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Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa

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Fundamentos 
Metodológicos
do Ensino de 
Língua Portuguesa
LÉO MACKELLENE GONÇALVES DE CASTRO
Sumário
1
2
Palavra do Professor-autor ...................................................................................
Biografia do autor ..................................................................................................
Ambientação ...........................................................................................................
Trocando ideias com os autores ...........................................................................
Problematizando ....................................................................................................
Ampliando a noção de Língua
Introdução ...........................................................................................................................................
O Surgimento das Línguas .............................................................................................................
Breve História da Língua Portuguesa I: Aspectos Históricos ............................................
Breve História da Língua Portuguesa II: Formação ..............................................................
Língua Portuguesa e Colonização ..............................................................................................
O Português Brasileiro ....................................................................................................................
Nível Fonológico ........................................................................................................................
Nível Morfológico ......................................................................................................................
Nível Sintático .............................................................................................................................
Preconceito Linguístico ..................................................................................................................
Língua e Poder ....................................................................................................................................
 
Ampliando a noção de Ensino de Língua
Introdução ............................................................................................................................................
O Ensino de Língua Portuguesa como instrumento de Exclusão Social ......................
A Lei do Diretório ...............................................................................................................................
A Atual Prática Docente de Língua Portuguesa ....................................................................
Leitura Obrigatória ................................................................................................
Bibliografia .............................................................................................................
Bibliografia Web ....................................................................................................
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1
AMPLIANDO A NOÇÃO 
DE LÍNGUA
CONHECIMENTOS
Entender que nosso idioma não se restringe a uma soma de regras gramaticais, 
acertos e erros, e que ele se concretiza como fator de identidade cultural, com uma 
história própria ligada tanto a elementos internos quanto a elementos externos. 
Entender a língua como instrumento de manutenção/revolução de um status quo; 
lugar onde se manifestam as relações de poder.
HABILIDADES
Analisar o fenômeno linguístico além da questão meramente gramatical – 
compreensão equivocada inculcada nos falantes da língua durante toda a 
Educação Básica –, compreendendo-o como instrumento de dominação social e 
fator de identidade cultural. 
Reconhecer a língua portuguesa e a sua importância como instrumento de 
construção de concepções sobre si e sobre a realidade em nossa volta.
ATITUDES
Posicionar-se criticamente com relação aos preconceitos linguísticos cometidos 
cotidianamente pelo desconhecimento da realidade do fenômeno linguístico no 
Brasil.
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Introdução
Apesar dos esforços dos sociolinguistas, desde a década de 60, e do poder pú-
blico (através dos PCN’s, da LDB e de cursos de formação de professores), o ensino de 
língua portuguesa ainda não conseguiu superar o conteúdo tradicional baseado na 
gramática de Said Ali, de 1920, que insiste em apresentar conteúdos como a classifi-
cação das sílabas das palavras quanto à acentuação (em proparoxítonas, paroxítonas 
e oxítonas) e a classificação dos encontros vocálicos (em ditongo, tritongo e hiato), 
por exemplo, como se fossem da mais alta importância para o desenvolvimento das 
habilidades de linguagem. 
Alguns professores chegam ainda ao extremo de trabalhar o detalhamento da 
estrutura das palavras (Morfemas, Afixos, Desinências, Vogais Temáticas, Vogais e 
Consoantes de Ligação). Outros chegam ainda a classificações fonéticas do tipo oclu-
siva, fricativa, bilabial, labiodental etc. Como se esses conteúdos fossem responsáveis 
pelo bom desempenho na hora de se escrever ou falar algo.
Trabalharemos sob a perspectiva de que esses conteúdos, não são úteis para o 
desenvolvimento das habilidades de linguagem, pois têm levado a resultados extre-
mamente opostos aos esperados: ao invés de aproximarem o estudante do estudo 
do idioma, afastam-no quase que definitivamente do estudo da sua própria língua 
materna, da leitura, da literatura, e, mais ainda, da interpretação e da compreensão de 
si, do outro e do mundo em que ele vive.
Nos cursos de Graduação em Letras e de Especialização em Ensino de Língua 
Portuguesa, cursos de formação de professores etc., há sempre professores que apon-
tam vários problemas do ensino de língua portuguesa. E a pergunta que sempre fica 
é: como deve ser então o Ensino de Língua Portuguesa? Bem, não há receitas para 
isso. Existem algumas experiências que podem ser utilizadas como parâmetros tanto 
para dizer “é assim” quanto para dizer “não é assim”. E é a partir da análise de algumas 
dessas experiências que trabalharemos aqui.
Chegamos à conclusão de que o mais importante deste problema não é a me-
todologia de ensino. Haveríamos de estar loucos se reformulássemos os métodos de 
aprendizagem humana construindo um novo paradigma teórico para o ensino e apren-
dizagem sem levar em conta o conteúdo pedagógico. Como reformular os métodos 
pedagógicos do Ensino de Língua Portuguesa apenas apresentando um novo paradig-
ma teórico sem reformular o próprio pensamento sobre a língua? Entendemos que é 
algo anterior a isso, e que está ligado à nossa própria compreensão do que é o fenôme-
no “língua” e de como ela deve ser ensinada. Antes de querer rever nossa metodologia 
de ensino, portanto, é preciso rever a nossa própria concepção de língua na unidade 
de estudo I e revistar nossa concepção de ensino de língua na unidade de estudo II. 
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O surgimento das Línguas
Por milhões de anos a humanidade viveu como animais.
Então, alguma coisa aconteceu
que desencadeou nosso poder de imaginação:
Nós começamos a falar.
“Keep Talking”, Pink Floyd
The Devision Bell
Está tudo relatado em A vida secreta das plantas de Peter Tompikins e Cris-
topher Bird (1989). Segundo esses dois cientistas, há uma espécie de aura que os 
antigos físicos chamavam de “fogo sutil” e que os atuais físicos chamam de “magne-
tismo”, que liga entre si todos os seres vivos sobre a terra. Essa ligação, se dá em um 
nível muito menos perceptível que as visíveis catástrofes naturais acontecidas nos 
últimos anos, consequência inevitável das inúmeras agressões à natureza. Segundo 
a teoria de Peter Tompikins e de Cristopher Bird, toda prática que incidisse sobre um 
determinado ser seria sentida por todos os outros seres que estivessem em torno 
deste ser que sofre mais diretamentea intervenção. 
Para comprovar tal hipótese, vamos observar uma experiência realizada com 
plantas e animais.
Só para citar uma dessas experiências, os cientistas puseram numa sala isolada 
um barril de camarões vivos e, ao lado desse barril, um aquário de água fervente. 
Ao redor dessa sala, em três salas longitudinais, cada qual separada das outras por 
espessas paredes de alvenaria, três árvores de pequeno porte. Em cada uma delas, 
eles acoplaram eletrodos semelhantes aos que, em seres humanos, são capazes 
de detectar a atividade psíquica, ligados, por sua vez, a registros. Num determina-
do momento, o barril de camarões vivos é despejado dentro do aquário de água 
fervente. Segundo eles, no momento em que os camarões começaram a morrer, 
todas as árvores reagiram a essa agressão como se fosse uma agressão contra elas 
mesmas. O mais impressionante de tudo é que, ao serem comparadas a intensidade 
da reação, o tempo de duração, o instante em que a reação começa e o instante 
em que ela cessa, foi constatado que havia uma simetria perfeita, ou seja, todas as 
marcas batiam entre si, todas, como se fizessem parte de um único organismo vivo.
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Concluímos após a leitura dos relatos que existe uma relação íntima e secreta 
entre as coisas do mundo. Como se todos os seres do mundo estivessem ligados 
de certa forma entre si, compartilhando as mesmas experiências, as mesmas sen-
sações, a mesma seiva, a mesma energia. É o que Goethe chamou em Fausto de 
“o vínculo profundo que une partes sem conta, e faz do todo um mundo; (...) força 
motriz de tanto movimento”. A relação intrínseca, íntima e secreta que há entre 
todas as coisas do mundo, entre todas as coisas da vida, aquilo a que chamaram já 
de “alma total, homem total, todo universal, analogia universal. Um mundo unís-
sono a que nós, um organismo imenso do qual cada um de nós é um pequeno 
átomo, a pequena célula, do qual, homens e mulheres modernos, estão aparta-
dos. De tal movimento harmonioso, seja espontâneo, instintivo, intuitivo, estamos 
separados. Culpa do fruto. O paraíso bíblico, o Éden, jardim que nos bastaria, é a 
representação mítica dessa harmonia perdida à qual o homem tentou se religar 
por meio da religião (do latim religare, religar-se).
Ernst Cassirer, em seu livro Ensaio Sobre o Homem, diz que:
O homem primitivo sente-se rodeado por todo tipo de perigos visíveis e 
invisíveis. Não pode ter esperanças de superar esses perigos por meios 
meramente físicos. Para ele, o mundo não é uma coisa morta ou muda; 
ele pode ouvir e entender. (CASSIRER, 2001, p. 183)
Segundo essa reflexão, o homem, estando apartado dessa natureza (por um 
motivo que talvez a ciência esteja ainda longe de desvendar e de que dão conta 
explicações míticas como a de Adão e Eva), se viu diante de um mundo comple-
tamente novo para ele, submetido a toda sorte de eventos naturais (ventanias, 
furacões, raios, relâmpagos, chuva etc.) que ele não entendia. Imagine como agiria 
uma criança diante de um mundo como esse sem explicação alguma sobre o que é 
essa água que cai lá de cima, sobre o que é esse vento que rebola para lá e para cá 
estas coisas verdes presas no chão por troncos de madeira, sobre o que é aquela 
luz brilhante cujo calor aquece a Terra e, às vezes, quando o calor é intenso, acaba 
por incendiar tudo! Ao invés do pecado original, teríamos aqui o medo original do 
mundo desconhecido da realidade. 
Qual a primeira pergunta que qualquer pessoa faz quando encontra algo que 
desconhece, pode ser bicho ou objeto? Por acaso não é um “o que é isso?” cheio 
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de espanto? E o que quem pergunta “o que é isso?” está querendo saber? Um 
nome. Ela quer um nome. 
O nome foi o primeiro passo rumo ao conhecimento das coisas e, posterior-
mente, ao domínio de todas as coisas. A existência ilimitada de todas as coisas, 
fonte de nosso medo original, precisava ser contida, aprisionada, e o foi através 
da palavra. Pela palavra, o mundo se tornou palpável, mensurável, real. Por isso, o 
evangelho de João começa com “no princípio era o verbo e o verbo estava junto 
de Deus e o verbo era Deus”. A palavra foi, a partir de então, considerada sagrada.
A palavra sempre teve, em todas as culturas, um valor muito forte. O homem 
é em si um ser simbólico. Segundo o Cristianismo, a criação do mundo e da pró-
pria existência de tudo vem do anúncio de Deus, “E faça-se a luz!”, e o universo 
começa.
O fruto que esse primeiro homem e essa primeira mulher teriam comido, se-
gundo a explicação mitológica, era da árvore do conhecimento do bem e do mal. 
Discernir por si o bem e o mal é separar em categorias grupos de ações e fenôme-
nos, é assumir, acima de tudo, a responsabilidade pela nossa liberdade de escolha. 
Quando o homem, no entanto, toma consciência de si e do mundo que o rodeia, 
quando ele admite para si o poder de recriar um novo mundo, é que ele se altera, 
deixa de ser simples objeto que figura como parte do ambiente para ser, agora, 
senhor desse ambiente. É ele que vem lançar luz sobre o mundo desconhecido, 
categorizando e rotulando cada coisa que encontra, cada realidade, cada objeto, 
cada ser. A decifração do mundo partia, assim, da codificação do mundo.
 Michel Foucault, em As Palavras e as Coisas, diz que as línguas originais 
eram muito próximas da própria realidade que representavam. Assim, as palavras 
que designavam as coisas tinham a possibilidade de descrever muitos aspectos 
desta mesma coisa. Ele cita o exemplo do hebreu (que ele considera como uma 
língua original) Chasida, que significa “cegonha” e que, segundo ele, também quer 
dizer “bondosa, caridosa, dotada de piedade”.
Isso nos traz à pergunta clássica jamais respondida com certeza 
absoluta: como surgiu e como foi sendo elaborada a língua? 
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Carlos Emílio Barreto Corrêa Lima, escritor cearense natural de Granja, em 
seu romance A cachoeira das Eras, de 1979, diz que: 
A linguagem fora sendo elaborada durante séculos e séculos com a ajuda 
do murmurejar dos rios, do estalar dos galhos, do farfalhar das folhagens, 
com o estrépito dos peixes pela água, com o ruflar das asas e o canto dos 
pássaros e os ecos animais do fundo das noites mais antigas e dos cipós 
e do gosto da polpa dos frutos sumarentos ou azedos e da sensação dos 
corpos nas viagens pela mata (LIMA, 1979, p. 171).
Essa é a conhecida tese onomatopeica, segundo a qual “toda a linguagem tem 
origem na imitação de sons” (CASSIRER, 2001, p. 187). Alguns teóricos associam a 
isso o fato de que o nome de Deus entre os índios tupinambás no Brasil Pré-colonial 
ser Tupána (que depois variou para Tupã), que em tupi era o nome genérico para 
ruídos da natureza como o trovão. O que acontece é que essa tese nunca pôde ser 
comprovada.
Em contraposição a ela surgiu uma outra conhecida pelo nome de tese inter-
jecional, segundo a qual os sons da fala são exclamações “de medo, raiva, dor ou 
alegria” (Cassirer, 2001, p. 190), ou seja, são manifestações de certos sentimentos e 
pensamentos humanos.
Seja qual for das duas teses a verdadeira, o fato é que foi essa capacidade de 
nomear, associada ao fato de que nenhum outro animal (O que não quer dizer que 
não possuam sistemas próprios de representação, tais como as abelhas, as formigas, 
os golfinhos, as baleias etc. Que se comunicam entre si usando sistemas diferentes 
do sistema linguístico humano), dispõe destes meios de representação da realida-
de, que forneceu ao homem base para se reconhecer como o animal escolhido por 
Deus para dominar o mundo.
O princípio que rege o mundo é a comunicação. Essa comunicação, em verda-
de, é um princípio de comunhão. A palavra permeia todas as nossas ações. Ela é a 
única entidade que está em toda parte, todo o tempo. É ela que mantém as pessoas 
em relação. O verbo é o elo entre os indivíduos. A ponte. A palavra é uma chave para 
o outro.Ela está fora, porque possibilita essa comunhão, mas também está dentro 
de nós. Os psicolinguístas dizem que a memória consciente do indivíduo começa 
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a ser registrada no momento em que ele aprende a primeira palavra. Ela funciona, 
como uma marca, a materialização de uma memória. Isso quer dizer que a palavra, 
além de estar fora de nós, está dentro de nós. Assim, o verbo, a palavra, assim como 
Deus, é onipresente.
Quando lemos e ouvimos, não apenas deciframos um código como se nós 
tivéssemos nos olhos e nos ouvidos (e os cegos nas mãos — no braile, essa língua 
carinhosa em que o leitor acaricia com os próprios dedos a palavra), quando lemos, 
agimos como se fôssemos portas secretas, como se nos olhos nós tivéssemos fe-
chaduras para as quais as palavras são chaves. É a palavra quem abre essa porta de 
nós mesmos, a porta para a nossa própria imensidão. Abre-te, Césamo! Ordena a 
palavra silenciosamente. E ei-nos abertos. 
Ler é, assim, permitir que a palavra nos atravesse, como se fôssemos nebu-
losos fantasmas luminosos e a palavra, um ente concreto que nos atravessa como 
uma flecha, um pássaro que significa, inundando assim, com sua cor peculiar, todo 
o nosso pensar, todo o nosso agir. Por dentro de nós, a palavra passeia livre nos fa-
zendo criar imagens novas a partir de nós, do que temos de mais antigo, de nossas 
lembranças, criar imagens a partir do que vivemos. A palavra adentra em nós como 
um espírito que invade as florestas. É ela, a palavra, a semente para as árvores de 
significado que brotarão distintas de pessoa para pessoa e que conservará sempre 
um tronco comum que possibilitará a nossa comunhão: a língua.
A mesma língua que serve, por um lado, para libertar o homem de seu medo 
original, serve também para oprimir outros homens. Zilá Bernd (1988), em seu livro 
O que é negritude, diz que existem duas palavras para o francês se referir ao homem 
negro: a palavra noir, mais polida, e a palavra nègre, ofensiva, com a qual os france-
ses costumeiramente agrediam os africanos que viviam na França. A estudiosa diz 
que o termo ofensivo gerava o que o poeta antilhano Aimé Cesaire chamava de “a 
vergonha de si mesmo”. Como forma de superar essa condição, poetas, escritores e 
intelectuais negros de língua francesa, ressignificaram o termo cheio de conotações 
pejorativas e fundaram, em 1934, o movimento literário conhecido como Negritude. 
A ideia era recuperar ao negro a sua dignidade, a sua identidade, a memória 
que os séculos de colonização francesa dos países africanos teimaram em fazer es-
quecer; e faziam isso burlando, driblando o poder de palavras ofensivas impressas 
sobre os africanos e seus descendentes, re-significando essas palavras. Logo, aquilo 
que servia para ofender tornava-se motivo de orgulho. A arma utilizada para lhes 
atacar agora seria usada para defendê-los. 
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O poeta da negritude fora designado a fazer justiça com as próprias mãos. 
“Sentindo-se como o guia, o condutor de seu grupo, o poeta busca recuperar a 
rebeldia e os ideais de liberdade que outrora guiaram seus antepassados” (BERND, 
1988, p. 50). E tanto foi assim que, a partir da década de 60, os poetas começaram 
a colher os frutos dessa semeadura: os países africanos dominados há séculos pela 
Europa tornavam-se independentes. O principal poeta e líder da Negritude foi Leo-
pold Sédar Senghor, que se tornou, em 1960, o primeiro presidente da República do 
Senegal, seu país de origem.
Esse é um exemplo forte de que a palavra ela não somente descreve realidades 
(tese onomatopeica) ou manifesta sentimentos ou pensamentos (tese interjecional), 
mas é representativa de relações sócio-históricas em que conflituam jogos de poder 
entre as pessoas. Podendo ressignificar essas estruturas sociais, podendo superar 
condições históricas, a palavra, assim como o verbo e assim como Deus, é onipo-
tente.
Em culturas diferentes há diferentes nomes para determinado objeto (concre-
to ou abstrato, animado ou inanimado). Cada nome desses se refere, no entanto, 
a uma determinada característica daquele objeto. Ernst Cassirer diz que os termos 
grego e latino para a palavra lua, embora se refiram ao mesmo objeto, não expres-
sam a mesma ideia. O termo grego denota a função da lua de “medir” o tempo; o 
termo latino denota a luminosidade ou brilho da lua. Diz o autor que desse modo 
“isolamos e concentramos a atenção em dois aspectos bem diferentes do mesmo 
objeto (...). A função do nome limita-se sempre a enfatizar um aspecto particular 
de uma coisa” (CASSIRER, 2001, p. 221). Cada palavra é uma categorização, uma 
classificação da realidade. “Cada classificação é dirigida e ditada por necessidades 
especiais, e é claro, que essas necessidades variam de acordo com as condições di-
ferentes da vida social e cultural do homem” (CASSIRER, 2001, p. 223). Cassirer cita 
o caso da língua Bakairi falada por uma tribo indígena do Brasil central. Segundo 
ele, nessa língua,
Cada espécie de papagaio e de palmeira tem seu nome individual, mas não 
existe nome algum para expressar o gênero “papagaio” ou “palmeira”. Os 
bakairi apegam-se de tal modo às numerosas noções particulares que não 
se interessam pelas características comuns. (CASSIRER, 2001, p. 223)
A revista Piauí de janeiro de 2007 publicou a matéria “O verbo na alma da selva” 
de Branca Vianna, em que ela retrata o trabalho que a Sociedade Internacional de Lin-
guística (SIL) tem feito no Brasil no sentido de registrar e preservar as línguas indígenas 
desde a década de 60. Dentre as línguas catalogadas, o pirahã é falado por uma tribo 
da Amazônia. Segundo ela, nessa língua, não existem palavras para cores e números, 
e não há nenhum sistema de contagem. As referências a quantidades (como cada, 
todos, muito e pouco) também são escassas nessa língua. O sistema pronominal é o 
mais simples registrado entre as línguas conhecidas no mundo e existem apenas oito 
consoantes e três vogais. Não há orações subordinadas. Em pirahã, diz ela:
O falante só pode se referir a pessoas ou objetos presentes fisicamente 
diante dele ou a eventos que tenha presenciado. (...) Apesar dos mais de 
duzentos anos de contato com comerciantes brasileiros, nenhum pirahã 
jamais aprendeu português. (VIANNA, 2007)
A extrema peculiaridade do pirahã com relação a línguas como o português 
é ilustrativo das diferenças culturais que as diferenças linguísticas representam. Os 
Pirahã possuem um elaborado sistema de nominação articulado à sua forma de 
entender o mundo, ou seja, sua cosmologia. Como povo seminômade que é, os 
pirahãs apresentam uma incrível preocupação com o presente, o aqui e o agora, o 
que demonstra sua capacidade de ligar-se intensamente aos que vivem. Seu tempo 
é marcado por duas grandes estações: seca e chuva. Sendo assim, não há referências 
à história. E como não há estratificação social em classes sociais bem demarcadas, 
sua língua expressa tal condição, daí a ausência de subordinação nos períodos.
Saiba mais: 
Pirahã: Tribo seminômade que habita o vale do rio Maici, na fronteira 
entre os Estados do Amazonas e Rondônia, no norte do Brasil.
Em 1920, o linguista americano Benjamin Lee Worth divulgou uma teoria que 
defendia que a nossa compreensão do mundo passa necessariamente pelas cate-
gorias da língua que falamos. Bem, isso não é de todo visível. Basta pensar que o 
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Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 31
modo de vida automatizado em que vivemos hoje exige uma língua igualmente 
automatizada, já que é ela quem media as relações sociais. Lembremos, portanto, 
do sistema pronominal e verbal do inglês, língua do país carro-chefe desse modo de 
vida cujo título é justamente American Way of Life (modo de vida americano). Se le-
varmos ainda em consideração que a palavra de ordem hoje é a multifuncionalidade 
e maleabilidade suficientespara lidar com situações inusitadas, podemos ainda dar 
crédito à teoria de Lee Worth, pois que as palavras são representações da realidade, 
o que significa que a cada nova realidade uma nova palavra surge (ou ressurge) ou é 
tomada de empréstimo de uma outra língua para representá-la. Sendo o inglês uma 
língua lexical (é uma das línguas com maior número de palavras no mundo) e onde 
se geram novos termos praticamente a cada semana, não é de se espantar que a 
língua inglesa seja a que melhor representa os tempos em que vivemos.
Mas isso não é privilégio do inglês. Basta que observemos o novo paradigma 
pronominal e verbal do português falado no Brasil: as desinências de número, que, 
na gramática normativa, aparecem em número de seis (amo, amas, ama, amamos, 
amais, amam), na fala cotidiana se reduzem a três (amo, ama, amam). As pessoas 
verbais, classicamente seis (eu, tu, ele/a, nós, vós, eles/as), ampliaram-se para oito 
(eu, tu, você, ele/a, nós, a gente, vocês, eles/as). E isso é uma característica justamen-
te da automatização porque passa a língua portuguesa no sentido de acompanhar 
as necessidades linguísticas do tempo.
A língua é uma convenção social, ou seja, depende das pessoas que a falam, e 
sobre a terra não existe um ser humano igual ao outro, é de se esperar que, mesmo 
dentro de um mesmo idioma, grupos sociais diferentes usem palavras diferentes 
para designar objetos, pessoas, situações, sensações, etc. Do mesmo jeito quando 
se trata de indivíduos: cada indivíduo dá a cada palavra determinada carga semân-
tica, dependendo da sua experiência e do seu conhecimento. O poeta francês René 
Daumal escreve: “Escuta bem, contudo, não as minhas palavras, mas o tumulto que 
se eleva em teu corpo quando me escutas” (BACHELARD, 2000 p. 186). Assim é que 
se pode dizer que a palavra não é só objetiva, parte dela também é subjetiva.
Mario A. Perini (2004), em “As Três Almas do Poeta”, ensaio do livro A língua 
do Brasil amanhã e outros mistérios, diz que nas diferenças linguísticas (tanto as 
de idioma para idioma, quanto às de dialeto para dialeto).
Não se trata simplesmente de ‘uma outra maneira de dizer as coisas’ (table 
em vez de mesa, te quiero em vez de eu te amo), mas de outra maneira de 
entender, de conceber, talvez mesmo de sentir o mundo [...]. Cada língua 
é a expressão de uma concepção de mundo [...]. Cada língua é um retrato 
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do mundo, tomado de um ponto de vista diferente, e que revela algo não 
tanto sobre o próprio mundo, mas sobre a mente do ser humano. Cada 
língua ilustra uma das infinitas maneiras que o homem pode encontrar de 
entender a realidade (PERINI, 2004, p. 42-43; p. 52).
Albert Camus, em seu romance A Queda, relembra que o termo em espanhol 
para “saudade” é añoranza, que recupera a relação dessa palavra com a forma arcai-
ca añorar, que, por sua vez, recupera a palavra latina ignorare, de onde deriva. Sen-
do assim, diz Camus, há nesta palavra uma carga semântica que traz tanto a ideia 
de falta quanto a ideia do desconhecimento, do ignorar o que é daquilo/daquele/
daquela de quem se sente añoranza, um sentir falta (com o sentimento focado em 
quem sente saudade) somado a uma preocupação com o outro (com o sentimento 
focado no objeto da saudade).
Seja como for, a relação entre as palavras e a cultura de um povo é tão forte 
que a palavra que melhor expressa a condição do povo que fala a língua portu-
guesa, tanto mais no Brasil, é “saudade”. A saudade do indígena que já não tem 
suas terras e os seus, a saudade do negro que já não está nas suas terras e não 
sabe dos seus, e a saudade do europeu que veio embora de suas terras muitas 
vezes sem os seus.
Breve História da Língua Portuguesa I: Aspectos 
Históricos
O Império Romano pode ser considerado como um primeiro gesto de univer-
salização de uma cultura (e isso inclui língua, costumes, crenças etc.). Era o uso da 
língua latina nos trâmites comerciais e administrativos do Império que reforçava a 
noção de comunidade instaurada no imaginário dos chamados “Cidadãos Roma-
nos”. Além disso, “o latim era não só a língua em que se ensinava, como também a 
única língua ensinada” (Anderson, 2008, p. 46), diz Benedict Anderson, em Comuni-
dades Imaginadas. “Romano” não era simplesmente “aquele que morava dentro dos 
limites do Império”. O título de “Cidadão Romano” denotava grande importância 
política e destaque social, que implicava ao detentor do título uma série de privilé-
gios e regalias onde quer que ele chegasse, inclusive a conotação de “civilizado”, em 
contraposição a “bárbaro” (ainda que a palavra “bárbaro” originalmente designasse 
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 33
apenas “aquele que não falava latim ou grego”). 
Anderson lembra que “todas as comunidades clássicas se consideravam cos-
micamente centrais, através de uma língua sagrada ligada a uma ordem supraterre-
na de poder” (ANDERSON, 2008, p. 40). Associado, portanto, ao catolicismo apostó-
lico romano, o imaginário sobre o poder terreno dos césares ganhava ares divinos. 
A língua latina adquire status de “língua-verdade”. Além disso, à necessidade de 
expansão territorial própria do Império somam-se as pretensões universais teológi-
cas e filosóficas do Cristianismo, e o Império Romano ganha status de “Comunidade 
Sagrada”. Essas duas condições têm fortes ressonâncias na constituição de Portugal 
e na expansão de seu Império, traços fortes nas feições da Identidade Cultural lusi-
tana.
Após a queda do Império Romano (por volta do séc. V d. C.), a pressão dos 
centros administrativos sobre as comunidades locais diminuiu, e a cultura dessas 
comunidades oprimidas até então pelo poder centralizador de Roma pôde então 
se desenvolver amplamente. Isso ocasionou um processo veloz de dialetação do 
latim em toda a extensão do que antes fora o Império. O vernáculo vai, aos poucos, 
fragmentando e pluralizando a “comunidade sagrada” a que Anderson chama de 
“comunidade imaginada da cristandade” (ANDERSON, 2008, p. 78).
O documento mais antigo “escrito em língua portuguesa” é o Auto de Parti-
lhas (1192).
Disponível em http://www.hs-augsburg.de/~harsch/lusitana/Cronologia/seculo12/Partihas/par_
manu.html. Acesso em 10 de outubro de 2011.
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Neste documento, embora ilegível quando digitalizado, vê-se ainda uma lín-
gua muito próxima do latim — desde a forma de escrita até o próprio léxico.
Além de traços do latim, passado recente da língua naquele momento, o texto 
apresenta traços do galego-português (grosso modo, uma língua intermediária en-
tre o espanhol e o português). Eis uma transcrição aproximada do Auto de Partilhas.
1 In Ch(rist)i n(omi)ne, am(en). Hec e(st) notitia de p(ar)tiçon (e) de devison que
2 fazem(os) antre nós dos h(er)dam(en)tus e dus cou[tos e] das onrras e
3 dou<s> padruadig(os) das eygreygas que fórum de nossu padre e de nossa
4 madre, en esta maneira q(ue) Rodrigo Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon na
5 q(u)inta do couto de Vííturio e na q(u)inta do padroadigo dessa eygreyga em
6 todol(os) us h(er)dam(en)tus do couto e de fora do couto. Vu<a>sco
7 Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon na onrra d’Ulueira e no padroadigo dessa
8 eygreyga en todol(os) h(er)dam(en)tos d’Olveira e en nu casal de Carapezus
9 q(ue) chamam da Vluar e en outro casal en Agiar que chamam Q(u)intáá.
10 Meen Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon na onrra de Carapezus e nus
11 outr(os) h(er)dam(en)tus e nas duas p(ar)tes do padroadigo dessa eygreyga e
12 no padroadigo da eygreyga de Creysemil e na onrra e no h(er)dam(en)to
13 d’Arguiffi e no h(er)dam(en)to de Lauoradas e no padroadigo dessa eygreyga.
14 Eluira Sanchiz ficar por sa p(ar)ticon nos h(er)dam(en)tos de Centegaus e
15 nas três q(u)artas do padroadigo dessa eygreyga e no h(er)dam(en)to de
16 Creyximil assi us das Sestas come noutro h(er)dam(en)to. Estas p(ar)ticoens e
17 divisoes fazem(os) antrenós q(ue) uallam por ens(e)c(u)la
18 s(e)c(u)lor(um),am(en). Facta karta m(en)sse M<a>rcii E(r)a M.ª CC.ª XXX.ª.
19 Vaa<s>co Suariz ts., V(er)múú Ordoniz ts., Meen Farripas ts., Gonsaluu
20 U(er)muiz ts., Gil Diaz ts., Dom M(a)rfío [13] ts., M(a)r(ti)m P(eri)z ts., Don
21 St(e)ph(a)m Suariz ts. Ego J(o)h(an)n(e)s M(e)n(en)di p(res)b(ite)r notauit.
Em vermelho, algumas expressões do latim; em verde, do que viria a ser o espanhol.
Observe que há ainda a indefinição da grafia de determinados fonemas como 
[ ] (“o” fechado), [ ] (“o” aberto) e [ ] (“u”). Nas linhas 2, 8 e 11, é possível observá-lo, 
quando herdamento ora é escrito com “o no final”, ora com “u no final”, bem como 
a palavra “dos”, grafada também como “dus”. Isso denota uma língua cuja unifor-
mização ainda não se dera. A uniformização/padronização da língua só vai se dar 
quando do surgimento dos Estados-Nação na Europa, no processo de formação das 
ditas monarquias nacionais, pela necessidade da afirmação das identidades nacio-
nais constituídas pela língua; um fenômeno da Idade Média tardia. Nesse processo 
de uniformização/padronização da língua, a literatura será de grande valia também 
na instituição do vernáculo, língua oficial de uma nação.
 Será a literatura o meio divulgador das línguas nacionais europeias considera-
das até então como erros de Latim (ou “latim vulgar”, variações chulas do latim clás-
sico); isso até fins da Idade Média. Assim, foi com a Divina Commedia (1307-1321) 
na Itália; Les horribles et épouvantables faits et prouesses du très renommé Panta-
gruel Roi des Dipsodes, fils du Grand Géant Gargantua (1532) na França; Don Quijote 
de la Mancha (1605) na Espanha; e Os Lusíadas (1572) em Portugal, que funcionaram 
como primeira tentativa de uniformização das línguas.
Saiba mais: 
Idade Média - Benedict Anderson, em Comunidades Imaginadas 
(2008, p. 77), diz que o Francês fora considerado uma corruptela do la-
tim até 1539, quando se tornou a língua oficial dos tribunais da França.
Embora só em 1572 a língua portuguesa tenha ganhado versão impressa, com 
a obra camoniana, já em 1290 em que foi oficializada pelo rei trovador D. Dinis como 
língua do reino lusitano. Isso se deu por uma razão histórica. Em 711 d.C., os mouros 
(negros islamizados da África do Norte) invadiram a Península Ibérica.
Fonte: http://hid0141.blogspot.com.br/2012/03/dominio-muculmano-da-peninsula-iberica.html
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 35
| Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa36
GUIA DE ESTUDO
Esta seção contou um pouco do processo de formação do estado 
português na Europa, e de como essa formação acabou por influenciar 
diretamente a própria língua portuguesa. Construa um texto de uma lauda 
demonstrando a relação entre os aspectos históricos da formação do Reino 
de Portugal e as repercussões disso na língua portuguesa.
O Império Romano já não mais existia, mas mesmo assim a organização so-
cial, política e econômica instaurada durante sua vigência ainda prevalecia. José 
Hermano Saraiva, em seu livro História Concisa de Portugal, cita o relato do 
presbítero de Braga Paulo Osório, que assistiu ao fenômeno das invasões. Segun-
do ele, as invasões representaram: 
O fim de uma era de injustiça. Era a opinião dos cristãos, que considera-
vam as invasões um castigo de Deus, mas ao mesmo tempo um ensejo 
de libertação e de implantação de uma lei mais justa. [Afinal,] os senho-
res romanos eram mais bárbaros do que os próprios bárbaros (SARAIVA, 
1987, p. 29).
Diz ele ainda que:
Aqueles que lamentam os males presentes (as desgraças causadas pelas 
invasões) estão deslumbrados pelo brilho da civilização romana, mas es-
quecem que tal civilização tinha por alicerce a injustiça e a miséria das 
populações (SARAIVA, 1987, p. 28-29).
Os árabes permaneceram na Península Ibérica até 1492, quase oito séculos, 
tempo suficiente para deixar marcas que não se podem apagar na língua e na cul-
tura portuguesa. Em 1788, a Academia Real das Sciencias organizou um dicionário 
de 160 páginas (com palavras de A a Z) intitulado Vestigios da lingoa arábiga em 
Portugal ou Collecção Etimologica das palavras e nomes portugueses, que tem ori-
gem arábiga. O dicionário ganhou uma versão moderna em 1981, com nota intro-
dutória de Fr. João de Sousa e prefácio de A. Farinha de Carvalho.
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 37
Seja como for, muitos cristãos não se deixaram assimilar e recolheram-se no 
extremo norte da Península, numa região montanhosa conhecida como Montes 
Cantábricos.
Estavam, assim, isolados do restante do mundo românico, já que toda a Pe-
nínsula estava ocupada pelos árabes. Pouco a pouco, os cristãos concentrados ali 
foram se organizando e reconquistando a área que depois comporia a extensão 
territorial de Portugal. Acompanhe os limites conquistados e a data aproximada da 
Reconquista. Entre um e outro, vão-se quase 100 anos.
Fonte: http://pt.slideshare.net/francielereiza/teyssier-histria-da-lngua-portuguesa
Na Península Ibérica, o vernáculo fora oficializado pelo Rei Trovador D. Diniz, 
em 1290, como Língua Portuguesa. A oficialização do idioma lusitano tem papel fun-
damental na Reconquista, também referenciada como Conquista Cristã, movimento 
iniciado no século VIII que visava recuperar as áreas da Península Ibérica tomadas 
pelas invasões mouriscas. Embora tenha recebido substratos árabes (fundantes da 
cultura chamada “moçárabe”), o alcance do idioma lusitano serviu para estabelecer 
os limites políticos da área que futuramente seria Portugal: o português assumiu 
o posto de “língua-verdade” e se sacralizou, no sentido de que qualquer variação 
linguística da Norma Padrão era considerada “erro de português”; a “comunidade 
sagrada da cristandade” fora reforçada e os árabes foram repelidos com veemência, 
bem como os povos que Portugal iria subjugar com as Conquistas Ultramarinas.
GUIA DE ESTUDO
Esta seção contou um pouco do processo de formação do estado 
português na Europa, e de como essa formação acabou por influenciar 
diretamente a própria língua portuguesa. Construa um texto de uma lau-
da demonstrando a relação entre os aspectos históricos da formação do 
Reino de Portugal e as repercussões disso na língua portuguesa.
Breve História da Língua Portuguesa II: Formação
As línguas mudam com o tempo. Se não fosse assim, estaríamos todos ainda 
falando a língua original de Adão. E por que mudou? Porque o objetivo maior das 
línguas, é possibilitar a comunicação entre as pessoas nos mais diversos contextos 
sociais e comunicativos, ou seja, nas mais variadas situações. Assim, se uma reali-
dade social se modifica, a língua também se modifica. Se novas realidades sempre 
despontam, surgem também novas línguas. Já reparou que, no Brasil, por exemplo, 
apesar de falarmos a “mesma” língua, há peculiaridades bem específicas de cada 
lugar/região do país? Isso se deve a quê? À condição que as línguas têm – qualquer 
língua no mundo – de se adaptar.
As línguas variam quanto aos seus inventários fonéticos. Quando um falante 
depara-se em sua língua com um estrangeirismo − o que caracteriza o que chama-
mos de empréstimo linguístico − por uma condição fisiológica, de estrutura do apa-
relho fonador, habituado a produzir fonemas de sua língua materna, ele, o falante, 
tende a adaptar a pronúncia do vocábulo novo ao seu sistema fonêmico. Assim se 
dá o sotaque do falante e a consequente perda do sotaque original da palavra. É 
por isso que reconhecemos quando o falante é estrangeiro ou não, e muitas vezes 
podemos até deduzir de que país ele é, ou ao menos que língua ele fala. Os “érres” 
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 39
puxados de um falante nativo do francês ao tentar pronunciar palavras do portu-
guês ou os “érres” retroflexos das línguas enroladas de quando um americano tenta 
falar português. Essa condição é responsável por um fenômeno que os sociolinguís-
tas chamam de “aportuguesamento”. 
Saiba mais: 
Empréstimo Linguístico: 
O que geralmenteocorre quando é necessário descrever uma realidade 
nova dentro da cultura de determinado povo.
Foi o que aconteceu, por exemplo, à palavra futebol, que chegou ao Brasil 
como empréstimo do inglês football; ou ainda o francês, que deixou marcas pro-
fundas nos costumes nordestinos, como as quadrilhas de S. João, em que se ouvem 
palavras de origem francesa como as já aportuguesadas anarriê, alavantur; deixou 
também o francês uma palavra não encontrada em mais nenhum outro lugar do 
país e que é marca registrada da mais alta manifestação popular do Ceará, a palavra 
fulero, que vem do francês le fou, o bobo da corte, o engraçado, o palhaço, e que 
assume aqui no Ceará também o sentido de sem valor, feio, mal feito, desordeiro.
Tal processo também se deu na passagem do latim para as línguas românicas 
(francês, espanhol, português, italiano e romeno), quando estas entraram em conta-
to com as línguas germânicas (inglês, alemão, holandês), tanto de um lado quanto 
de outro.
Saiba mais: 
O antropólogo Darcy Ribeiro (1995), em seu livro O Povo Brasileiro: a 
formação e o sentido do Brasil, diz que durante muito tempo não se soube 
se o Brasil seria uma colônia francesa ou portuguesa. Ainda no século XVII 
era possível encontrar franceses no país. O livro Iracema, de José de Alencar, 
ambientado em 1611, menciona-os, por exemplo, na Serra de Ibiapaba, no 
Ceará. O termo “Guaraciaba”, por exemplo, que dá nome a uma das cidades 
mais altas da serra, significa “cabelos do sol”. É um termo indígena para falar 
dos europeus que tinham os cabelos louros.
Acordo político assinado em 26 de setembro de 1815 pelos impérios Rus-
so (Alexandre I), Austríaco (Francisco I) e Prussiano (Frederico Guilherme III), 
logo depois da derrota definitiva de Napoleão. Essa aliança objetivou frear 
as ideias liberais francesas e inglesas e fazer manter as monarquias absolu-
tistas na Europa enfrentando a onda revolucionária.
Do latim mater temos o espanhol madre, por dois fenômenos: 1) a sonorização 
da consoante alveolar surda / t / em alveolar sonora / d / de maTer para maDre, 
por influência das vogais circunvizinhas, todas elas sonoras. 2) uma metástase, que 
é quando um fonema muda de lugar; no caso, o “R forte” ou fricativa glotal surda 
/ h /, antes em posição final mateR e depois em posição de segunda consoante no 
par da consoante tautológica (duas consoantes da mesma sílaba) anterior à vogal 
pós-tônica / / madRe, transformando-se num “R fraco” ou tepe (vibrante).
Em português, o latim mater originou mãe, com a queda do “R forte” final e a 
queda da consoante intervocálica V/ t /V, e nasalização das vogais finais, por influ-
ência da nasal bilabial oclusiva / m /.
O “R” final cai porque em português o elemento fonêmico de maior importân-
cia, base da sílaba, é a vogal. Não tendo, portanto, uma vogal na qual pudesse se 
apoiar, o “r” final tende à queda. O que acontece hoje com os infinitivos dos verbos, 
por exemplo: o verbo estar, que no português brasileiro perde o “R” final gerando 
confusão na escrita de indivíduos pouco habituados ao exercício da leitura e da es-
crita quanto ao infinitivo dos verbos e a conjugação dos verbos na terceira pessoa 
do singular no presente do indicativo (estar/está, vê/ver ou ainda dá/dar), dada, 
portanto, por influência fonológica.
Enfim, o latim mater exerceu influência no aparecimento da palavra mother 
no inglês, neogermânico, pronunciado [ ]. A tese mais aceita é a de que 
a palavra latina entrou no vocabulário inglês logo após a sonorização de /t/ em 
/d/. Durante longos séculos, a elite inglesa era toda normanda, de língua neor-
românica (isto é, derivada da língua de Roma, o latim). O termo deve ter entrado 
no inglês como uma palavra estrangeira (ou empréstimo lingüístico), sendo logo 
assimilado pelo sistema fonêmico do inglês, depois pelo sistema ortográfico 
dessa língua, chegando à sua forma atual mother; tal qual a palavra cafetão, que 
entra em português como o francês caften, e, adequando-se ao sistema fonêmi-
co do português, e posteriormente a seu sistema ortográfico, chega ao diciona-
rizado “cafetão”; ou a palavra football, citada anteriormente.
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa40
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 41
Ora, se por um lado o latim influenciou as línguas neogermânicas, do outro, 
o germânico, língua ancestral do inglês, também influenciou as línguas neolatinas. 
O germânico werra é um exemplo disso, pois essa palavra gera, indiretamente, em 
português a palavra guerra e, diretamente, a palavra inglesa (neogermânica) war.
É esse fenômeno (das mútuas influências que uma língua exerce sobre a outra) 
responsável pela variação, dialetação e transformações das línguas, desde a forma-
ção de simples sotaques até a instituição de novas sintaxes, sem esquecer do surgi-
mento de novas palavras originadas não só do contato com outros povos que falam 
outras línguas, mas também de expressões internas da própria língua.
Por exemplo, a expressão vossa mercê, que evolui para vosmicê, depois para 
vancê (registrado por Jorge Amado em Seara Vermelha), segue para a forma atual 
você e que começa a sofrer modificações na fala sendo então pronunciado apenas 
“cê” e, na escrita, como “vc”. Outro exemplo disso é a expressão vamos em boa hora 
que, pouco a pouco, vai se aglutinando até a forma vamos embora, forma aceita 
hoje como oficial, mas que na fala se manifesta já nas concorrentes vambora > rum-
bora > umbora > umbó > bó.
Quando encontramos alguém a pronunciar ingual ao invés de igual ou ingreja 
ao invés de igreja, ou enzempru ao invés de exemplo, tanto como forma de reforçar 
a vogal isolada quanto por analogia ao profuso emprego do prefixo in, como em 
infeliz, insensível, impossível; condição confirmada por Leite de Vasconcelos (1922) 
em seus Textos Arcaicos, em que aparecem as formas inliçom e eleger, formas que 
depois se transformarão em eleição e eleger – achamos estranho! Mas a nasalização 
da vogal inicial / i / é outro exemplo das pressões internas que as línguas sofrem. 
Saiba mais: 
A nasalização no Português Brasileiro é um fenômeno bem comum e 
bastante importante no que se refere à constituição de formas de falar. 
Voltaremos a isso!
| Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa42
Esse fenômeno de nasalização se encontra já na formação do português. Um 
exemplo é quando se tinha a palavra latina regina (pronuncia-se Réguina, com o 
“érre” vibrante) transformada em regna, com a assimilação da vogal anterior alta [i] 
pela oclusiva velar vozeada [G], e, posteriormente, pela queda dessa mesma conso-
ante agora sem apoio vocálico, transformada em reña (pronuncia-se com o “érre” 
vibrante), e, posteriormente, no português moderno rainha, por exemplo. Há de se 
observar duas transformações paralelas dessa palavra: uma que desemboca na pa-
lavra portuguesa rainha e outra no espanhol reina.
É importante compreender que muitas destas transformações se perderam no 
tempo pela falta de registro escrito de suas fases consecutivas. Sendo assim, muitas 
das transformações apresentadas aqui configuram-se ainda no nível especulativo.
Interessante ainda mostrar o surgimento de palavras e expressões idiomáticas 
que caracterizam dialetos dentro de um mesmo código linguístico. Algumas pala-
vras surgem pela variação da pronúncia de uma palavra que o falante desconhecia. 
Essa variação na pronúncia de palavras para ele desconhecidas, às vezes, se dá por 
analogia a palavras que ele já conhece. 
Como o caso de tremedal, que significa pantanal. Mário Perini (2004), em A 
língua do Brasil amanhã e outros mistérios, nos conta caso interessante quanto a 
isso. Ele conta que, certa vez, preso num engarrafamento, pôde observar que a pla-
ca que indicava o nome da rua não a grafava como tremedal, mas como tremendal. 
Pensou então que tal forma pudesse ter sido deduzida pela analogia com a palavra 
tremendo (adjetivo) mais conhecida popularmente; não descartou a possibilidade 
de, sabendoo significado de tremedal, aquele que gravou a placa ter associado a 
imagem do pântano a algo tremendo de se atravessar. A esse fenômeno, ele dá 
nome de Etimologia Popular. Outro caso interessante é o caso da palavra ferrolho, 
também citado por Mário Perini. Segundo ele, a palavra original vem do latim veru.
Saiba mais: 
Ferrolho: Outra explicação desse fenômeno está na dessonorização 
da fricativa lábio-dental[ v ] em [ f ] ferrulhu; o reforço do “r” fraco 
(vibrante), que teria se transformado em “r” forte (fricativa glotal) fer-
rulhu. E a oscilação da grafia de “u” a “o”. 
É de conhecimento corriqueiro entre aqueles que se debruçam sobre o latim 
medieval, mais conhecido como latim vulgar, que o povo costumava acrescentar 
aos substantivos o sufixo diminutivo do latim –ícula, -ículum, donde vêm as palavras 
portuguesas cubículo, película, gotícula. De forma que veru facilmente se transfor-
mava em veruculum. Teria havido, então, primeiro, a queda da vogal pós-tônica “u” 
veruc’lum; a perda da nasalização do /u/ final veruclu; daí a sonorização da oclusiva 
velar surda [ k ] em [ g ] veruglu; que, associado à lateral [ l ] tende à palatalização, 
transformando “gl”em “lh” [ ] verulhu.
O entendimento do falante de que aquele instrumento era feito de ferro o 
fez chamar tal instrumento de ferrolho. Fenômeno semelhante ao que aconteceu à 
palavra latina apis, que, acrescida ao sufixo diminutivo apicula, teria gerado depois 
o português abelha. Primeiro terá ocorrido a queda da vogal pós-tônica “u” apic’la; 
depois, a sonorização não só da oclusiva velar surda [k] em [ g ], o que daria apigla, 
mas também a sonorização da oclusiva bilabial surda [ p ] em [ b ]; abigla; além da 
redução da vogal anterior alta [ ] em vogal anterior média fechada [ e ] abegla e a 
palatalização da lateral /l/, pela sua proximidade com a ocluciva velar sonora /g/ em 
“lh” [ ]; o que daria a forma final que conhecemos hoje: abelha. Toda essa trans-
formação, no entanto, num processo demoradíssimo, com cerca de 1000 anos: da 
queda do Império Romano à oficialização da língua portuguesa, em 1290.
Quanto a expressões idiomáticas, podemos citar o exemplo de uma expressão 
cuja origem ainda não pôde ser bem explicitada, de modo que figuram algumas 
versões sobre ela. É o caso de “Júlia é cagada e cuspida a mãe dela”; expressão que 
significa algo próximo a dizer que Júlia é muito parecida com a mãe. Duas teorias 
tentam explicar o surgimento dessa expressão. A primeira diz que “cagado e cus-
pido” seria uma corruptela da expressão original “esculpido em Carraro”. Segundo 
esta teoria, Carraro seria um lugar na Itália do século XVI referência no mundo eu-
ropeu quando o assunto era esculpir estátuas. Lá estariam as melhores e mais reais 
estátuas já vistas até então, daí a expressão “esculpida em Carraro” como sinônimo 
de “muito semelhante, igual”. A segunda teoria também aposta na corruptela, mas 
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 43
| Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa44
agora de uma outra expressão “encarnado e esculpido”, que seria também uma for-
ma de enfatizar a semelhança entre dois indivíduos (aparentados ou não).
Caso mais interessante ainda, para evitar o enfado dos senhores, é a palavra la-
tina para designar serva, escrava, ancila. Há três pronúncias para essa palavra. A pro-
núncia chamada restaurada [ ] (lê-se “ãnquíla”); e a tradicional, que comporta 
duas outras 1) [ ] (lê-se “ãnsíla”), que seria já uma transformação da [ ] 
(lê-se “ãntsíla”), evolução natural das línguas românicas; e [ ] (lê-se “ãntchíla”), 
pronúncia do Vaticano até hoje.
Jorge de Lima (1997), poeta alagoano, publica em 1947 um livro chamado 
Poemas Negros. Neste, há um poema intitulado “Ancila Negra”, que fala sobre uma 
negra iorubá que o teria acompanhado até a escola, e que teria embalado seu sono 
na rede, lhe contado histórias de bicho, de outros reinos. 
José Lins do Rego, em seu livro Menino de Engenho, faz menção a uma negra 
ama de leite sua que também teria lhe contado dessas histórias. Aqui, no Nordeste 
e em outras regiões do país, há o costume de chamarmos nossas professoras do 
primário de “tia” (lê-se “tchia”), tanto pela relação de proximidade que se cria num 
ambiente escolar quanto pela emanação afetiva que existe entre estudante e pro-
fessora do primário. Ora, não seria improvável que essa conotação encontrada hoje 
não tenha começado agora; que essa mesma ama que acompanhava os filhos de 
famílias abastadas do tempo do Brasil Império e do Brasil Colônia, ou mesmo na 
própria Europa Antiga, possa ter sido chamada pelos povos latinos de “ancila” no 
sentido de “tia”. Como argumentação a favor, teríamos a pronúncia tradicional “2” 
[ ], que teria gerado a palavra “tia” em português; e a pronúncia restaurada [
], que teria gerado a palavra “uncle”: “tio” em inglês.
Será coincidência?
Fica assim demonstrado, “por a mais b”, que as línguas mudam com o tempo. 
Mas por que o assunto ainda é um tabu? Marcos Bagno, em entrevista à revista Ca-
ros Amigos, nos dá uma pista a esse respeito. Segundo ele:
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 45
Nas culturas ocidentais que passaram pelo processo de normatização o 
que aconteceu foi (...) [que] para criar uma identidade nacional era preciso 
criar um modelo de língua. Então eram criadas leis, as normas sociais, as 
normas políticas e também as normas linguísticas. Até para fins burocráti-
cos, para poder emitir documentos, produzir as leis, era preciso ter um mo-
delo de língua, então a língua foi retirada da heterogeneidade natural dela 
e transformada num modelo mais homogêneo, houve essa normatização 
da língua. No caso específico do português brasileiro, o grande problema 
é que essa norma é muito rígida, muito obsoleta, muito ultrapassada. Em 
outros países, que têm sociedades mais democráticas, por exemplo, nos 
Estados Unidos, a língua inglesa em geral, à medida que vão surgindo no-
vas formas de falar e escrever, essa norma padrão vai incorporando sem 
muito trauma, os dicionários autorizam e por aí vai. Aqui no Brasil isso não 
acontece porque é fruto do nosso processo colonial, a tentativa das nossas 
elites desde sempre de se afastar do vulgo, do populacho, da negraiada, 
da indiada e criar uma casta branca, superior, europeizada (BAGNO, 2008, 
p. 33-34).
É a mania feia de nossa elite (econômica e intelectual) de querer parecer eu-
ropeu. Para entender melhor isso, só compreendendo como se dá a relação entre 
língua e colonização. 
GUIA DE ESTUDO
Como você pode observar lendo esta seção, as línguas mudam com o tem-
po, tanto por pressões internas quanto externas (mudanças de realidade social, 
surgimento de novas realidades e circunstâncias comunitárias etc.). Ao mudar, no 
entanto, é grande a resistência ao reconhecimento oficial daquela nova possibili-
dade linguística, como diz a parte final da seção, porque a língua é um instrumento 
também de segregação, de exclusão social. É por isso que as variações linguísticas 
são, primeiro, e durante algum tempo, consideradas “erros” da língua. Ou seja, só 
depois de algum tempo − que não se pode estimar quanto, mas que pode che-
gar, como vimos no caso do português, durante muito tempo considerado “erro” 
de latim, há mil anos −só depois de algum tempo é que as variações linguísticas 
podem ser consideradas como tal, promovendo-se a “dialetos” e, posteriormente, 
talvez, alçando status de “língua”. As razões pelas quais um dialeto transforma-se 
em língua são históricas, e têm haver com questões políticas ligadas a revoluções, 
movimentos separatistas e\ou luta por independência ou emancipação.
Por que é correto afirmar que as línguas mudam com o tempo? Use elemen-
tos dessa seção para construir sua resposta.
Língua Portuguesa e Colonização
Não se pode perder de vista que a língua portuguesa no Brasil é uma língua 
que tem um passado ligado à colonização e, portanto, traz em seu âmago o peso 
histórico de ser a línguado opressor. 
Como a evolução (e, portanto, o processo de dialetação) das línguas é irrefre-
ável; como a dialetação nunca é um processo unilateral, no sentido de que, ao mes-
mo tempo, numa mesma região, podem-se desenvolver vários dialetos e mais, que 
a ascensão do status de um dialeto à língua é um fenômeno antes histórico, político, 
econômico até, mais ligado à dominação que alguma característica propriamente 
linguística, é preciso deixar claro que os vernáculos oficializados nem sempre coin-
cidiam com a língua da população. Em Angola, o português é a língua oficial do 
estado e é falado por uma parcela muito pequena da Luanda, a capital. Diante de 
uma organização social hierarquizante, é natural que o dialeto que adquira status 
de língua seja o dialeto das classes política, social e economicamente dominantes.
Durante o Império Romano, o que era considerado “Língua” era, na verdade, a 
variante urbana (urbanitas) do latim, em detrimento de suas “variantes” camponesas 
(rusticitas) ou dos falares a ela estranhos (peregrinitas ou mesmo os falares ditos 
“bárbaros). Isso porque o sermo latinus estava associado ao centro civilizado, de-
senvolvido, urbanizado, onde vivia a classe dominante do Império. O caso da velha 
Grécia citado por Silvio Elia, em A língua portuguesa no mundo, é também ilustrativo 
disso. Segundo ele, a Grécia antiga era um mosaico dialetal. Sua divisão em vários 
Estados, refletia sua divisão em dialetos. Cada dialeto encontrava sua exemplaridade 
em manifestações distintas.
O dialeto eólico (Beócia, Tessália, Ilha de Lesbos) era mais adequado ao 
lirismo; o dórico (um terço do Peloponeso, ilhas de Creta e Rodes) foi o 
preferido para a poesia coral; [...] o ático (Ática, ilha de Eubéia) dominava 
na comédia e na tragédia; [bem como] na grande prosa clássica, a dos filó-
sofos e oradores (ELIA, 2001, p. 10).
A partir de Alexandre, o Grande, da Macedônia (séc. IV a. C.), educado por Aris-
tóteles, cujo dialeto grego era o ático, foi esse dialeto se afirmando como a língua 
geral do imenso Império que Alexandre fundara com suas conquistas e que hoje 
conhecemos como o grego koiné, base do grego medieval e do grego moderno.
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Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 47
Benedict Anderson, em Comunidades Imaginadas, também dá exemplo elu-
cidativo. É o caso da Inglaterra, país da periferia noroeste da Europa latina. Segundo 
o que ele conta:
Antes da conquista normanda, a língua da corte, literária e administrativa, 
era o anglo-saxão. Nos 150 anos seguintes, praticamente todos os do-
cumentos régios foram redigidos em latim. Entre 1200 e 1350, esse latim 
oficial foi substituído pelo franco-normando. Entrementes, uma lenta fusão 
entre essa língua, de uma classe dirigente estrangeira, e o anglo-saxão, 
da população de súditos, gerou o médio-inglês [early english]. Essa fusão 
permitiu que a nova língua se tornasse, após 1362, a língua das cortes 
(ANDERSON, 2008, p. 76).
Anderson também chama a constituição do Estado Nacional de “revolução 
filológico-lexicográfica” (ANDERSON, 2008, p. 127). Para compreender isso melhor 
talvez devêssemos recorrer ao exemplo do Francês falado antes e depois da Revo-
lução Francesa, quando todos os valores do Ancièn Regime foram negados ou sub-
vertidos, dentre eles o modelo de língua bela, que passou a ser a língua da classe 
média instruída parisiense, ao invés da língua falada pela classe nobre.
A diversidade linguística, não obstante o prestígio da variante oficial, mante-
ve-se e se aprofundou, naturalmente; de modo a gerar, dentro dos limites de uma 
mesma fronteira, “dialetos” de uma mesma língua incompreensíveis entre si – como 
no caso da Alemanha e da Holanda. A Holanda faz fronteira ao leste com a Alema-
nha. Segundo Silvio Elia (2001), os holandeses que vivem mais próximos à fronteira 
comungam muitos traços, costumes e, inclusive, o dialeto pelo qual se comunicam 
com os alemães que vivem do outro lado da fronteira. A língua que falam de cada 
lado da fronteira, no entanto, não é compreendida por quem vive no extremo opos-
to de cada país respectivo. Entretanto, diz o linguista brasileiro, se perguntarmos a 
esse holandês da região fronteiriça que língua ele fala, ele responderá que fala o 
holandês, enquanto que se perguntarmos o mesmo ao alemão do outro lado, ele 
dirá que fala alemão, embora a língua pela qual se comunique com seu “vizinho” 
do outro lado da fronteira, seja uma língua incompreensível por seus respectivos 
conterrâneos no outro extremo do país e perfeitamente compreensível entre o ho-
landês e o alemão da fronteira.
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No caso de países africanos colonizados por Portugal, como Angola, por exem-
plo, a questão da língua é singular, posto que a taxa de analfabetismo em língua 
portuguesa chega aproximadamente os 90%, não obstante a língua oficial do país 
ser exatamente essa.
Em Sagrada Esperança (1974), o poeta e líder do Movimento Popular de Li-
bertação de Angola – MPLA, Agostinho Neto (que um ano depois proclamaria a 
Independência da Angola) se refere:
A ti Mussunda amigo
A ti devo a vida
E escrevo versos que não entendes
Compreendes a minha angústia? (NETO, 1985, p. 54. Grifo meu.)
Era um paradoxo, de todas as ordens, sob todas as perspectivas, um parado-
xo: como falar de sentimentos, pensamento, enfim, da alma genuinamente africana 
numa língua estrangeira? Mais ainda: como escrever contra a colonização na língua 
do colonizador? A questão linguística não é tão simples quanto parece, quando o 
que está em jogo é uma relação de poder colonizado-colonizador.
No que tange a literatura angolana, o debate foi extremamente acirrado. Em 
Barroco Tropical (2009), romance do angolano José Eduardo Agualusa, a língua 
portuguesa é entendida como “língua da unidade nacional” e o discurso oficial ali 
presente afirma que “um verdadeiro angolano tem de saber falar bem a língua por-
tuguesa” (AGUALUSA, 2009, p. 280). De fato, foi um problema e tanto, porque, se 
por um lado a língua portuguesa em Angola representava o próprio europeu co-
lonizador, por outro, como reunir forças para lutar contra a colonização em toda a 
Angola se é um país mosaico linguístico? A língua portuguesa foi o veículo através 
do qual as forças antilusitanas puderam se articular em nível nacional. Daí dizer que 
a língua portuguesa em Angola é a “língua da unidade nacional”.
A questão linguística, aliás, a “angústia linguística” começava a ser apaziguada. 
“Não temos escolha”, dizia Leopold Sedar Senghor, outro poeta líder do movimen-
to pela libertação do Senegal, ex-colônia francesa, referindo-se à mesma condição 
vivida pelos escritores, poetas e intelectuais responsáveis pelo movimento de liber-
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 49
tação do Senegal (entretanto com relação à língua francesa). “É nossa situação de 
colonizados que nos impôs a língua do colonizador, mais precisamente a política 
da assimilação... porque a Negritude é o fruto da Revolução, por ação e reação. (...) 
Nós escolhemos as armas do colonizador para voltá-las contra ele” (BERND apud 
DAMASCENO, 1988, p. 33-34).
A despeito dessa tentativa do mentor do movimento de “Renascença Negra” 
que foi o movimento de Negritude de apaziguar os corações diante da “angústia 
linguística”, o conflito continuava quente. Esse é, de alguma forma, o discurso ofi-
cial assumido por poetas (no caso, Leopold Sedar Senghor no Senegal e Agostinho 
Neto, na Angola) que, em pouco, assumiriam a presidência destas jovens repúblicas 
cuja independência eles próprios proclamariam; um discurso que entendia, no caso 
de Angola, a língua portuguesa como “um troféu de guerra. Roubamos a língua ao 
colonizador e fizemo-la nossa” (AGUALUSA, 2009, p. 280). No Brasil, o que se deu 
foi o seguinte:
O colonizador europeu, que subjugava todos os outros povos pela força, se 
reconhecia e se fazia reconhecer pelocolonizado como único povo com cultura, a 
“língua-verdade”, no caso, era a língua portuguesa, a “comunidade sagrada” era a 
comunidade cristã.
É emblemático esse exemplo. Segundo Hansen (2006), toda a poesia e o teatro 
do Padre Anchieta, escritos em Tupi, foram instrumentos cruciais não apenas para a 
conversão do chamado “gentio” ao cristianismo, mas para a produção de sua alma. 
Em seu artigo “Anchieta: poesia em tupi e produção da alma”, o autor diz que essa 
poesia em tupi “se apropria da oralidade selvagem descontextualizando suas signi-
ficações” (HANSEN, 2006, p. 18).
No Auto de S. Lourenço (1592), por exemplo, os demônios têm os mesmos 
nomes dos chefes indígenas que guerrearam contra os portugueses na chamada 
Confederação dos Tamoios, Aimbirê e Guaixará. Além dessa identificação direta, 
outro elemento simbólico associa a cultura indígena ao demônio: no auto, so-
mente Aimbirê e Guaixará falam em tupi. Ora, se a construção das representações 
sociais de determinado grupo étnico se baseia no “tornar o estranho familiar”, 
quando se trata de substituir um conjunto de representações por outro − na rela-
ção colonizador-colonizado − o processo se dá pelo inverso, ou seja, a imposição 
se baseia no “tornar estranho o familiar”. É isso o que se quer dizer quando Hansen 
diz que a poesia em tupi “descontextualiza as significações” da cultura indígena.
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Antes de impor uma cultura estranha aos indígenas, era preciso destituir de 
significado a sua própria, a fim de que o colonizado com ela não mais se identifi-
casse. Daí os chefes tribais serem representados como demônios, num jogo retórico 
direto, sem decalques. Dando a esses demônios os nomes dos chefes que guerrea-
vam contra os portugueses, a associação era direta.
O reverso disso também era prática que completava o ciclo. Isto é, se por um 
lado criava-se no imaginário a ideia de que os inimigos dos portugueses eram de-
mônios, por outro, seus aliados eram considerados honrados membros da socieda-
de portuguesa. Araribóia foi chefe indígena que, por ter auxiliado os portugueses 
na mesma Confederação dos Tamoios, recebeu com honrarias o batismo e o nome 
cristão de Martim Afonso. 
O mesmo se deu com Poti, da nação dos Pitiguaras, tribo do litoral cearense. 
Poti auxiliou os portugueses na expulsão dos franceses do litoral do Ceará e da Serra 
da Ibiapaba, ao norte do estado. Ao término da guerra, também sob honrarias, o 
guerreiro fora “agraciado” com o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Salva-
guardadas as devidas proporções, era como se ele recebesse o título de “Cidadão 
Romano”; no caso cidadão “lusitano”. Símbolo de honraria e de status, os indígenas 
que recebiam nomes cristãos eram exibidos como modelos de como devia ser e se 
comportar um indígena. O modelo era tão significativo que inspirou José de Alencar 
na construção de O Guarani e Iracema, ícones máximos do projeto original/oficial 
de identidade nacional.
Além dessa ressignificação, digamos, personificada, uma ainda mais poderosa 
estava em ação, pois lidava com a ressignificação dos elementos profundos da es-
trutura social das representações tribais. Segundo João Adolfo Hansen, o jesuíta “se 
apropria estrategicamente de termos tupis para reclassificá-los por meio de noções 
cristãs” (HANSEN, 2006, p. 19). Assim, diz o autor:
O termo Tupána, Tupã, que em tupi era o nome genérico de ruídos da 
natureza, como trovões, e que passa a ser usado significando nada me-
nos que a substância metafísica incriada de uma das Pessoas da Trindade, 
Deus-Pai. Caso de anhagá, termo que nomeava espíritos do mato, apro-
priado como nome unificador da ausência de Bem, o diabo cristão. Ou de 
ánga, princípio vital, reclassificado com o nome para o princípio cristão de 
unidade e coerência espirituais da pessoa, a alma (HANSEN, 2006, p. 19).
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 51
Dessa forma, o indígena sofria uma completa reestruturação de sua utensila-
gem mental que, aos poucos, ia tornando-o tão europeu quanto qualquer outro 
europeu − ao menos mentalmente.
Saiba mais: 
O termo utensilagem mental é utilizado por João da Rocha Pinto 
(2002, p. 13), em seu artigo “O olhar europeu: a invenção do índio bra-
sileiro” para referir-se aos modelos mentais de representação social, de 
cultura.
João Adolfo Hansen diz que a produção da alma do “gentio” era eficaz quan-
do o próprio “eu” do enunciado se confundia com o “eu” da enunciação. O “eu” do 
poema recitado, do texto memorizado para a representação do auto, era o “eu” de 
uma pessoa católica, “dotada de interioridade anímica, memória do Bem e culpa do 
mal” (HANSEN, 2006, p. 20). Obrigados a recitar o poema ou a ditar o texto, esse “eu 
católico” ia sendo assimilado pelo eu que recitava/ditava. Hansen diz que, escrito em 
tupi, o poema impunha através da metrificação em redondilha menor (Versos de 
cinco sílabas). “uma medida, uma acentuação, um sistema de pausas, um ritmo e, 
principalmente, a forma de uma respiração católica” (Hansen, 2006, p. 20) que sub-
mete a própria dicção do indígena, transformando-a, ressignificando-a, gerando no 
“gentio” uma “memória artificial” através da qual passa a enxergar os de sua etnia e 
a si mesmo.
Dessa forma, diz o estudioso, os valores do colonizador se impunham de ma-
neira não simplesmente ideológica, como um conjunto de conceitos abstratos que 
o colonizado assume, mas “produz simultaneamente o corpo, a percepção, a respi-
ração, a alma e os valores católicos” (Hansen, 2006, p. 21), ou seja, “catequiza o tupi 
materialmente na sua própria língua” (Hansen, 2006, p. 21), porque impõe sobre o 
indígena um comportamento diretamente vinculado ao sermo cristianus, construin-
do sobre si toda uma outra identidade cultural e desvinculando-o de sua própria.
Darcy Ribeiro (1995, p. 117-118), em seu livro O Povo Brasileiro, diz que:
O ser normal [dessa comunidade que se formava no Brasil] era aquela ano-
malia de uma comunidade mantida em cativeiro, que nem existia para si, 
nem se regia por uma lei interna do desenvolvimento de suas potencialida-
des, uma vez que só vivia para os outros e era dirigida por vontades e mo-
tivações externas, que o queriam degradar moralmente e desgastar fisica-
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mente para usar seus membros homens como bestas de carga e as mulheres 
como fêmeas animais.
(...)
[Na empresa escravista], qualquer povo é desapropriado de si, deixando 
de ser ele próprio, primeiro para ser ninguém (...); depois, para ser o outro.
Em 1979, o escritor cearense Carlos Emílio Corrêa Lima, publicou um livro inti-
tulado A Cachoeira das Eras, onde narra a história da Coluna de Clara Sarabanda, 
que percorre a mata atlântica da América Latina em busca de um templo perdido 
que é o próprio passado. “Os mortos serão nossos guias” diz ele logo na invocação 
às musas que, segundo o livro, serão os mortos “gritando do antes dos aniquila-
mentos gerais, porque ninguém os escuta”. A certa altura, o narrador-personagem 
reclama:
O que me aniquila é não saber o nome de cada uma dessas árvores. O que 
me amofina é não saber o verdadeiro nome desses bichos, desses pássa-
ros, desses répteis, desses peixes. Sinto-me fluindo das dobras do vazio. 
Não sei o nome de nenhuma estrela e não digo em ascensão os nomes 
dos planetas numa velocidade mágica da fala. (...) Ele já nem falava. Perdera 
praticamente a memória da linguagem de sua nação, linguagem que fora 
sendo elaborada durante séculos com a ajuda do murmurejar dos rios, do 
estalar dos galhos, do farfalhar das folhagens, com o estrépido [sic] dos 
peixes pela água, com o ruflar das asas e o canto dos pássaros e os ecos 
animais do fundo das noites mais antigas e dos cipós e do gosto da polpa 
dos frutos sumarentos ou azedos e da sensação dos corpos nas viagens 
pela mata. Tudo estava esquecido no corpo daquele homem (LIMA, 1979, 
p. 120, 171).
Pois é essa linguagemque, mais de 100 anos antes, Alencar tentava marcar 
como traço principal de uma identidade nacional, ao misturar à prosódia portugue-
sa à melodia nativa.
A burguesia de 1789 instalou sobre o dito Velho Mundo uma nova ordem cal-
cada na propaganda dos ideais iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. 
Assim, conseguiu congregar, sob a mesma égide, intelectuais, liberais, operários e 
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 53
ex-camponeses deslocados de seus lugares de origem pelo êxodo rural acentuado 
com o crescimento das cidades. Num momento em que o processo de Moderniza-
ção (técnica e ideológica) de toda a Europa já ia alto, com as Revoluções Industriais e 
com a experiência bem sucedida da independência da colônia britânica na América 
(os EUA, em 1776). A Revolução Burguesa alterava toda uma ordem aristocrática em 
voga desde o alvorecer da sociedade feudal, de economia basicamente agrária.
A insurreição contra a aristocracia e o Rei não fora exclusividade do norte 
americano nem do europeu; no mesmo ano da queda da Bastilha, o insucesso da 
Inconfidência Mineira no Brasil acirrou a pressão da metrópole portuguesa sobre o 
Brasil. A reação não foi menos intensa: logo o sentimento nativista que já ocupava as 
mentes dos intelectuais brasileiros ganhou novo fôlego e se expandiu para os meios 
populares em forma de anedotas e adjetivos que se agregavam a um e outro numa 
espécie de guerra ideológica que não raro chegava às vias de fato. No meio inte-
lectual, encontrou no índio o símbolo dessa brasilidade que deveria ser garantida.
O pano de fundo do descobrimento da Bahia é pretexto, em Caramuru, para 
que Santa Rita Durão enobrecesse a fauna, a vegetação, os ritos e as tradições in-
dígenas, a história do Brasil. Outros autores, antes e depois dele, fazem-no com 
menos referência à metrópole camoniana, como Basílio da Gama, Gonçalves Dias, 
Gonçalves de Magalhães entre outros.
Ao longo do séc. XIX, a Identidade Nacional passara a ser tarefa de urgência 
para a construção de um Estado Nacional democrático e sólido, ainda mais quando, 
como diz Canclini (2008), em Culturas Híbridas, a ciência positivista entendia ser 
relativo ao biotipo o progresso ou atraso de uma sociedade humana (leia-se “raça”). 
Assim, Alencar, como homem de seu tempo, foi quem mais se empenhou na busca 
desse homem tipicamente brasileiro, que achava estar entre os tipos regionais que 
caracterizava: o sulista, em O Gaúcho; o nordestino, em O Sertanejo; ou mesmo no 
tipo característico do liberal do século XIX que nos apresenta em seus romances ur-
banos (Viuvinha, Cinco Minutos ou Senhora), personagens já cônscios da redução 
das relações humanas as relações de troca impostas pela economia do dinheiro. A. 
Bosi, em seu livro História Concisa da Literatura Brasileira, menciona que a inten-
ção de Alencar era “cobrir com a sua obra narrativa passado e presente, cidade e 
campo, litoral e sertão, e compor uma espécie de suma romancesca do Brasil”.
Não tendo ficado acomodado em apenas “pintar” o(s) tipo(s) brasileiro(s), 
Alencar queria fundar uma Nova Língua, uma língua pautada não nos moldes lusita-
nistas impostos pela Reforma Pombalina de meados do século XVIII, mas na língua 
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falada pelas pessoas nas ruas e nos campos; animado pelo paradigma romântico do 
“vox populi”, do “gênio coletivo”, entendia ser, a língua, manifestação mais genuína 
dessa identidade que precisava resgatar e que fora, por anos de colonização, no 
dizer de Roger Bastide, aculturada.
No prefácio de “Sonhos d’ouro”, publicado originalmente em 1872, e dando-
-nos a conhecer pelo livro do Prof. Eduardo Diatahy B. de Menezes, O Pensamen-
to Brasileiro dos Clássicos Cearenses, Alencar chega mesmo a explanar belíssima 
defesa da língua nacional, utilizando-se da mesma arma usada para atacar (o que 
ele chamou de) o “gênio brasileiro”, isto é, o determinismo biológico. Diz Alencar, “o 
povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua 
com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pêra, o damas-
co e a nêspera?”.
GUIA DE ESTUDO
Mário Marroquim diz, em A língua do Nordeste (1934), que uma das 
características da fala do nordestino é a tendência em trocar as fricativas 
frontais – gente (j), mesmo (z), vaca (v) − pela fricativa glotal (rr), tornando 
possível a enunciação espontânea de uma frase coloquial como *lerrei uma 
carreira duma raca réa lá em riba da ribanceira. Se essa é uma tendência 
natural da fala do nordestino, por que a língua do nordeste não pode ser 
considerada língua? Comente.
O Português Brasileiro
Durante muito tempo o francês, o italiano, o romeno (oriental e ocidental), o 
espanhol e o português — todas as línguas neoromânicas (ou neolatinas) — foram 
considerados “erros de latim”. Só depois do período da formação dos Estados Na-
cionais, em torno de cada neolatim desse, é que o que era considerado antes como 
“dialeto do latim”, passou a ser considerado uma língua diferente do latim. Estamos 
vivendo um período semelhante agora. A língua portuguesa se espalhou no mundo 
pelos cinco continentes. Portugal, arquipélago de Açores, arquipélago de Madeira 
(Europa), Brasil (América), Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Angola 
e Moçambique (África), Goa, na Índia, Macau, na China, Japão (Ásia), Timor Leste 
(Oceania). 
Fundamentos Metodológicos do Ensino de Língua Portuguesa | 55
Mapa da Lusofonia
Tendo a língua portuguesa entrado em tantas regiões, não será na-
tural que ela entre em contato com as muitas línguas locais, e, assim, 
encontre novas formas de relações sociais e, portanto, acabe por receber 
substratos sociolinguísticos ao longo de sua história? Como manter (e 
para quê?) a mesma estrutura da língua sendo tão variadas as condições 
sociais, históricas, culturais e linguísticas nas diversas partes do mundo 
em que deu entrada?
Numa entrevista, à revista Caros Amigos, o sociolinguista brasileiro Marcos 
Bagno, autor de Preconceito Linguístico, faz uma pergunta muito importante para 
compreendermos o estado natural das línguas. 
Qual é o estado natural de uma língua? É que as pessoas de cada lugar 
falem de maneira diferente, que as pessoas das diferentes camadas sociais 
falem de maneira diferente, que as pessoas das diferentes idades falem de 
maneira diferente, então a variação linguística, a heterogeneidade linguís-
tica, é o estado natural da língua (BAGNO, 2008, p. 33-34).
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Sendo natural que as línguas mudem, é natural que a língua portuguesa se 
dialete, assim como aconteceu com o latim, a tal ponto que, de seu tronco comum, 
se originassem outras línguas. Não fosse esse o natural das línguas, ainda estaría-
mos falando latim, ou, como disse em alguma parte deste material, alguma língua 
adâmica do início dos tempos.
Em 1996, Mary A. Kato organizou uma coletânea de artigos intitulada Portu-
guês Brasileiro: uma viagem diacrônica. Nesta obra, afirma a autora: 
Todos os trabalhos incluídos nesta coletânea devem ser vistos como tra-
balhos em andamento, partes de projetos maiores de seus autores. Mas 
os resultados fornecem uma descrição bastante instigante do que vem 
mudando no português do Brasil, e o conjunto desses resultados é uma 
evidência de que o que ocorre não é um processo de ‘deterioração da gra-
mática’, como pensam os escolarizados pela ótica da gramática prescritiva, 
mas uma reorganização interna coerente, uma mudança radical na língua. 
(ROBERTS; KATO, 1996, p. 19)
Afirma ainda que:
A consciência dessas mudanças sistemáticas, que desembocam em uma 
língua distante de suas irmãs românicas, até mesmo do português de Por-
tugal, é necessária para entender por que os estudantes escrevem como 
escrevem e por que a língua dos textos escolares, para as camadas de pais 
iletrados, pode parecer tão estranha quanto a de um texto do século XVIII. 
(ROBERTS; KATO, 1996,

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