 
um domicílio para aproveitar as 
oportunidades disponíveis em distintos 
âmbitos socioeconômicos, para melhorar 
sua situação de bem-estar ou impedir 
sua deterioração”. 
 
Chambers (1989) a define como exposição a riscos associada à 
incapacidade de respostas. Moser (1998) acrescenta a esses dois elementos a 
inabilidade para adaptar-se ativamente. Chamando a atenção para esta questão, 
procuramos enfatizar a necessidade de pensar as propostas de soluções dos 
diversos agentes sociais em relação com as próprias análises sobre a questão, 
incluindo os conceitos nela utilizados. 
Um último exemplo, oferecido por Kowarick (2003) ao falar do debate 
americano sobre a underclass, ilustra esta íntima relação entre a formulação de 
um problema, as propostas de resolução do mesmo e a sua aplicação. 
 
Já vimos que esta noção foi associada por economistas e sociólogos norte-
americanos, nas décadas de 60 e 70, a uma cultura da pobreza, identificada com 
indolência, imprevidência e imoralidade dos que dela participam. No final da 
década de 70 e início dos anos 80, o termo se popularizou, graças a reportagens 
em revistas de grande circulação (Nesweek, Fortune, Readers Digest), que 
associavam a pobreza à negligência, criminalidade e nocividade à sociedade. Tal 
empreendimento da mídia teve como resultado, ainda segundo Kowaricki, o 
convencimento de amplas parcelas de eleitores sobre a necessidade de retração 
das políticas sociais, levada a cabo pelos governos republicanos de Ronald 
Reagan e George Bush (pai). 
 
 
É interessante lembrar que tal uso da noção de underclass levou um de 
seus fundadores, W. J. Wilson (When the work desappears), a rever seu uso em 
suas obras e a recomendar maior crítica em sua utilização em pesquisas científicas 
(Kowarick, 2003). Este é um ótimo exemplo das influências mútuas entre o debate 
acadêmico e as relações sociais em geral – permeadas, aliás, pelas opções 
políticas. 
 
Vimos que não existe uma única teoria da exclusão social, mas sim 
significados, teses e argumentos diversos ligados a este tema. Não apenas as 
concepções são diversas, como chegam a ser contraditórias. Desta divergência, 
podemos concluir que a noção é objeto de disputa teórica e também política, na 
medida em que a forma de ver o fenômeno implica certas maneiras de tratá-lo 
quando se pensa em medidas práticas de intervenção. 
 
Desta forma, um olhar da exclusão social como um fenômeno que expressa 
rupturas no âmbito social sugere a construção de novos paradigmas teóricos e de 
uma forma de vida nunca antes realizada. Já a exclusão social como forma 
precária de inserção pode suscitar tanto propostas revolucionárias de 
transformação social como propostas reformistas e mesmo superficiais. 
 
Por fim, a exclusão social como mera negação de direitos pode levar a 
propostas de conquista de direitos previamente definidos. Todavia, numa 
sociedade marcada por raízes clientelistas, este caminho corre o risco de incidir 
em concessão de direitos – uma contradição de termos que nunca pode fazer 
parte de uma verdadeira construção da cidadania. Daí a importância de pensar a 
teoria em profunda relação com a prática, sem perder de vista as influências 
mútuas entre as duas esferas. 
 
INTERAGINDO CONHECIMENTO 
 
Das três acepções para a noção de Exclusão Social estudadas, na unidade 
em questão, discorra sobre a qual você mais se identifica, enquanto análise dos 
fenômenos a que ela se refere (utilize o texto da unidade como referência e as 
imagens abaixo ilustrativas) 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://2.bp.blogspot.com/_4A9MCMbaw_0/THbTe-yCLtI/AAAAAAAAAd4/uzHPd1TTnMY/s1600/exclus%C3%A3o.jpg
 
 
 
 
 
 
http://1.bp.blogspot.com/_oG9WOEk_Jco/S6OpaKrLNJI/AAAAAAAAIRY/8FY0Ji6GrWQ/s1600-h/miseria.jpg

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