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CANTO CORAL INFANTOJUVENIL REFLEXÕES E AÇÕES Débora Andrade Ana Lúcia Gaborim-Moreira ORGANIZAÇÃO CANTO CORAL INFANTOJUVENIL REFLEXÕES E AÇÕES Débora Andrade (UFSJ/UFJF) Ana Lúcia Gaborim-Moreira (UFMS) ORGANIZAÇÃO São João del Rei 2020 © 2020 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor. Direitos para esta edição: Mosaico Produções Gráficas e Editora Ltda Rua Ceará, 940 / 101 Centro – Divinópolis – MG - CEP. 35500-013 contato: livros@mosaico.inf.br Organização Débora Andrade (UFSJ/UFJF) Ana Lúcia Gaborim-Moreira (UFMS) Comissão Científica Dra. Amanda Valiengo (UFSJ) Dra. Jussara Rodrigues Fernandino (UFMG) Dr. Marcus Vinícius Medeiros Pereira (UFJF) Dr. Modesto Flávio da Fonseca (UFSJ) Dra. Nilcéia da Silveira Protásio Campos (UFG) Dra. Regina Finck Schambeck (UDESC/SC) Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo (UDESC/SC) Dra. Silvia Maria Pires Cabrera Berg (USP) Dra. Silvia Garcia Sobreira (UNIRIO/UFPB) Dra. Teresa da Assunção Novo Mateiro (UDESC/SC) Projeto gráfico e diagramação Derval Braga – Mosaico Produções Gráficas Ilustração da capa Wesley Jesus dos Santos Canto coral infantojuvenil [livro eletrônico] : reflexões e ações / Débora Andrade; Ana Lúcia Gaborim-Moreira, organizadoras. – São João del-Rei : Mosaico Produções Gráficas e Editora Ltda., 2020. 32.200 kb ; PDF ISBN 978-65-88887-00-4 1. Corais infantojuvenil 2. Música 3. Canto I. Título. CDD: 782.5 CDU: 78.087.681 C232 Bibliotecária Tatiana Augusta Duarte de Oliveira – CRB-6 2842/O SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .........................................................................................................................................................5 Ana Lúcia Gaborim-Moreira Débora Andrade COMO MONTAR UM CORAL INFANTIL ........................................................................................................7 Gisele Cruz MUDA VOCAL MASCULINA E PROCEDIMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DE VOCALIZES ................................................................................................................................................................. 17 Betânia Discacciati A CRIAÇÃO MUSICAL JUNTO AO CORO INFANTOJUVENIL ........................................................ 27 Ilcenara Serafim Klem EXPRESSIVIDADE CÊNICA NO CORO INFANTIL E INFANTOJUVENIL – RELATOS DE OBSERVAÇÕES E DE EXPERIÊNCIAS .......................................................................................................... 35 Patricia Costa REFLEXÕES SOBRE A ESCOLHA DE REPERTÓRIO PARA CORO INFANTOJUVENIL ....... 51 Vivian Assis O CORPO QUE CANTA E A VOZ QUE DANÇA: REFLEXÕES SOBRE O GESTUAL DE REGÊNCIA E A SONORIDADE CORAL INFANTIL.................................................................................. 61 Débora Andrade REGENTES CORAIS INFANTOJUVENIS: QUEM SOMOS? ................................................................ 77 Ana Lúcia Gaborim-Moreira UM RELATO SOBRE O GRAN FINALE FESTIVAL E SEUS DESDOBRAMENTOS NA FORMAÇÃO DO REGENTE DE CORAL INFANTIL E JOVEM BRASILEIRO .............................. 97 Lilia Valente PRA CANTAR! ..........................................................................................................................................................115 Ana Lúcia Gaborim-Moreira Betânia Discacciati Bruna Oliveira Ciro Canton Daisyane Isabel Costa Detomi Débora Andrade Elda Cecília Ian Guest João Paulo Luiz Aparecido Silva Jomar Marques de Lima Laura Cândida Lilian Dias SOBRE OS AUTORES ...........................................................................................................................................155 5 APRESENTAÇÃO Ana Lúcia Gaborim-Moreira Débora Andrade Este livro nasceu do desejo de reunir di- ferentes experiências de regentes brasileiros junto a corais infantojuvenis, com o intuito de compartilhar saberes, técnicas e orienta- ções práticas diversas. Obviamente, por mo- tivos variados e incontroláveis, muitas outras importantes experiências não compõem este material - motivo que nos faz desejar que mui- tos outros livros nasçam dessa ideia. Sabemos que são poucas as publicações nacionais vol- tadas especificamente para o trabalho coral infantojuvenil, contudo, percebemos que a produção de artigos e o número de comuni- cações realizadas em congressos científicos têm crescido, nos últimos anos, no Brasil. Não pretendemos apresentar, nesta obra, soluções inquestionáveis pelo campo. Pelo contrário, este material apenas oferece algumas referências, que devem ser, analisa- das, contextualizadas e, portanto, confron- tadas com a experiência – ou inexperiência – do(a) leitor(a). Espera-se, ainda, que essas referências possam levar leitores à reflexão, à compreensão e ao pensamento crítico sobre o trabalho coral - e assim, impulsionar cresci- mento e revitalização nessa área. Dito isso, apresentamos os capítulos e seus autores, a seguir: O primeiro capítulo traz informações ba- silares da formação de coro infantil. A autora Gisele Cruz discorre sobre o número ideal de crianças em um grupo, a faixa etária, a dura- ção, a periodicidade e a organização dos con- teúdos a serem ensinados em cada ensaio, as especificidades relacionadas à voz infantil, a escolha do repertório e as condições neces- sárias para a realização dos concertos, pelas crianças. No segundo capítulo, a autora Betânia Discacciati nos apresenta uma revisão biblio- gráfica a respeito das mudanças fisiológicas que ocorrem no sistema fonador do adoles- cente, das possíveis classificações vocais, bem como orientações de como utilizar alguns exercícios vocais, durante essa fase. Considerando importante proporcionar no canto coral um espaço para a liberdade de expressão da criança, no qual ela tenha a opor- tunidade de exteriorizar seu conhecimento, suas emoções e sua individualidade, a autora Ilcenara Serafim Klem trata no terceiro capítu- lo de um assunto pouquíssimo abordado pela literatura coral: a criação. Neste capítulo, a re- ferida autora nos relata sua experiência, junto ao coral infantil do Centro de Musicalização Infantil da Universidade Federal de Minas Gerais, relacionada à composição de um mu- sical, tendo como referência literária um con- to do escritor Rubem Alves. No quarto capítulo, a autora Patricia Costa nos apresenta reflexões a respeito da utilização do recurso cênico em corais infantis 6 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) e jovens, como um veículo para a expansão dos sentidos, que colabora para o desenvol- vimento do indivíduo e do coro. Além de dis- correr sobre as diferentes fases do desenvolvi- mento corporal da criança e do adolescente, a autora fornece ideias de como os recursos cênicos podem ser utilizados, nesse contexto. Distante do interesse de fornecer uma receita universal de como escolher o repertó- rio musical para um coro infantojuvenil, a au- tora Vivian Assis propõe uma reflexão sobre os objetivos e os critérios envolvidos nesse processo de escolha das canções. E embora se considere as especificidades de diferen- tes contextos corais infantojuvenis, a autora alerta para a importância de que essa esco- lha abra possibilidades de colocar em prática conceitos vocais e musicais, tais como afina- ção, respiração, dicção, dinâmica, altura, ritmo e timbre. Considerando o gestual de regência como uma importante forma não-verbal de comunicação, a autora Débora Andrade reflete no sexto capítulo sobre a influência que esse gestual pode exercer sobre a sonoridade de coros infantojuvenis. Num primeiro momento, baseada numa revisão bibliográfica, a autora apresenta expressões gestuais que extrapolam a técnica convencional de regência, bem como os efeitos que eles podem causar na expressão vocal. Num segundo momento, ao apresentar exemplos musicais, a autora reflete sobre a escolhado compasso a ser regido, atentando para o fato de que nem sempre o compasso proposto na partitura é o que melhor comunica aos coralistas o caráter expressivo desejado. No sétimo capítulo, a autora Ana Lúcia Gaborim-Moreira leva os leitores a refletir so- bre a sua própria formação e ação, enquanto regentes e educadores musicais. A autora traz um pouco das dificuldades e desafios en- frentados em sua trajetória como regente de coros infantojuvenis em diversos contextos, juntamente com alguns possíveis caminhos e soluções encontrados ao longo de sua car- reira de professora e pesquisadora. O texto, apresentado em forma de conferência expan- dida, é embasado pela própria tese da autora, na qual é analisado o trabalho desenvolvido junto ao PCIU! – Projeto Coral Infantojuvenil da UFMS (Universidade Federal de Mato Gros- so do Sul). A referida tese recebeu Menção Honrosa na área de Linguística, Letras e Artes do “Prêmio Tese Destaque USP 2016” e cons- titui um material de referência para regentes e pesquisadores do canto coral infantojuvenil. No capítulo seguinte, Lilia Valente nos apresenta o “Gran Finale: Festival Nacional de Corais Infantis e Jovens” como um importan- te espaço de formação de regentes brasilei- ros. Além de traçar um histórico do referido evento, que chegou à sua décima quarta edi- ção, a autora reflete sobre os impactos que o evento causou na formação de regentes, coros e coristas, além de apresentar os frutos das ações desenvolvidas ao longo dos anos. Por fim, o nono capítulo reúne doze compositores, quais sejam Ana Lúcia Gaborim- Moreira, Betânia Discacciati, Bruna Oliveira, Ciro Canton, Daisyane Isabel Costa Detomi, Débora Andrade, Elda Cecília, Ian Guest, João Paulo Luiz Aparecido Silva, Jomar Marques de Lima, Laura Cândida e Lilian Dias. Estes compositores nos brindam com quatorze canções que vão do uníssono à divisão de três vozes, criadas especialmente para o público infantojuvenil, tendo respeitadas suas especificidades vocais. Desejamos, sinceramente, que as refle- xões e ações aqui registradas possam auxiliar os regentes de corais infantojuvenis na con- dução dessa atividade, tão prazerosa e necessária aos nossos jovens músicos. 7 COMO MONTAR UM CORAL INFANTIL Gisele Cruz Introdução A autora deste capítulo não saberia es- tabelecer com precisão quando ela própria iniciou sua vivência na atividade coral. Há uma vaga lembrança por volta de seis anos de idade envolta por trechos de canções de Natal que se misturam com imagens de um praticável cheio de crianças de beca verme- lha com uma aba branca ao redor do pescoço. Porém dentro dessa imagem embaçada há algo que se distingue com nitidez: um senti- mento de profundo encantamento, lembran- ças que só os processos estéticos autênticos são capazes de deixar. Não se trata de estética enquanto execução musical impecável, mas aquela que indica o “conhecimento obtido pelos sentidos, a base sensória a partir da qual habilidade e consciência de expressão e de forma são postos a trabalhar artisticamente” (Swanwick, 1994). Uma experiência marcante, inesquecível... Os benefícios advindos da prática coral, tanto para crianças como para adul- tos, tem sido apresentados e defendidos por muitos autores que ressaltam o cantar não só como um eficiente processo de musicaliza- ção, mas também responsável pelo desenvol- vimento da coordenação auditivo-vocal, além de possuir enorme valor psicossocial (Ream, 1973:25). A fonoaudióloga Mara Behlau (1997) detalha que “quando se canta em con- junto, aprende-se harmonia, equilíbrio, domí- nio de si mesmo, trabalho em equipe e, acima de tudo, respeito pelo outro”. O coro pode ser um espaço para aprendizagem musical, de- senvolvimento vocal, integração e inclusão social. (Amato, 2007:99) Cantar é uma atividade espontânea que pode ser mais fácil para uns que para ou- tros. Crianças utilizam o canto em brincadei- ras, cantarolam quando distraídas e, muitas vezes, são embaladas por uma canção para dormir. Adolescentes podem passar horas cantando e tocando violão com um grupo de amigos. Porque então não reunir o prazer des- sa prática com as vantagens do canto coral? Observe-se que há uma distinção entre cantar e participar de um coro. Essa atividade que re- úne indivíduos para cantar requer disciplina, conteúdo e constância para ensaios e para apresentações. Interessado em montar um coro? Esse é o tema das próximas páginas que com certeza não pretendem esgotar o assunto, apenas encorajar o leitor e comparti- lhar algumas recomendações de Como mon- tar um coro infantil! Cantores: quantidade e faixa etária Não existe um número definido de par- ticipantes para se organizar um coro infantil. 8 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) A indisciplina, traço característico na infância, faz pensar que grupos pequenos são mais fá- ceis de serem conduzidos. Porém, volume, di- visão de vozes e afinação são questões mais difíceis de serem trabalhadas em um grupo reduzido. Considera-se um número ideal entre trinta e quarenta e cinco participantes e um mínimo de dezoito. Estes números também podem variar dependendo de outros fatores como espaço físico, duração do ensaio, núme- ro de pessoas que atuam junto ao grupo e ca- racterísticas próprias do trabalho. Quanto à idade, cada uma tem suas pró- prias características físicas, emocionais, inte- lectuais e de sociabilização. Respeitar esses dados facilita muito o trabalho. O agrupamento de faixas etárias muito diferentes pode acarretar dificuldades para escolha do repertório, tempo e dinâmica de ensaio. Logo, se por alguma razão, for necessá- ria a junção de faixas etárias muito diferentes, esteja atento aos possíveis problemas decor- rentes dessa situação. Atualmente, há uma tendência em considerar-se coro infantil a faixa etária que abrange a idade entre sete e dez anos. O agru- pamento que compreende a idade entre onze e catorze já seria considerado coro infantoju- venil, e acima disso juvenil. Mas isso não é um consenso nem tampouco uma regra. No ou- tro extremo, podem ser encontradas crianças com seis anos, ou menores, participando de grupos corais. É importante observar que nes- sa idade ela ainda não apresenta maturidade vocal, física e intelectual para a atividade. Isso não significa que ela não possa cantar. Não só pode como deve! Mas dentro de um contexto lúdico, sem expectativa nem cobrança de um resultado performático. Apesar das diferenças de desenvolvi- mento que podem ser observadas até entre crianças da mesma idade, aconselha-se iniciar a prática coral a partir dos oito anos, momen- to em que, de maneira geral, elas apresentam condições corporais e intelectuais adequadas para a atividade. Periodicidade e local A duração do ensaio deve ser adequada a cada faixa etária, uma vez que, a maturida- de sócio intelectual e a quantidade de tempo em que a criança consegue manter-se focada em uma atividade variam com a idade. Assim, com o coro infantil, delimitado anteriormente neste texto para crianças entre oito e dez anos, orienta-se a realização de ensaios com 1 hora a 1 hora e 15 minutos. Já para o coro infanto juvenil, são possíveis ensaios de 1 hora e 30 minutos e com o coro juvenil a duração de 2 horas para um ensaio é totalmente viável. Apenas um ensaio por semana pode fa- zer com que o desenvolvimento do grupo seja mais lento. Se possível, faça duas vezes na se- mana. É o recomendável. Associado às definições de quantidade de participantes e faixa etária do grupo está a escolha do local para realização dos ensaios. O espaço físico não só determinará as atividades que o regente desenvolverá no en- saio como poderá interferir na disciplina e no rendimento do grupo. Um local amplo, bem iluminado, arejado, protegido de ruídos exter- nos permitirá ensaios mais variados, atraentes e produtivos. A sala ideal deve ter um pé direito nor- mal – nem altonem baixo – e, se possível, com revestimentos de paredes, piso e teto de ma- teriais variados (carpete, madeira, vidro, pedra, borracha, tecido etc.), que favoreçam a emissão sem abafar ou reverberar demasiadamente os sons. Esse padrão de qualidade na maioria das vezes não é possível, principalmente dentro da realidade das escolas públicas. O regente deve estar consciente de que essa limitação também poderá refletir-se em sua dinâmica de trabalho uma vez que espaços pequenos ge- ram desconforto térmico, agitação e restrição de atividades corporais. Salas com iluminação 9 GISELE CRUZ COMO MONTAR UM CORAL INFANTIL insuficiente dificultam a concentração e locais com interferência de barulho externo exigem esforço vocal além do necessário. Esses são apenas alguns dos obstáculos em relação a sala de ensaio, na verdade vários outros pro- blema podem ser encontrados. Nesses casos procure soluções paliativas como, por exem- plo, pintar as paredes com cores mais claras para melhorar a iluminação, colocar tapetes e cortinas para diminuir a reverberação de um lugar com pé direito muito alto, ou no caso de salas com teto rebaixado melhorar (mecanica- mente) a ventilação do espaço. Equipe de trabalho Sob o ponto de vista ideal estão também as questões operacionais do trabalho, ou seja, a constituição de uma equipe. A opção de trabalhar sozinho pode ser árdua, pois além do acúmulo de atividades e responsabilidades, há a solidão de não ter com quem dividir as dificuldades e conquistas. Por outro lado, o trabalho conjunto en- volve deveres e direitos mútuos. É preciso con- viver com a delegação de responsabilidades, o estabelecimento de limites, o respeito e a acei- tação de opiniões contrárias às suas. Apesar disso, atingir os objetivos do trabalho poderá ser uma tarefa mais fácil e agradável. Uma equipe de trabalho completa, rea- lidade bem pouco usual, é constituída de pre- parador vocal, instrumentista acompanhador, regente assistente e coordenador. O preparador vocal deve ter absoluto do- mínio técnico, conhecimento da sua própria voz e da voz infantil em geral. Ele ou ela é o responsável pela orientação técnica do grupo e pelo modelo vocal, orientando o conjun- to na concepção do timbre, na realização de trechos mais difíceis e percebendo as crian- ças que necessitam de uma orientação mais individualizada. Geralmente é uma função desempenha- da por cantores ou professores de canto. Mas há grupos que trabalham com fonoaudiólo- gos no desenvolvimento dessa tarefa. Instrumentista acompanhante ou corre petidor, também deve ter bom domínio na execução do seu instrumento, boa leitura e habilidade em harmonizar canções. É necessário ter prática em ouvir simul- taneamente ao coro e a si mesmo, buscan- do constantemente o equilíbrio entre voz e instrumento. Regente assistente é o profissional neces- sário principalmente em casos de grupos mui- to numerosos. Sua função é dividir as respon- sabilidades e tarefas musicais do grupo com o regente e substituí-lo quando necessário. É evidente que esse profissional deve ter os mesmos pré-requisitos exigidos ao regente, se não de fato, ao menos em potencial. O Coordenador ou Coordenadora desen- volve um trabalho de apoio para que o regente possa estar concentrado somente na atividade musical. O pai ou mãe de uma das crianças do coro que goste desse tipo de envolvimento pode assumir essa responsabilidade. Suas ta- refas são o agendamento dos endereços dos participantes, o preparo e envio de comunica- dos aos pais, a organização de uniformes, se houver, ou de algum outro material que o gru- po venha a utilizar. Recomendação importante: não deixe de organizar um coro porque você não tem uma equipe completa! Alguns parâmetros ideais são estímulos para serem alcançados e não empecilhos para a realização da atividade. O ensaio “Não existem diferentes regências, mas diferentes técnicas de ensaio” (Robert Shaw apud Kerr 2006:205). Um dos importantes momentos do tra- balho coral é o ensaio. É ao mesmo tempo, 10 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) oportunidade de aprendizado, relacionamen- to e sociabilização, tanto para o regente quan- to para o grupo. Denominaremos ensaio o trabalho roti- neiro e progressivo. Esse dia-a-dia requer toda a atenção do regente. Se a repetição pode le- var à perfeição, também é o caminho mais rá- pido em direção à monotonia. Os ensaios in- tegram um processo, logo, respeitam um tipo de ordenamento em que as partes estão vin- culadas umas com as outras. O regente deve ter a preocupação de fazer de cada ensaio um encontro completo, com começo, meio e fim. È necessário um roteiro bem estruturado e planejado para que o repertório e outros aprendizados aconteçam, proporcionando um crescimento musical dinâmico e alimen- tando a expectativa dos cantores. No que se refere à execução musical, um ensaio de coral infantil não difere do de um grupo adulto. O vocabulário e as abordagens devem ser apropriados à faixa etária com que se trabalha, mas o nível de exigência é o mes- mo. Ou seja, as falhas não devem ser ignora- das só porque são crianças. Deve haver rigor quanto a ritmo, texto, afinação, orientação vo- cal e postura. No entanto o aprendizado deve ocorrer despreocupadamente, isso facilitará a audição e, por consequência, a produção vo- cal. Encoraje seu grupo a arriscar-se durante o aprendizado. Mas como propor à criança ou ao ado- lescente uma atividade quase estática, que exige muita concentração, memória, coorde- nação motora e, ainda por cima, disciplina? Um ensaio de coro infantil, diferentemente do que acontece na maioria dos coros adultos, não deve organizar-se apenas como um tem- po interminável de cantos sucessivos. Precisa conter atividades variadas, porém associadas ao objetivo do trabalho. É importante lembrar que, geralmente, a criança aceita participar de qualquer proposta se estiver realmente moti- vada, tiver seu tempo de atenção repeitado, sua necessidade de participação atendida e se a atividade for compatível com as caracte- rísticas próprias da sua idade. Assim, um bom planejamento, criativo e atento poderá otimizar o tempo do ensaio. Observe que tanto a criança quanto o adoles- cente assimilam melhor aquilo que fazem na prática, pela ação. Então, evite o excesso de explicação verbal e, aproximadamente a cada dez ou quinze minutos, mude de atividade. É preciso perceber o ponto de saturação e mu- dar de música ou de exercício. Corrija os erros assim que percebidos para que não se trans- formem em vícios. Seja assertivo e explique exatamente o que deve ser ajustado. Generalizações do tipo “tem alguma coisa errada neste trecho” de- vem ser evitadas. É comum a necessidade de repetições para a fixação ou memorização de um trecho; você poderá fazer isso de forma lúdica pedin- do que apenas aqueles que tem duas vogais no nome cantem; ou apenas os de determi- nada idade; ou pedir para somente o instru- mentista tocar ou ainda perguntar se alguém acha que já aprendeu e gostaria de cantar so- zinho para o grupo. Talvez você seja surpreen- dido com a quantidade de crianças que irão se candidatar! No momento em você preparar seu en- saio sob essa perspectiva irá perceber quantas alternativas criativas existem para a repetição! Outra sugestão: o aprendizado do reper- tório pode ser alternado com procedimentos de musicalização como jogos de escuta, de ritmo, ou de atenção e prontidão. Em muitos casos, o coro infantil é o primeiro contato da criança com o universo da música. Sob essa perspectiva ele é visto como um instrumento muito eficiente para a educação musical do indivíduo. Você também pode intercalar o cantar sentado e em pé; promover a troca de lugares; ocupar o espaço de diferentes maneiras. 11 GISELE CRUZ COMO MONTAR UM CORAL INFANTIL E ainda, ao definir o repertório do seu coro, escolha peças tenham diferentes grausde dificuldade. Isso possibilita a alternância de momentos de maior ou menor concentra- ção no ensaio. Contemple peças em diferen- tes estilos, tonalidades e andamentos, o que irá conferir uma diversidade sonora e textual ao ensaio. O sucesso do ensaio de um coro seja ele infantil, juvenil ou até adulto, depende de um preparo cuidadoso pelo seu regente. Quando o ensaio é planejado, sua realização torna-se mais fácil. Porém não é um código de leis que deve ser cumprido risca. É importante ob- servar de que modo as crianças chegam ao ensaio. Se estão agitadas, cansadas, ansiosas ou desanimadas. A partir da análise das con- dições será possível saber se o planejamento proposto está adequado. Em caso afirmativo, sua execução deve ser integral. Caso contrário altere as partes necessárias. Uma das funções do planejamento é dar segurança ao regen- te, pois se o grupo perceber que o responsá- vel pela atividade não sabe muito bem o que quer, essa autoridade pode ser ameaçada e o bom andamento da atividade comprometido. Não se esqueça do final do ensaio! É fun- damental despedir-se das crianças. Isso man- tém e acentua vínculos. É importante que as crianças saiam com vontade de retornar e com a sensação de que produziram naquele dia. Por fim, avalie o ensaio. Às vezes, a eu- foria de uma boa atividade é tão grande que não fazemos a devida análise dos motivos desse sucesso. Reserve um tempo após o en- saio para uma reflexão, fazendo disso um há- bito; compare o planejamento com a realiza- ção; a atividade que não alcançou o objetivo deve ser repensada e, se for o caso, repetida ou abandonada. Com base nessa avaliação o grupo irá se tornando mais familiar para o re- gente e os planejamentos futuros proporcio- narão ensaios mais agradáveis e producentes. Algumas dicas para ensaios proveitosos: • Divulgue para o coro a agenda de ensaio e divida com eles a responsabilidade de cumpri-la; • Sempre que começar uma música nova demonstre-a, executando você mesmo ou através de uma gravação, principalmente se ela não for conhecida; • Escolha bons acompanhamentos principalmente para realizar os exercícios de técnica vocal; • Exercite sempre a espera da introdução; • Valorize a atuação individual sempre que possível; • Aprenda com partitura, mas cante sempre de cor; • Não deixe os erros tornarem-se vícios “O próprio ensaio pode ser a razão de existir de um coro e penso que encontraremos para ele um caminho quando não houver mais a preocupação de preparar espetáculos para os outros assistirem (palco/plateia), mas a de conquistar mais cantores, ampliar a convivência e o volume da canção.” (Samuel Kerr, 2006). Repertório O mais importante de um repertório não é somente seu valor estético...Tem que fazer bem para cantores, platéia e regente. (Elza Lakschevitz 2006:83) Um bom repertório para coro é sem- pre um dos grandes desafios da atividade. É necessário conhecer, analisar e escolher com cuidado as peças para evitar surpresas no seu preparo. O canto coral é dinâmico e assim o reper- tório deve acompanhar o momento e as neces- sidades do grupo em cada etapa do seu desen- volvimento e não o gosto pessoal do regente. 12 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) Um coro desenvolve-se vocal e musi- calmente a partir do repertório que realiza. Sendo assim ao escolher as peças observe se elas contemplam o desenvolvimento musical do grupo, qual a tessitura vocal, se o texto é adequado à faixa etária e se a dificuldade téc- nica proposta é ao mesmo tempo acessível e desafiadora. A criança pode, a princípio, cantar de tudo, qualquer música. Mas a atividade coral deve buscar oferecer aquilo que dificilmente será vivenciado por ela em outro lugar. Se seu coro pertencer a uma institui- ção, assegure-se de que suas escolhas estão alinhadas com os conceitos adotados pela entidade. Não subestime a capacidade da criança. Ela possui um senso estético e crítico aguçado e seu aprimoramento é função da atividade artística. A responsabilidade da escolha do re- pertório é do regente. Porém, sugestões do grupo podem e devem ser consideradas e, se possível, aceitas. O repertório escolhido pre- cisa estar ao alcance técnico do grupo, e tam- bém ser acessível às habilidades do regente. Dentro das possibilidades de escolha, o regente também precisa decidir se utilizará o acompanhamento instrumental ou cantará a capela. Com certeza, não há instrumento mais adequado para acompanhar uma voz do que outra voz. O canto a capela possibilita que seja ouvida toda a riqueza de timbres da voz humana, além de aguçar a percepção auditiva de quem canta e de quem ouve. Mas é pre- ciso considerar que vivemos em um contexto sonoro bem diferente dos primórdios do can- to coral e esse tipo de atuação necessita de certas garantias como repertório e acústica favorável, atuação vocal muito bem cuidada e um tempo maior para seu estabelecimen- to. Se as crianças que compõem o grupo não tiveram anteriormente nenhum um contato com o aprendizado da música, será mais di- fícil alcançar esse parâmetro vocal em curto prazo. Assim, o trabalho que é iniciante pode perder sua motivação. Some-se a isso a rea- lidade da informação musical da maioria das crianças de grandes centros urbanos oriunda geralmente dos meios de comunicação. Considerando apenas isso, a utilização de um ou mais instrumentos acompanhantes nesse início da atividade deve ser entendida como uma ferramenta a mais para a implanta- ção do trabalho. O equilíbrio na sua utilização é fundamental para que esse recurso não se transforme apenas em uma escora, nem ve- nha a encobrir o som do coro. Qualquer que seja o instrumento es- colhido, piano, teclado, violão ou acordeão, deve-se tirar proveito da possibilidade har- mônica e das características sonoras de cada instrumento, preferindo o acompanhamento com acordes ao invés da melodia dobrada. No entanto, a possibilidade de cantar a capela não deve ser abandonada e sim per- manecer como um ideal técnico que todo re- gente deve procurar alcançar com seu coro. Mas quando isso vai acontecer dependerá de cada trabalho e cada contexto. É sempre bom lembrar: não há necessi- dade de se iniciar prontamente o canto a vá- rias vozes. Um bom uníssono precisa de tem- po para ser construído, principalmente se o grupo não teve uma atividade vocal anterior. O uníssono perfeito é, por vezes, mais difícil de ser executado que uma música a mais de uma voz. Portanto não deve haver preconceitos em relação a um trabalho sim- ples, mas sim muito cuidado com trabalhos mal realizados. 13 GISELE CRUZ COMO MONTAR UM CORAL INFANTIL A voz infantil “Toda e qualquer tentativa de se desenvolver a voz é bem vinda, pois cantar é um dos atos mais humanos que existe e cantar em grupo desenvolve solidariedade, o respeito entre os homens e a sensação de não estarmos sozinhos no mundo.” (Mara Behlau, 1997). Muitas pessoas vêm a voz da criança como limitada, apropriada apenas para cantar músicas fáceis e graves. Mas a realidade é que, sem perder a graça que toda criança tem, ela é capaz de uma performance de qualidade, podendo atingir uma extensão vocal de até duas oitavas. A voz infantil caracteriza-se pelo seu timbre claro, sem vibrato e extensão pratica- mente sem graves, tanto nos meninos quanto nas meninas. Aproxima-se da voz adulta fe- minina, mas é mais frágil, menos encorpada nos sons médios e nos sons agudos é mais bri- lhante. Portanto, o que muitas vezes é cômo- do e adequado à professora ou regente não é o ideal para a criança. Ao contrário da crença mais comum, a melhor região para a voz infantil é a média aguda. É lá que a voz infantil tem mais brilho, volume e mais espaço para ampliar a exten- são. O limite grave da voz da criança coincide com sua região de fala. Em situações onde a extensão da música coincide com esta região, ela não percebe que ao invés deestar can- tando está apenas falando o texto da música. Sendo assim, quanto mais grave for a canção proposta mais difícil será para a criança dife- renciar o cantar do falar. No início do trabalho a voz infantil não apresenta características muito definidas que permitam classificá-la como soprano, mezzo ou alto. Portanto, no coro infantil pode ser adotada a divisão de grupos, não por vozes. Na realização de peças a duas ou mais partes, esses grupos serão alternados na execução das partes graves e agudas. Para iniciar o trabalho a mais de uma voz, opte por utilizar primeiramente melo- dias com “discantes” , “obligatos” ou do tipo “quod libitum”. O formato “pergunta e respos- ta” ou “espelho” também são boas opções as- sim como os cânones (dê preferência àqueles com sobreposições de mais de um compasso de diferença). Deixe por último as linhas me- lódicas construídas em 3ª e 6ª paralelas. Por serem muito parecidas com a melodia, man- ter a independência das vozes é mais difícil, além da afinação desses intervalos ser mais trabalhosa. Para possibilitar a divisão em três ou mais grupos de maneira confortável, é im- prescindível ter um grupo com pelo menos 35 crianças que já possuam boa extensão vocal. Mesmo sendo uma atividade coletiva, o regente deve acompanhar o desenvolvimen- to vocal do seu grupo individualmente. Um trabalho coral efetivo deverá resultar em um desempenho vocal cada vez melhor de cada cantor. A idade e o tamanho da criança tam- bém interferem nessa atuação. Apresentação A apresentação é uma quebra da rotina do coro, um momento novo e diferente. Mas, sendo um acontecimento previsível e importante dentro do trabalho, o preparo para esta ocasião já deve ter sido antecipado pelo regente. Observe que a situação seja encarada com naturalidade, como uma oportunidade de avaliação interna, de conclusão de uma etapa e não de cobranças. Esteja atento para que o processo constante que foi desenvol- vido até então não seja atropelado por uma atividade que é apenas eventual. 14 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) O local é muito importante para o bom desempenho de qualquer apresentação mu- sical, e pode interferir nos resultados. Para que o coro sinta-se seguro e à vontade, visite o local com antecedência e teste a acústica es- talando os dedos, batendo palmas ou cantan- do, sempre caminhando pelo local para sentir se há pontos onde o som tem melhor ou pior reverberação. A partir daí planeje como será o posicionamento do coro (número de filas, agrupamento das vozes, uso ou não de prati- cável) e dos instrumentos. Caso não seja possível comparecer pes- soalmente, deve ser obtido o máximo de in- formação, como: dimensões de palco, coxias e plateia, número de poltronas, tipo de revesti- mento, locais de entrada e saída do palco. No dia da apresentação, é importante chegar o mais cedo possível e fazer ao me- nos uma passagem de som e o reconheci- mento do palco. Se for possível passe todo o programa. Qualquer material cênico a ser utiliza- do durante a apresentação (cenário, figurino, adereço) deve estar presente nos últimos en- saios e, principalmente, no ensaio geral. Ne- nhuma novidade deve ser reservada ao grupo para o dia da apresentação. Tudo deve ser tes- tado com antecedência É preciso conscientizar-se que erros an- tigos que já aconteciam durante o processo não serão resolvidos no ultimo ensaio antes da apresentação. A atenção deve estar voltada para o todo, corrigindo-se apenas o essencial. Se for a estreia do grupo e você detectar que seus cantores estão inseguros, convide algumas pessoas para assistir os ensaios que antecedem a apresentação. Procure simular a situação da presença de público. É um bom momento para se avaliar a reação do grupo e do regente frente a algum imprevisto. É importante que o grupo sinta que você, o regente, está tranquilo e encare a apresentação como um momento agradável que deve ser repetido sempre. Mesmo frente às dificuldades, atue com segurança. As crianças são muito sensíveis ao medo e ao desgaste e o regente será sempre a referência. Preferencialmente, o coro deve iniciar e terminar a apresentação com as peças que mais gosta de cantar, isso também fará o gru- po sentir-se confiante. As músicas mais elabo- radas (ou estreantes) devem compor o meio do programa. Ao fazer a ordem do programa, intercale diferentes gêneros, períodos e com- positores para evitar a monotonia e garantir o interesse da plateia do começo ao fim da apresentação. Tenha o cuidado de observar o local e a ocasião; por exemplo, há igrejas que não ad- mitem determinado tipo de repertório, como música popular ou folclórica. Considerações Finais Finalizando esse texto percebe-se, como foi dito na sua introdução, que o assunto está longe de ser esgotado. Montar um coro in- fantil é atividade complexa que envolve pre- paração, conhecimento, pesquisa constante, sensibilidade, resistência física e aptidão por parte do profissional que se dispõe a realiza- la. Não sobrevive sem o comprometimento coletivo de instituições, crianças e suas famí- lias. É um projeto que despende uma grande energia, e como tal, deve ser calculado antes de iniciado. Não é fácil. O cenário contempo- râneo não é promissor; a geração dos nativos digitais prefere exercitar os polegares a utili- zar o corpo e a voz e, a música veiculada pelos meios de comunicação é pouco convidativa à prática vocal coletiva. Os processos educati- vos, principalmente para as faixas etárias ini- ciais, são constantemente desvalorizados. No entanto, penso que apesar e em razão de tudo isso, nunca foi tão necessário fomentar e manter a atividade coral infanto juvenil. 15 GISELE CRUZ COMO MONTAR UM CORAL INFANTIL Pesquisas têm comprovado cientifica- mente que a prática vocal coletiva resulta em: múltiplos benefícios físicos como aumento de imunidade, alterações na frequência cardíaca, respiração, pressão arterial, tensão muscular; ganhos emocionais como resgate e afirmação da autoestima, alívio do estresse, sentimento de ser pertencente a um grupo social e, não menos importante, desenvolvimento cultural, estético e da sensibilidade (Welch e Wackermann em ). A atividade coral é, sem dúvida, uma das ferramentas mais acessíveis para a construção de uma sociedade mais saudável, equilibrada e feliz. Para isso é necessário que muitos se dis- ponham a organizar coros infantis. E por esta razão é feita uma publicação como esta, a fim de contribuir para a formação de muitos que por sua vez irão transmitir a outros tantos e assim como uma teia sustentar o crescimento de melhores cidadãos. A partir de agora, a busca por condições ideais de trabalho como o local para o ensaio, o aumento da equipe ou mesmo de remune- ração, será uma constante, quase utópica na sua vida prezado leitor, mas com certeza, não um impedimento para você Montar um Coro Infantil. Referências AMATO, Rita F. O canto coral como prática sociocultural e educativo-musical. Opus – Revista da Associação Nacional de Pesquisa de Pós-Graduação em Música, Anppom, v.13, n.1,2007, p.75-96 BEHLAU, Mara & REHDER, Maria Inês. Higiene Vocal para o canto coral. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter,1997. KERR, Samuel M. Carta ao canto coral. In: LAKSCHEVITZ, Eduardo (Org.). Ensaios: olhares sobre a música coral bra sileira. Rio de Janeiro: Oficina Coral, 2006, p.200 – 238 LAKSCHEVITZ, Elza. Entrevista. In: LAKSCHEVITZ, Eduardo (Org.). Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. Rio de Janeiro: Oficina Coral, 2006. REAM, Alberto. Um estudo sobre a voz infantil. São Paulo: Imprensa Metodista, 1973. SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Editora Moderna, 2004 WACKERMANN, Paula V. e WELCH Graham em entre- vista que compõe a matéria “Da boca para dentro” de Manuela Minnis publicada na Folha de São Paulo, 19 de abril de 2011. Caderno Equilíbrio p. 817 MUDA VOCAL MASCULINA E PROCEDIMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DE VOCALIZES Betânia Discacciati Introdução Sabemos que ao iniciar o processo de mudança de voz, o adolescente enfrenta instabilidade no controle vocal. Durante a adaptação do sistema fonador pode ocorrer um período de desequilíbrio, o qual se deno- mina Muda Vocal. O descontrole muscular é caracte rística principal da muda vocal mas- culina e a voz torna-se momentaneamente restrita e instável (OLIVEIRA 2007). Para que a voz do adolescente se desenvolva de manei- ra saudável, o professor/regente deve estar atento às mudanças que ocorrem no sistema fonador durante a puberdade. Apesar de apresentarmos as mudanças fisiológicas que ocorrem no sistema fonador em ambos os sexos, os exercícios que aqui descrevemos foram retirados de materiais es- pecíficos para a voz adolescente masculina. Este capítulo se restringirá à voz adolescente masculina, uma vez que este trabalho impõe mais desafios ao regente do que o trabalho com vozes femininas em muda, porém o tra- balho com a voz adolescente feminina tam- bém deve ser realizado com atenção. Os limites de idade que encerram crianças e adolescentes no coro infantojuvenil não são consenso, entre diferentes autores. Jaramillo (2004), por exemplo, considera como coro infantil meninos de 08 a 12/13 anos de idade e como juvenil meninos de 12/13 anos adiante. Já Costa (2017) enumera como coro infantojuvenil a faixa etária de 10 a 14 anos e coro juvenil a faixa etária de 14 a 18 anos. Segundo Gackle (1991), a mudança vocal na voz feminina acontece entre 11 e 16 anos, em diferentes estágios. Já na voz masculina, segundo Barharm e Nelson (1991), a mudança pode ocorrer entre 12 e 18 anos. De acordo com as idades estabelecidas pelos autores, a mudança vocal pode ocorrer em coralistas tanto do coro infantojuvenil quanto no coro juvenil. Referindo-se ao nível de escolaridade, consideraremos que o coro infantojuvenil é formado por alunos do sexto ao nono ano, e o coro juvenil por alunos do ensino médio. Portanto, no contexto de escola regular, o regente pode se deparar com alunos em muda vocal entre o sexto ano e o ensino médio. O regente deve ter conhecimento da fi- siologia da voz para, assim, guiar seus alunos através do canto saudável. Afim de esclarecer algumas questões sobre a fisiologia vocal, durante a mudança de voz, iniciaremos o pre- sente capítulo com uma breve explicação do que ocorre no sistema fonador no período de muda vocal. 18 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) 1 Mudanças fisiológicas do sistema fonador na puberdade Segundo Sundberg (2015), o sistema fo- nador é composto por três partes: o sistema respiratório, as pregas vocais e as cavidades de ressonância (cavidades do trato vocal, cavi- dade nasal e outras cavidades da face). A con- figuração do trato vocal, chamada articulação, determina o resultado da transformação da fonte glótica (som produzido pela vibração das pregas vocais). A articulação é determina- da pela atuação coordenada de várias estru- turas: lábios, mandíbula, língua, palato mole, faringe e laringe. Figura 1: Sistema fonador e cartilagens laríngeas Titze (1993) apud Carnassale (1995) diz que o crescimento da laringe durante a muda vocal é desproporcional e rápido, o que causa a instabilidade da voz masculina. Esse cresci- mento ocorre primeiramente na cartilagem tireóidea (dando origem ao popularmente chamado “pomo de adão”) e depois no com- primento das pregas vocais. Sataloff e Spiegel (1989) apud Carnas- sale (1995) apresentam uma visão geral das mudanças que ocorrem durante a muda vocal feminina e masculina, e suas diferenças: As pregas vocais, nos homens, crescem de 4 a 8 mm em comprimento, enquanto as pregas vocais nas mulheres crescem de 1 a 3,5 mm. O ângulo da tireoide no homem di- minui para aproximadamente 90 graus, en- quanto nas mulheres permanece em torno dos 120 graus. Em ambos os sexos, a epiglo- te toma-se mais chata, cresce e se eleva, a mucosa laríngea torna-se mais rija e gros- sa, e os tecidos das amídalas e adenoides atrofiam-se e desaparecem parcialmente. O pescoço frequentemente alonga, e o tó- rax alarga. (...). Durante a puberdade, a voz feminina cai em torno de 2,5 semitons (...). A voz masculina cai aproximadamente uma oitava (SATALOFF e SPIEGEL, 1989 apud CARNASSALE, 1995, p.70). 19 BETÂNIA DISCACCIATI MUDA VOCAL MASCULINA E PROCEDIMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DE VOCALIZES Sundberg (2015) explica que as extremi- dades anteriores das pregas vocais são fixadas na superfície interna da cartilagem tireóidea, e as extremidades posteriores, nas cartilagens aritenóideas. Portanto a alteração do ângulo da cartilagem tireóidea, como ocorre segun- do descrito acima por Sataloff e Spiegel, altera também o posicionamento das pregas vocais. O abaixamento da laringe durante a muda vocal, e o desenvolvimento das estrutu- ras oral-faciais relacionadas à ressonância, faz com que as vozes dos adolescentes ganhem mais graves comparados à voz infantil devido ao ganho de formantes e harmônicos produ- zidos na laringe (CARNASSALE, 1995). Sataloff e Spiegel apud CARNASSALE (1995), Behlau, Azevedo e Pontes (2001) apud OLIVEIRA (2007), concordam que durante a puberdade ocorre o crescimento das cavida- des de ressonância da traqueia e dos pulmões. O tórax se alarga e a capacidade vital respira- tória aumenta. Weiss (1950) apud ELORRIAGA (2011), diz que a cena global de desenvolvi- mento do aparelho fonador mostra um au- mento de tamanho nos órgãos relacionados à produção vocal. Isso resulta em um abaixa- mento no registro vocal e aumento da capaci- dade respiratória e ressonância, portanto um maior volume de voz. 2 A classificação da voz adolescente masculina As mudanças que ocorrem na fisiologia do adolescente durante a muda vocal, podem acontecer de forma mais acelerada ou mais retardada em diferentes indivíduos. Sendo assim, cada adolescente pode estar em dife- rentes estágios de mudança da voz. Duncan McKenzie (1956), Irvin Cooper (1973) apud Fridle (2005), Frederick Swanson (1977) apud Cooksey (1999), e John Cooksey (1999), são os principais teóricos da classificação vocal ado- lescente durante a muda vocal. Mendonça (2012) utiliza a seguinte classificação: Figura 2: Classificação vocal por Mendonça (2012) Fonte: a autora Por apresentar grande proximidade, em extensão vocal, com o modelo apresentado por Cooksey (1999) e por utilizar nomencla- tura específica para vozes de adolescentes, próxima à de Cooper apud Looney (2015), assumiremos a classificação supracitada, acrescentada a voz não mudada, sugerida por Cooksey (Unchanged Voice – Extensão de Lá2 a Fá4). Friddle (2005) ressalta a importância de não nomear as vozes adolescentes como as vozes já maduras femininas, Soprano e Con- tralto. Para o autor, os adolescentes têm o ego 20 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) frágil e sua masculinidade está começando a ser construída. Portanto, é importante encon- trar nomes que os deixarão confortáveis.1 3 Exercícios para trabalhar especificidades da voz em muda vocal O trabalho com a voz do adolescente deve ser cuidadoso e consciente. A seguir, apresento alguns exercícios selecionados a fim de instruir o professor/regente em seu início. 1 “Teenage boys have fragile egos; their masculine identities are only beginning to formulate; thus, it is important to find names that will allow them to feel comfortable in their newly assigned section.” (FRIDDLE, 2005, p.46). O movimento descendente, iniciando na voz de cabeça, é considerado pelos autores McKenzie (1956), Leck e Jordan (2009) e Leck (2009), o melhor para o ganho de controle da quebra2 de registro vocal. McKenzie (1956) explica como o exercício deve ser realizado, e em quais notas o garoto deve realizar a troca do registro de cabeça para oregistro de peito. Figura 3: Exercício de controle vocal – Passando da voz não mudada para a voz mudada Fonte: McKenzie (1956) p.39. Tradução nossa. O garoto que tiver a nota mais grave da sua extensão de voz não mudada (Unchanged Voice) abaixo da nota mais aguda da voz já mudada (Changed Voice), pode realizar o exer- cício de treinamento para passar da voz de ca- beça para a voz de peito sem que haja quebra na voz. Para definir qual tonalidade será utili- zada para cada garoto, deve-se descobrir qual a nota mais aguda e qual a nota mais grave da sua extensão da voz não mudada. 2O exercício 2 Segundo Miller (1986), a quebra vocal se refere à divisão dos re- gistros vocais e não à sua unificação. “ ’Breaks’ anti ‘lills’ may well re- fer to existing register phenomena in a voice, but psychologically they tend to point up the divisions between registers rather than their unification. Although it is obvious that in the terminology of the Italian School there are also reminders of divisions, that ter- minology takes on a more gentle implication with its reference to register transition points as primo passaggio and secondo passag- gio, with the zona di passaggio (the passage zone) lying between.” MILLER, 1986. 21 BETÂNIA DISCACCIATI MUDA VOCAL MASCULINA E PROCEDIMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DE VOCALIZES de controle de mudança de voz deve ser re- alizado em uma região onde as duas ou três primeiras notas, de uma escala descendente, estejam entre a região de conforto da voz não mudada e abaixo da área de quebra vocal. Na Figura 3, as notas Mi3, Ré3 e Dó3 estão na re- gião da voz não mudada, e ainda as notas Si2 e Lá2 (área de quebra vocal), também se en- contram na região de voz não mudada. O menino deve ser instruído a cantar iniciando da voz não mudada, diminuindo o volume quanto mais se aproximar da área de quebra, levando a voz não mudada o mais grave que conseguir e “manipular” a passagem para a voz mudada. Quando o menino sentir que está cantando com facilidade, ele poderá aumentar o volume do canto (McKENZIE, 1956). Ainda segundo McKenzie (1956) e Swanson apud Cooksey (2000), durante a mudança vocal, pode ser que o menino não consiga cantar algumas notas no meio da escala descendente. Essa região é nomeada por McKenzie (1956) como Gap ou pode ser chamada de Blank Spot, segundo Swanson apud Cooksey (2000) e Willis e Kenny (2007), ou ainda Hole, segundo Leck (2009). De acor- do com Swanson, esse Blank Spot apresenta a extensão de Dó3 a Fá3, já McKenzie defen- de que pode ter a extensão de uma oitava. Para Leck (2009) a extensão do Blank Spot normalmente é entre o Dó3 e a região de quebra vocal. McKenzie (1956) explica que o garoto salta uma oitava ao cantar a es- cala descendente, como mostra a Figura 4. Figura 4: Blank Spot Fonte: McKenzie (1956) p.41. Tradução nossa. Caso haja o Blank Spot na voz do meni- no, deve-se pedir para que ele cante apenas na região confortável de sua voz mudada. Portanto, parte de sua voz não mudada que ainda existe, não será utilizada. À medida que a voz mudada se desenvolver, a extensão au- mentará para cima e para baixo e a região aguda de sua voz preencherá o Blank Spot. Quando o menino cantar com facilidade toda a região do Blank Spot, ele poderá realizar os exercícios supracitados projetados para do- minar a quebra vocal (McKENZIE, 1956). Outro exercício sugerido para o contro- le da quebra vocal é o Yodel. O canto tirolês, ou Yodel, é proposto por McKenzie (1956). O Yodel traz para o menino o controle de mu- dança abrupta da voz de peito para o falsete, preparando-o para cantar fora da extensão da 22 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) voz mudada. O uso da técnica do canto tiro- lês elimina o problema das notas agudas para os jovens Baixos, até que suas notas agudas se desenvolvam e seu canto seja realizado facilmente. É importante ressaltar que a téc- nica Yodel não é aconselhada para meninos que ainda possuem o Blank Spot (McKENZIE, 1956). Figura 5: Frases para técnica Yodel Fonte: McKenzie (1956) p.40. Adaptação nossa. O desenvolvimento da extensão do registro agudo deve iniciar quando a voz já mudada tiver uma extensão confortável de Dó2 a Dó3, e quando o menino tiver con- trole da quebra vocal. Segundo McKenzie (1956) a parte mais grave da voz não mu- dada, deve ser chamada de falsete, e o uso da região mais grave do falsete auxiliam na produção das notas mais agudas da voz já mudada. Uma vez dominada a técnica de passagem de voz de cabeça para a voz de peito, deve-se treinar o menino a cantar em movimento descendente, como na Figura 3. Porém ao invés de realizar a mudança de voz no registro mais grave possível, agora o menino deve mudar para o registro de pei- to na nota mais aguda possível. Assim que a voz estiver madura, o menino terá maior controle do registro agudo de sua voz mu- dada. Sem o treino, ele forçará as notas com dificuldade, ou as evitará por completo (McKENZIE, 1956). 23 BETÂNIA DISCACCIATI MUDA VOCAL MASCULINA E PROCEDIMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DE VOCALIZES Além dos exercícios citados acima para treinamento vocal, o regente deve utilizar vo- calizes para aquecimento da voz quanto para desenvolvimento da voz. A tarefa do regente é saber qual a classificação vocal de cada alu- no, ou seja, em qual estágio da mudança vocal ele se encontra, para que sejam definidas em quais alturas devem ser cantados os vocali- zes. Sendo assim, o trabalho do regente antes de aplicar os vocalizes, é analisar a função e a extensão de cada um. O vocalize da Figura 6, sugerido por Leck e Jordan (2009), é aplicável para a mudança da voz de cabeça para a voz de peito sem que haja a quebra de registro. O exercício da Figura 6, nomeado por Cooksey (1999) Rhythmic Flexibility, é sugerido pelo autor para ganho de flexibilidade, e pode ser aplicado em stacatto. O vocalize também pode ser utilizado com diferentes dinâmicas e ajuda a construir intervalos curtos. Figura 6: Vocalize Rhythmic Flexibility Fonte: a autora. 24 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) A Figura7 apresenta o vocalize Wee Oh Wee!, Dilworth (2006). Também um exercício para flexibilidade, porém em movimento des- cendente e com intervalo de terças. Segundo o autor, o exercício deve ser cantado utilizan- do a voz de cabeça. Figura 7: Vocalize Wee oh wee! Fonte: a autora. 25 BETÂNIA DISCACCIATI MUDA VOCAL MASCULINA E PROCEDIMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DE VOCALIZES Os vocalizes acima apresentados são exemplos de exercícios utilizados para vozes em muda vocal. Para compreensão, os vocali- zes foram escritos por inteiro em todas as to- nalidades e especificados os compassos por classificação vocal. O professor/regente deve ficar atento às extensões vocais para que o canto seja saudável. É importante lembrar que alguns adolescentes podem apresentar o Blank Spot, portanto devem ser aconselhados a cantarem em suas regiões confortáveis até que o mesmo seja preenchido. Considerações finais Vale ressaltar que, segundo Welch (2012), o canto atinge diversas áreas neuroló- gicas. Ele causa o desenvolvimento e intera- ção entre as partes do cérebro dedicadas aos aspectos musicais (altura, ritmo e timbre), lin- guístico (letras), comportamento motor fino e emoções. Cantar sozinho não é a mesma coisa que cantar em duos/grupos, porque trabalhar com mais pessoas envolve áreas neurológicas relacionadas à interação e comunicação so- cial. Quanto mais o sistema vocal for utilizado, de maneira apropriada, mais o cantor enten- derá sua potencialidade nos termos de cresci- mento e coordenação motora. Assim, o canto é uma forma do adolescente se expressar e desenvolver habilidades sociais. Esperamos que este capítulo seja pro- veitoso e auxilie os regentes a guiar as vozes dos adolescentespara que assim os mesmos a utilizem de forma saudável. É importante que o regente avalie sempre a voz do adoles- cente a fim de verificar o estágio em que ele se encontra na muda vocal. Os exercícios que aqui foram descritos são sugestões de como o regente deve lidar com as vozes e suas classi- ficações. O regente deve adaptar os vocalizes que utiliza, para as extensões das vozes em muda vocal. Referências BARHAM, T. J., & NELSON, D. L. The boy’s changing voice: new solutions for today’s choral teacher. Miami, Fl: CPP/ Belwin, 1991. CARNASSALE, Gabriela Josias. O ensino de canto para crianças e adolescentes. Dissertação (Mestrado em Ar- tes) – Instituto de Artes, UNICAMP, Campinas, 1995. COOKSEY, John M.. Working with Adolescent voices. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1999. COOKSEY, John M.. Voice transformation in male adolescents. In: Bodymind & Voice: Foundations of Voice Education. St. John’s University, Collegeville, MN: VoiceCare Network Publication, 2000. p. 718-738. COSTA, Patrícia S. S.. Afinal, coro infanto-juvenil, coro juvenil ou coro jovem? Observatório Coral Carioca, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura, Rio de Janeiro, 2017. DILWORTH, Rollo. Choir Builders. Fundamental Vocal Techniques for Classroom and General Use. Hal- Leonard: Milwaukee, 2006. FRIDDLE, D. Changing bodies, changing voices: A brief survey of the literature and methods of working with adolescent changing voices. Choral Journal, 2005. p. 32-43, 46-47. GACKLE, Lynn. The adolescent female voice: Characteristics of change and stages of development. Choral Journal: March 1991. pg. 17-25. JARAMILLO, Alejandro Zuleta. Programa Básico de Di rección de Coros Infantiles. 1 ed. Bogotá: Ministerio de Cultura, 2004. LECK, Henry. The boys expanding voice. Choral Journal: May 2009. pg. 49-60. LECK, Henry; JORDAN, Flossie. Creating Artistry Through Choral Excellence. Hal-Leonard: Milwaukee. 1a Ed. 2009, 265 p. LOONEY, Alexander A.. A Comprehensive Study of the Male Voice Mutation. Honors Research Projects, 2015. MENDONÇA, R. C. . ADOLESCENTE E CANTO: Definição de repertório e técnica vocal adequados à fase de mu- dança vocal. 2012. 26 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) MCKENZIE, Duncan. Training the Boy’s Changing Voice. New Brunswick, N.J.: Rutgers University Press, 1956. OLIVEIRA, Cristiane Ferras de. Características biológicas e vocais durante o desenvolvimento vocal masculino nos períodos pré, peri e pós muda vocal. 2007. SUNDBERG, J. Ciência da voz: fatos sobre a voz na fala e no canto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. WELCH, Graham Frederick. The Benefits of Singing for Adolescents. London: Institute of Education University of London, 2012. WILLIS, Elizabeth C. KENNY, Dianna T.. Phonational gaps in the developing male adolescent voice. Conference: Proceedings of the Third Conference on Interdisciplinary Musicology, 2007. 27 A CRIAÇÃO MUSICAL JUNTO AO CORO INFANTOJUVENIL Ilcenara Serafim Klem Em julho de 1995, participando do La- boratório Coral em Itajubá, sul de Minas, tive a oportunidade de conhecer o compositor, arranjador e regente Alexandre Zilahi de São Paulo. Na época ele trabalhava com corais in- fantis e tive a curiosidade de perguntar-lhe sobre o repertório que utilizava. Para minha surpresa o ouvi dizer que só cantava o que criava com os corais. Essa informação me pareceu estranha, impossível, assustadora e instigadora. No ano seguinte, me dispus a experimentar a compo- sição com os cantores dos corais do Centro de Musicalização Infantil (CMI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com os quais tive a oportunidade de trabalhar. Como já conhecia o trabalho do escritor/educador Rubem Alves, utilizei a história “O galo que cantava pra fazer o sol nascer” (ALVES, 1999) como base para o texto. Dessa experiência, surgiu o musical com o mesmo título. Posteriormente, um novo musical criado pelos alunos - “Música e Poesia” (Musical composto sobre poesias de autores brasileiros) - veio para confirmar a possibilidade e a riqueza de compor com o grupo coral. Este capítulo, que tem como objeto de análise o musical “O galo que cantava pra fazer o sol nascer”, visa demonstrar a impor- tância do processo criativo na vida musical da criança/adolescente cantor, entendendo que “a excitação da descoberta e um senso de aventura são essenciais à aprendizagem” (PAYNTER, 1972, p.14 e 96). A composição abre, ao coro, a possibilidade de oportunizar a manifestação da sua vivência musical, expres- sando suas emoções e intensões musicais e estimular sua criatividade. Além disso, é um importante aliado no desenvolvimento do aprendizado quando enriquece o trabalho de educação musical dos cantores através da ex- ploração e conscientização do material sono- ro – melodias, ritmos e timbres. França (1995, p.11) observa que a composição precisa ser considerada como aliada no processo educa- tivo e não somente na formação de “compo- sitores especialistas”. Por fim, a composição origina um repertório próprio e exclusivo, que tem a cara do coro, além de enriquecer o acer- vo da música coral infantojuvenil. Sabemos que o repertório musical para coros infantis e juvenis no Brasil é muito rico e passa por composições e arranjos de fácil, media e difícil execução, sendo utilizado de acordo com o nível de amadurecimento vocal e musical de cada grupo. Mas, na maioria dos casos, é uma música originada do que o adul- to pensa ser uma canção infantojuvenil. No entanto, a canção construída pela criança/adolescente nasce do seu conheci- mento musical acumulado, fala a sua lingua- gem, respeita sua faixa etária e, consequen- temente, estimula sua execução, facilita sua performance e abre oportunidades musicais, instrumentalizando os pequenos autores a novos e ricos voos composicionais. 28 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) Um embasamento científico O repertório, nascido do trabalho com- posicional com o coro, tem uma característica estimulante para sua execução: ele resulta da linguagem musical do cantor e por isso lhe é plenamente reconhecível. A criança cria a partir da sua vivência musical, da sua matura- ção. Quando nos referimos à vivência musical, queremos falar de uma experiência cumula- tiva anterior (seja ela vocal, instrumental ou auditiva), que instrumentaliza a criança com informações que lhe serão úteis tanto para o aprendizado de uma peça pronta ou, no nosso caso, durante seu processo de produção, es- tabelecendo, assim, o nível de elaboração da composição, sem transcender essa vivência. França (1995) considera fator importan- te, no processo composicional, que os elementos focados sejam aqueles da experiência de vida da criança para que ela possa explorar, criar, compor e recom- por, experimentando seu universo interno e descobrindo correlações com o universo externo. A qualidade esperada e o nível de controle do material sonoro não devem ser outros que aqueles apropriados à maturida- de das crianças – idade, vivência musical e coordenação motora (FRANÇA, 1995, p. 17). Em seu relato Musical Characteristics of Children, Zimmerman (1971) observa que o desenvolvimento vocal, assim como toda aprendizagem, dependerá da “maturação”, ou seja, da interação dos fatores naturais de de senvolvimento físico. “Sendo assim, a ins trução torna-se desperdiçada antes que um certo nível de maturação seja atingido” (ZIMMERMAN, 1971, p.23). É necessário que a criança apresente condições, físicas e cognitivas, para assimilar o que lhe é proposto. Logo, para a escolha de um repertório destinado a um coral infantojuvenil, fatores como maturação precisam ser observados. Nesse sentido, o trabalho composicio- nal ganha relevância pois ameniza a preocu- pação com a condição física e psicológica do cantor, já que a músicaque ele canta é a que ele mesmo cria, saída da sua vivência musical, da sua maturação e refletindo sua forma de pensar. Uma das experiências vivenciadas nos momentos da composição do musical “O Galo Que Cantava Pra Fazer o Sol Nascer” foi a de uma aluna que utilizou a mesma sequência harmônica em duas músicas por ela criadas: “C – Am – F – G7 – C” e “C – Am – F – D – G7 – C”. Conversando, posteriormente, com sua pro- fessora de teclado sobre o processo criativo, obtive informações de que essa havia sido a sequência abordada nas últimas aulas, sendo, sua composição, o resultado da informação assimilada. Outro fator importante na atividade composicional é a criatividade. Para Gainza (1988, p.22) a infância musical implica em jogo, liberdade, descoberta, participação e outras atitudes positivas que determinarão decisivamente as condutas e o desenvolvi- mento posterior do futuro músico ou aficio- nado musical. No trabalho de composição essas atitudes da infância musical são po- tencializadas e a criatividade é estimulada. A criança/adolescente pensa, improvisa, cria e se expõe, tendo a oportunidade de cantar o que compõe, e, consequentemente, o que lhe é compreensível. É relevante que a criança ex- teriorize seu conhecimento, além de sua emo- ção e individualidade, através da liberdade de expressão, antes que “lhe seja encoberto tudo o que é criativo, com uma camada imper- meável”, como diz o compositor e educador Schafer (1991, p.59). Ainda segundo esse autor, “todo com- positor deveria se preocupar em captar a habilidade criativa do jovem, precisando, para isso, ser rápido pois nosso sistema de educação musical tende, progressivamente, 29 ILCENARA SERAFIM KLEM A CRIAÇÃO MUSICAL JUNTO AO CORO INFANTOJUVENIL a difamar a música criativa fazendo com que esta passe a não existir” (SCHAFER, 1991, p.59). Schafer também observa que a criança, em tenra idade, é capaz de improvisar desinibi- damente, até que chegue à fase escolar, onde lhe é cobrado reproduzir e não mais “inventar” (fato atestado por aqueles que desenvolvem um trabalho em educação musical). Portanto, torna-se necessário que, através de um traba- lho lúcido e significativo, a criança/adolescen- te descubra meios para que essa capacidade criadora não se atrofie, mas encontre espaço para seu desenvolvimento. Acreditamos que todo regente é poten- cialmente um educador e, seu trabalho com o coral, uma atividade de educação musical. En- sinar uma melodia, acertar o ritmo, trabalhar os fraseados, desenvolvem no coro habilida- des musicais, estimulam a percepção auditiva e cria um senso crítico elaborado. Nessa pers- pectiva, Hindemith (1952) escreveu: composição não é um ramo especial do co- nhecimento que deve ser ensinado àqueles talentosos ou suficientemente interessa- dos. Ela é simplesmente a culminação de um sistema saudável e estável de educação, cujo ideal é formar não um instrumentista, cantor ou arranjador especialista, mas um músico com um conhecimento musical uni- versal (HINDEMITH, 1952, p.178). Para França (1995, p.13), a composição e o processo geral de educação musical se in- fluenciam reciprocamente: se por um lado a primeira enriquece a segunda, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento da con- cepção musical, por outro lado, a ‘competên- cia’ para compor cresce a partir de uma base musical ampla e não de instruções técnicas específicas. E conclui dizendo que o processo educacional que inclua a composição, geran- do essa reciprocidade dinâmica, é desejável porque estabelece sólidas bases para futuras e mais complexas jornadas em música. Por fim, entendemos que a composição traz para o coro um repertório que o reflete. Essa música criada pelos cantores tem a ‘sua cara’, seu jeito, seu estilo, sua linguagem, seu gosto musical, sua forma de ver e pensar as coisas. Isso torna o repertório singular e enri- quece a música coral infantojuvenil. A experiência de criação Diante da ideia apresentada, penso ser possível que o leitor/regente se sinta inquieto, ou, pelo menos, curioso em saber como tra- balhar a composição com um grupo coral. Na verdade, em vista do escasso mate- rial sobre o assunto, propusemo-nos a apre- sentar um processo geral de criação, abor- dado por alguns educadores, fazendo uma conexão com o que realizamos junto ao Coral do Centro de Musicalização Infantil (CMI), du- rante o processo de composição do musical. Os alunos do CMI, com os quais realizei o projeto da montagem do musical no ano de 1996, possuíam a faixa etária de 9 a 12 anos e tinham, respectivamente, dois, três e quatro anos de vivência musical. Já haviam recebido um certo acúmulo de informações musicais através do canto coral, no estudo de seus ins- trumentos, na prática de orquestra e nas aulas de musicalização. Em se tratando de um grupo coral, o repertório utilizado está, essencialmente, associado a um texto. Portanto, quando de- cidimos experimentar a composição, enten- díamos que seria um trabalho de criação de canções para serem cantadas e não tocadas, necessitando de uma letra. Em vista disso, no primeiro ensaio do ano1, contei a história “O galo que cantava pra fazer o sol nascer”, do escritor Rubem Alves (1999) e conversamos sobre quais partes eles 1 A composição do musical aconteceu no segundo semestre de 1996, no período de agosto a novembro. Mas a ideia da composi- ção do musical foi apresentada aos alunos na primeira aula do ano, em fevereiro de 1996. 30 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) consideravam as mais importantes e quais eles mais gostaram. Dividi o coral em pequenas equipes e pedi que eles reescrevessem, com palavras próprias, a que eles escolhessem. Terminado o prazo estabelecido, pedi que cada grupo lesse para os demais a sua adaptação e depois comentássemos sobre os resultados. Como algumas partes escolhidas eram comuns a vários grupos, cada cantor votava na adaptação que julgasse melhor e, assim, eram escolhidas as partes do musical. Para Paynter (1972, p.33 e 34) eventos de toda espécie podem se tornar “pontos ge- radores” de uma oficina de música – no nosso caso com o coral: movimento, dança, teatro, coisas vistas e ouvidas, poesia, poema, estó- ria, a palavra ou mesmo obras de outros músi- cos e artistas. A composição, como diz França (1995). pode ter diferentes pontos de partida, sejam eles musicais ou extramusicais, concretos ou abstratos. Estímulos extramusicais devem ser escolhidos pelo potencial expressivo que carregam e podem ser literários (estórias, poemas, grupo de palavras), visuais (pinturas, gravuras, cores formas), fenômenos da natureza (tempestade, pôr- do-sol, as estações do ano) movimentos, eventos ou situações (FRANÇA, 1995, p. 15). As etapas de criação seguiram o enre- do da história que, no primeiro momento foi dividida em 5 partes. Posteriormente, essas partes foram fragmentadas em 12 cenas que abrangiam trechos menores e facilitaram a criação. Como consequência, originou um nú- mero maior de músicas, diálogos e narrações, enriquecendo o musical. Em todas essas fases, os textos eram entregues entre os grupos me- nores e depois as composições e/ou adapta- ções, eram trazidos para a avaliação e votação do coral. Essas composições trazidas para apre- sentação no coro, eram resultantes de um rico processo de experimentação e improvisação nos grupos. Os alunos estavam, pela primeira vez, expressando-se através da composição. França, citando Paynter, afirma que tão logo as pessoas são capazes de produzir sons e de controla-los, elas podem se engajar com a linguagem musical através da improvisação e composição. “Para tanto, é crucial que as crianças tenham um ambiente estimulante onde possam experimentar com confiança e liberdade sons de instrumentos e objetos bem como suas próprias vozes” (FRANÇA, 1995, p.14). Nesse período de improvisação boa parte das frases melódicas ou estilosrítmi- cos escolhidos, no primeiro momento, eram descartados pelos próprios cantores. Santos (1984, p.141) descrevendo a técnica proposta por Paynter, na abordagem da música criati- va, explica a “composição empírica” (PAYNTER; ASTON, 1970, p.12) que é “caracterizada pelo fazer direto no material” – que no nosso caso é a voz – “onde se vai experimentando e im- provisando até a consecução da forma final. Esta resulta da constante avaliação de possi- bilidades expressivas com o material, seleção e rejeição de elementos, em função de uma intensão, de uma ideia musical própria, de sentimentos que se deseja expressar”. Paynter (1970) se refere às aulas de mú- sica como “oficinas de trabalho”, realizadas sob forma de “projetos” que podem durar vá- rias aulas. Para ele, esses projetos devem ter as seguintes seções: • Introdução: envolvimento do aluno numa situação estimuladora e onde são dados embasamentos para o trabalho de criação e planejada a ação global. • Trabalho criativo: desenvolvimento do processo de criação em pequenos grupos ou individualmente. • Apresentação dos trabalhos criados: execução, apreciação pelos outros grupos, comentários. 31 ILCENARA SERAFIM KLEM A CRIAÇÃO MUSICAL JUNTO AO CORO INFANTOJUVENIL • Audição de trabalhos criados por compositores envolvendo materiais e situações semelhantes com a linguagem. Observamos que as seções propostas por Paynter (1970) ocorreram durante o tra- balho composicional do coral: • Introdução: quando lemos a história para os alunos e propusemos a criação do musical. • Trabalho criativo: quando separamos o coral em pequenas equipes de trabalho para a composição das músicas e das cenas faladas. • Apresentação dos trabalhos criados: quando trouxemos os trabalhos para avaliação e escolha das partes. • Audição de trabalhos: quando montamos, no primeiro semestre, um repertório formado por canções dos compositores Alexandre Zilahi e Thelma Chan que desenvolvem um trabalho de composição com seus alunos. Como se tratava de uma história, os can- tores não só compuseram as músicas como também escreveram os textos falados e os diálogos, ora copiando literalmente da histó- ria original, ora adaptando para um contexto teatral. O musical foi composto e interpretado pelos cantores. Outra parte do processo criativo diz res- peito à dramatização da história. As equipes receberam a mesma parte do conto para es- colherem os “atores” para cada personagem dentro do grupo, ensaiar as falas e apresen- tar para o restante do coral. Depois de cada apresentação os alunos votavam naque- les que achavam ter interpretado melhor o personagem. O regente/educador A papel do regente/educador é o de con- duzir e orientar o processo. Santos (1984), re- ferindo-se ao compositor e educador Carl Orff, diz que o professor deve conduzir a reflexão sobre o fazer, atentando para a qualidade da elaboração coletiva e tornando o aluno cons- ciente de suas realizações musicais. Paynter (1983) também acredita que o professor deve favorecer o contato do aluno com material di- versificado e de boa qualidade, conscientizá- lo a respeito do que ele realizou com sons, orientá-lo na sua autoavaliação e enriquecer a experiência, no momento oportuno, com habilidades específicas ou aspectos técnicos que ajudarão a ideia a crescer. Especificamente, trabalhei, junto aos cantores, harmonizando as melodias compos- tas, administrando os comentários e críticas, sugerindo melodias, transcrevendo para par- titura as canções escolhidas. Fato significativo ocorreu no início do processo composicional: os alunos optaram por fazer somente adap- tações de texto para melodias conhecidas como “Atirei o pau no gato”, ou então faziam “Raps”. Compor, tanto para mim como para os cantores, era caminhar sobre um terreno des- conhecido e incerto e resultou em ansiedade quanto ao resultado. Nesse momento, minha intervenção foi no sentido de estimulá-los a criar melodias novas. Não existem erros, ape- nas o fazer que resulta do exercício criativo, da experimentação, da exploração melódica. Mas, à medida que conduz o tempo de criação dos alunos, o próprio professor expe- rimenta seu fazer criativo e descobre possibi- lidades antes impensáveis. Gainza (1988), em relação à educação musical moderna, consi- dera que o homem tem buscado se libertar de preconceitos que o impeçam de conquistar sua liberdade individual. Paralelamente, a arte musical se empenha na exploração da matéria sonora com 32 CANTO CORAL INFANTOJUVENIL: REFLEXÕES E AÇÕES DÉBORA ANDRADE, ANA LÚCIA GABORIM-MOREIRA (ORG.) diversos graus de falta de preconceito e produz novos ‘objetos’ artísticos e musicais, novas técnicas e, sobretudo, novas atitudes estéticas e filosóficas diante do fato criativo (GAINZA, 1988, p.104). Diante disto, podemos observar que o processo de “libertação” começa com o re- gente. Na maioria dos casos, este foi educado com rigor dentro dos parâmetros clássicos e pouca chance lhe foi dada para a expressão fora de tais padrões. Não é difícil reconhecer a falta de tranquilidade na tentativa de ir além do tradicionalmente conhecido. Mas, como diz Gainza (1988), é necessário jogar-se, arris- car-se e buscar “caminhos para a expressão” e satisfação mútua, do cantor e do regente. Es- ses novos caminhos, no entanto, não poderão se tornar clássicos no sentido de perpetuados como sendo únicos, mas sempre prontos a se- rem adaptados, renovados, reestruturados e reiniciados. O trabalho musical com coral possui, de certa forma, uma resposta rápida em relação a outros instrumentos, já que a voz é parte ine- rente ao ser humano. Além disso o trabalho em grupo estabelece um objetivo comum e cada pessoa é um instrumento útil para al- cançar esse objetivo. Madalena Freire (1993) observa que o grupo tem o poder de fazer com que pessoas “deixem de ser um amon- toado de indivíduos para cada um assumir-se enquanto participante, com um objetivo mú- tuo” (FREIRE, 1993, p.59). O regente tem à mão uma gama infinita de possibilidades para o fa- zer musical, incluindo a composição. Mas, para que a criança seja alcançada pela liberdade criativa, o regente deve se dei- xar alcançar por ela. É nessa visão que a crian- ça deverá ser trabalhada, não com a intenção de formá-la dentro de parâmetros preesta- belecidos, mas na busca de uma experiência musical livre e sem preconceitos. Já não bastarão ao educador musical os exemplos que paternalmente lhe ofere- ciam, prontos para o consumo, os grandes metodologistas; agora quer ser protagonis- ta e não mero transmissor da experiência musical... ‘Jogar’ com a música é também ‘jogar-se’, o que dá como resultado uma gama infinita, e em constante mutação, de caminhos para a expressão e para a criação (GAINZA, 1988, p.104). Conclusão Terminamos o musical “O Galo que can- tava pra fazer o sol nascer” no final de 1996 e, no ano seguinte, propus novamente aos alu- nos a composição de um novo musical envol- vendo poesias. Com o resultado do ano ante- rior, os alunos estavam animados e aceitaram prontamente. Trouxeram, então, poesias de diversos autores e, em conjunto, escolhemos as que fariam parte. No final de 1997, apresen- tamos o espetáculo “Música e Poesia”. Nesse mesmo ano, assumi, junto ao CMI, o coral do nível I (crianças de 7 anos) que, di- ferente do outro grupo, estava começando seus estudos em música. Mas, como já foi dito anteriormente, a vivência musical necessária para dar início ao processo criativo é a expe- riência cumulativa que a criança traz consigo seja ouvindo músicas em casa, escola ou ou- tro ambiente que frequente, seja cantando ‘hits’ da música pop ou mesmo tocando al- gum instrumento. Essas informações são ins- trumentos úteis durante seu processo de pro- dução. Este coro compôs um ‘Rap’ com grupo de palavras sobre esportes que passou a fazer parte do repertório do coro. Apesar do CMI ser uma escola de músi- ca, os educadores que citamos anteriormente,
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