Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Língua Portuguesa I Vanessa Ponte de Freitas Jouberto Uchôa de Mendonça Reitor Amélia Maria Cerqueira Uchôa Vice-Reitora Jouberto Uchôa de Mendonça Junior Pró-Reitoria Administrativa - PROAD Ihanmarck Damasceno dos Santos Pró-Reitoria Acadêmica - PROAC Domingos Sávio Alcântara Machado Pró-Reitoria Adjunta de Graduação - PAGR Temisson José dos Santos Pró-Reitoria Adjunta de Pós-Graduação e Pesquisa - PAPGP Gilton Kennedy Sousa Fraga Pró-Reitoria Adjunta de Assuntos Comunitários e Extensão - PAACE Jane Luci Ornelas Freire Gerente do Núcleo de Educação a Distância - Nead Andrea Karla Ferreira Nunes Coordenadora Pedagógica de Projetos - Nead Lucas Cerqueira do Vale Coordenador de Tecnologias Educacionais - Nead Equipe de Elaboração e Produção de Conteú- dos Midiáticos: Alexandre Meneses Chagas - Supervisor Ancéjo Santana Resende - Corretor Claudivan da Silva Santana - Diagramador Edivan Santos Guimarães - Diagramador Fábio de Rezende Cardoso - Webdesigner Geová da Silva Borges Junior - Ilustrador Márcia Maria da Silva Santos - Corretora Matheus Oliveira dos Santos - Ilustrador Monique Lara Farias Alves - Webdesigner Pedro Antonio Dantas P. Nou - Webdesigner Rebecca Wanderley N. Agra Silva - Designer Rodrigo Sangiovanni Lima - Assessor Walmir Oliveira Santos Júnior - Ilustrador Redação: Núcleo de Educação a Distância - Nead Av. Murilo Dantas, 300 - Farolândia Prédio da Reitoria - Sala 40 CEP: 49.032-490 - Aracaju / SE Tel.: (79) 3218-2186 E-mail: infonead@unit.br Site: www.ead.unit.br Impressão: Gráfica Gutemberg Telefone: (79) 3218-2154 E-mail: grafica@unit.br Site: www.unit.br Copyright © Universidade Tiradentes F866l Freitas, Vanessa Ponte de Língua portuguesa I / Vanessa Ponte de Freitas. – Aracaju : Gráf. UNIT, 2010. 160 p.: il. Inclui bibliografia 1. Língua portuguesa I I. Titulo Univer- sidade Tiradentes (UNIT) Núcleo de Educação à Distância - NEAD CDU : 811.134.3 Prezado(a) estudante, A modernidade anda cada vez mais atrelada ao tempo, e a educação não pode ficar para trás. Prova disso são as nossas disci- plinas on-line, que possibilitam a você estudar com o maior conforto e comodidade possível, sem perder a qualidade do conteúdo. Por meio do nosso programa de disciplinas on-line você pode ter acesso ao conhecimento de forma rápida, prática e eficiente, como deve ser a sua forma de comunicação e interação com o mundo na modernidade. Fóruns on-line, chats, podcasts, livespace, vídeos, MSN, tudo é válido para o seu aprendizado. Mesmo com tantas opções, a Universidade Tiradentes optou por criar a coleção de livros Série Bibliográfica Unit como mais uma opção de acesso ao conhecimento. Escrita por nossos professores, a obra contém todo o conteúdo da disciplina que você está cursando na modalidade EAD e representa, sobretudo, a nossa preocupação em garantir o seu acesso ao conhecimento, onde quer que você esteja. Desejo a você bom aprendizado e muito sucesso! Professor Jouberto Uchôa de Mendonça Reitor da Universidade Tiradentes Apresentação Série so ao obra está Sumário Parte 1: Língua Portuguesa: Unidade versus diversidade ..11 Tema 1: Variedades linguísticas do português ....................13 1.1 O mito da unidade linguística...................................13 1.2 Conceitos básicos .....................................................22 1.3 Mudança e Variação..................................................31 1.4 Noções de sociolinguística aplicadas ao estudo do português do Brasil.........................................................40 Resumo ............................................................................... 47 Tema 2: Norma padrão ...........................................................49 2.1 A Gramática Tradicional ...........................................49 2.2 Normas linguísticas ..................................................57 2.3 A construção da noção de “erro” ............................65 2.4 Por que ensinar gramática? ......................................74 Resumo ............................................................................... 80 Parte 2: O estudo científico da língua portuguesa ..............83 Tema 3: O estudo descritivo da língua portuguesa .............85 3.1 O estudo descritivo ...................................................85 3.2 As modalidades oral e escrita ..................................94 3.3 O estudo das normas populares ............................101 3.4 O estudo das normas cultas ...................................109 Resumo ............................................................................. 116 Tema 4: Estruturas básicas do português do Brasil ..........117 4.1 Níveis de análise linguística ............................................117 4.2 Os termos da oração .......................................................126 4.3 Características fonético-fonológicas do português do Brasil .................................................134 4.4 Características morfossintáticas do português do Brasil .................................................141 Resumo ............................................................................. 149 Referências ............................................................................151 Concepção da Disciplina Ementa Variedades linguísticas do português: O mito da unidade linguística; Mudança e variação; Noções de sociolinguística apli- cadas ao estudo do português do Brasil. Norma padrão: A gra- mática tradicional; Normas linguísticas; A construção da noção de “erro’; Por que ensinar gramática? Estudo descritivo da língua portuguesa: O Estudo descritivo; As modalidades oral e escrita; O estudo das normas populares; O estudo das normas cultas; Estruturas básicas do português: Níveis de análise linguística; Os termos da oração; Características fonético-fonológicas do PB; Características morfossintáticas do PB. Objetivos Geral Estudar a língua portuguesa sob a perspectiva da diversi- dade linguística. Específicos • Identificar variedades linguísticas do português; • Distinguir modalidades oral e escrita e suas característi- cas; • Apresentar noções de língua, linguagem, dialeto, etc.; • Proporcionar ao aluno senso crítico e conhecimento dos fatores sociais que influenciam a variação linguística no portu- guês do Brasil. Orientação para Estudo A disciplina propõe orientá-lo em seus procedimentos de estudo e na produção de trabalhos científicos, possibilitando que você desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor metodo- lógico e o espírito crítico necessários ao estudo. Tendo em vista que a experiência de estudar a distância é algo novo, é importante que você observe algumas orientações: • Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horário regular para acessar todo o conteúdo da sua disciplina disponível neste material impresso e no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Organize-se de tal forma para que você possa dedicar tempo suficiente para leitura e reflexão; • Esforce-se para alcançar os objetivos propostos na disci- plina; • Utilize-se dos recursos técnicos e humanos que estão ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas reflexões. Estamos nos referindo ao contato permanente com o professor e com os colegas a partir dos fóruns, chats e encontros presencias. Além dos recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. Para que sua trajetória no curso ocorra de forma tranquila, você deve realizar as atividades propostas e estar sempre em contato com o professor, além de acessar o AVA. Para se estudar num curso a distância deve-se ter a clareza que a área da Educação a Distância pauta-se na autonomia, res- ponsabilidade, cooperação e colaboração por parte dos envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova forma de concepção de educação. Por isso, você contará com o apoio das equipes pedagógicae técnica envolvidas na operacionalização do curso, além dos re- cursos tecnológicos que contribuirão na mediação entre você e o professor. Parte I LÍNGUA PORTUGUESA: UNIDADE VERSUS DIVERSIDADE 1 Variedades linguísticas do português As diferenças entre os muitos falares que encontramos no Brasil são facilmente percebidas. Para isso, não é preciso fazer algum estudo mais aprofundado. Mas o que devemos pensar da variação linguística? Nesse tema, apresentaremos a você diversos conceitos relacionados ao estudo da variação linguística. Além disso, você estudará a relação entre os estudos da linguística moderna e o trabalho do professor em sala de aula. Bom estudo! 1.1 O MITO DA UNIDADE LINGUÍSTICA Nesse tópico, após sabermos a situação atual da língua portuguesa no mundo, iremos investigar as línguas faladas no Brasil. Dessa forma poderemos, fugindo do senso comum, nos posicionar quanto ao mito da unidade linguística do Brasil. 14 Língua Portuguesa I Situação atual da língua portuguesa no mundo Depois do processo de expansão marinha, a língua portu- guesa passou a ser falada nos cinco continentes. Hoje é uma das sete línguas mais faladas do mundo e tem cerca de 200 milhões de falantes. Além de ser falado em Portugal e no Brasil, o português é língua nacional e língua oficial desses dois países. Em Portugal, é língua oficial desde 1290; no Brasil, desde 1757/1758. O português é falado também em cinco países africanos, onde é língua oficial: Angola, Moçambique, Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. O mesmo acontece em Macau – uma região administrativa da China, na Ásia – e no Timor-Leste, país da Oceania. Nesses locais o status da língua portuguesa é o mais variado: o português é língua oficial em alguns e compõe, juntamente com outras línguas nacionais, situação de bilinguis- mo. Esses aspectos da difusão do português serão estudados mais à frente, nas disciplinas que dão continuidade a esse curso. As línguas faladas no Brasil Desde pequenos, ouvimos falar da unidade da língua portuguesa. Ouvimos falar também que, mesmo com a vasta extensão territorial do Brasil, o português se propagou a partir da época do descobrimento e se manteve em nosso país até hoje, Preste atenção a essa distinção: Língua Nacional – língua que serve de instrumento de comu- nicação de uma nação ou de uma parte dela. Língua Oficial – língua utilizada em comunicações oficiais de um país. Tema I | Variedades linguísticas do português 15 não é? Mas será que os resultados dos estudos científicos sobre a língua portuguesa também apontam para essa direção? Será que o Brasil é ou já foi um país monolíngue? É o que veremos a seguir. Apesar de aprendermos ao longo da educação básica que no Brasil só se fala português, hoje, os estudos linguísticos nos permitem dizer que essa afirmação não condiz com a realidade do país. Aqui, atualmente, são faladas mais de 200 línguas: são além das línguas estrangeiras, como o japonês, chinês e árabe, também diversas línguas indígenas – mesmo após a drástica redução da população indígena do país. As línguas indígenas têm estatuto de línguas nacionais desde a Constituição de 1988. Nosso país hoje é oficialmente um país multilíngue, pois aqui existem e são reconhecidas diversas línguas, distribuídas no país de forma localizada, ou seja, o multi- linguismo do Brasil é encontrado somente em locais específicos. Durante os séculos XVI e XVI, os portugueses que aqui chegavam passavam a viver com índias e os seus filhos falavam a língua das mães. Por muito tempo o idioma dos paulistas de São Vicente, vila fundada em 1532, foi o mesmo idioma dos índios da região: os tupis. Do século XVII até meados do século XVIII a língua da população paulista era a língua geral, e não o por- tuguês. O mesmo se deu no Maranhão e no Pará, onde a língua falada era a dos tupinambás (RODRIGUES, 1996). Quando falamos em população indígena hoje, imaginamos que todas elas já adotaram a língua portuguesa e esqueceram seus antigos falares, mas não é bem assim. As línguas indígenas são em torno de 180 no território brasileiro, distribuídas por 221 povos que juntos somam cerca de 160 mil índios, segundo da- Língua geral é um termo utilizado para designar línguas que surgiram em situações específicas de contato entre povos indíge- nas e portugueses entre os séculos XVI e XVII. 16 Língua Portuguesa I dos de Ayron Dall’Igna Rodrigues, coordenador do Laboratório de Línguas Indígenas da UnB. É certo que em muitas comunidades indígenas, princi- palmente os jovens, já falam mais o português do que as suas línguas originais. Mas, atualmente, escolas indígenas começam a se organizar em muitos lugares; nelas os povos indígenas apren- dem as línguas portuguesa e indígena e reafirmam suas culturas. Podemos ver na tabela a seguir exemplos do que acabamos de dizer. No estado do Tocantins, os grupos indígenas que manti- veram contato com a língua portuguesa rapidamente alteraram suas situações linguísticas. Os dados realizados pelas pesquisas do IBGE entre os anos de 1991 e 2000 indicam um aumento do número de índios, que chegou a 734 mil. Esses resultados são diferentes dos dados tratados nas pesquisas acadêmicas, pois os pes- quisadores lidam com falantes de línguas indígenas. O crescimento repentino e inesperado da população indígena é justificado pelo próprio IBGE: pode ter se dado pela imigração internacional e pelo aumento do número de indígenas em zona urbana que antes não se declaravam in- dígenas e passaram a se declarar depois do censo de 2000. Confira os resultados da pesquisa do IBGE no site: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noti- cia_impressao.php?id_noticia=506 Tema I | Variedades linguísticas do português 17 Tabela 1 – Situação linguística de povos indígenas do To- cantins POVO INÍCIO DO CONTATO SITUAÇÃO LINGUÍSTICA AMANAYÊ (apenas 4 famílias) Século XVIII - Não se sabe se ainda falam a língua materna. - Falam português. TEMBÉ-TURUWAYA (apenas 30 pessoas) Século XVIII - Apenas os homens mais velhos sabem a língua materna. - Falam português. ANAMBÉ Meados do século XIX - Homens de mais de 40 anos sabem a língua mater- na, de 20 a 30 anos ainda entendem. - Falam português. ASSURINI Início do século XX - Homens de 30 a 40 anos ainda falam a língua mater- na, muitos jovens e crianças só falam português. SURUÍ Década de 1920 - Todos falam sua língua. - 80% dos homens, 60% das mulheres, todos os adolescentes e crianças falam português. PARAKANÃ 1971 Fundamentalmente mono- língues. - Jovens do sexo masculino já falam português. Fonte: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. O português são dois. São Paulo: Parábola, 2004, p. 56. 18 Língua Portuguesa I Já vimos que em 1988 um grande passo foi dado em direção ao reconhecimento das línguas faladas no Brasil, mas veremos que as línguas de comunidades imigrantes não fo- ram consideradas perante a educação formal. Nas colônias de imigrantes, escolas mantidas pelo município ou pelo estado, a língua dos alunos, ou seja, a língua estrangeira, não é ensinada, o que representa um problema para esses grupos; mas não foi sempre assim. Os imigrantes começaram a se estabelecer aqui a partir do início do século XIX, e principalmente no sul do país formavam núcleos que favoreciam a sua manutenção. Dessa maneira, cada colônia podia manter sua religião, sua organização social e tam- bém o ensino da sua cultura, pois em cada colônia era estabeleci- da uma escola que ensinava a língua utilizada no país de origem dos imigrantes. Com o passar do tempo, o governo proibiu o uso de línguas estrangeiras em sala de aula e, no final da década de 1930, o Estado ordenou que as disciplinas de história e geografia do Brasil fossem dadas em todas as escolas. Em todas as áreas de colonização estrangeira os governos dos estados deveriam manter escolas nacionais, assim, as chamadas escolas-étnicasforam fechadas (KREUTZ, 2000). Essa pequena análise da situação de algumas línguas fala- das no Brasil já abre caminhos para nos desvencilharmos do mito da unidade linguística do nosso país. No decorrer dos nossos estudos, voltaremos a esse assunto, aprofundando mais nossa visão. Vamos ver agora a situação da língua majoritariamente falada no Brasil: a língua portuguesa. Contrastes na língua portuguesa do Brasil Acabamos de ver que, ao contrário do que pensava a maioria de nós, no Brasil não se fala só português. Já aceitamos que são faladas mais de 200 línguas no nosso país, entre línguas Tema I | Variedades linguísticas do português 19 indígenas e estrangeiras. Mas será que, quando falamos somente de língua portuguesa, é possível manter o conceito de unidade linguística? Uma das coisas que iremos aprender nesse curso e que deveremos levar por toda a nossa história como professores e estudiosos daqui pra frente é que todas as línguas mudam e que em todas encontraremos muitas formas para se dizer a mesma coisa. Isso mes- mo! Todas as línguas são heterogêneas, dessa forma podemos falar somente de unidade em meio à heterogeneidade. Todos nós falamos português, mas cada um leva em seu falar características próprias de sua comunidade, de sua idade e de vários outros aspectos. Diversos estudos apontam para a grande diversidade de normas no português. Mais adiante, faremos um estudo mais detalhado dessas questões. Por enquanto, devemos observar o seguinte: no Brasil, as diferenças entre os falares são mais sensíveis quando ob- servamos as divisões socioculturais da sociedade. É mais fácil perceber como são diferentes os falares de uma pessoa esco- larizada e de uma não escolarizada que moram no mesmo local do que perceber diferenças na fala de duas pessoas com mesmo grau de escolaridade e que moram em regiões distintas do país. Apesar disso, a escolarização não é o único fator a influenciar a língua, outros aspectos sociais como a localidade do falante e a sua idade, por exemplo, são de extrema relevância para o estudo de várias línguas. Lembre-se sempre disso, pois opiniões baseadas nas im- pressões e no senso comum só atrapalham o estudo científico da língua portuguesa. Heterogêneo é o que é composto de dife- rentes elementos. 20 Língua Portuguesa I Texto complementar O Português do Brasil, Língua Nacional O estatuto de língua nacional coloca o português do Brasil, quan- to ao status sociopolítico, no mesmo nível que o português de Portugal, com a diferença fundamental de que o de Portugal é falado por mais de dez milhões de indivíduos e o do Brasil por mais de cem milhões. Como o de Portugal, o português brasileiro se mantém numa área estável. Pode-se dizer que, em geral, as fronteiras linguísticas brasileiras coincidem com as políticas, se quiser apagar da lembrança alguns pontos da fronteira sul, na qual avança o espanhol e o guarani, e pontos da fronteira amazônica em que diversas línguas indígenas se acantonam, refugiando-se de glotocídios iminentes. Diferentemente do português de Portugal, convive com múltiplas minorias linguísticas que se concentram, principalmente, nos grandes centros urbanos, na região sul do país, áreas de imigração e nas áreas de populações indígenas remanescentes que mantêm as suas línguas. O destino do português no Brasil se definiu nos meados do século XVIII, quando o Marquês de Pombal, por lei de 3 de maio de 1757, primeiro aplicada ao Pará e Maranhão e que depois se estende a todo o Brasil (CUNHA, 1981-92), dá início a uma nova política linguís- tica e cultural na colônia americana, ao criar a primeira rede leiga de ensino, expulsos os jesuítas, ao estabelecer um ordenamento jurídico e administrativo em que a língua portuguesa passa a ser obrigatória, proscrevendo-se o uso de quaisquer outras línguas (HOUAISS, 1985- 85). Esse fato histórico marcou definitivamente o fim de um processo que poderia ter definido outro destino linguístico para o Brasil. Pode-se admitir, pelos dados da história brasileira, que durante os dois primeiros séculos de colonização, a língua do colonizador não se impôs como majoritária na terra que aos poucos efetivamente do- minava. Morte de uma língua. Tema I | Variedades linguísticas do português 21 Um rápido diagnóstico demográfico, baseado na síntese recente de Antônio Houaiss, O português no Brasil (1985), é um argumento que sustenta a afirmativa anterior: no século XVI, na extensão ocupada do litoral brasileiro, viviam cerca de trinta mil brancos e mestiços integrados, um ou dois milhões de indígenas (em rápido processo de decréscimo populacional) e cerca de trinta mil negros (desde a África, já na viagem, desarticulados de seus grupos de origem, como se sabe, e por isso sem condições de manter efetivamente vivas as suas línguas de origem); já no século seguinte, a penetração interiora- na avançava, a população branca e mestiça integrada subia para duzentos mil, a indígena ainda era significativa - um milhão e meio de habitantes - e a negra crescia para quatrocentos mil (HOUAISS, 1985, p. 44). O instrumento de intercomunicação verbal principal nesse perío- do histórico – pode-se deduzir teoricamente e dados empíricos da his- tória, embora rarefeitos, o confirmam – não seria a língua portuguesa, nem nenhuma das línguas africanas que aqui chegaram, pelo que antes se disse, mas sim uma língua geral de base indígena, com predomínio certamente da língua geral da costa, certamente marcada pela versão dos jesuítas missionários. Sabe-se que não é o português a língua das reduções e missões jesuíticas, sabe-se que nas fazendas e no ambiente rural em geral (e o que seria urbano, então, no Brasil?), na casa dos senhores e dos outros era uma língua, não a portuguesa transplantada, mas com interferên- cias certamente dela, que se constituía. De base indígena e com marcas africanas era aceita, entretanto, pelo poder leigo e da igreja, esta que foi a legitimadora da língua geral para a catequese e domínio dos indígenas nos primeiros tempos coloniais. Confluindo no século XVIII, entre outros, fatores demográficos significativos tais como o avanço da população branca e mestiça inte- grada (cerca de quinhentos mil) e alcançando um milhão a população escrava negra, associados à nova política colonial pombalina, se definiu por aquele século o português como língua dominante. Daí por diante, a escolarização em português, o processo de urbanização crescente, a vinda da corte para o Brasil no início do século 22 Língua Portuguesa I XIX, entre outros fatores, definiram a língua portuguesa como língua nacional e oficial. É óbvio que com suas marcas próprias, devidas não só a um processo natural de mudança intrínseca a qualquer língua, mas diferentemente marcada do processo de mudança do português europeu, não só pelas interferências das línguas indígenas como das línguas africanas que aqui se encontraram com o português. Fonte: MATTOS e SILVA, Rosa Virgínia. Diversidade e unidade: a aventura linguística do português. Lisboa: Internet Instituto Camões de Portugal, 2002, v. 1, p. 1-29. Para refletir O que você ouve falar da língua portuguesa do Brasil? Você já escutou comparações entre o português falado aqui e o falado em Portugal? Analise o que você sabia até então e compare com o que você acabou de aprender e coloque suas impressões no AVA, lembrando de verificar as reflexões de seus colegas. 1.2 CONCEITOS BÁSICOS Para trabalharmos com a língua, precisamos primeiramente aprofundar nossa visão com relação a alguns termos que vão nos acompanhar de agora em diante. São eles: linguagem, língua, sistema, norma, fala, dialeto e gramática. É importante, a partir de então, fazemos a distinção entre línguas naturais e não-naturais, pois as línguas naturais são alvo dos estudos linguísticos. Línguas naturais são aquelas que passaram pelos processos de aprendizagemcomuns a todos os Tema I | Variedades linguísticas do português 23 seres humanos no período de aquisição da língua. O português, o inglês, o italiano são línguas naturais, pois são adquiridas pelas crianças naturalmente. Você já ouviu falar, por exemplo, do Esperanto? O Esperanto não é uma língua natural, pois foi criado para comunicação entre pessoas falantes de diferentes línguas. É como uma língua para situações especiais, aprendida em sua maior parte por adultos. Ela não passa pelos processos de aquisição por crianças, isto é, ela não tem falantes naturais, logo, não é uma língua natural. Linguagem e língua Toda ciência tem um objeto de estudo e precisa defini-lo. No decorrer da história dos estudos linguísticos, muitas foram as propostas de definição para os conceitos de linguagem e língua. Linguagem é como as muitas formas de comunicação que se realizam por meio de símbolos. Os símbolos e o valor deles é algo convencionado pela sociedade. A linguagem verbal, a linguagem gestual, as placas e os sinais de trânsito são exemplos de linguagens. A língua dos sinais é outro exemplo – é uma linguagem gestual. E cada um dos gestos que são utilizados na língua de sinais é convencionado, ou seja, faz parte de um acordo entre os membros que utilizam a língua dos sinais. Esse acordo não é realizado entre as pessoas como faze- mos acordos em reuniões; ele se faz pelo uso e pela aceitação de cada um dos itens utilizados na comunicação. O tempo todo estamos cercados de acordos desse tipo dentro da sociedade. Imagine se nós não aceitássemos as palavras que já são utiliza- das na nossa língua, se quiséssemos, um dia, usar outras pala- vras para designar as coisas que já têm nome. O que você acha que aconteceria? A compreensão do que dizemos seria muito dificultada, não é? 24 Língua Portuguesa I Então, se linguagem é uma forma de comunicação, o que é a língua? Língua é uma forma de linguagem, mais precisamente, a linguagem verbal. Nós, seres humanos, aprendemos naturalmente a língua sem interferências normativas, somente com o convívio. Isso significa dizer que, para que uma criança em fase de aprendi- zado da língua aprenda a falar, não é necessário que seus pais apresentem para ela todos os termos que ela utilizará e quais suas funções, como fazemos quando ensinamos nossa língua a um estrangeiro, por exemplo. A criança aprende naturalmente porque está “programada” para aprender. Qualquer ser humano, em fase de aprendizagem, pode aprender qualquer língua, assim, nesse período especial em que a criança adquire a língua, não há línguas mais difíceis ou mais complexas que outras. Todas podem ser aprendidas da mesma forma. Ferdinand Saussure (1857- 1913), conhecido como “o pai da linguística moder- na”, tratou a distinção entre língua e fala (no francês, langue e parole). A língua seria um produto da socie- dade que não poderia ser modificada pelo falante, é um fenômeno coletivo e externo ao indivíduo. A fala seria o ato individual que se realiza quando uti- lizamos as possibilidades presentes na língua. Além disso, para Saussure, o verdadeiro objeto de estudo da linguística seria a língua, que deveria ser explicada por ela própria. O linguista deve investigar a relação entre os componen- tes do discurso e o valor dessas relações, em outras palavras, a Ferdinand Saussure (1857-1913). Após sua morte, seus alunos reuniram anotações feitas durante as aulas ministradas por Saus- sure e publicaram, em 1915, a obra Curso de Linguística Geral, leitura fundamental para os estudantes de linguística, pois é o marco inicial da linguís- tica moderna. Tema I | Variedades linguísticas do português 25 língua em sua estrutura, por isso essa teoria de análise linguística se chama estrutu- ralismo. Noam Chomsky, em meados do século XX, nos apresenta dois novos con- ceitos linguísticos: compe- tência e desempenho. A competência lin- guística é o conhecimento que o falante tem das regras da língua, ou seja, é o que permite construir sentenças. É uma capacidade interna a todo ser humano. O desempenho é o comportamento linguístico, é um produto da competência e tam- bém de vários outros fatores tanto sociais como psicológicos. Para Chomsky, a linguagem é uma capacidade do ser hu- mano, toda criança recebe essa capacidade de adquirir uma lín- gua por meio da genética. Como essa é uma capacidade própria do ser humano, todos conheceriam as propriedades da língua. Essas propriedades são chamadas de universais da linguagem. Essa corrente linguística, chamada gerativismo, busca identificar as propriedades comuns a todas as línguas humanas para conseguir uma teoria que possa explicar a todas. Então, o papel do linguista, para o gerativismo, é determinar o que pode ou não pode ser dito em uma língua natural. Noam Chomsky, nas- ceu na Filadélfia em 1928, é professor de linguística e filosofia no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é também ati- vista político. Em 1957 publicou "Estruturas Sintáticas", livro no qual apresenta o modelo da gramática gerativa. Suas pesquisas revolucionaram os estudos da linguagem. 26 Língua Portuguesa I Sistema, norma e fala Alguns anos mais tarde, Eugênio Coseriu1 (1987) reformula a distinção feita por Saussure entre língua e fala e propõe uma tría- de2: sistema, norma e fala. O sistema é o conhecimen- to que o falante tem da sua língua, que está na mente de um só falante ou mes- mo de todos os falantes de uma comunidade que falam a mesma língua. É onde encontramos todas as possibilidades da fala e é comum a todos. Norma é um fato de um grupo social, são hábitos linguís- ticos. Em cada norma linguística há características que podem distinguir os seus falantes dentro da comunidade. Observe este exemplo: No Brasil falamos o português e todos nós temos conhecimento do sistema da nossa língua, ou seja, das possibili- dades de estruturar ideias dentro do português. Mas cada grupo social escolhe determinadas estruturas e esse fato caracteriza a norma linguística daquele grupo. Fala é a maneira como o falante realiza o seu conhecimento linguístico, o sistema. A fala, para Coseriu, assim como na visão de Saussure, está na ordem individual. A fala é a única manifestação da linguagem que podemos observar, os outros conceitos – sistema e norma – se baseiam na observação da fala. 1 Eugenio Coseriu (1921-2002), linguista romeno especiali- zado em filologia românica, ciência que hoje é associada principalmente ao estudo material e crítico dos textos. Dentre suas principais obras estão Teoria da lingua- gem e linguística geral e Sincronia, diacronia e história, ambas publicadas em 1973. 2 Um conjunto de três coisas ou pessoas. Tema I | Variedades linguísticas do português 27 Uma das formas de observarmos as possibilidades da fala é por meio dos testes de gramaticalidade. Voltaremos a falar deles logo adiante, após discutirmos o conceito de gramática. Dialeto Dentro de cada norma linguística (também chamada de variante linguística) registramos variedades da língua conhecidas como dialetos. O dialeto não deve ser visto como uma variedade de língua menos importante ou inferior, e esse termo não deve ser utilizado com caráter pejorativo. Para Eugênio Coseriu (1981), uma língua histórica é “uma família histórica de modos de falar afins e interdependentes, e os dialetos são membros dessa família ou constituem famílias menores dentro de uma família maior.” Então, no âmbito da linguística, dialeto significa variante de uma língua histórica. A variedade padrão – aquela escolhida como o “bom falar” e mais prestigiada na sociedade – teve sua escolha baseada em motivos socioculturais e políticos. Gramática A palavra gramática deve ser interpretada primeiramente em seu aspecto linguístico: ela é um conjunto de regras progra- madas em nosso cérebro. São elas que irão estruturar a línguae fazê-la funcionar. E todos os falantes têm o mesmo acesso a ela, ou seja, todos nós somos bons conhecedores da nossa língua e temos a mesma capacidade de trabalhar com ela – para sermos entendidos e entender o que os outros querem dizer. O livro se chama gramática porque, de uma forma ou de outra, contém algumas dessas regras, mas as que são mostradas lá são para o funcionamento de uma variante da língua: a norma padrão (que será alvo dos nossos estudos no próximo tema). 28 Língua Portuguesa I Texto complementar Existe linguagem animal? Um estudo clássico sobre o sistema de comunicação usado pelas abelhas, publicado em 1959 por Karl Von Frisch, revela que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento, regressa à colmeia e transmite a informação às companheiras por meio de dois tipos de dança: circular, traçando círculos horizontais da direita para esquerda e vice-versa, ou em forma de oito, em que a abelha contrai o abdome, segue em linha reta, depois faz uma volta completa à esquerda, de novo corre em linha reta e faz um giro para direita, e assim sucessivamente. Se o alimento está próximo, a menos de cem metros, a abelha executa uma dança circular; se está distante, realiza uma dança em forma de oito. A mensagem transmitida pela dança em forma de oito é muito precisa, porque indica a distancia em metros: para uma distancia de cem metros, a abelha percorre nove ou dez vezes em quinze segundos a linha reta que faz parte da dança. Quanto maior a distancia, menos giros faz a abelha (para 500 metros faz seis giros em quinze segundos). A direção a ser seguida é dada pela direção da linha reta em relação à posição do sol. Os dois tipos de dança apresentam-se como verdadeiras mensa- gens que anunciam a descoberta para a colmeia: ao perceber o odor da obreira ou absorvendo o néctar que ela deglute, as abelhas se dão conta da natureza do alimento; ao observar a dança, as abelhas desco- brem o local onde se encontra a fonte de alimento. Os estudos do zoólogo alemão fazem uma importante revelação sobre o funcionamento de uma linguagem animal, que permite ana- lisar pelo confronto a singularidade da linguagem humana, conforme assinala Benveniste (1976). Embora seja bem preciso o sistema de comunicação das abelhas – ou de qualquer outro animal cuja forma de comunicação já tenha sido analisada – ele não constitui uma linguagem, no sentido em que o termo é empregado quando se trata de linguagem humana, como se pretende demonstrar a seguir: Tema I | Variedades linguísticas do português 29 As abelhas são capazes de: (a) compreender uma mensagem com muitos dados e de reter na memória informações sobre a posição e a distancia; e (b) produzir uma mensa- gem simbolizando – represen- tando de maneira convencio- nal3 – esses dados por diversos comportamentos somáticos4. Essas constatações evidenciam que esse sistema de comu- nicação cumpre as condições necessárias para a existência de uma linguagem: há simbolismo, ou seja, capacidade de formular ou inter- pretar um “signo” (qualquer elemento que represente algo de forma convencional); há memória da experiência e aptidão para analisá-la. Assim como a linguagem humana, esse sistema é válido no interior de uma comunidade e todos os seus membros são aptos a empregá-lo e compreendê-lo da mesma forma. No entanto, as diferenças entre o sistema de comunicação das abelhas e a linguagem humana são consideráveis: (a) a mensagem se traduz pela dança, exclusivamente, sem inter- venção de um “aparelho vocal”, condição essencial para a linguagem; (b) a mensagem da abelha não provoca uma resposta, mas ape- nas uma conduta, o que significa que não há diálogo; (c) a comunicação se refere a um dado objetivo, fruto da experi- ência. A abelha não constrói a mensagem a partir de outra mensagem. A linguagem humana caracteriza-se por oferecer um substituto à ex- periência, apto a ser transmitido infinitamente no tempo e no espaço; (d) o conteúdo da mensagem é único – o alimento, a única varia- ção possível refere-se à distância e à direção; o conteúdo da linguagem humana é ilimitado; e (e) a mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em elementos menores. 3 Ou seja, por meio de convenção ou acor- do. 4 Que se somam. 30 Língua Portuguesa I É esse ultimo aspecto a característica mais marcante que opõe a comunicação das abelhas à linguagem humana. Num enunciado linguís- tico como “Quero água” é possível identificar três elementos portadores de significado: quer- (radical verbal) + -o (desinência número-pessoal), água, denominados morfemas. Prosseguindo a decomposição, pode- se chegar a elementos menores ainda. No enunciado “Quero água”, a menor unidade, os segmentos sonoros, denominados fonemas, permitem distinguir significado, como se pode observar na substituição de /a/ por /e/ em água/égua. Essa é a propriedade da articulação, que é fundamental na língua humana, pois permite produzir uma infinida- de de mensagens novas a partir de um número limitado de elementos sonoros distintivos. Em síntese, a comunicação das abelhas não é uma linguagem, é um código de sinais, como se pode observar por suas características: conteúdo fixo, mensagem invariável, relação a uma só situação, trans- missão unilateral e enunciado indecomponível [...]. Fonte: PETTER, Margarida M. T. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à linguística. São Paulo: Contexto, 2002, v.1, p. 15-17. Para refletir Desde pequenos e durante toda nossa vida utilizamos a língua, mas definir o que é língua não é fácil. Pergunte a amigos e a pessoas da sua família “O que é língua?”. A partir daí e do que você estudou, reflita: como você define o que é língua? Lembre-se de colocar sua reflexão no AVA. Que fazem distinção. Tema I | Variedades linguísticas do português 31 1.3 MUDANÇA E VARIAÇÃO Nos tópicos anteriores vimos que a visão da língua portu- guesa como a única falada no Brasil e como sinônimo de unidade não se sustenta quando nos cercamos de conhecimentos cientí- ficos. Além disso, vimos que ao longo da história foram muitos os posicionamentos dos estudiosos sobre o estudo da variação e da mudança linguística. Vamos, nesse item, ver como a variação linguística passou a ser estudada e não mais ignorada e por que a mudança linguís- tica não pode ser vista como corrupção da língua. Observe a cantiga a seguir de João Aires: Desei’ eu ben auer de mha senhor, mays nõ desei’ auer bê d’ela tal, por seer meu bê, que seia seu mal, e por aquesto, par Nostro Senhor, en que perdesse do sseu nulla ren, ca non é meu ben o que seu mal for Ante cuyd’ eu que o que seu mal é que meu mal est, e cuydo grã razõ, por ê deseio no meu coraçon auer tal bê d’ela, per boa fé, en que nõ perca rê de seu bon prez, nê lh’ ar diga nulh’ ome que mal fez, e outro ben Deus d’ ela nõ mi de. [...] 32 Língua Portuguesa I auer haver aquesto isto nulla ren, nulha rê nenhuma coisa, nada ca pois, porque ante antes, primeiramente cuyd’ considero, penso por ê por isso prez mérito, dignidade, valor, reputação ar também, ainda assim nulh’ ome nenhum homem, ninguém de dê, v. dar ia já, desde este momento uj vi, v. ver ssy si, pron. Pessoal cato busco, atento mays mas atal tal prol proveito ca de mi do que o meu bem bem, fazer o bem: corresponder ao amor. Que língua você acha que é essa? Você acertou se respon- deu que é o português, a língua que, depois de muitas mudanças, é como falamos hoje. Você deve ter parado um pouco para pen- sar: como ela mudou tanto? Mudou por causa do tempo (essa cantiga é do período medieval) e por causa da variação. Mas o que é variação? Variação é o ato de variar e, do pon- to de vista da linguística, é uma característica básica de todas as línguas humanas. Quando ouvimos uma pessoa de um estado diferente do nosso falar, percebemos rapidamente a diferença entre a sua fala ea nossa, não é? Na maioria das vezes, reparamos nas palavras que as pessoas usam. Enquanto em boa parte do nordeste usa- mos aipim ou macaxeira para designar a raiz da qual fazemos farinha, no sul se usa a palavra mandioca. Tema I | Variedades linguísticas do português 33 Também percebemos diferenças quando escutamos pessoas mais ou menos instruídas que nós, ouvimos palavras que não utilizamos com frequência ou até maneiras diferentes de estruturar as frases. Tudo isso se dá não por uma corrupção da língua, como afirma o senso comum, mas por um simples motivo: o de que todas as línguas variam e de que a variação atinge os diversos níveis da língua. Vamos ver alguns exemplos do que estamos falando. No livro Como falam os brasileiros (2002), as pro- fessoras e pesquisadoras Yone Leite e Dinah Callou publicaram os resultados das pesquisas feitas sobre alguns aspectos da norma culta do país, dentre eles: A existência de artigo definido diante de nomes próprios: (1) a. A Maria passou aqui em casa ontem. b. Maria passou aqui em casa ontem. A existência de artigo definido diante de pronomes possessivos: (2) a. O meu pai trabalha aos sábados. b. Meu pai trabalha aos sábados. E a alternância entre as formas nós e a gente: (3) a. Semana passada nós fomos ao cinema. b. Semana passada a gente foi ao cinema. Essas diferentes maneiras de falarmos a mesma coisa não passa por nós despercebida e mesmo assim não julgamos nenhuma das opções que foram mostradas como melhores ou piores. No caso dos exemplos apresentados em (3), julgamos O termo norma culta se refere à variedade de língua falada pelas pessoas de maior escolaridade, ou seja, pessoas com o ensino superior completo. Veremos mais profunda- mente esse conceito e as discussões que giram em torno dele no decorrer do livro. 34 Língua Portuguesa I como adequados ou não a situações de comunicação: o uso do pronome nós é mais comum em ocasiões formais enquanto o uso do a gente é frequente em ocasiões informais. Alguns outros conceitos serão muito utilizados por nós quando dermos seguimento aos estudos nesse livro, são eles os conceitos de variável e variante. Variante é como chamamos cada uma das diferentes formas de um fenômeno que varia. Variável é esse fenômeno. É por isso que chamamos a língua portuguesa do Brasil de variante brasileira, porque ela é uma das formas da língua portuguesa. Assim como há a variante brasileira, há a variante europeia. Para fixar bem essas ideias, vamos relembrar um assunto de que já falamos aqui: a alternância nós/a gente no português do Brasil. O uso da primeira pessoa do plural é uma variável, pois é um fenômeno que varia. Cada uma das formas que utilizamos para a primeira pessoa do plural se chama variante. Dessa forma, o pronome nós é uma variante e o pronome a gente também. Podemos simplificar essas ideias assim: Variável (fenômeno que varia): primeira pessoa do plural Variantes (formas possíveis de realização da variável): O pronome nós Ex.: Nós vamos comprar pão. O pronome a gente. Ex.: A gente vai comprar pão. Tema I | Variedades linguísticas do português 35 A variável que acabamos de ver tem duas alternativas possíveis, mas outras variáveis podem ter mais de duas alterna- tivas. É o caso da negação em língua portuguesa, um fenômeno variável que possui três variantes. Observe os dados a seguir: Variável: as estruturas de negação no português do Brasil. Variantes: • A negação antes do verbo Ex.: Pergunta: Você viu Maria sair da sala? Resposta: Não vi. • A negação depois do verbo Ex.: Pergunta: Você viu Maria sair da sala? Resposta: Vi não. • A negação antes e depois do verbo Ex.: Pergunta: Você viu Maria sair da sala? Resposta: Não vi não. Esses são apenas alguns exemplos. Coseriu (1979) afirmou que a língua nunca está pronta, ela está se refazendo sempre. A cada nova geração de falantes surgem novas alterações. O que permite isso são dois fatos. Primeiramente, a língua não muda instantaneamente, de um dia para o outro. Toda mu- dança se dá de forma gradual. Em segundo lugar, a quantidade de itens sofrendo variação em um língua é muito menor que a quantidade de itens em estabilidade. Agora pense: se a língua muda tanto e sempre, o que permite que ela continue funcionando e que seus falantes continuem se entendendo? 36 Língua Portuguesa I Como já dissemos, a variação é comum a todas as línguas, e, para que ocorra a mudança linguística, é necessário primei- ramente que a variação aconteça. Em outras palavras, para que algo mude é preciso que passe por variação antes, assim, toda mudança resulta do processo de variação. Outro fato muito importante é o seguinte: nem sempre uma variação gera uma mudança. É certo que a heterogeneidade da língua e da própria sociedade origina a variação, mas nem todos dessa sociedade aceitam as inovações e começam a utilizá-las. Além disso, nem toda inovação dura. Você já percebeu como algumas gírias são esquecidas com o tempo e outras parecem durar mais? É assim que acontece. Vejamos o caso do pronome de segunda pessoa do plural vós. Hoje, no Brasil, ele só é visto nas gramáticas e em livros antigos, não é? Por um momento ele competiu com o pronome que usamos hoje, o você, e por algum tempo houve a variação: as duas formas competiam na fala das pessoas. Com o passar do tempo, o você passou a ser mais utilizado e o vós foi esquecido. Aconteceu a mudança. O estudo da mudança. Nem sempre a mudança e a variação orientaram os estu- dos linguísticos, pelo contrário. Apesar de hoje se saber que toda língua varia, em muitos momentos essa propriedade foi excluída dos estudos científicos. Em determinada época, porque não era possível determinar o que a propiciava; para algumas correntes linguísticas, porque não era necessário levá-la em conta. A mudança esteve no centro dos estudos linguísticos no final do século XVIII e durante todo o século XIX, período em que se desenvolveu uma análise que comparava fatos linguísticos do sânscrito, na Índia, com as fases mais antigas do grego, do latim e das línguas germânicas. Até hoje as constatações propiciadas Tema I | Variedades linguísticas do português 37 pelo método histórico-comparativo servem de base para a Lin- guística Histórica. Inaugurando o que chamamos de linguística moderna, Ferdinand Saussure, com a publicação do Curso de Linguística Geral, dá início à corrente linguística que passou a vigorar tem- pos depois, chamada estruturalismo. Essa corrente se preocupa- va com a análise da estrutura da língua – por isso o seu nome. Observando somente a estrutura, focada em captar somente o sistema, não era necessário pensar nos fatores sociais que in- fluenciariam o uso da língua. Saussure achava que havia necessidade de estudar a lín- gua em dois aspectos diferentes: em apenas um momento do tempo (o que chamamos de sincronia) e no intervalo entre dois momentos (chamado diacronia). Nessa época também são realizados estudos em outra corrente linguística, chamada dialectologia. Ela se refere ao ramo dos estudos linguísticos que se inicia com a publicação de Atlas linguistique de la France, de Jules Gilliéron, no início do século XX. Também chamada de geografia linguística, essa corrente tem por objetivo criar um modo de pesquisa do qual se possam tirar conclusões sobre a variedade linguística de uma determinada lo- calidade, essas conclusões podem definir um dialeto. Para isso, é necessário entrevistar pessoas do local, que moram lá há muito tempo e que não tenham saído de suas comunidades, pois elas revelam os traços linguísticos específicos daquele grupo social e daquela região. Em reação ao pensamento da corrente estruturalista, surge a corrente chamada gerativismo, iniciada por Noam Chomsky. O foco das pesquisas gerativistas está no conhecimento individual que o falante tem da língua, ou seja, a competência (tratada aqui notópico 1.2). Essas suas visões, o estruturalismo e o gerativismo, não relacionam a língua e suas variações com a sociedade ou sua 38 Língua Portuguesa I heterogeneidade. Já a sociolinguística, iniciada por William La- bov, além de ter a variação como foco dos seus estudos, assume que a sociedade e sua composição heterogênea são pontos fundamentais para a análise da língua. São os conceitos da so- ciolinguística que vamos estudar no próximo item. Visões sobre a mudança Para complementar esse breve estudo da mudança linguís- tica, observe esse pequeno esquema que apresenta a visão que alguns estudiosos tiveram da mudança linguística. Lembre-se: mudança não deve ser vista como progresso (desenvolvimento para melhor ou para pior) ou degeneração. Início do século XIX – era defendido o caráter degene- rador da mudança: as línguas antigas estavam em estágio superior de desenvolvimento. Metade do século XIX – Augusto Schleicher, linguista e botânico, defendia a ideia de que a língua era um organismo vivo independente de seus falantes e sujeita ao desenvolvi- mento, maturidade e declínio. Fim do século XIX – Jespersen (influenciado pelo evolu- cionismo sociológico) defende que não há degeneração, mas progresso rumo às formas aperfeiçoadas. Início do século XX – Saussure formula a concepção de língua como um todo cujas partes estão em estritas relações de oposição e mútua dependência. As línguas passam de um estado de organização a outro (visão neutra da mudança). Sapir (1969) propõe tratar a mudança como submetida por uma força interna (traduzida por Câmara Jr. como deriva) que impulsionaria a língua a uma determinada direção. Tema I | Variedades linguísticas do português 39 Texto complementar O contacto com outras línguas e com outras realidades sociais, culturais e políticas é uma das principais causas de mudança e de varia- ção, uma causa exterior que provoca alterações internas. As palavras estendem ou restringem o seu significado (a palavra estremecida, que outrora significava tremida e muito amada, mantém somente o primei- ro significado; meter é usado hoje, muitas vezes, em lugar de pôr por influência do francês mettre; capturar substitui, em certas circunstân- cias, captar, do inglês to capture). As frases alteram a sua construção (‘posso ter um copo de água?’ é inspirado no inglês ‘may I have a glass of water?’). O léxico acolhe novas entradas e esquece outras (chapéu entrou em português no século XIII, importado do francês antigo cha- pel; antanho, isto é, antigamente é desconhecido das novas gerações). No campo do léxico globalmente considerado lembre-se da importância das palavras que entraram no português pelo contacto, no Brasil, com as línguas ameríndias e com as línguas das comunidades imigrantes (alemão, japonês, holandês e quantas mais); lembre-se também da entrada de empréstimos das línguas nacionais africanas no português falado na África; na Ásia, considerem-se as palavras que emigraram para o português vindas das regiões longínquas onde chegaram os barcos portugueses. Na Europa, as línguas de prestígio também contribuíram para uma transformação do léxico: diariamente vamos integrando palavras que vêm escondidas na tecnologia, im- portada do inglês e em muitos campos da nossa vivência quotidiana. Enfim, de geração para geração as palavras mudam de forma [...]. As causas da mudança não são apenas exteriores. A mudança interna, endógena, também se dá. Os fenômenos fonéticos de su- pressão de consoantes e vogais, ou mesmo de palavras inteiras com menor corpo fonético (como, em português, as formas do acusativo dos pronomes pessoais, o, a, os, as, que são substituídas em alguns dialetos do português brasileiro por formas do nominativo ele, ela, você, etc.) desenvolvem-se muitas vezes pelo mero fato de a língua 40 Língua Portuguesa I ser falada, usada. A simplificação de um dos sistemas da língua pode constituir-se em fator de modificação e levar, por exemplo, à redução de várias formas verbais a uma única, o que sucede no português do Brasil com formas como tu fala, ele fala, nós fala, ou no inglês com as conjugações verbais [...]. Obs.: Os exemplos apresentados nesta seção pertencem ao português europeu. Fonte: MATEUS, Maria Helena Mira. A mudança da língua no tempo e no espaço. In: MATEUS, M. H. M.; BACELAR, M. F. (org.). A língua portuguesa em mudança. Portugal - Lisboa: Caminho, 2005. Para refletir Converse com parentes e amigos sobre o que você acabou de aprender e, principalmente, com a ajuda dos de idade superior a sua, liste algumas palavras da nossa língua que não são mais utilizadas ou que passaram por mudança. Achar exemplos próximos do que estudamos nos ajuda a fixar melhor o assunto! 1.4 NOÇÕES DE SOCIOLINGUÍSTICA APLICADAS AO ESTUDO DO PORTUGUÊS DO BRASIL Nesse item vamos ver noções de uma corrente linguística chamada Sociolinguística Laboviana e aplicar essas noções ao es- tudo da língua portuguesa. Esperamos assim dar exemplos mais concretos da variação que encontramos no português do Brasil. Tema I | Variedades linguísticas do português 41 Você está lembrado dos conceitos de mudança e variação que estudamos no tópico 1.3? Revise-os porque precisaremos muito deles agora. A Sociolinguística Laboviana é uma corrente linguística que entende a variação como um princípio geral das línguas naturais. Essa corrente linguística considera em especial como objeto de estudo a variação, que pode ser descrita e analisada cientifica- mente. Os estudos da so- ciolinguística se iniciam na década de 1960 a partir dos estudos realizados por William Labov – por isso o nome de sociolinguística Laboviana. Labov relaciona fatores sociais, como sexo, origem étnica e atitude perante variáveis linguís- ticas ao comportamento linguístico dos habitantes de Martha’s Vineyard. Assim, tem início uma nova teoria e metodologia, nelas a língua deixa de ser vista como estrutura estática e que tem como objeto de estudo a mudança. A sociolinguística entende a variação como princípio geral e universal das línguas naturais humanas (um princípio que pode ser descrito e analisado). Ela parte da ideia de que a escolha por uma das formas de falar algo seria influenciada diretamente pelo que chamamos de fatores estruturais (ou internos à língua) e sociais (ou externos). Desta forma, um fenômeno variável (que pode ser chamado também de variável), pode ser influenciado por um grupo de fatores estruturais e sociais. Contudo, como já dissemos, a variação não implica inevitavelmente em mudança Os estudos da mu- dança em progresso realizados por Labov propiciaram uma nova teoria da mu- dança linguística, que foi formalizada entre 1966 e 1968 no livro Fundamentos Empíricos para uma Teoria da Mudança Linguística, de Uriel Weinreich, Willian Labov e Marvin Herzog. 42 Língua Portuguesa I linguística, já que duas ou mais formas podem ser usadas ao mesmo tempo e durante um período de tempo bem longo. Po- rém toda mudança se origina na variação. É importante lembrar que as análises linguísticas nos apontam tendências, e não previsões das quais não podemos escapar. Não podemos dizer que um fenômeno será dessa ou de outra forma daqui a um determinado tempo, mas podemos dizer que, segundo nossos dados, o fenômeno tende a se comportar de um ou outro modo. Um dos interesses da sociolinguística é também a avalia- ção que o falante faz de uma ou de outra variante. Há variantes estigmatizadas pelos falantes – sobre as quais as pessoas fazem mau juízo – e há variantes prestigiadas – que são dotadas de prestígio na sociedade. Essas avaliações ajudam o pesquisador a saber por que uma forma é escolhida e outra é recusada pelos falantes em certas situações. Você lembra de que tínhamos falado que, para a sociolin- guística, os fenômenos linguísticos são influenciados por fatores internos e externos à língua? Veremos isso agora, estudandoos fatores externos, ou seja, os fatores sociais. Os fatores sociais são vários. Quando falamos de variação de tempo, estamos falando de uma variável externa à língua, o mesmo acontece quando nos referimos às diversas classes so- ciais, às características das pessoas que compõem a sociedade ou às situações pelas quais as pessoas passam no momento de se comunicar. Em cada análise feita sobre o comportamento linguístico de um grupo encontraremos diversos aspectos da língua para serem estudados. Os fatores sociais podem ser organizados em grupos. Va- mos conhecê-los? Tema I | Variedades linguísticas do português 43 Variação de tempo Como seu próprio nome diz, esse tipo de va- riação se refere à passagem do tempo. Ela também é chamada de variação dia- crônica. Percebemos a influência da variação diacrônica quando investigamos uma variável durante algum tempo. Isso é possível na escrita se tivermos acesso, por exemplo, a cartas ou documen- tos antigos e os comparar- mos com escritos atuais. Observe o trecho retirado do conto A cartomante, de Machado de Assis, escrito em 1882. Dia é prefixo grego que significa “Através de”. –crônica se relaciona com cronologia (a ordem dos acontecimentos no tempo). Dessa forma, quando falamos de variação diacrônica, nos referimos à variação “atra- vés” do tempo. Machado de Assis – Seu nome de batismo era Joaquim Maria Machado de Assis (1839 - 1908). Foi poeta, romancista, drama- turgo, contista, jornalista, cronista e teatrólogo bra- sileiro, e era considerado o maior nome da literatura brasileira. Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explica- ção que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. 44 Língua Portuguesa I Percebeu alguma diferença entre palavras utilizadas na- quela época e hoje? O que hoje é chamado coisa antigamente era cousa. Assim, por esse trecho, percebemos pelo menos uma mudança que se deu da época em que Machado de Assis escreveu o seu conto e os dias de hoje. Variação diatópica O termo topos, em latim, designa lugar. Assim, variação diatópica é a variação que se dá pela diferença de lugares. Ela também é chamada de variação espacial. Vejamos alguns exemplos de variação diatópica: A fruta que no nordeste conhecemos como tangerina, no sul é chamada de mexerica ou bergamota. O mesmo acontece com a pinha, que no sul é fruta-do-conde e, em alguns lugares do nordeste, como no Ceará, é ata. A variação diatópica não é percebida somente nas diferen- ças entre palavras. É claro que assim é mais fácil de enxergá-la, mas há estruturas na língua que sofrem variação quando anali- samos os lugares em que são utilizadas. É o caso do artigo em frente a nomes próprios ou a pronomes possessivos, que vimos rapidamente no tópico 1.3. Variação diastrática A variação diastrática se refere aos estratos da sociedade. Dentro da variação diastrática encontramos outros aspectos que também variam, pois a sociedade pode ser analisada sob diferentes visões. Vamos ver algumas: Geracional A diferença entre gerações ou entre faixas etárias distintas é responsável por boa parte da variação que percebemos no Tema I | Variedades linguísticas do português 45 nosso dia a dia. Quantas vezes você já falou com um conhecido ou parente mais velho que você e percebeu palavras que não são mais usadas? Ou percebeu que eles usam mais algumas palavras do que você? Gênero A depender do fenômeno que estudamos, podemos ver que homens e mulheres falam diferente. Mas essas conclusões acerca da variação de gênero devem ser analisadas levando-se em conta os posicionamentos de homens e mulheres na sociedade. Nas comunidades rurais, por exemplo, em que as mulheres tendem a cuidar da casa e os homens, em sua maioria, trabalham fora e até mesmo em outras cidades, eles usam mais do que elas as variantes inovadoras (aquelas que começaram há menos tempo a aparecer na estrutura linguística). Já em comunidades urbanas, em que mu- lheres trabalham tanto quanto os homens, não acontece o mesmo. O uso de nós e a gente é um exemplo disso. Na zona rural é mais comum que os homens usem mais o pronome a gente do que as mulheres, porque essa é uma variante inovadora, mais encontrada nos grandes centros urbanos. Escolaridade Muitas estruturas da norma padrão só são aprendidas na escola, porque a língua portuguesa que estudamos na gramática é bem diferente da língua portuguesa que usamos no nosso cotidiano. Variação diafásica Essa é a variação correspondente a diferentes tipos de registros, isto é, o modo como o falante adéqua sua fala para determinadas situações. Os exemplos estão o tempo todo à nossa volta. Quer ver? 46 Língua Portuguesa I Quando você está em casa, com seus familiares, como você fala? Em ambientes íntimos, não temos tanta necessidade de monitorar nossa fala o tempo todo: é nesse momento que utilizamos a fala informal ou distensa. Quando falamos informal- mente utilizamos gírias, não é mesmo? Agora imagine o seguinte: você foi chamado para uma en- trevista de emprego. Como você irá conversar com o seu futuro chefe? Você usará gírias? Como você irá tratá-lo? Em situações formais, todos nós procuramos ajustar nossa fala, utilizamos formas que não utilizaríamos nas situações informais. Esses são apenas dois exemplos de registro: o formal e o informal; e, no caso da situação que acabamos de ver, registro oral. Mas há muitos outros tipos de registro, tanto na fala quanto na escrita. Para refletir Agora que você já conhece diversos tipos de variação, procure pensar em outros fatores sociais que podem modificar a maneira como se fala. Tema I | Variedades linguísticas do português 47 RESUMO Que bom! Você chegou ao fim do primeiro conteúdo. No percurso que traçamos, investigamos o mito da unida- de da língua portuguesa do Brasil e descobrimos que aqui não se fala só português. Muitas outras línguas, de línguas estrangeiras a línguas indígenas ainda vivem na fala de seus representantes. Ao aprofundarmos nossa visão sobre os conceitos de língua, linguagem, dialeto, dentre outros conceitos importantes, contribuímos para a reflexão crítica da língua. Esse com certeza é um dos objetivos que você alcançou ao finalizar sua leitura. Além disso, podemos entender um pouco mais de uma questão estudada há muito tempo e por muitos pesquisadores. Você agora pode responder a pergunta Por que as línguas mu- dam? com embasamento científico. Na jornada rumo ao estudo das línguas, é muito importante fugir do senso comum e buscar em estudos e na opinião dos pesquisadores as respostas para nossas dúvidas. A influência dos fatores sociais precisa ser levada em con- sideração quando falamos de mudança, variação e também de ensino da língua. A tarefa do educador vai além da reflexão sobre seu material teórico. O educador deve treinar seu olhar para a realidade linguística da sua comunidade e do seu aluno. Esse será um dos temas abordados no próximo conteúdo. Até lá! Norma padrão2 Esse tema trata dos aspectos relacionados à norma-padrão, aquela que foi escolhida como o “bom falar”. Iremos investigar como ela alcançou o status que tem hoje e quais os fatores que influenciam a sua imposição na sociedade. 2.1 A GRAMÁTICA TRADICIONAL Antes de começarmos nosso estudo, leia a poesia de Oswald de Andrade apresentada a seguir. Pronominais Oswald de Andrade (1890-1954) Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido 50 Língua Portuguesa I Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso, camarada Me dá um cigarro. Essa poesia foi escrita ainda no início do século XX, e as obras de seu autor pertencem a uma escolaliterária chamada modernismo. Já nesse tempo – e esse era um dos objetivos de muitas das obras da época – alguns autores chamavam a aten- ção para a distância entre o que era imposto pela gramática e o que era realmente falado aqui no Brasil. Você também já deve ter percebido algumas diferenças entre o que é cobrado pelas gramáticas e o que é dito. Já que cada um de nós, em algum momento, percebeu toda essa diferença, como então a gramática tradicional ganhou o status que tem hoje? Vamos descobrir isso aos poucos, inician- do agora nossa leitura sobre a história da gramática. A gramática tradicional (ou normativa, pois descreve uma norma) tem sua tradição iniciada no século III a.C. na cidade de Alexandria, no Egito. Naquela época, muitos estudiosos da literatura clássica da Grécia, preocupando-se com a manutenção da língua grega resolveram descrever as regras gramaticais das grandes obras e dos autores clássicos. Esses estudiosos, chamados filólogos, fizeram isso com a intenção de compor um modelo para aqueles que quisessem es- crever obras literárias, pois àquela altura o grego já tinha passa- do por muitas alterações. Aliás, a palavra gramática significa em grego “arte de escrever”. Como seu objetivo era o de prescrever as normas para se escrever bem, a gramática excluía a língua falada do seu estudo. As gramáticas romanas eram baseadas nas gramáticas gre- gas. A gramática latina mais antiga conhecida hoje é a gramática Tema II | Norma padrão 51 de Varrão, do século I a.C., mas as mais importantes foram as de Donato (no século IV d.C.) e a de Prisciano (no século VI d.C.). As duas descreviam o latim clássico e foram usadas no estudo do latim durante a idade média, pois o latim era a língua da igreja e do ensino (LOBATO, 1986). No século XVI muitas gramáticas baseadas nas greco- romanas foram publicadas pelo mundo. Foi nessa época que surgiu a primeira gramática da língua portuguesa. Logo após outras foram escritas. Observe a seguir: Quando o Brasil começou a ser colonizado, por volta de 1532, havia uma grande necessidade dos portugueses de se comunicarem com os indígenas e de serem entendidos. Na intenção de alcançar esse objetivo e favorecer a propagação do cristianismo no Novo Mundo, o padre jesuíta José de Anchieta publica a Gramática da língua mais usada na costa do Brasil. Essa gramática reunia regras gramaticais de um grupo de línguas que hoje é denominado tupi. A partir de então foi criado o que se chamou tupi jesuítico. A gramática, que se tornou fundamental para a cristianização dos índios da costa, contribuiu para o desa- parecimento de muitas línguas indígenas. 1536: Gramática da linguagem portuguesa, de Fernão de Oliveira; 1540: Gramática da língua portuguesa, de João de Barros; 1574: Regras que ensinam a maneira de escrever e a orto- grafia da língua portuguesa, de Pero Magalhães de Gândavo; 1576: Ortografia e origem da língua portuguesa, de Duarte Nunes de leão. Fonte: BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro? um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2004, p.46. 52 Língua Portuguesa I A gramática de José de Anchieta não foi a única gramática da língua in- dígena do Brasil. Depois dela, em 1699, publicou-se a Arte da língua brasileira da nação cariri. (MATTOS E SILVA, 2004a) Diferente do que acontece atualmente, houve uma época em quem poucas pessoas tinham acesso às gramáticas, só as que sabiam ler e escrever, ou seja, a aristocracia. E como esse grupo detinha o poder político, definia o que era ou não bom na vida social. Hoje, chamamos de gramática tradicional – referida sim- plesmente como GT – o ramo dos estudos que se volta para os usos literários dos grandes autores e que se dedica somente à língua escrita. Apesar de antes ser uma obra que orientava a escrita, com o passar do tempo, a gramática passou a se im- por também como uma maneira de falar bem. Segundo essa tradição, os exemplos exposto pelos autores das gramáticas no Brasil – mesmo as muito atuais – são retirados de autores do passado ou portugueses, o que não condiz com as necessidades dos nossos alunos, sejam eles do nível fundamental, médio ou superior. Um olhar crítico sobre a GT Até agora, falamos bastante de como a gramática se cons- tituiu até os dias atuais e que obras desse caráter não refletem a norma usada pela sociedade. Portanto, para expor realmente essas inadequações, vamos ver três aspectos da língua portu- José de Anchieta (19 de março de 1534 - 9 de junho de 1597) foi um padre jesuíta espanhol e um dos fundadores de São Paulo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Jos%C3%A9_de_Anchieta Tema II | Norma padrão 53 guesa do Brasil (dois sin- táticos e um morfológico) e o que a GT fala sobre eles. Esperamos que, ao fim dessa exemplificação, você possa começar a ver também outros pontos da GT dignos de reflexão. Vamos começar com duas análises de conceitos desenvolvidos no âmbito da sintaxe. Primeiro exem- plo: De que grupo da sin- taxe fazem parte o sujeito e o predicado de uma oração? De um grupo chamado Termos essenciais. A definição de essencial é necessário ou indispensá- vel. Dessa forma, o sujeito e o predicado nos são apresentados como itens indispensáveis a uma oração. Agora, vamos observar as seguintes construções: Relampejou ontem à noite. Tem pouca gente na praça. A própria gramática tradicional classifica essas orações como orações sem sujeito: por tratarem, a primeira, de um fe- nômeno da natureza (verbo relampejar) e, a segunda, de uma oração existencial (verbo ter em sentido existencial). No caso da segunda oração, a palavra gente é classificada como objeto do verbo ter. Ora, se o sujeito é um termo essencial (necessário e indispensável) da oração, como pode haver, dentro da gramática tradicional, a classificação oração sem sujeito? Você se lembra dos níveis da gramática? Dois deles são a sintaxe e a morfologia, e a eles pertencem os exemplos que daremos agora. Vamos revisá-los? Sintaxe: é o nível da relação entre as pala- vras ou entre as orações. Um item pode ser classificado como sujeito, por exemplo, por sua relação com o predicado. Morfologia: é o nível do estudo da estrutura, da formação e da classificação das palavras. Na morfologia estudamos as palavras isola- damente – mas em alguns casos precisamos consultar demais palavras para identificar uma classe de palavras. 54 Língua Portuguesa I Segundo exemplo: Qual o conceito de sujeito que en- contramos nas gramáticas tradicionais? Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, autores da Nova Gramática do Português Contemporâneo (2001), “Sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração”. Observe as seguintes frases, apresentados por Perini (1989): (3) Carlinhos corre como um louco. (4) Carlinhos machucou Camilo. (5) Esse bolo eu não vou comer. (6) Em Belo Horizonte chove um bocado. Nas duas primeiras orações, o sujeito é Carlinhos. Na ter- ceira, o sujeito é eu e, na quarta, não há sujeito (estamos falando novamente de um fenômeno da natureza). O que Perini pretende mostrar com essas orações é que, se pensarmos bem, a análise que determina os sujeitos das duas últimas orações que mostra- mos não são compatíveis com a definição ‘ser sobre o qual se faz uma declaração’. Os dois pontos que vimos se relacionam com a sintaxe, pois trataram da classificação e da conceituação do sujeito da oração. Falaremos no próximo exemplo de aspectos morfológi- cos da língua. Terceiro exemplo: Quando uma pessoa concorda com outra (e não importa em que assunto), é comum ouvirmos a pessoa falar “Concordo com você em gênero, número e grau”, não é mesmo? Essa fala faz referência à concordância nominal. A GT nos diz que os nomes se flexionam em gênero, número e grau, mas uma das características da flexão é a obrigatoriedade. Observe os exemplos: (7) O gato preto entrou em casa. (8) A gata preta entrou em casa. (9) As gatas pretas entraram em casa. Tema II |Norma padrão 55 No exemplo (7) o termo gato é acompanhado por artigo e adjetivo. Esses dois termos que acompanham gato concordam com ele - ambos estão no masculino e no singular. No exemplo (8) temos artigo e adjetivo no feminino, e no exemplo (9) artigo e adjetivo estão no feminino e no plural. Essas flexões que apresentamos (gênero e número) são obrigatórias na norma padrão. Vejamos agora outras duas frases. (10) As gatinhas pretas entraram em casa. Essa frase é perfeitamente aceita por qualquer falante e também pela gramática normativa, apesar de não ter sido feita a “concordância” de grau no adjetivo preta. Em outras palavras, não é obrigatório concordar As gatinhas com o adjetivo preti- nhas; fazemos essa concordância se quisermos. O primeiro estudioso a discutir a questão do grau no por- tuguês do Brasil foi Mattoso Câmara Jr., em 1970. Depois dele muitos outros deram suas contribuições à discussão, no entanto, as gramáticas tradicionais continuam apresentando o grau como flexão. Esses foram apenas três exemplos de como a gramática tradicional apresenta regras que podem ser facilmente contes- tadas. Estudo normativo versus estudo descritivo Muitos aspectos distinguem o estudo normativo, que dire- ciona a gramática tradicional, do estudo descritivo, aquele que, como o próprio nome diz, descreve as características da língua. Aqui, apontamos os principais. 56 Língua Portuguesa I Estudo normativo 1. Observa um padrão ideal (o que a língua deve ser); 2. Prescreve: estabelece regras do bom uso; 3. Baseia-se na noção do “correto”. Define o que é próprio e o que não é da norma padrão; 4. Objeto de estudo: norma padrão; 5. Considera a língua um objeto homogêneo e unitário; 6. Voltada para a língua escrita (tradição literária); 7. Não expõe necessariamente a sua metodologia e princí- pios teóricos; 8. Bases: valores políticos, ideológicos e culturais. Estudo descritivo 1. Observa a língua objetivamente (o que a língua é de fato); 2. Descritivo: não pretende interferir no comportamento dos falantes; 3. Não trabalha com a ideia de “correção”. Todas as normas de uso da língua são consideradas igualmente; 4. Objeto: todas as normas da língua; 5. Reconhece a heterogeneidade da língua: a variação é própria da atividade linguística; 6. Voltada para a língua oral, a língua falada na atualidade; 7. Explicita o método através do qual apreende o seu objeto e a teoria que orienta sua análise; 8. Bases: neutralizar influências políticas e ideológicas, orientando-se por critérios exclusivamente linguísticos. Fonte: esquema retirado de apontamentos de aula – Instituto de Letras, UFBA, 2001. Guarde bem essas distinções, pois quando dermos prosse- guimento ao nosso curso elas serão muito necessárias. Tema II | Norma padrão 57 Para refletir Procure lembrar-se de fatos que você estudou na gramática tradicional e que geraram dúvidas. Analise-os com olhar crítico e procure perceber o que levou você a ter dificuldade. 2.2 NORMAS LINGUÍSTICAS Vimos no tópico 1.2 desse livro que norma, para Eugênio Coseriu, faz parte da tríade sistema, norma e fala. Nesse con- texto, norma foi definida como hábitos linguísticos de um grupo social, características que podem distinguir os seus falantes dentro da comunidade. Vimos também que esse termo se baseia na observação da fala, ou seja, não é diretamente observável, como a fala. Há muito ainda para se falar de norma. E para estudarmos a língua portuguesa do Brasil, devemos aprofundar nossa visão sobre outros termos relacionados com essa palavra que iremos ver muito ainda. Você já ouviu falar, por exemplo, de norma cul- ta? E de norma-padrão? Sabe o que elas representam em nossa sociedade? Vamos desvendar todos esses mistérios agora. O termo norma tem dois significados diferentes; esse signi- ficado descobrimos quando analisamos atentamente o contexto em que a palavra é empregada. Norma pode se relacionar com o adjetivo normal, quando significa algo frequente ou habitual. Ex.: No século XXI, ter um carro é normal. Norma pode significar também regra; nesse caso, se relaciona com o adjetivo normativo. Assim, significa algo que segue um ideal, ou que segue uma regra. Ex.: Para o convívio social, respeitamos muitas normas. No âmbito da linguística moderna, podemos definir norma como o uso comum de formas da língua por determinados 58 Língua Portuguesa I grupos sociais e também como um fator de identificação de um grupo. É comum sabermos de onde uma pessoa vem, por exemplo, pela sua fala, ou até mesmo julgarmos o falante como escolarizado ou não. Nossa sociedade, como é diversificada, tem inúmeras normas. As normas, contudo, não são inatingíveis; elas permitem uma troca de influências, algo como um intercâmbio cultural (FARACO, 2002). Dentre as normas existentes no Brasil, aqui um pouco do que pode ser dito sobre norma-padrão, norma culta e normas populares. Desde já, é importante termos bem gravadas as definições de norma-padrão e norma culta, pois esses dois termos são constantemente confundidos. Norma-padrão é a norma prescrita pelas gramáticas tra- dicionais. Essa norma teve como modelo a língua escrita de Portugal. Muitas pessoas acham que o modelo foi a língua falada de Portugal, contudo isso não pode ser considerado. Vamos pôr em prática o que vimos em itens anteriores: toda língua é heterogênea e varia, dessa maneira, toda língua tem inúmeras normas. Por que, então, o português de Portugal seria diferente? A língua falada em Portugal possui tantas variantes linguísticas quanto a língua falada aqui; seria necessário escolher uma só norma e descrevê-la – e isso leva muito tempo, pois os estu- dos de língua falada são bem diferentes dos estudos de língua escrita. Precisamos de tempo para colher dados, encontrar as ocorrências de cada aspecto que será estudado e descrito e analisá-las. Em resumo: é um trabalho que exige além de tempo uma base científica muito confiável. Não se pode descrever uma língua baseando-se somente em impressões ou no “achismo”. A norma culta diz respeito às estruturas usadas por um determinado grupo social; segundo Faraco (2002), o grupo dos que se ligam de forma mais direta às atividades de escrita e Tema II | Norma padrão 59 que usam essa norma nas situações mais formais. No caso de algumas pesquisas no âmbito da linguística moderna (como é o caso do projeto NURC, do qual falaremos mais tarde), norma culta é a norma daqueles que atingem o patamar mais alto de escolaridade na nossa sociedade: o nível superior completo. Apesar de ser chamada norma culta, isso não significa que ela se iguale à norma padrão. Há uma grande diferença – um abismo, diriam alguns estudiosos – entre essas duas normas. Para a norma padrão a língua é estática e homogênea; a norma-culta, visto que é utilizada também na oralidade, sofre constantes mudanças. Aliás, ainda não se conhece exatamente a norma culta do português do Brasil. Para que ela seja conhecida em todos os seus aspectos será necessário muito tempo ainda. Muito tem sido feito por diversos estudiosos interessados em esclarecer a nossa realidade linguística: já foram publicados cinco volumes da Gramática do Português Culto Falado no Brasil, resultado de vinte anos de pesquisa. Mas atenção: o fato de utilizarmos o termo norma culta NÃO significa que exista uma norma dos não-cultos, uma “nor- ma inculta”. Todos os termos de que falamos aqui deverão ser usados com consciência linguística, dessa forma não podemos afirmar que há falantes incultos ou que sabem menos da língua portuguesa. Todos os falantes têm conhecimento de sua língua (falaremos mais sobre isso quando tratarmos a questão do pre- conceito linguístico). Guarde bem essa diferença! Norma padrão: norma prescrita pelas gramáticas tradicio- nais. – É idealizada e representa o que deve ser dito. Norma culta: conjunto de estruturas usadas pelo grupo social que se liga de forma mais direta às atividades de
Compartilhar