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TÍTULO 13 • NULIDADES 1687 TÍTULO 13 NULIDADES 1. NOÇÕES GERAIS: TIPICIDADE PROCESSUAL E NULIDADE No âmbito do Direito Penal, quando se estuda a tipicidade, costuma-se dizer que esta, sob um ponto de vista formal, deve ser compreendida como a subsunção perfeita da conduta prati- cada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador. Em regra, a doutrina penal costuma extrair três importantes funções do tipo penal: a) função de garantia: o agente somente poderá ser responsabilizado criminalmente se praticar uma das condutas proibidas ou deixar de praticar aquelas impostas pela lei penal; b) função fundamenta- dora: sempre que um tipo penal for violado, autoriza-se que o Estado possa exercer seu direito de punir contra o suposto autor do fato delituoso; c) função selecionadora de condutas: por meio do tipo penal, é feita uma seleção das condutas que devem ser proibidas ou impostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. O estudo da tipicidade também se revela de fundamental importância no âmbito proces- sual penal. Aqui, a tipicidade corresponde à ideia de que o ato processual deve ser praticado em consonância com a Constituição Federal, com as Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos e com as leis processuais penais, assegurando-se, assim, não somente às partes, como a toda a coletividade, a existência de um processo penal justo e em consonância com o princípio do devido processo legal. É nesse sentido a lição da doutrina: “a tarefa de aplicar o direito às situações concretas não é realizada aleatoriamente pelos órgãos estatais; ao contrário, a atividade processual também é regulada pelo ordenamento jurídico, através de formas que devem ser obedecidas pelos que nela intervêm. Nesse sentido, afirma-se que o processo exige uma atividade típica, composta de atos cujos traços essenciais são definidos pelo legislador. Assim, os participantes da relação processual devem pautar o seu comportamento segundo o modelo legal, sem o que essa atividade correria o risco de perder-se em providências inúteis ou desviadas do objetivo maior, que é a preparação de um provimento final justo”.1 Longe de consagrar um mal inútil e irrelevante, a tipicidade dos atos processuais con- fere aos sujeitos do processo uma maior segurança jurídica no curso do procedimento, vez que assegura maior previsibilidade para o sistema processual. Basta pensar, por exemplo, na colheita do depoimento de determinada testemunha: a lei estabelece a forma de apresentação do rol de testemunhas, a forma de sua intimação, a ordem de oitiva, a sequência das perguntas formuladas, a participação subsidiária do juiz, etc. Toda essa tipicidade processual confere às partes maior segurança jurídica, porquanto já se pode saber, de antemão, como será produzida a prova testemunhal, evitando-se, assim, indevidas surpresas e possível violação a princípios constitucionais como os da ampla defesa e do contraditório. Toda essa preocupação em torno das formas processuais visa assegurar a máxima eficiên- cia na aplicação da coerção penal, sem incorrer, porém, em prejuízo aos direitos e garantias fundamentais do acusado. De fato, ao mesmo tempo em que a tipicidade processual assegura ao Estado seu legítimo interesse na condução de um processo justo sem a presença de vícios, também preserva direitos e garantias fundamentais do acusado. Apreendido o conceito de tipicidade processual, é fácil concluir que o Estado precisa dispor de instrumento coercitivo para obrigar os sujeitos do processo a praticar os atos processuais 1. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1688 conforme o modelo previsto na legislação ordinária e na Constituição Federal. De fato, valen- do-se do exemplo acima citado quanto à prova testemunhal, de nada adiantaria a lei prever a formulação de perguntas pelas partes diretamente às testemunhas, tal qual disposto no art. 212, caput, do CPP, se nada fosse feito para compelir as partes a agir dessa forma. De nada adiantaria a lei prever que o juiz deve formular suas perguntas ao final da colheita da prova testemunhal, de modo a complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos (CPP, art. 212, parágrafo único), se não houvesse nenhuma sanção cominada à inobservância do modelo típico. Enfim, para que a norma legal tenha caráter cogente, precisa dispor de sanção. É o que ocorre, por exemplo, com uma prática delituosa, em que o preceito secundário do tipo penal prevê uma pena a ser aplicada ao agente caso seja praticado o crime ali previsto. Em sede processual, também há necessidade de previsão legal de instrumento de coerção objetivando o cumprimento do modelo típico. Afinal, uma norma desprovida de sanção deixa de ter caráter imperativo, passando a funcionar como mera recomendação. É exatamente daí que sobressai a importância da nulidade, compreendida como espécie de sanção aplicada ao ato processual defeituoso, do que deriva a inaptidão para a produção de seus efeitos regulares. Em outras palavras, como desdobramento natural da fixação de regras para a prática dos atos processuais, apenas aqueles realizados em consonância com tal modelo serão considerados válidos perante o ordenamento jurídico e idôneos a produzir os efeitos al- mejados. Para os atos praticados em desacordo com o modelo típico, a lei estabelece sanções, que acabam variando de acordo com o grau de intensidade do desvio. O sistema de nulidades foi pensado, portanto, como instrumento para compelir os sujeitos processuais à observância dos modelos típicos: ou se cumpre a forma legal ou corre-se o risco de o ato processual ser declarado inválido e ineficaz. A consequência da inobservância da forma prescrita em lei é a de que o ato defeituoso não poderá produzir os efeitos que ordinariamente teria. Como se percebe, diante da possibilidade de invalidação do ato processual defeituoso através da declaração de sua nulidade, sentem-se as partes e o juiz compelidos à observância do modelo típico. Da mesma forma que a pena cominada à infração penal exerce, pelo menos em tese, importante papel de dissuasão, visando evitar que o agente venha a praticar tal conduta delituosa, a possibilidade de anulação dos atos processuais defeituosos contribui para a obser- vância do modelo definido pelo legislador. Face os elevados custos decorrentes da decretação da nulidade do ato processual defeituoso, dentre os quais se destacam o elevado custo econô- mico decorrente da repetição do ato invalidado, a demora na prestação jurisdicional, do que pode resultar inclusive o reconhecimento da prescrição, e o próprio sentimento de impunidade que resulta da lentidão do feito, os sujeitos do processo passam a ter interesse na observância do modelo típico, de modo a se evitar a decretação da nulidade dos atos praticados durante o curso do processo. Sem embargo da necessária observância da tipicidade processual, não se pode perder de vista que a forma do ato processual não é um fim em si mesmo. Na verdade, o modelo conce- bido pelo legislador visa à consecução de determinada finalidade. Por exemplo, quando o CPP estabelece que a citação deve ser feita, pelo menos em regra, pessoalmente (arts. 351 e 352), o faz porque sabe que tal forma de citação é a que melhor permite ao acusado tomar ciência da imputação e exercer o seu direito de defesa. É de se concluir, então, que eventual vício por ocasião da citação é de extrema gravidade, porque priva o acusado do exercício de garantias constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório. No entanto, ainda que a citação do acusado tenha sido feita em desacordo com o modelo típico, se acaso o acusado tomar ciência da acusação, não há motivo para se declarar a nulidade do processo, visto que, a despeito da atipicidade do ato processual, este atingiu suafinalidade. Em suma, por ocasião do estudo da teoria das nulidades, o que deve ser evitado é o ex- cessivo formalismo, exigindo-se dos sujeitos do processo a observância de formas inúteis que TÍTULO 13 • NULIDADES 1689 nada contribuem para a solução da demanda, nem tampouco para a existência de um processo penal justo, sob pena de desvirtuamento da própria finalidade do processo, que é a de servir como instrumento para a aplicação do direito penal objetivo. 2. ESPÉCIES DE IRREGULARIDADES Levando-se em consideração a gravidade do defeito do ato processual e as consequências daí decorrentes para o processo, as irregularidades podem ser classificadas da seguinte forma: 1) irregularidades ou defeitos sem consequência: apesar de o ato processual não ter sido praticado em fiel observância do modelo legal, esta irregularidade não tem o condão de acarretar qualquer consequência. É o que ocorre, por exemplo, com a utilização de abrevia- turas. A despeito da vedação constante do art. 169, § 1º, do antigo CPC – não há dispositivo semelhante a este no novo CPC2 –, sua utilização em peças processuais não tem o condão de causar qualquer mácula ao processo; 2) irregularidades ou defeitos que acarretam tão somente sanções extraprocessuais: nesse caso, a irregularidade não tem o condão de produzir a invalidação do ato processual, porém pode dar ensejo à aplicação de sanções extraprocessuais. É o que ocorre com a multa aplicada ao perito que, sem justa causa, deixar de apresentar o laudo no prazo estabelecido (CPP, art. 277, parágrafo único, “c”). Na mesma linha, segundo o art. 265, caput, do CPP, o abandono injustificado do processo pelo defensor pode acarretar a aplicação de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções disciplinares; 3) irregularidades ou defeitos que podem acarretar a invalidação do ato processual: neste caso, a irregularidade atenta contra o interesse público ou contra interesse preponderante das partes. Por isso, tais atos estão sujeitos à declaração de nulidade, espécie de sanção aplicada ao ato processual defeituoso privando-o da aptidão para a produção de seus efeitos regulares; 4) irregularidades ou defeitos que acarretam a inexistência jurídica: a violação ao devido processo legal é tão absurda que acarreta a própria inexistência do ato jurídico. É o que ocorre com uma sentença prolatada por juiz impedido, tida como inexistente, haja vista a gravidade do prejuízo causado à imparcialidade da autoridade jurisdicional. 3. ESPÉCIES DE ATOS PROCESSUAIS Compreendidas as espécies de irregularidades que podem macular (ou não) os atos pro- cessuais, pode-se dizer que estes podem ser classificados da seguinte forma: 1) Atos perfeitos: são aqueles praticados em fiel observância ao modelo típico. Por isso, são válidos e eficazes, aptos a produzir os efeitos legais que lhe são próprios; 2) Atos meramente irregulares: são aqueles dotados de irregularidades sem consequên- cia, ou de irregularidades que acarretam tão somente sanções extraprocessuais. Certamente, ato meramente irregular é aquele que possui o vício de menor gravidade entre todas as imperfeições possíveis. Essa mera irregularidade é gerada pela inobservância de regra não relevante para considerações acerca da validade do ato. Por isso, não tem, nem mesmo em tese, aptidão para produzir qualquer prejuízo às partes ou ao próprio processo. Destarte, a despeito da irregulari- dade, como dela não resulta nenhuma consequência capaz de repercutir na validade da relação processual, este ato também é tido como válido e eficaz. É o que ocorre, a título de exemplo, com a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia, considerada pelos Tribunais Superiores como mera irregularidade, incapaz de autorizar 2. Na verdade, o novo CPC refere-se às abreviaturas tão somente no art. 272, § 3º, quando, ao tratar das intimações, dispõe expressamente que a grafia dos nomes das partes não deve conter abreviaturas. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1690 o reconhecimento de nulidade (súmula nº 366 do STF). Outros exemplos de atos meramente irregulares podem ser lembrados: a) falta de outorga do recibo de entrega do preso ao condutor do flagrante, notadamente quando todas as garantias constitucionais lhe foram preservadas;3 b) deferimento de compromisso a pessoa impedida de prestá-lo;4 c) ausência, no laudo do exame cadavérico, da qualificação dos peritos também caracteriza mera irregularidade, que não jus- tifica a anulação do feito, por não haver prejuízo ao acusado;5 d) decisão do juiz singular que encaminha recurso em sentido estrito ao Tribunal sem antes proceder ao juízo de retratação;6 e) não observância das formalidades previstas no art. 226 do CPP por ocasião da realização do reconhecimento pessoal do acusado.7 3) Atos nulos: face a inobservância do modelo típico ou a ausência de requisito indispen- sável para a prática do ato processual, são passíveis de decretação de ineficácia, reconhecendo sua nulidade absoluta ou relativa. Apesar de estarem sujeitos ao reconhecimento de sua inap- tidão para produzir efeitos regulares, tais atos são juridicamente existentes e produzem seus efeitos regulares enquanto não declarada sua nulidade. A título de exemplo, proferida sentença condenatória desprovida de fundamentação, temos que tal decisão será nula, haja vista que a Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX). Todavia, a despeito da nulidade absoluta, enquanto este vício não for expressamente reco- nhecido pelo Tribunal competente, esta decisão terá aptidão para produzir seus efeitos regulares; 4) Atos inexistentes: tamanha a gravidade do vício que sequer podem ser tratados como atos processuais, sendo considerados pela doutrina como espécie de “não ato”. Nesse caso, não se cogita de invalidação, visto que a inexistência representa um defeito que antecede qualquer consideração sobre a validade do ato processual. É o que ocorre, a título de exemplo, com uma sentença sem dispositivo (conclusão): apesar de existir num plano fático, esta “não sentença” é considerada juridicamente inexistente, já que não se pode conceber uma sentença sem dis- positivo, ou seja, uma sentença que nada tenha decidido. Outros exemplos de atos inexistentes podem ser lembrados: a) recurso interposto por advogado sem procuração nos autos;8 b) se o juiz proferir nova decisão após a sentença de mérito, ou seja, após esgotada a jurisdição pela prolação da sentença, a segunda decisão é ato inexistente, sem qualquer validade jurídica;9 c) decisão judicial proferida por desembargador em processo criminal no qual seu filho tenha funcionado como órgão do Ministério Público é inexistente, haja vista a causa de impedimento do art. 252, I, do CPP.10 3. STJ, 6ª Turma, HC 101.540/GO, Rel. Min. Jane Silva – Desembargadora convocada do TJ/MG –, j. 27/05/2008, DJe 09/06/2008. 4. STJ, 5ª Turma, RHC 19.928/PE, Rel. Min. Felix Fischer, j. 06/05/2008, DJe 16/06/2008. 5. STJ, 5ª Turma, HC 108.226/PE, Rel. Min. Felix Fischer, j. 29/04/2009, DJe 18/05/2009. 6. STJ, 5ª Turma, HC 177.854/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 14/02/2012, DJe 24/02/2012; STJ, 5ª Turma, HC 216.944/ PA, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 04/12/2012, DJe 18/12/2012. 7. STJ, 6ª Turma, AgRg no AgRg no AREsp 728.455/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 28/06/2016, DJe 03/08/2016; STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.434.538/AC, Rel. Min. Felix Fischer, j. 02/06/2016, DJe 15/06/2016. 8. STJ, 3ª Turma, AgRg no Ag 564.298/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 27/03/2007, DJ 07/05/2007 p. 313. 9. STJ, 6ª Turma, REsp 164.877/RS, Rel. Min. Vicente Leal, j. 14/09/1999, DJ 18/10/1999 p. 284. 10. STJ, 6ª Turma, HC 18.301/MS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 20/05/2003, DJ 30/06/2003 p. 314. Quanto à sentença proferida por magistrado em gozo de férias, há precedentes do STFe do STJ no sentido de que o ato processual é válido: STJ, 5ª Turma, HC 79.476/PR, Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/06/2007, DJ 20/08/2007 p. 301; STF, 2ª Turma, HC 76.874/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30/10/98. Sem embargo desse entendimento, pensamos que, face a introdução do princípio da identidade física do juiz no processo penal (CPP, art. 399, § 2º), pensamos que, na hipótese de o juiz estar afastado por motivo de férias, os autos devem passar ao seu sucessor, sob pena de nulidade relativa da decisão por ele proferida. TÍTULO 13 • NULIDADES 1691 Se o ato processual não existe juridicamente, não passa de mero fato, não podendo ter qualquer validade. Afinal, não pode ser considerado válido algo que nem ao menos existe. No entanto, por mais que grande parte da doutrina sustente que é desnecessário qualquer pronun- ciamento judicial declaratório da inexistência, é plenamente possível que um ato processual inexistente gere efeitos como se existente e válido fosse, somente cessando tal eficácia quando da declaração judicial do vício. Basta imaginar uma sentença condenatória prolatada por um juiz que já não tivesse jurisdição no momento da publicação da referida decisão, em virtude de, por exemplo, promoção a outro cargo. Por mais absurdo que seja o vício, enquanto não houver uma decisão que declare o ato inexistente, é correto afirmar-se que tal ato poderá gerar efeitos, tais como o recolhimento do acusado à prisão. Daí a necessidade de uma decisão judicial reco- nhecendo a inexistência desse não ato. Ao contrário das nulidades relativas e absolutas, o vício que gera a inexistência do ato não se convalida jamais, nem mesmo com o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória ou absolutória, podendo ser reconhecido na constância do processo e após o seu encerramento, independentemente de prazo. De fato, uma sentença assinada por alguém não investido de juris- dição, embora não exista no plano fático, não passa de mero pedaço de papel sem importância jurídica. Logo, sua inexistência pode ser declarada a qualquer momento. 4. NULIDADE A palavra nulidade é utilizada no processo penal com dois significados distintos: a) sanção processual de ineficácia: uma primeira corrente (majoritária) compreende a nulidade como espécie de sanção aplicada ao ato processual defeituoso, privando-o de seus efeitos regulares. Tendo em conta que a forma prescrita em lei não foi observada, aplica-se a sanção de nulidade a este ato viciado, daí por que se fala em “declaração da nulidade”, no sentido de privar o ato de seus efeitos regulares. Exemplificando, se o interrogatório do acusado em juízo foi realizado sem a presença de defensor, caberá à defesa impugnar eventual decreto condenatório por meio de apelação, sem prejuízo da utilização do habeas corpus, objetivando o reconhecimento da nulidade absoluta do referido ato processual;11 b) defeito do ato processual: uma segunda corrente (minoritária) refere-se à nulidade como espécie de qualidade ou característica do ato processual ou do processo. A palavra nulidade seria utilizada, portanto, como expressão sinônima de defeito, vício, imperfeição, inobservân- cia da forma legal. Logo, valendo-se do exemplo acima citado, na hipótese de o interrogatório judicial ser realizado sem a presença de advogado, este ato seria considerado nulo. Nesse caso, uma vez reconhecida a inobservância da forma prescrita em lei (CPP, art. 185, caput), ou seja, a nulidade do ato processual, a sanção a ser aplicada seria o reconhecimento de sua ineficácia. 4.1. Espécies de nulidades Grande parte da doutrina processual penal subdivide as nulidades em absolutas e relativas. Há quem se refira à anulabilidade como uma terceira categoria (posição minoritária). Vejamos cada uma delas, separadamente. 4.1.1. Nulidade absoluta O vício constante do ato processual atenta contra o interesse público na existência de um processo penal justo. Duas são as características fundamentais das nulidades absolutas: 11. No sentido de que a ausência de defensor ao interrogatório judicial caracteriza nulidade absoluta do ato, por inequívoca violação ao princípio da ampla defesa: STJ, 6ª Turma, RHC 17.679/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 20/11/2006 p. 362; STF, 1ª Turma, RE 459.518/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 018 31/01/2008. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1692 a) prejuízo presumido: o princípio pas des nullités sans grief – corolário da natureza instrumental do processo (CPP, art. 563: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.”) – impede a declaração da nulidade se não demonstrado o prejuízo concreto à parte que suscita o vício. Em se tratando de nulidade absoluta, geralmente violadora de norma protetiva de interesse público com status constitucional (v.g., devido processo legal, ampla defesa, contraditório) ou convencional, grande parte da doutrina entende que o prejuízo é presumido. Nessa linha, como observa Grinover, a atipicidade consti- tucional, no quadro das garantias, importa sempre uma violação a preceitos maiores, relativos à observância dos direitos fundamentais e das normas de ordem pública, não sobrando espaço para meras irregularidades sem sanção ou nulidade relativa.12 No entanto, essa presunção de prejuízo não tem natureza absoluta. Na verdade, cuida-se de presunção relativa (iuris tantum), o que significa dizer que há uma inversão da regra do ônus da prova constante do art. 156, caput, do CPP. Portanto, a parte responsável pela arguição da nulidade absoluta fica exonerada da comprovação do prejuízo, cabendo à parte adversa demonstrar a inocorrência do prejuízo, caso tenha interesse na preservação do ato processual impugnado. Logrando êxito nessa comprovação, o vício processual não será declarado. Afinal, por força do princípio do prejuízo, não há por que se declarar uma nulidade, mesmo que de natureza absoluta, se não resultou qualquer prejuízo. Vejamos um exemplo: como se sabe, a prolação de decisão por um juiz suspeito é causa de nulidade absoluta. Todavia, se a parte contrária conseguir provar que não houve prejuízo, não há por que se declarar a ineficácia do ato processual. Em caso concreto apreciado pelo STJ, um desembargador, apesar de ter declarado sua suspeição, participou de votação no órgão especial do Tribunal de Justiça, composto de vinte e quatro desembargadores. No entanto, considerando que apenas dois desembargadores foram contrários ao recebimento da denúncia contra a pro- motora de justiça, entendeu-se que a efetiva participação do magistrado suspeito não exercera qualquer influência no resultado do julgamento, afastando, pois, a presunção de prejuízo. Por isso, a nulidade não foi declarada.13 Sem embargo desse entendimento doutrinário de que o prejuízo é presumido, o Supremo Tribunal Federal tem diversos precedentes no sentido de que o prejuízo deve ser comprovado pela parte interessada inclusive nas hipóteses de nulidade absoluta. Logo, se acaso a defesa pleitear a declaração de uma nulidade absoluta, incumbe a ela demonstrar o prejuízo decorren- te da inobservância da forma prescrita em lei, sob pena de não lograr êxito na invalidação do ato processual impugnado. Nesse sentido, a 2ª Turma do Supremo já teve a oportunidade de asseverar que a demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief também compreende as nulidades absolutas.14 12. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 22. 13. STJ, 6ª Turma, HC 227.263/RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina – Desembargador convocado do TJ/RJ, j. 27/03/2012, DJe 11/04/2012. Na mesma linha, em caso concreto no qual magistrada impedida participou de julgamento no STJ,concluiu a 1ª Turma do STF não haver motivo para se declarar a nulidade do feito. Como o órgão judicante era composto por 10 (dez) membros e a decisão foi unânime, ainda que se desconsiderasse o voto da magistrada impedida, não haveria qualquer alteração no resultado final do julgamento (STF, 1ª Turma, HC 116.715/SE, Rel. Min. Rosa Weber, j. 05/11/2013). Tal raciocínio não será válido, todavia, quando o julgamento for realizado por um colegiado de Tribunal de 2ª instância (v.g., Câmara ou Turma Criminal) composto por apenas 3 (três) membros. Nesse caso, a exclusão do Desembargador impedido (ou suspeito) acarretaria substancial alteração no resultado do julgamento, até mesmo porque, sem ele, sequer haveria quórum mínimo para a instalação da sessão de julgamento. Nesse contexto: STF, 2ª Turma, HC 136.015/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 14/05/2019. 14. STF, 2ª Turma, RHC 110.623/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13/03/2012, DJe 61 23/03/2012. E ainda: STF, 2ª Turma, HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 22/03/2005, DJ 15/04/2005. Em sentido semelhante: “Apesar TÍTULO 13 • NULIDADES 1693 b) arguição a qualquer momento: ao contrário das nulidades relativas, que estão sujeitas à preclusão temporal, a nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer momento, pelo menos enquan- to não houver o trânsito em julgado da decisão. Destarte, pelo menos em regra, a mácula do ato absolutamente nulo não pode ser saneada ou convalidada, seja pelo decurso do tempo (preclusão temporal), seja pelo fato de a parte, ainda que tacitamente, ter aceitado seus efeitos (preclusão lógica). Dizemos que, em regra, as nulidades absolutas não estão sujeitas à convalidação porquanto, no caso do trânsito em julgado de sentença absolutória própria, entende-se que as nulidades absolutas ocorridas no curso do processo estarão convalidadas, visto que não se admite revisão criminal pro societate. Não há, portanto, instrumentos processuais capazes de rescindir a coisa julgada. Como se percebe, o único limite ao reconhecimento da nulidade absoluta refere-se à coisa julgada pro reo, diante da vedação constitucional da reformatio pro societate (revisão da sentença absolutória por iniciativa do Estado). De mais a mais, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos preceitua que “o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos” (Dec. 678/92, art. 8º, nº 4). Logo, sentença absolutória contaminada por nulidade absoluta é capaz de transitar em julgado e pro- duzir seus efeitos regulares, dentre eles o de impedir novo processo pela mesma imputação. No entanto, em se tratando de sentença condenatória ou absolutória imprópria, as nulidades absolutas podem ser arguidas mesmo após o trânsito em julgado, na medida em que, nessa hi- pótese, há instrumentos processuais aptos a fazê-lo, como a revisão criminal e o habeas corpus, que somente podem ser ajuizados em favor do condenado.15 Outro aspecto importante acerca das nulidades absolutas é que, aos olhos dos Tribunais Superiores, seu reconhecimento está limitado temporalmente, pelo menos em regra, às instân- cias recursais ordinárias. Em outras palavras, em sede de recurso extraordinário e especial, os tribunais superiores só poderão se manifestar sobre uma nulidade absoluta se a mesma tiver sido objeto de prequestionamento, tal qual disposto nas súmulas 356 do STF (“O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”) e 320 do STJ (“A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento”). Isso, no entanto, não impede a concessão de ordem de habeas corpus de ofício pelos Tribunais Superiores em favor do acusado, mas desde que não haja supressão de instância.16 4.1.1.1. Hipóteses de nulidades absolutas Apesar da enorme dificuldade em se fixar um critério rígido e inflexível para diferenciá-la da nulidade relativa, pode-se dizer que, pelo menos em regra, a nulidade absoluta estará presente nas seguintes hipóteses: de existir entendimento deste Supremo Tribunal no sentido de que o prejuízo de determinadas nulidades seria de “prova impossível”, o princípio do pas de nullité sans grief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato, podendo ser ela tanto a de nulidade absoluta quanto a relativa, pois não se decreta nulidade processual por mera presunção: STF, 1ª Turma, HC 107.769/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 18/10/2011, DJe 225 25/11/2011. 15. No sentido de que a violação ao princípio da ampla defesa pode ser reconhecida mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória: STJ, 6ª Turma, HC 88.934/PB, Relatora Ministra Jane Silva, DJe 10/03/2008. 16. Se a nulidade absoluta não foi prequestionada no acórdão recorrido, é inviável sua apreciação no recurso extraor- dinário: STF, 2ª Turma, AI 393.589 AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 29/10/2002, DJ 29/11/2002. Na mesma linha, entendendo que a falta de prequestionamento da alegada tese de ocorrência de prejuízo ocasionada por deficiência técnica da defesa faz incidir o óbice contido nas Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal: STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1.373.750/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 02/02/2012, DJe 09/02/2012. Em outro jul- gado, o STJ concluiu que, na hipótese de os arts. 370, § 1º e 394, do CPP, apontados como violados, não foram enfrentados pelo acórdão recorrido, atrai-se o enunciado das Súmulas ns. 211/STJ, 282 e 356/STF: STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1.332.241/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 18/10/2011, DJe 25/10/2011. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1694 a) nas nulidades cominadas no art. 564 do CPP que não estiverem sujeitas à sanação ou convalidação (CPP, art. 572). Explica-se: ao se referir às nulidades que estarão sanadas em virtude do decurso do tempo, o art. 572, inciso I, do CPP, faz menção apenas às nulidades previstas no art. 564, III, “d” e “e”, segunda parte, “g” e “h”, e IV. Ora, se o art. 572 do CPP está dizendo que tais nulidades considerar-se-ão sanadas se não forem arguidas em tempo oportuno, isso significa dizer que as nulidades aí mencionadas estão sujeitas à preclusão, característica básica de toda e qualquer nulidade relativa. Portanto, por meio de interpretação a contrario sensu do referido dispositivo, conclui-se que as nulidades cominadas do art. 564 do CPP não ressalvadas pelo art. 572 do CPP têm natureza absoluta.; b) quando houver violação de normas constantes da Constituição Federal ou de Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos (v.g., Pacto de São José da Costa Rica), ainda que essa nulidade não esteja expressamente prevista no art. 564 do CPP (nulidade não cominada). Mais que meros direitos subjetivos das partes, princípios e regras constitucionais e convencionais como o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a publicidade, o duplo grau de jurisdição, etc., constituem características de um processo penal justo e legal, regularmente instaurado não apenas em benefício das partes, mas em prol de toda a coletividade, que tem evidente interesse no exercício da função jurisdicional consoante as regras do devido processo legal. Logo, não há espaço para meras irregularidades. A título de exemplo, supondo que um crime militar seja processado e julgado perante a Justiça Comum Estadual, o processo estará contaminado por nulidade absoluta, haja vista a flagrante violação ao princípio do juiz natural, que assegura que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CF, art. 5º, LIII). Na mesma linha, se acaso um Tribunal deixar de conhecer recurso interposto pela defesa, sob o argumento de que o acusado não teria sido recolhido à prisão, deve ser declarada a nulidade absoluta de tal decisão, por- quanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos asseguraexpressamente o direito ao duplo grau de jurisdição, independentemente do recolhimento do acusado à prisão (Dec. 678/92, art. 8º, § 2º, “h”). Na mesma linha, supondo que o acusado não seja encontrado em virtude de erro no endereço constante do mandado de citação, daí resultando sua citação por edital, há de se declarar a nulidade absoluta do processo a partir da citação. Afinal, a nulidade que vicia a citação pessoal do acusado, impedindo-lhe o exercício da autodefesa e de constituir defensor de sua livre escolha causa prejuízo evidente, daí por que tal vício pode ser arguido a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória imprópria, já que se trata de nulidade absoluta.17 c) quando, a despeito da ausência de previsão legal expressa de nulidade (nulidades não cominadas), verificar-se que houve a violação de forma prescrita em lei que visa à proteção de interesse de natureza pública. 4.1.2. Nulidade relativa Nulidade relativa é aquela que atenta contra norma infraconstitucional que tutela interesse preponderante das partes. Duas são as características fundamentais das nulidades relativas: a) comprovação do prejuízo: segundo a doutrina, enquanto o prejuízo é presumido nas hipóteses de nulidade absoluta, o reconhecimento de uma nulidade relativa está condicionado à comprovação do prejuízo decorrente da inobservância da forma prescrita em lei;18 17. STF, 1ª Turma, HC 92.569/MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11/03/2008, DJe 74 24/04/2008. 18. No sentido de que a inobservância do procedimento atinente ao reconhecimento de pessoas previsto no art. 226 do CPP configura nulidade relativa que, diante do princípio pas de nullité sans grief, deve ser arguida em momento oportuno, com a efetiva demonstração do prejuízo sofrido, sob pena de convalidação: STJ, 5ª Turma, HC 127.000/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 07/05/2009, DJe 31/08/2009. TÍTULO 13 • NULIDADES 1695 b) arguição oportuna, sob pena de preclusão e consequente convalidação: diversamente da nulidade absoluta, que pode ser arguida a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória imprópria, a nulidade relativa deve ser arguida no momento oportuno (CPP, art. 571), sob pena de preclusão e consequente convalidação da nulidade. É o que ocorre, por exemplo, com a incompetência relativa (v.g., competência territo- rial), que deve ser arguida por ocasião da apresentação da resposta à acusação (CPP, art. 396-A), sob pena de preclusão temporal. Como se percebe, ao contrário das nulidades absolutas, as de natureza relativa podem ser convalidadas, ou seja, seu vício pode ser removido para que o ato produza seus efeitos regulares, seja pelo decurso do tempo (preclusão temporal), seja pelo fato de a parte, tacitamente, ter aceitado seus efeitos (preclusão lógica). 4.1.2.1. Hipóteses de nulidades relativas Dissemos anteriormente que não é tarefa fácil estabelecer um critério rígido entre as hipóteses de nulidades absolutas e relativas. A despeito da falta de consenso doutrinário e jurisprudencial acerca de uma classificação uniforme, haverá nulidade relativa nas seguintes situações: a) nas nulidades cominadas do art. 564 que estiverem sujeitas à sanação ou convalidação pelo decurso do tempo (CPP, art. 572, I). Como visto acima, ao se referir às nulidades que es- tarão sanadas em virtude do decurso do tempo, o art. 572, inciso I, do CPP, faz menção apenas às nulidades previstas no art. 564, III, “d” e “e”, segunda parte, “g” e “h”, e IV. Ora, se o art. 572 do CPP está dizendo que tais nulidades considerar-se-ão sanadas se não forem arguidas em tempo oportuno, isso significa dizer que, pelo menos em regra, as nulidades aí mencionadas estão sujeitas à preclusão, característica básica de toda e qualquer nulidade relativa; b) quando, a despeito da ausência de previsão legal expressa de nulidade (nulidades não cominadas), verificar-se que houve a violação de forma prescrita em lei que visa à proteção de interesse preponderante das partes. É o que ocorre, por exemplo, com a ausência de intimação das partes acerca da expedição de carta precatória. Considerando que recai sobre as partes o ônus de provar a veracidade das afirmações por elas firmadas ao longo do processo, na hipótese de o juiz não intimar as partes acerca da expedição de carta precatória, subentende-se que houve violação à norma protetiva de interesse preponderante das partes, do que deriva a possibilidade de reconhecimento de nulidade relativa do ato processual. Acerca do assunto, eis o teor da súmula nº 155 do STF: “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha”.19 A ausência de intimação para a oitiva de testemunha no juízo deprecado também não consubstancia manifesto constrangimento ilegal. Havendo ciência da expedição da carta pre- catória, incumbe ao defensor acompanhar o andamento do feito no juízo deprecado. É nesse sentido, aliás, o teor da súmula nº 273 do STJ: “Intimada a defesa da expedição da carta pre- catória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado”. Todavia, demonstrada a impossibilidade de atuação da defesa técnica, é possível o reconhecimento de nulidade absoluta. Em caso concreto apreciado pelo STF, o advogado de defesa teve, a partir da ciência da expedição da carta precatória, 7 (sete) dias úteis para deslocar-se do Rio de Janeiro a Belém do Pará, o que, na prática, inviabilizou seu comparecimento. Face a im- possibilidade de comparecimento do defensor constituído, foi nomeado defensor ad hoc. Aos olhos da Suprema Corte, a nomeação de defensor dativo para atuar perante o juízo deprecado em momento culminante da instrução de processo criminal cuja inicial contém quatrocentas páginas estaria a evidenciar satisfação meramente formal da exigência de defesa técnica, haja vista a impossibilidade de atuação eficiente e efetiva do defensor ad hoc em favor do 19. STJ, 5ª Turma, HC 88.371/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 21/02/2008, DJe 24/03/2008. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1696 acusado, daí por que foi concedida a ordem para anular o feito, desde a oitiva da testemunha por precatória, inclusive.20 Ainda em relação à oitiva de testemunhas perante o juízo deprecado, convém lembrar que, aos olhos do STF, não é nula a audiência de oitiva de testemunha realizada por carta pre- catória sem a presença do acusado, se este, devidamente intimado da expedição, não requer o comparecimento.21 4.1.2.2. Momento para a arguição das nulidades relativas Tal qual exposto acima, a nulidade relativa deve ser arguida oportunamente, sob pena de preclusão. Este momento oportuno para a arguição da nulidade relativa consta do art. 571 do CPP. De se lembrar que este dispositivo tem aplicação restrita às nulidades relativas, já que aquelas de natureza absoluta não estão sujeitas à convalidação pelo decurso do tempo. Especial atenção deve ser dispensada à leitura do art. 571 do CPP. Isso porque, pelo fato de não ter sofrido qualquer alteração nos últimos anos, este dispositivo faz menção a artigos do CPP que foram modificados por várias leis que se sucederam nos últimos anos. Logo, sua leitura deve ser feita em cotejo com a mudança da parte geral do Código Penal (Lei nº 7.209/84), com a criação do procedimento originário dos Tribunais pelas Leis 8.038/90 e 8.658/93, e com as alterações produzidas no CPP pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08. Destarte, por força do art. 571 do CPP, as nulidades relativas deverão ser arguidas: I – as da instrução criminal dos processos da competência do júri, nos prazos a que se refere o “art. 406”: o art. 406 do CPP a que se refere este dispositivo foi alterado em virtude do advento da reforma processual de 2008. Em sua redação antiga, o dispositivo tratava das alegações finais apresentadas pelas partes ao final da 1ª fase do procedimento do júri. Com o advento daLei nº 11.689/08, as alegações das partes passaram a ser apresentadas oralmente, estando regulamentadas no art. 411, §§ 4º, 5º e 6º, do CPP. Destarte, o art. 571, inciso I, do CPP, deve ser interpretado nos seguintes termos: “as nulidades relativas da instrução criminal da 1ª fase do procedimento do júri, ocorridas após a apresentação da resposta à acusação,22 devem ser arguidas em sede de alegações orais (CPP, art. 411, §§ 4º, 5º e 6º), sob pena de preclusão temporal”; II – as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos pro- cessos especiais, salvo os dos Capítulos V e VII do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o “art. 500”: o art. 500 a que se refere este dispositivo, hoje revogado, referia-se às alegações finais apresentadas ao final do procedimento comum dos crimes punidos com reclu- são. Com o advento da Lei nº 11.719/08, as alegações finais foram substituídas por alegações orais, que devem ser apresentadas ao final da audiência una de instrução e julgamento (CPP, art. 403). A depender da complexidade da causa ou do número de acusados, ou quando for deferida a realização de diligências, o juiz poderá deferir a substituição das alegações orais por memo- riais. Apesar de o art. 571, II, do CPP, sugerir que toda e qualquer nulidade relativa ocorrida durante a instrução criminal dos processos de competência do juiz singular deve ser arguida por ocasião da apresentação das alegações orais (ou memoriais), não se pode perder de vista que a Lei nº 11.719/08 introduziu importante manifestação da defesa anterior a esse momento, 20. STF, 2ª Turma, HC 91.501/RJ, Rel. Min. Eros Grau, j. 10/02/2009, DJe 84 07/05/2009. 21. STF, Pleno, RE 602.543 QO-RG/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 19/11/2009, DJe 35 25/02/2010. No sentido de que a falta de requisição do acusado preso para o comparecimento à audiência de oitiva de testemunhas no juízo deprecado é causa de mera nulidade relativa: STJ, 5ª Turma, HC 95.441/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 09/02/2010, DJe 15/03/2010. 22. Quanto às nulidades relativas ocorridas antes da resposta à acusação, vide observações quanto ao art. 571, II, do CPP. TÍTULO 13 • NULIDADES 1697 qual seja, a resposta à acusação, que é apresentada imediatamente após o recebimento da peça acusatória e da citação do acusado. Segundo o art. 396-A, na resposta à acusação, a defesa poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e reque- rendo sua intimação, quando necessário. Ora, considerando que as nulidades relativas devem ser arguidas na primeira oportunidade que a parte tiver para se manifestar no processo, se a Lei nº 11.719/08 introduziu a resposta à acusação no momento limiar do processo, parece-nos que eventuais nulidades relativas ocorridas entre o oferecimento da peça acusatória e a citação do acusado devem ser arguidas pela defesa por ocasião da apresentação dessa peça, sob pena de preclusão. Sem dúvida alguma, o melhor exemplo de nulidade relativa que pode vir a ocorrer entre o oferecimento da peça acusatória e a citação do acusado diz respeito à inobservância do procedimento referente à defesa preliminar. Como se sabe, em alguns procedimentos especiais (v.g., crimes funcionais afiançáveis), a lei prevê a obrigatoriedade de defesa preliminar, a qual é apresentada entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória com o objetivo precípuo de convencer o juiz acerca da presença de uma das causas de rejeição da peça acusatória, impe- dindo, assim, a instauração de processos temerários. Pois bem. Suponha-se que, a despeito de se tratar de crime funcional afiançável (v.g., concussão), após o oferecimento da peça acusatória, ao invés de determinar a notificação do acusado para apresentar defesa preliminar, delibere o juiz pelo imediato recebimento da peça acusatória, determinando, na sequência, a citação do acusado para apresentar a resposta à acusação. Ora, como a inobservância do procedimento referente à defesa preliminar vem sendo considerada pelos Tribunais Superiores como causa de nulidade relativa, o ideal é que tal vício seja arguido pela defesa ao apresentar a resposta à acusação. Reconhecido o vício, deve o juiz anular o processo a partir do recebimento da peça acusatória, conferindo à defesa, na sequência, a oportunidade de apresentar defesa preliminar. Destarte, se as nulidades relativas ocorridas entre o oferecimento da peça acusatória e a cita- ção do acusado devem ser arguidas pela defesa ao apresentar a resposta à acusação, pensamos que, diante das mudanças produzidas pela Lei nº 11.719/08, o ideal é interpretar o art. 571, II, do CPP, nos seguintes termos: “as nulidades relativas dos processos da competência do juiz singular ocorridas entre o oferecimento da peça acusatória e a citação do acusado devem ser arguidas na resposta à acusação; aquelas verificadas após a apresentação da resposta à acusação devem ser arguidas por ocasião da apresentação das alegações orais (ou memoriais), sob pena de preclusão”. As ressalvas a que se refere o art. 571, II, do CPP – “salvo os dos Capítulos V e VII do Título II do Livro II” – dizem respeito ao procedimento sumário (Capítulo V) e ao procedimento de aplicação de medida de segurança por fato não criminoso (Capítulo VII), cujo marco temporal para a arguição da nulidade relativa consta do art. 571, incisos III e IV, respectivamente, a serem estudados na sequência; III – as do processo sumário, no prazo a que se refere o art. 537, ou, se verificadas depois desse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas as partes: antes da Constituição Federal, o procedimento comum sumário tinha início pelo auto de prisão em flagrante ou mediante portaria expedida pela autoridade policial ou pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público. Por isso, as nulidades relativas deviam ser arguidas no prazo a que se referia a defesa prévia, prevista no art. 537, hoje revogado. Considerando que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, I), inviabilizando a instauração de processo penal mediante portaria da autoridade policial ou do juiz (processo judicialiforme), o ideal é compreender que, nos mesmos moldes que ocorre no procedimento comum ordinário, as nulidades relativas do procedimento comum sumário ocorridas entre o oferecimento da peça acusatória e a citação do acusado devem ser arguidas na resposta à acusação; aquelas verificadas após a apresentação da resposta à acusação, por ocasião da apresentação das alegações orais (ou memoriais), sob pena de preclusão; MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1698 IV – as do processo regulado no Capítulo VII do Título II do Livro II, logo depois de aberta a audiência: o Capítulo a que se refere este dispositivo diz respeito ao procedimento de aplicação de medida de segurança por fato não criminoso (arts. 549 a 555). É dominante o entendimento no sentido de que a reforma da parte geral do Código Penal pela Lei nº 7.209/84 deixou de permitir a aplicação da medida de segurança prevista neste Capítulo VII do Título II do Livro II, o qual está tacitamente revogado. Logo, o art. 571, IV, também se encontra tacitamente revogado; V – as ocorridas posteriormente à pronúncia, logo depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes (art. 447): na hipótese de a nulidade relativa ocorrer na própria decisão de pronúncia, sua arguição deve ser feita por meio do recurso em sentido estrito a ser interposto contra ela, nos termos do art. 581, IV, do CPP, já que não se admite que as partes postulem a anulação da decisão pelo próprio juiz sumariante responsável pela prolação da pronúncia. Caberá ao Tribunal competente, portanto, o reconhecimento da nulidade relativa constante da pronúncia. Segundo o art. 571, V, do CPP, eventuais nulidades relativas ocorridas após apronúncia devem ser arguidas imediatamente depois de anunciado o julgamento em plenário do júri e apregoadas as partes. Com a reforma processual de 2008, este anúncio do julgamento e subsequente pregão, outrora previsto no art. 447, passou a constar do art. 463, caput, e § 1º, do CPP. Apesar de o art. 571, V, do CPP, sugerir que toda e qualquer nulidade relativa ocorrida após a pronúncia deve ser arguida logo depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes, pensamos que este dispositivo deve ser interpretado à luz da reforma processual de 2008. Explica-se: com a extinção do libelo acusatório, o legislador passou a prever a fase de preparação do processo para julgamento em plenário, imediatamente após a preclusão da pronúncia, oportunidade em que as partes poderão apresentar rol de testemunhas, juntar documentos e requerer diligências (CPP, art. 422). Logo após a manifestação das partes, o juiz presidente deve deliberar sobre os requeri- mentos de provas a serem produzidas, assim como ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade (CPP, art. 423, I, 1ª parte). Ora, se este dispositivo refere-se ao ordenamento do processo para sanar qualquer nulidade, é de todo evidente que está se referindo às nulidades relativas, porquanto aquelas de natureza absoluta não estão sujeitas à convalidação. Logo, pare- ce-nos que os arts. 422 e 423, I, do CPP, criaram um novo limite temporal para a arguição das nulidades relativas: aquelas ocorridas após a preclusão da pronúncia e antes do ordenamento do processo para julgamento em plenário deverão ser arguidas na fase de preparação do processo, sob pena de preclusão. Destarte, com as mudanças produzidas pela Lei nº 11.689/08, o art. 571, V, do CPP, deve ser reinterpretado nos seguintes termos: “as nulidades relativas ocorridas após a preparação do processo para julgamento em plenário deverão ser arguidas imediatamente depois de anunciado o julgamento em plenário do júri e apregoadas as partes”; VI – as de instrução criminal dos processos de competência do Supremo Tribunal Fe- deral e dos Tribunais de Apelação, nos prazos a que se refere o art. 500: quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, o procedimento dos feitos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação estava previsto entre os arts. 556 e 562 do CPP. Por isso, o art. 571, VI, do CPP, dispunha que as nulidades relativas da instrução criminal pertinentes a tais procedimentos devia ser arguida nos prazos a que se referia a antiga redação do art. 500 do CPP, hoje revogado, que tratava das alegações finais escritas. Ocorre que, com o advento das Leis 8.038/90 e 8.658/93, os feitos de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal passaram a observar o procedimento previsto entre os arts. 1º e 12 da Lei nº 8.038/90. Não por outro motivo, os arts. 556 a 562 do CPP foram expressamente revogados. Com todas essas mudanças, o ideal é sustentar que as nulidades relativas da ins- trução criminal dos processos de competência originária dos Tribunais devem ser arguidas por ocasião da apresentação das alegações escritas (Lei nº 8.038/90, art. 11, caput), ou no momento da sustentação oral (Lei nº 8.038/90, art. 12, I), sob pena de preclusão; TÍTULO 13 • NULIDADES 1699 VII – se verificadas após a decisão de primeira instância, nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento do recurso e apregoadas as partes: talvez seja este um dos únicos inciso do art. 571 que não sofreu qualquer modificação em virtude das recentes mudanças produzidas na legislação processual penal. Eventuais nulidades relativas verificadas após a prolação da decisão de primeira instância devem ser arguidas nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento do recurso e apregoadas as partes, ou seja, por ocasião da sustentação oral no juízo ad quem. Evidentemente, também poderão ser arguidas nas razões de apelação eventuais nulidades da própria sentença (v.g., ausência de fundamentação). Ademais, por força de interpretação extensiva, esse marco temporal para a arguição de nulidades relativas também se aplica às hipóteses em que a mácula surgir entre a apresentação das alegações orais (ou memoriais) e a decisão de primeira instância. Por exemplo, supondo que, após a apresenta- ção dos memoriais pelas partes e antes da prolação da sentença, o juiz determine a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, proferindo sentença condenatória na sequência sem prévia intimação das partes para se manifestar quanto aos elementos probatórios então obtidos, temos que tal nulidade deve ser arguida nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento da impugnação e apregoadas as partes. Conquanto o art. 571, VII, do CPP, refira-se às nulidades relativas verificadas após a decisão de primeira instância, é de todo evidente que aquelas anteriores a essa decisão também poderão ser impugnadas novamente como preliminares do recurso interposto, desde que, obviamente, já tenham sido arguidas no momento oportuno, inviabilizando, assim, o reconhecimento da preclusão. A título de exemplo, suponha-se que o juiz tenha deixado de observar a regra constante do art. 212 do CPP, por meio da qual as partes, inicialmente, formulam suas perguntas diretamente às testemunhas, passando o juiz, na sequência, a complementar a inquirição. Face a utilização do sistema presidencialista, o advogado de defesa insurge-se contra a colheita da prova testemunhal de imediato, voltando a impugnar a matéria por ocasião da apresentação de suas alegações orais. Nesse caso, por mais que o juiz rejeite a nulidade relativa arguida pelo defensor no curso da audiência una de instrução e julgamento, nada impede que a matéria seja trazida à apreciação do Tribunal por meio de preliminar de apelação interposta contra eventual sentença condenatória; VIII – as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem: eventuais nulidades relativas no julgamento em plenário do júri, em audiência ou em sessão do julgamento, devem ser arguidas imediatamente depois de ocorrerem, sob pena de preclusão temporal e consequente convalidação do vício. Evidentemente, se a parte se insurgir contra a nulidade relativa ocorrida durante a audiência (v.g., inversão da ordem de perguntas às testemunhas prevista no art. 212 do CPP), e o juiz rejeitar a impugnação, a argui- ção dessa nulidade relativa deve ser reiterada pela parte interessada em preliminar de futura e eventual apelação. A título de exemplo de nulidade relativa que deve ser arguida em plenário do júri imediatamente após sua ocorrência, podemos citar a impugnação aos quesitos formulados pelo juiz-presidente. Como se sabe, por força do art. 484, caput, do CPP, concluídos os debates, se os jurados disserem que estão habilitados a proceder ao julgamento (CPP, art. 480, § 1º), o juiz presidente deve fazer a leitura dos quesitos, indagando das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata. Portanto, o momento processual oportuno para que as partes formulem eventuais impugnações aos quesitos elaborados pelo juiz presidente é este, ou seja, imediatamente após a leitura e explicação de seu conteúdo em plenário. Se permanecer em silêncio, prevalece o entendimento de que haverá preclusão, inibindo ulterior arguição de nulidade relativa, nos termos do art. 564, parágrafo único, c/c art. 571, VIII, ambos do CPP. 4.1.3. Anulabilidades Parte minoritária da doutrina classifica as invalidades no processo penal em nulidades ab- solutas, relativas e anulabilidades. É nesse sentido a lição de Vicente Greco Filho. Para o autor, MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1700 nulidade absoluta é aquela em que há violação de norma protetiva de interesse público,não estando sujeita à convalidação, podendo ser decretada de ofício. Nulidade relativa é aquela em que há violação de norma cogente protetiva de interesse da parte, estando sujeita às impeditivas, mas não às sanatórias, podendo ser conhecida de ofício pelo juiz. Por fim, anulabilidade é a que ocorre por violação de norma dispositiva protetiva de interesse da parte, estando sujeita às impeditivas e às sanatórias, não podendo ser conhecida de ofício pelo juiz, mas somente por arguição da parte, estando prevista no art. 572 do CPP e em outros dispositivos para os quais não foi estabelecida nulidade.23 Sem embargo dessa posição, prevalece o entendimento de que, em sede processual penal, as nulidades subdividem-se apenas em absolutas e relativas, valendo destacar que ambas podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, como será visto no tópico seguinte. 4.2. Reconhecimento das nulidades 4.2.1. Na primeira instância Na 1ª instância, o juiz é livre para reconhecer de ofício a existência de qualquer tipo de nulidade, seja ela absoluta, seja ela relativa. Há quem entenda que, nos mesmos moldes do que ocorre no processo civil, o magistrado só é livre para conhecer de ofício a existência de nuli- dades absolutas no âmbito criminal. Assim, as nulidades relativas só poderiam ser apreciadas pelo juiz se houvesse impugnação das partes nesse sentido. Com tal assertiva não podemos concordar. Em primeiro lugar, porque o juiz não é parte na relação processual penal. Logo, não está sujeito ao princípio do interesse. A ele incumbe prover à regularidade do processo, nos termos do art. 251 do CPP, daí por que deve zelar pela observância de todos os modelos típicos, pouco importando se tal forma foi estabelecida para atender a interesse de natureza pública (hipótese de nulidade absoluta) ou a interesse prepon- derante das partes (hipótese de nulidade relativa). Há outros dispositivos legais constantes do CPP que confirmam a possibilidade de reconhecimento de ofício de quaisquer nulidades. A título de exemplo, ao tratar do ordenamento do processo para julgamento em plenário, o art. 423, I, dispõe que o juiz presidente deve ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade. Ao se referir às diligências necessárias para sanar qualquer nulidade, é evidente que o dispositivo refere-se àquelas de natureza relativa, haja vista que as nulidades absolutas não estão sujeitas ao saneamento (convalidação). Portanto, o dispositivo deixa entrever que o juiz criminal pode sim conhecer de ofício uma nulidade relativa, visto que a própria lei dispõe que ele deve ordenar diligências para sanar tais vícios.24 Se as nulidades absolutas ou relativas não forem reconhecidas de ofício pelo juiz, as partes são livres para fazer sua arguição, devendo atentar para o fato de que as nulidades relativas devem ser arguidas oportunamente (CPP, art. 571), sob pena de preclusão. De seu turno, as nu- lidades absolutas podem ser arguidas a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de sentença condenatória e/ou absolutória imprópria, visto que a defesa dispõe de instrumentos adequados para tanto, tais como o habeas corpus e a revisão criminal. Arguida a nulidade pelas partes, por mais que esteja evidenciada a inobservância do mo- delo típico, deve o juiz atentar para vários princípios que serão estudados mais adiante. Por 23. GRECO FILHO, Vicente. Processo penal. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 293. 24. No sentido de que o juiz é livre para reconhecer de ofício tanto nulidades absolutas quanto relativas: MUCCIO, Hidejalma (Curso de processo penal. 2ª ed. São Paulo: Método, 2011, p. 1.077); FEITOZA, Denilson (op. cit. p. 1.060). Em sentido diverso, entendendo que apenas as nulidades absolutas podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz: NUCCI, Guilherme de Souza (Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 824); TÍTULO 13 • NULIDADES 1701 mais que o ato processual tenha sido praticado em desacordo com o modelo legal, não deve ser reconhecida a nulidade se não houver prejuízo (pas des nullités sans grief), se o ato processual defeituoso tiver atingido sua finalidade (princípio da instrumentalidade das formas), etc. Es- pecificamente quanto à arguição das nulidades relativas, para além da verificação de possível preclusão temporal (CPP, art. 571), também deve o magistrado ficar atento aos princípios do interesse e da lealdade (boa-fé). 4.2.2. Na segunda instância Se o juiz é livre para conhecer de ofício nulidades absolutas e relativas na 1ª instância, raciocínio diverso se aplica às hipóteses em que o processo está tramitando perante os Tribunais em grau recursal. Isso porque, em grau recursal, o conhecimento de toda e qualquer nulidade pelo Tribunal está condicionado ao efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum), em razão do qual o poder de reexame da instância superior fica restrito à parte da decisão impugnada pelo recorrente, evitando-se, assim, a prestação de atividade jurisdicional sem que tenha havido provocação das partes, em fiel observância à regra da inércia da jurisdição (ne procedat judex ex officio). Por isso, se as partes devolvem ao conhecimento do Tribunal a apreciação de determinada nulidade, esta não só pode como deve ser analisada pelo Tribunal. Logo, desde que a apreciação da matéria seja devolvida ao tribunal pelos recorrentes, o Tribunal poderá apreciar qualquer espécie de nulidade, seja ela absoluta, seja ela relativa. Evidentemente, a nulidade relativa só poderá ser questionada em grau recursal se não ocorreu anterior preclusão temporal. Exem- plificando, supondo a existência de nulidade relativa durante a audiência una de instrução e julgamento dos processos da competência do juiz singular, se o vício não for arguido por ocasião da apresentação das alegações orais (ou memoriais), significa dizer que terá havido preclusão. Todavia, se a nulidade relativa foi arguida no momento oportuno pela parte, sendo, porém, rechaçada pelo juiz de 1ª instância, é evidente que a matéria poderá ser ventilada novamente em preliminar de ulterior recurso. Quanto à possibilidade de reconhecimento de ofício de nulidades em grau recursal, especial atenção deve ser dispensada à sumula nº 160 do Supremo, segundo a qual “é nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. A leitura dessa súmula autoriza a extração de 3 (três) conclusões: a) nos casos de recurso de ofício, o Tribunal é livre para reconhecer qualquer nulidade, seja ela favorável ou prejudicial à defesa. Afinal, por meio do reexame necessário, devolve-se ao juízo ad quem o conhecimento integral da causa, de modo que nada que se decidiu na sen- tença se faz precluso; b) no recurso da acusação, o Tribunal é livre para reconhecer qualquer nulidade em prejuízo do acusado, desde que o conhecimento desse vício tenha sido devolvido à apreciação do juízo ad quem em virtude da interposição do recurso.25 Em se tratando de nulidade relativa, esta deve ter sido oportunamente arguida pelas partes (CPP, art. 571), sob pena de já ter se opera- do a preclusão, impedindo o reconhecimento do vício pelo Tribunal, ainda que haja expressa devolução quanto à matéria; c) no recurso da acusação ou da defesa, o Tribunal é livre para reconhecer qualquer nuli- dade em benefício do acusado, ainda que a apreciação da matéria não tenha sido expressamente devolvida ao conhecimento do Tribunal, já que vigora, em sede processual penal, o princípio da reformatio in mellius. Destarte, no recurso exclusivo da acusação ou até mesmo no recurso 25. No sentido de que o juízo ad quem não pode reconhecer, de ofício, nulidade não arguida no recurso da acusação, cujo reconhecimento possa vir a prejudicar a defesa, sob pena de violação ao princípio da non reformatio in pejus: STJ, 5ª Turma, HC 90.793/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 11/12/2008, DJe16/02/2009. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1702 da defesa no qual tal vício não tenha sido expressamente impugnado, é plenamente possível que o juízo ad quem melhore a situação da defesa, reconhecendo nulidade capaz de favorecer o acusado. Afinal, se o Tribunal pode conceder ordem de habeas corpus de ofício, tal qual previsto no art. 654, § 2º, do CPP, por que motivo estaria impossibilitado de, ante uma apela- ção exclusiva da acusação, abrandar a situação do acusado, reconhecendo nulidade capaz de favorecê-lo? Mais uma vez, convém lembrar que, na hipótese de nulidade relativa, esta deve ter sido arguida oportunamente, sob pena de já ter se operado a preclusão. 5. PRINCÍPIOS REFERENTES ÀS NULIDADES 5.1. Princípio da tipicidade das formas Em regra, todo ato processual tem sua forma prescrita em lei, cuja inobservância pode dar ensejo à decretação de sua nulidade. No tópico introdutório deste Título, vimos que a tipicidade das formas corresponde à ideia de que o ato processual deve ser praticado em consonância com a Constituição Federal e com as leis processuais penais, assegurando-se, assim, não somente às partes, como a toda a coletividade, a existência de um processo penal justo e em consonância com o devido processo legal. De todo modo, como visto anteriormente, nem toda inobservância da forma prescrita em lei é capaz de acarretar a invalidação do ato processual. De fato, a depen- der do ato processual viciado e do grau do vício, o ordenamento jurídico pode simplesmente desprezar a irregularidade cometida, impor uma mera consequência extraprocessual, sujeitá-lo à declaração de sua ineficácia, ou considerá-lo inexistente. 5.2. Princípio do prejuízo Segundo o art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar nenhum prejuízo para as partes (pas de nullité sans grief). O princípio do prejuízo aí previsto deriva da ideia de que a tipicidade dos atos processuais funciona apenas como um instrumento para a correta aplicação do direito. Logo, eventual desobediência às formas prescritas em lei só deve acarretar a invalidação do ato processual quando a finalidade para a qual foi instituída a forma restar comprometida pelo vício. Em síntese, somente a atipicidade relevante, capaz de produzir prejuízo às partes, autoriza o reconhecimento da nulidade. Outro dispositivo legal que versa sobre o princípio do prejuízo é o art. 566 do CPP, por força do qual “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”. Ora, se o ato viciado é absolutamente inócuo, incapaz de prejudicar a formação do convencimento judicial, não há motivo para o reconheci- mento de sua nulidade. É o que ocorre, a título de exemplo, com a inversão da ordem de oitiva das testemunhas, considerada pela jurisprudência como causa de mera nulidade relativa, daí por que se afigura indispensável a comprovação do prejuízo. Supondo que as testemunhas da defesa sejam meramente abonatórias, é evidente que sua oitiva antes da colheita do depoimento das testemunhas arroladas pela acusação não acarretará qualquer prejuízo à defesa.26 Na mesma linha, segundo o art. 572, II, do CPP, as nulidades previstas no art. 564, III, “d” e “e”, segunda parte, “g” e “h”, e IV, considerar-se-ão sanadas se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim. O dispositivo deixa entrever que, inobstante o vício constante do ato processual, não há motivo para se declarar a nulidade se sua finalidade tiver sido atingida, ou seja, se não tiver acarretado qualquer prejuízo às partes. Nessa linha, de acordo com a súmula nº 366 do STF, “não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia”. Ora, o simples fato de não constar do edital de citação a transcrição da denúncia ou o resumo dos fatos em que esta 26. STF, 2ª Turma, HC 75.345/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 19/09/1997. TÍTULO 13 • NULIDADES 1703 se baseia não autoriza o reconhecimento da nulidade do referido ato de comunicação, porquanto este terá atingido a sua finalidade, visto que o acusado terá sido cientificado acerca da instau- ração de um processo penal contra sua pessoa, podendo, assim, exercer seu direito de defesa. Ainda sobre o princípio do prejuízo, a Lei nº 9.099/95, que versa sobre os Juizados Es- peciais Criminais, prevê em seu art. 65, caput, que os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62, quais sejam, oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. Também dispõe que não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo. Em sentido semelhante, o art. 244 do CPC (art. 277 do novo CPC) dispõe que quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. Mais uma vez, fica evidente que, mesmo que o ato seja praticado em desacordo com o modelo típico, se acaso atingida sua finalidade, isto é, não havendo prejuízo para as partes, deve ser firmada sua validade. O princípio do prejuízo é aplicável tanto às nulidades absolutas quanto às relativas. Se- gundo a doutrina, enquanto o prejuízo é presumido na nulidade absoluta, deve ser comprovado na nulidade relativa. Essa distinção é evidenciada na súmula nº 523 do Supremo: “no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. De se lembrar que, na hipótese de nulidade absoluta, a despeito de o prejuízo ser presumido, nada impede que a parte contrária demonstre a inocorrência do prejuízo que foi estabelecido em virtude da presunção legal que decorre do caráter absoluto da nulidade invocada.27 Por ocasião da verificação do prejuízo causado pelo ato viciado, há de se ficar atento às hipóteses em que o dano fica adstrito ao próprio ato maculado (nulidade originária) e àquelas em que todo outros atos subsequentes do processo são contaminados (nulidade derivada). Por exemplo, supondo que a citação do acusado tenha sido feita em desacordo com o modelo legal (nulidade originária), é evidente que esta nulidade contaminará todos os demais atos do processo (nulidade derivada), porquanto maculada ab initio a autodefesa do acusado e o direito de constituir advogado de sua confiança. 5.3. Princípio da instrumentalidade das formas Como ensina a doutrina, são três os sistemas segundo os quais pode ser imposta a sanção de nulidade:28 a) sistema da legalidade das formas, formalista ou da indeclinabilidade das formas: todo e qualquer vício acarreta o reconhecimento da nulidade do ato processual; b) sistema da legalidade das formas mitigado: o ato será considerado nulo apenas se a lei assim expressamente o declarar, ou seja, ainda que o ato processual seja praticado em desa- cordo com o modelo típico, caso não seja prescrita a nulidade, o ato será considerado válido; c) sistema da instrumentalidade das formas: as irregularidades devem ser distinguidas conforme sua gravidade, não se declarando a nulidade do ato se sua finalidade foi atingida e se não houve prejuízo para as partes. Antigamente, trabalhava-se precipuamente com os dois primeiros sistemas acima citados, reconhecendo-se a nulidade sempre que o ato processual fosse praticado em desacordo com o 27. A despeito do entendimento doutrinário, vimos anteriormente no tópico referente à nulidade absoluta que, em julgados recentes, o Supremo Tribunal Federal vem exigindo a comprovação do prejuízo tanto nas hipóteses de nulidade absoluta quanto relativa. 28. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 11ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 24. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1704 modelolegal, ou quando a lei assim o declarasse. Esse primado da legalidade das formas, no qual o legislador listava expressamente as hipóteses de nulidade, era passível de muitas críticas porquanto privava o magistrado de qualquer discricionariedade na avaliação das consequências do vício, o que, invariavelmente, acarretava o reconhecimento de nulidades por excessivo for- malismo, sem que houvesse qualquer prejuízo às partes. Hoje, no entanto, é dominante a utilização do terceiro sistema – instrumentalidade das for- mas –, em que se compreende que a existência do modelo típico não é um fim em si mesmo. Na verdade, a forma prescrita em lei visa proteger algum interesse ou atingir determinada finalidade. Por isso, antes de ser decretada a ineficácia do ato processual praticado em desacordo com o modelo típico, há de se verificar se o interesse foi protegido ou se a finalidade do ato processual foi atingida. Em caso afirmativo, não há motivo para se decretar a nulidade do ato processual. Nosso Código de Processo Penal, por exemplo, estabelece um rol exemplificativo de nu- lidades no art. 564. Ocorre que as nulidades também podem ser reconhecidas em virtude da inobservância de formas ou requisitos para os quais não há previsão expressa de nulidade, sobre- tudo quando houver violação a preceitos constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa. O princípio da instrumentalidade das formas, também conhecido como princípio da fina- lidade, pode ser extraído de alguns dispositivos legais, a saber: a) as nulidades previstas no art. 564, III, “d” e “e”, segunda parte, “g” e “h”, e IV, do CPP, considerar-se-ão sanadas se, prati- cado por outra forma, o ato tiver atingido seu fim (CPP, art. 572, II); b) quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade (art. 277 do CPC). Talvez o melhor exemplo de aplicação do princípio da instrumentalidade das formas seja aquele pertinente à citação defeituosa, cujo vício pode sanado pelo comparecimento pessoal do acusado. Dispõe o art. 570 do CPP que “a falta ou nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, em- bora declare que o faz para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte”. Ora, considerando que a citação é um dos mais importantes atos de comunicação processual, porquanto dá ciência ao acusado acerca da instauração de um processo penal contra sua pessoa, ao mesmo tempo em que o chama para exercer seu direito de defesa, é intuitivo que eventuais vícios em sua realização darão ensejo a uma nulidade absoluta, face a violação ao princípio da ampla defesa. No entanto, se, a despeito da citação viciada, o acusado constituir defensor e apre- sentar resposta à acusação (CPP, arts. 396, 396-A), isso significa dizer que tomou conhecimento da acusação, estando apto, portanto, a exercer o direito de defesa. Logo, não há motivo para se declarar a nulidade ab initio do processo, já que a finalidade do ato processual foi atingida, em que pese a grave mácula do ato de comunicação.29 5.4. Princípio da eficácia dos atos processuais Vimos anteriormente que atos nulos são aqueles em que a falta de adequação ao tipo legal pode acarretar o reconhecimento de sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos. No direito privado, um ato nulo não produz quaisquer efeitos. Em outras palavras, a nulidade é automática, ou seja, não há necessidade de prévia decisão judicial a declarando expressamente. Em sentido diverso, no direito processual, a inobservância da forma prescrita em lei pode levar 29. Nesse contexto, em caso concreto anterior à reforma processual de 2008 no qual a citação fora realizada na mesma data da realização do interrogatório, na pessoa da mãe do acusado, que lhe entregou o mandado, concluiu o STJ ser inviável o reconhecimento da nulidade, porquanto o acusado teria comparecimento espontaneamente à audiência acompanhado por defensor constituído, com o qual pôde se reunir antecipada e reservadamente: STJ, 5ª Turma, REsp 930.283/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 18/10/2007, DJ 12/11/2007 p. 289. TÍTULO 13 • NULIDADES 1705 ao reconhecimento da ineficácia do ato processual. A isso se denomina princípio da eficácia dos atos processuais, no sentido de que a nulidade dos atos processuais não é automática, estando seu reconhecimento condicionado à existência de um pronunciamento judicial no qual seja aferida não apenas a atipicidade do ato, como também a não consecução de sua finalidade e a causação de prejuízo às partes. Como se vê, em que pese a possibilidade de reconhecimento do vício, os atos processuais são juridicamente existentes, além de válidos e eficazes, pelo menos enquanto não proclamada a nulidade. Isso significa dizer que, no âmbito processual, não existe a figura do ato jurídico nulo de pleno direito, que, desde o momento de sua prática, não gera efeitos. Na verdade, todos os atos viciados são meramente passíveis de anulação, já que sempre dependem de decisão judicial a reconhecer o vício, somente deixando de produzir efeitos após a prolação da decisão. Destarte, por força do princípio da eficácia dos atos processuais, os atos nulos continuam a produzir seus efeitos regulares enquanto não houver uma decisão judicial expressamente declarando a invalida- ção do ato, privando-o de sua eficácia para produzir efeitos no mundo jurídico. Exemplificando, se um acusado for processado, julgado e condenado sem a assistência de defensor, enquanto não for reconhecida expressamente a nulidade absoluta da sentença condenatória, esta continuará a produzir seus efeitos regulares, dentre eles o possível recolhimento do acusado à prisão. 5.5. Princípio da restrição processual à decretação da ineficácia Por força do princípio da restrição processual à decretação da ineficácia, a invalidação de um ato processual defeituoso somente pode ser decretada se houver instrumento processual adequado e se o momento ainda for oportuno. Como a nulidade dos atos processuais não é au- tomática (princípio da eficácia dos atos processuais), ainda que o ato processual seja praticado em desacordo com o modelo típico, causando prejuízo às partes, esse vício somente poderá ser reconhecido se houver instrumento processual idôneo para o reconhecimento judicial e desde que o momento ainda seja adequado, ou seja, que não tenha havido preclusão temporal. A título de exemplo, suponha-se que uma sentença condenatória tenha sido prolatada por juízo absolutamente incompetente, transitando em julgado na sequência. A despeito do trânsito em julgado desse decreto condenatório, é certo dizer que nosso ordenamento jurídico contempla instrumentos processuais idôneos para o reconhecimento de vício de tal porte. Caso subsista prejuízo à liberdade de locomoção do condenado em face dessa sentença condenatória transitada em julgado eivada de nulidade absoluta (v.g., cumprimento de prisão penal), afigura-se cabível a impetração de habeas corpus. Se não subsistir qualquer risco à liberdade de locomoção (v.g., morte do condenado), poderá ser ajuizada revisão criminal, objetivando o reconhecimento da referida nulidade absoluta, nos termos do art. 626, caput, c/c art. 623, ambos do CPP. No entanto, se essa mesma sentença transitada em julgado proferida por um juízo absolutamente incompetente fosse absolutória, não haveria instrumento processual idôneo à decretação da nulidade absoluta, visto que nosso ordenamento jurídico não admite a revisão criminal em favor da sociedade. Quanto à restrição processual à decretação da ineficácia em virtude do decurso do momento adequado, basta pensar num exemplo de nulidade relativa ocorrida durante o curso da instrução de processo da competência do juízo singular, que não tenha sido arguida oportunamente. Vimos anteriormente
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