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DRGE Doença do Refluxo Gastroesofágico

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DRGE – Doença do Refluxo Gastroesofágico
 		O retorno do conteúdo gástrico através do Esfíncter Esofagiano Inferior (EEI) é chamado de refluxo gastroesofágico! O refluxo gastroesofágico casual, de curta duração (que geralmente ocorre durante as refeições), é dito fisiológico, sendo tipicamente assintomático. Já o refluxo interprandial recorrente, de longa duração, costuma originar sintomas (como pirose e regurgitação) que resultam da agressão à mucosa esofágica promovida pelo material refluído. Estes episódios de refluxo são ditos patológicos, e caracterizam a DOENÇA do Refluxo Gastroesofágico (DRGE).
O que é a DRGE? 
Definimos Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) como uma afecção crônica secundária ao refluxo patológico de parte do conteúdo gástrico para o esôfago e/ou órgãos adjacentes (faringe, laringe, árvore traqueobrônquica), acarretando um espectro variável de sinais e sintomas esofágicos e/ou extraesofágicos que podem ser acompanhados ou não de lesões teciduais (ex.: esofagite). 
Epidemiologia
A DRGE é o distúrbio mais comum do trato gastrointestinal alto no mundo ocidental, respondendo por cerca de 75% das esofagopatias. O sintoma “pirose” (queimação retroesternal ascendente), que nos estudos epidemiológicos é utilizado como indicativo da presença de refluxo patológico, é referido por cerca de 20% da população! A DRGE pode aparecer em qualquer faixa etária (inclusive crianças), porém, sabemos que sua prevalência aumenta com a idade. Não há preferência por sexo, mas os sintomas tendem a ser mais frequentes e intensos na vigência de obesidade (o IMC é fator de risco independente para DRGE, apresentando correlação direta com sua gravidade), bem como durante a gestação (relaxamento do EEI promovido pela progesterona + aumento da pressão intra-abdominal exercido pelo útero gravídico). 
A esofagite erosiva relacionada à DRGE é um importante fator de risco para o adenocarcinoma de esôfago: em alguns pacientes, a cicatrização das erosões acontece por meio do fenômeno de metaplasia intestinal, isto é, o epitélio estratificado normal do esôfago é substituído por um epitélio colunar dotado de maior resistência ao pH ácido, epitélio esse normalmente encontrado na mucosa do intestino delgado (o termo metaplasia quer dizer “transformação de um tecido em outro”)... Quando o 1/3 distal do esôfago apresentar essa alteração, teremos a condição conhecida como ESÔFAGO DE BARRETT (EB)! O grande problema é que o epitélio metaplásico do EB é mais propenso a evoluir com displasia progressiva de suas células, o que pode culminar em transformação neoplásica maligna – isto é, surgimento de um adenocarcinoma! Assim, o aumento na prevalência de DRGE (que acompanha a pandemia de obesidade e o envelhecimento da população) parece explicar o aumento na incidência deste câncer observado nas últimas décadas…
Felizmente, o risco geral de câncer de esôfago secundário à DRGE é baixo: dos portadores de pirose diária, um em cada 2.500 pacientes/ano desenvolverá este tipo de câncer, ao passo que nos portadores de pirose mensal a incidência gira em torno de um a cada 10.000 pacientes/ ano... Todavia, na DRGE complicada com esôfago de Barrett, a chance de adenocarcinoma aumenta muito (passando para um a cada 200 pacientes/ano), o que demanda, como veremos adiante, a monitorização endoscópica regular desses pacientes…
Patogênese
Existem três anormalidades básicas (não mutuamente excludentes) que podem originar refluxo: 1- Relaxamentos transitórios do EEI não relacionados à deglutição; 2- Hipotonia verdadeira do EEI; 3- Desestruturação anatômica da junção esofagogástrica (hérnia de hiato).
Os relaxamentos transitórios do EEI não relacionados à deglutição representam o mecanismo patogênico mais comum de DRGE (60- -70% dos pacientes), sendo característicos dos indivíduos sem esofagite ou com esofagite leve (o motivo desta última associação é: o refluxo tende a ser menos intenso e menos prolongado por este mecanismo). Acredita-se que tais relaxamentos sejam mediados por um reflexo vagovagal anômalo (o vago é ao mesmo tempo aferência e eferência do reflexo) estimulado pela distensão gástrica... Ao contrário dos relaxamentos desencadeados pela deglutição, os relaxamentos patológicos são mais duradouros (> 10 segundos) e não são seguidos de peristalse esofagiana eficaz (a peristalse ajudaria a “limpar” os conteúdos refluídos, diminuindo a exposição da mucosa). A pressão média do EEI costuma ser normal (entre 10-30 mmHg) em indivíduos com DRGE cujo mecanismo patogênico é o já citado relaxamento transitório não associado à deglutição. Entretanto, alguns pacientes de fato possuem um esfíncter constantemente hipotônico (< 10 mmHg). Na grande maioria das vezes, nenhuma etiologia é identificada, porém, as seguintes condições podem justificar uma hipotonia verdadeira do EEI: esclerose sistêmica (pela fibrose e atrofia da musculatura esofagiana), lesão cirúrgica do EEI (ex.: após esofagomiotomia de Heller), tabagismo, uso de drogas com efeito anticolinérgico ou miorrelaxante (ex.: agonistas beta-adrenérgicos, nitratos, antagonistas do cálcio) e a gestação. A própria esofagite erosiva é capaz de reduzir o tônus do EEI (agressões repetidas resultam em fibrose e atrofia da musculatura), gerando um ciclo vicioso. Hormônios como a Colecistocinina (CCK) e a secretina também reduzem o tônus do EEI... A hipotonia do EEI é o principal mecanismo patogênico de DRGE em pacientes que apresentam esofagite erosiva grave. O motivo desta associação é: o refluxo ocasionado por este mecanismo tende a ser mais intenso e mais prolongado (levando a uma maior exposição da mucosa e, consequentemente, maior dano). As hérnias de hiato favorecem o refluxo na medida em que o EEI passa a não contar mais com a ajuda da musculatura diafragmática como reforço mecânico à sua função de barreira. A posição inapropriada do EEI (que passa a ficar dentro da cavidade torácica, local onde a pressão externamente exercida sobre ele é menor), facilita a ocorrência do chamado “re-refluxo”, a partir do material contido no saco herniário. Esse fenômeno, inclusive, costuma ocorrer durante os relaxamentos fisiológicos do EEI induzidos pela deglutição. Apesar de seu papel indiscutível na gênese do problema, a hérnia de hiato nem sempre se acompanha de DRGE, logo, seu encontro NÃO deve levar a um diagnóstico automático de DRGE!!! De modo análogo, para ter DRGE não é obrigatório ter hérnia de hiato...O fato é que, em geral, quando um portador de hérnia de hiato faz DRGE, esta tende a ser mais grave (ex.: maior probabilidade de esofagite erosiva e esôfago de Barrett). São mecanismos de DEFESA contra o refluxo: (1) bicarbonato salivar, que neutraliza a acidez do material refluído; (2) peristalse esofagiana, que devolve esse material para o estômago. Logo, contribuem para a ocorrência e a gravidade da DRGE a coexistência de disfunção das glândulas salivares (ex.: síndrome de Sjögren, medicamentos com efeito anticolinérgico) e/ou distúrbios motores primários do esôfago. 
Manifestações Clínicas
A pirose (“queimação retroesternal” – FIGURA 1)é o principal sintoma da DRGE, geralmente ocorrendo nas primeiras 3 horas após as refeições e ao deitar. Cuidado para não confundir pirose com azia, termo que significa “queimação epigástrica” (os pacientes comumente fazem essa confusão). A pirose pode ou não ser acompanhada de regurgitação (percepção de um fluido salgado ou ácido na boca). Portadores de DRGE podem se queixar também de disfagia (1/3 dos casos), o que sugere a ocorrência de complicações como estenose péptica ou adenocarcinoma, mas pode resultar apenas do edema inflamatório na parede do esôfago ou da coexistência de um distúrbio motor associado. O fato é que pirose e regurgitação constituem os chamados “sintomas típicos” de DRGE! O termo “típicos”, neste caso, significa “esofagianos”...
Uma queixa menos frequente – mas que assusta bastante o paciente – é a dor precordial, que pode ser indistinguível da dor coronariana, fazendo diagnóstico diferencial com angina pectoris (a DRGE é uma das principaisetiologias de “dor torácica não cardíaca”). Estes indivíduos costumam possuir um forte componente “funcional” para as suas queixas, quer dizer, existe associação com distúrbios neuropsiquiátricos, o que faz com que a resposta ao tratamento APENAS da DRGE seja insatisfatória... Falaremos sobre este assunto com mais detalhes em “Tratamento”, no tópico “DRGE refratária aos IBP”. Certos pacientes têm ainda sintomas extraesofagianos, os chamados “sintomas atípicos”, que podem ser relacionados ao refluxo ácido para a boca (erosão do esmalte dentário), faringe (irritação da garganta, sensação de globus), laringe (rouquidão, granuloma de corda vocal), cavidade nasal (sinusite crônica, otite média) e árvore traqueobrônquica (tosse crônica, broncoespasmo, pneumonite aspirativa). O Esfíncter Esofágico Superior (EES) é encarregado de proteger o trato respiratório do refluxo, logo, nesses casos, há também uma incompetência desse esfíncter... Cumpre ressaltar que, além da agressão direta à mucosa traqueobrônquica promovida pelo material refluído, o broncoespasmo pode ser desencadeado indiretamente por um reflexo esofagopulmonar mediado pelo nervo vago... A DRGE pode ser a única explicação para os sintomas extraesofagianos, mas em muitos pacientes ela funciona apenas como fator agravante de alguma patologia extraesofagiana de base. Seja como for, temos que cogitar essa possibilidade quando os sintomas atípicos aparecem em conjunto com os sintomas típicos! Na ausência de sintomas típicos (pirose e regurgitação) a probabilidade da DRGE explicar manifestações extraesofágicas é baixa... A anemia ferropriva por perda crônica de sangue aparece nos pacientes que desenvolvem esofagite erosiva grave, com formação de úlceras profundas. Raramente estes indivíduos evoluem com perfuração do esôfago. Os principais diagnósticos diferenciais da DRGE são: (1) Esofagite infecciosa (CMV, HSV, Candida); (2) Esofagite eosinofílica; (3) Dispepsia não ulcerosa; (4) Úlcera péptica gastroduodenal; (5) Doença do trato biliar; (6) Distúrbios motores do esôfago; (7) Doença coronariana. Perceba que, na realidade, todas essas condições também podem coexistir com a DRGE... Um importante indício de que isso pode estar acontecendo é a ausência de resposta ao tratamento, que justamente é uma das principais indicações para a realização de exames complementares na suspeita de DRGE (ver adiante)
Diagnóstico
Na maior parte das vezes o diagnóstico de DRGE pode ser feito somente pela anamnese, quando o paciente refere pirose pelo menos uma vez por semana, por um período mínimo de quatro a oito semanas. A resposta à prova terapêutica (redução sintomática > 50% após 1-2 semanas de uso de IBP) é considerada o principal teste confirmatório! Perceba, então, que é perfeitamente possível estabelecer o diagnóstico de DRGE sem pedir exames complementares... Não obstante, a realização de exames está indicada em certas situações específicas. Os principais métodos utilizados são: 
(1) Endoscopia Digestiva Alta; 
(2) pHmetria de 24h (com ou sem impedanciometria); 
(3) Esofagomanometria; e 
(4) Esofagografia Baritada. 
A seguir, dissecaremos as peculiaridades de cada um deles, explicando quando e com que objetivos devem ser solicitados. Endoscopia Digestiva Alta. Sua principal finalidade é identificar as complicações da DRGE, como esofagite (observada em 30-40% dos pacientes), estenose péptica, esôfago de Barrett e adenocarcinoma. Também é útil para o diagnóstico diferencial com as condições que simulam os sintomas de refluxo. As principais indicações formais para a realização de uma EDA em pacientes com diagnóstico suspeito ou confirmado de DRGE estão expostas na Tabela 1. Dizemos que o paciente tem esofagite de refluxo quando ele desenvolve alterações inflamatórias na mucosa esofagiana visíveis pela endoscopia. Curiosamente, nem sempre essas alterações possuem correspondência direta com as manifestações clínicas: a maioria dos pacientes sintomáticos apresenta EDA normal, enquanto outros, a despeito de uma esofagite grave, podem não referir qualquer queixa. Entenda que é justamente por este motivo que tal exame NÃO É obrigatório para o diagnóstico de DRGE (ao contrário do que muita gente pensa) – a EDA geralmente é normal, e isso não descarta a existência da doença! A esofagite de importância clínica é aquela que possui erosões (definidas como soluções de continuidade limitadas à mucosa, com pelo menos 3 mm de extensão). 
Tratamento
A maioria dos portadores de DRGE apresenta uma forma mais ou menos branda (e sem complicações) da doença, evoluindo com melhora dos sintomas após o início de medidas gerais antirrefluxo e drogas antissecretoras gástricas. A maioria (80%) também apresenta recidiva do quadro após a suspensão da terapia, beneficiando-se, no entanto, do retorno da mesma. A cirurgia antirrefluxo é essencialmente reservada para os casos refratários ou com complicações (que são aqueles onde a probabilidade de alterações anatômicas na barreira antirrefluxo – que podem ser corrigidas com uma fundoplicatura – é maior), mas muitos autores (principalmente cirurgiões) advogam seu emprego nos portadores de DRGE leve e bem controlada com o tratamento clínico, desde que eles sejam jovens e se mostrem dependentes da medicação! Na realidade, existem controvérsias a respeito das indicações cirúrgicas na DRGE, e vamos explicá-las melhor adiante. Descreveremos inicialmente as principais opções disponíveis no arsenal terapêutico, fazendo depois o traçado geral de uma das estratégias preconizadas na atualidade. É importante ressaltar que ainda não existe consenso absoluto acerca de qual seria a melhor abordagem para a DRGE e, por causa disso, alguns autores podem propor algoritmos um pouco diferentes daquele que vamos colocar aqui…
Medidas Antirrefluxo 
As medidas antirrefluxo estão listadas na Tabela 5. Elas devem ser indicadas de maneira individualizada, conforme as queixas de cada paciente (ex.: a recomendação de evitar certos tipos de alimento só é válida se aqueles alimentos efetivamente provocarem sintomas no paciente). 
Tratamento Farmacológico 
As classes de medicamentos empregadas no tratamento da DRGE são: (1) Bloqueadores do receptor H2 de histamina (BH2 ); (2) Inibidores da Bomba de Prótons (IBP); (3) Antiácidos. Os procinéticos (ex.: bromoprida, domperidona, metoclopramida) não são mais indicados de rotina... Antigamente os procinéticos eram sempre prescritos como adjuvantes ao tratamento antissecretor, com o intuito de melhorar o tônus e a motilidade da região esofagogástrica, mas nunca foi demonstrado um benefício consistente para a maioria dos pacientes. Todavia, os procinéticos podem ser prescritos para pacientes que, além dos sintomas típicos de refluxo, apresentam outras queixas dispépticas sugestivas de gastroparesia associada (ex.: náuseas, saciedade precoce, plenitude pós-prandial)...
Cirurgia Antirrefluxo 
O tratamento cirúrgico, qualquer que seja a técnica empregada, visa restabelecer a competência do EEI, circundando a extremidade inferior do esôfago com um manguito (ou válvula) formado pelo fundo gástrico – a chamada Fundoplicatura. Existem várias modalidades que diferem em função da via de acesso (torácica ou abdominal) e do tamanho da válvula gástrica confeccionada (fundoplicaturas parciais ou totais). Atualmente, a fundoplicatura é preferencialmente realizada por meio da cirurgia videolaparoscópica, com baixa incidência de complicações e rápido retorno às atividades laborativas! A taxa de sucesso (alívio dos sintomas e resolução da esofagite) beira os 85%.

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