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JOSÉ AUGUSTO PACHECO COLECÇAO CIENCIAS DA EDUCA ÇÃO . . . . .. . . . . . •• , . . . . . . . . . . . . • • • CURRICULO: TEO.RIA E PRÁXIS j;, PORTO EDITORA E D I Ç Ã O As teorias curriculares Como em qualquer campo do conhecimento, no campo curricular as opções teóricasC'\ dã? origem a classificações divers~s, embora ~or vezes a~go coinci?entes'. e são ~en- 1 tat1vas de abordagem das concepçoes de curnculo atraves das qua1s se diferenciam r formas distin tas de relacionar a teoria com a prática e a escola com a sociedade. Por isso, existem vários ângulos de abordagem do campo definidor das teorias curricu- lares que o tomam ainda mais complexo e local de permanente debate e reflexão, sobre- tudo quando não se pode falar de um consenso acerca da definição de currículo. Tais teo- 1~ rias são, por conseguinte, classificações ou sínteses das várias concepções de currículo, 1 1 com o intuito de facilitar a compreensão da complexidade curricular, sendo apresentadas ~ quer sob a fonna de orientações, ideologias, concepçõ~s, quer sob a fonna de processos~ , legitim~ ão e de modcl~s de conh~ cim~nto. - - - - - - ~ orientações curriculares, avançadas por Eisner e Vallance (1974) 1 na tentativa de ensaiar a construção de uma proposta curricular, correspondem a diferentes concepções sobre a natureza do conhecimento escolar: • Currículo como desenvolvimento dos processos cognitivos. Maior preocupação com o aperfeiçoamento das operações intelectuais do que com os conteúdos. • Currículo como tec,wlogia. Preocupação com o como se aprende e não propriamente com o quê já que o currículo é visto como um processo tecnológico ou um meio para organizar a aprendizagem. 1 CiLamos de Fernando Machado e Mari a Gonçal ves ( 199 1 ). CCE-CTP _3 33 1 r V • Curríruln rnmn ª"tn-renliznçiw º" como experiência con.,·1mwr,íria. Centrada n . l . o aluno _ e no~ conteúdos de aprcndi r,agcm - e oncntac a para a sua autonomia e clesen. volvin1cnto rc~soa l. . _ . • Crmk ulo ,·nnu, rrm mtmçiin social. Preocupação com a v1sao social da aprendi~.agern • Rnrinnalismo académico . Valor1nçào da aprendizagem de conteúdos organizados e~ di"-ciplin::1 ~. A inda dent ro deste campo. Me Neil ( 1977) fala de quatro concepções de currículo: htJm.rmisra : 1-ccnns1111ção sncial: tecnolr5g ica; e acadénúca. . ,.. . De uma fonna mais resumida. De Landsheere ( 1992: 89) questiona tres onentações fu ndamenta is ou trés diferentes tipos de currículo: centrado no saber a adquirir, no aluno e na sociedade. Se o cu nícul o é um projecto fom1ativo, em articulação com normas a~mi~istrativas e juridicas (l.,und2:ren, 1983)_ a sua concepção e implementação ultrapassa o ambtto dos pro- .fcssorc~ e cngl; ba. de igual modo, os contextos de gestão e político-administrativo. Neste sentido. a~ teorias podem abordar os processos de legitimação do currículo já que existe uma ideologia subjacente a qualquer decisão curricular. Neste contexto, Meyer2 identifica três tipos de legitimação: normativa (ênfase nas deci- sões político/administrativas ou no que deve ser ensinado); processual (valorização do cur- rículo como um projecto que depende do seu processo de desenvolvimento e do significado da interacção): e discursiva (construção do currículo de acordo com os sujeitos interve- nientes na base da deliberação social). Por seu lado. Schiro3 distingue as seguintes ideologias curriculares ou concepções bási- cas sobre a função da escola: académica (centrada nas disciplinas); de eficiência social; centrada no alww: de reconstrução social. Tendo por objectivo a abordagem dos modelos teóricos e das práticas , Gimeno · ( 1988: 45) apresenta quatro orientações ou concepções básicas à volta do termo currículo: como súmula de exigências académicas; como base de experiências; como legado tecno-lógico e eficie111e; conw configuração da prática. Ainda quanto aos processos de legitimação curricular, Pinar (1985) faz uma revisão dos estudos curriculares. partindo da identificação dos vários grupos: • rradiâona.listas: seguem os princípios básicos de Tyler e entendem o currículo como uma técnica nas mãos dos especialistas ( derivada das chamadas técnicas científicas procedentes da indústria) ou como um produto que é decidido superionnente e depois colocado ao serviço dos professores, de acordo com o modelo burocrático, a raciona-bdade tecnológica, a mentalidade técnica; • empir_ist~s conaptunis: defendem que o currículo é decidido numa relação entre os e_specialistas _curriculares e os que estão na escola e que são inúteis as prescrições cur- nculares, pois dever-se-á aceitar a deliberação prática como um aspecto central do desenvol vimento curricular. A prática é, assim, a solução de todos os problemas; ' C1Lado por U. Hameyer ( 199 I : 21 ). · 1 Citado por Gimeno ( 1988: 45). 34 1 • reconceptualistas: perspectivam o currículo como um . . . I' · , , . d . processo po 1t1co que atraves da cntrca eve levar à em:mcrpação das comunidades que O rea lizam. ' · Por último, as teorias cu,,-iculares podem versar O conteL'rdo h · . , , ou o con ec ,mento cio cur- ..rculo enquanto proJecto de formação. Subordinados à ques·ta~o "que .. h · . ' , • , , ,, , . · ' · con ec,mento e mais valioso? , Holmes & Mclean (1992) falam destes quatro mode los de currícu·lo· ? "? • • _ · I d' 1. . . . e,\senua /ismo: enoc ope ismo ; po 1tecn,c,smo; e pragmatismo. É. pois, a partir dest~s contr!butos teóricos e dentro da complex idade do campo curri- cular que s_urgem as teorias c~rnculares, propostas por Kemmjs (l 988) e cuja fundamenta- ção deve a111da buscar-se nos mteresses constitutivos de Haberm as4. Em cada uma das teo- rias passamos a analisar as diferentes perspectivas anteriormen te referidas. 2. 1. TEORIA TÉCNICA De facto, a teoria técnica é a que tem mais tradição nos estud os curriculares e aquela cuja influência se faz sentir ainda nos dias de hoje. Pressupondo um interesse técnico, pode caracterizar-se - e seguindo-se os parâmetros delineados por Kemmis (1988: 134) - "por um discurso científico, por uma organização burocrática e por uma acção tecnicista". Na relação teoria/prática, esta é determinada por aquela, estab elecendo-se entre ambas uma relação hierárquica. Do ponto de vista da sua natureza, o c urrículo define-se como um produto, um resultado, uma série de experiências de aprendiz agem dos alunos, organiza- das pela escola em função de um plano previamente determinad o. Estamos perante a lógica burocrática do desenvolvimento curricular, com o predomín io da mentalidade técnica, ligada aos especialistas curriculares que se filiam no grupo do s tradicionalistas, já que se salvaguarda a legitimidade normativa da construção curricular . Incluem-se, assim, nesta teoria as seguintes concepções de currículo propostas por Gimeno: como súmula de exigências académicas; como base d e experiências; como tecno- logia e eficiência. A primeira concepção referida é herdeira do racionalismo ac adémico, com raízes que se estendem à Idade Média - Trivium (Gramática, Retórica e Lógica) e Quadrivium (Música, Astronomia, Geometria e Aritmética) - e que se pre ndem com a especialização do conhecimento, repartido pelas disciplinas e áreas científicas . Privilegia-se a transmissão dos conteúdos na base das correntes filosóficas do essenciali smo e do perenialismo que valorizam a dimensão estática e permanente do conhecimento . Com efeito, o currículo é sinónimo de conteúdos ou de progr amas das várias discipli- nas e tem por orientação principal o racionalismo académico. Apesar das críticas ao peso escolar das disciplinas, a organização escolar tem sempre p rivilegiado o conhecimento 4 Cf. José A. Pacheco ( J 995b). Além de Kemmis, também Shirley Grundy ( 1987) relaciona os tr~ inter~sses de H · d'f' - · 1· • · de """'"'" 1" talando abermas, que fundamenta essencialmente e~nstótele ~ ~~~~1!1.~ -P~m2.~C ~ ,is ,._.....~~--;'assim, do currículo como produto, como prática e como_p~~xi~ Tor na-se numa an_áhse mter~ssante J<í q_ue ~ cu~•- culo mantém ao longo dos tempos, e desde que a escola e xiste e r~sponde a n~ece_ss1dades s~cia1s, l~1-na estreita rel,1- ção com o modo como conce,e.t!Jaltz_a.lJ.l.Q§..9 s-ª-~!, em último sentido, ~tanc,a do eróe!~º ~ l:m: ulo. ~ -- 35 • organizado por disciplinas (Gardner e Box-Mansilla, 1994) e daí que o mais vulgar se· " · · · . d d t 'd Ja a utilização do plano de estudos, da d1sc1phn~1, ou am a os ~on eu_ os, co_mo referentes do currículo. Neste caso, 0 ctnTículo abrangeria o c~mp~ das mtençoes, deixando de lado 0 processo da sua implementação numa dada organtzaçao_. . . A segunda concep?ão está relaci~n~da quer ~01~ as 1d~~as rouss1anas d~ sé_culo XVIII, quer com alguns movimentos pedagog1cos dos tinais do seculo XIX e da escola nova" e "progressista', de Dewey, no século XX. A lógica cmricular não está tanto nos conteúdos determinados a pr~ori quanto nos inte- resses dos alunos e nas experiências de aprendizagem que est~s r:ahzam na escola. Por conseguinte, o currículo é um meio de promoção da auto-reahzaçao dos alunos, pois 08 conteúdos são apenas formas de pensar e organizar a aprendizagem, tal como na orienta- ção da auto-realização como experiência consumatória, que permitem a valorização dos aspectos metodológicos do conhecimento. Enquadra-se nesta concepção a definição de Saylor e Alexander ( 1966: 5) para quem o cur- 1ículo se traduz pelas "oportunidades de aprendizagem que a escola proporciona aos alunos". A questão consiste em saber ainda se o currículo desempenha uma função unicamente académica ou se também integra uma função formativa, dita extracurricular, que esta con- cepção procura reforçar. Na terceira concepção - o currículo como tecnologia e eficiência-, derivada do movi- mento americano de renovação curricular da década de sessenta, depois da crise provocada a todos os níveis pelo lançamento do então satélite soviético Sputnik5, define-se o currículo como: a) um plano para a aprendizagem: "a informação sobre o processo de aprendizagem e a natureza dos alunos fornecem uma série de critérios para a elaboração do currículo. Um currículo é um plano para a aprendizagem; por conseguinte, tudo o que se conheça sobre o processo de aprendizagem e do desenvolvimento do indivíduo tem aplicação ao elaborá-lo" (Taba, 1983: 25); 5 Foi a corrida_pela supremacia do espaço que esteve, de facto, na origem da renovação curricular nos Estados Uni- ~os da Amén~a d? Nort:·. Num eluci~?tivo ~tig?, coevo ao acontecimento, Gerald Moser ( 1963: 202-205) afirma: º Quanb. do o pnmetro satehte russo, o Sputmk l voltou da sua viagem para além da atmosfera terrestre a 14 de utu ro de 1957 [ ... ] ficámos alarmadíssi d · d - · · · . . mos e ecepctona os por nao terem sido compatriotas nossos os pnme1- ros ª ganharale~dasa vitóna do orgulh? nacional. Muitos, sobretudo a gente do povo e os políticos despertaram então para uma re 1 de desagradável · Julgaram ant 1· A , · · · ' · ' em tud . - · ' ~s, que ª ivre menca, v1tonosa em duas guerras mundiais, fosse m . tal?dadmaior na~a? eª melhor [ ... ] Na realidade, o espectacular "Sputnik" acelerou apenas uma refonna da en I a e[ ... ] ex1gm-se então ma·o - ' ' · · as matemáticas" Eis as . ' . . , . ' r :ºn~entraça? nos estudos puramente académicos, tais como as ciências e da . . al · _ pn~c,pais movaçoes mtroduz1das, segundo o relatório do Dr James Conant impulsionador pnnc1p renovaçao cumcular e após o eh l' . , - . . ' actua1·. • ' , . oque e ectnco dado a naçao amencana pelo Sputnik graças ao qual se izou O ensmo em todos os mve1s: ' 1 o " .· - um programa obrigatório comum a t d [ ]· 2 ° d · . - · , · · · hgente e intensificação do est d d O .º~ ·: · ' · - esenvolv1mento da aptJdao para a leitura rap1da e mte dos· 4 º ma·o f . u o a compos1çao mglesa; 3.º - cuidados especiais para com os alunos mais arrasa- , . - , res es orços para estab I b . . dentemente das outras div1·sa-o d I e ecedr ons cursos vocac1onais [ ... ]; 5.º - dentro de cada matéria, e indepen- . • os a unos uma classe em - • - 1 ·d · 6 º -mtensificação do trabalho do Ih . . · . secçoes consoante o grau de apt1dao desenvo v1 o. · s conse e1ros vocac1onais . d b · · J wsos e a sua orientação· 7 ° . . . · para O esco nmento oportuno dos alunos mais ta en . , · - programas especiais para est' I· d ·d . . . • · cep· c1onalmente viva 1 ] · 8 º .& . tmu ar, es e o pnme1ro ano, os alunos de intehgenc1a ex · · · , • - um esiorço mator p , · 1 • . . ola entre os alunos que são prepar d . . . ara ev_itar ~ua quer d1v1sao absoluta, dentro de uma mesma esc ' a os para os estudos urnvers1tários, e os demais". 36 ► b) um plano de acção pedagógica: "um currículo é um plano de acção pedagógica muito mais largo que um pr~grama de ensino[ ... ] que compreende, em geral, não somente programas, para as diferentes matérias, mas também uma definição das finalidades da educação pretendida" (D' Hainaut:, l 980: 21 ); e) um conjunto de experiências planificadas na escola: "por currículo entendemos as expe1iências plaruficadas que se oferecem ao aluno sob a tutela da escola" (Wheeler, 1967: 15); d) uma série estruturada de resultados pretendidos de aprendizagem: "o currículo pres- creve ( ou pelo menos antecipa) os resultados do ensino. Não prescreve os meios, isto é, as actividades, os materiais, ou o conteúdo do ensino que devem ser utilizados para a consecução dos resultados" (Johnson, 1967: 18)6. Todas estas definições têm corno denominador comum: uma orientação tecnológica que se prende com aquilo que deve ser ensinado e, por vezes, como deve ser implementado. Tudo está em função de uma especificação prévia que pode levar - na esteira do pensa- mento de Johnson (1967: 18) - à dicotomia currículo/ensino, já que "o currículo indica o que deve ser aprendido e não como o deve ser [ ... ] desempenha um papel na orientação do ensino [ ... ] deve ser visto como antecipatório e não como descrição acabada dos factos, currículo implica intenção. Estas três concepções, e numa procura de síntese com D'Hainaut (1980: 21/22), fazem do currículo um plano de acção pedagógica que compreende "não somente programas, para as diferentes matérias, mas também uma definição da educação pretendida, uma especificação das actividades de ensino e de aprendizagem, o que implica os conteúdos do programa e, finalmente, indicações precisas sobre as maneiras como o ensino ou o aluno serão avaliados". Deste modo, o conceito mais corrente de currículo está ligado a um plano estruturado de aprendizagem centrado nos conteúdos ou nos alunos ou ainda nos objectivos previa- mente formulados, sendo justificado pelos elementos constantes da figura 3: l----11~e:;.;;o.:..;;ri;;;;.a..;..;té;..;.cn;;...i..;..;ca ___ _,J Legitimidade normativa Racionalidade técnica Ideologia burocrática Interesse técnico Discurso científico Organização burocrática Acção tecnicista Teoria ➔ prática Fig. 3 - Fundamentação da teoria técnica 6 Cf. R. Messick, L. Paixão e L. Bastos ( 1980). 37 Conce ões de currículo • Currículo como produto ou conteúdos organizados em disciplinas • Currículo como auto-realização dos alunos • Currículo como meio tecnológico ou plano para a aprendizagem 2.2. TEORIA PRÁTlC A Tal como a define Kcrnmis ( 1988: 134), a teoria prática pode caracterizar-se "por um dis- curso humanista. uma organização liberal e uma prática racional" e está ligada às discussões cun-icu larcs da década de 70. sobretudo à questão colocada pelos empiristas conceptuais que rerspectivatn O cunículo como uma prática que resulta, ~ã~ só d~ uma relação entr~ _es pe- ci;i li stas cuniculares e professores, mas também das cond,çoes reais dessa mesma pratica. Existe. com efeito, legitimidade processual , racionalidade prática e acção pragmática na constrnção do currículo. Os expoentes máximos desta teoria são Schwab eStenhouse. Enquanto aquele propõe uma linguagem prática como fom1a de conceptualizar o currículo, este fala de uma atitude crítica do professor, destacando o protagonismo que assume em toda a proposta curricular. O pensamento curricular de Schwab ( 1985: 205) parte dos quatro elementos que pro- põe na construção e definição de um currículo - alunos, professores, meio e conteúdos - que se conjugam através da emergência da prática. Mais do que centrar o debate no lado da teo- ria, este autor desloca-o para o lado da prática e justifica-o pela necessidade de um "estudo empírico das situações e reacções na aula; um estudo que não sirva somente de base para estudos teóricos sobre a natureza do processo de ensino-aprendizagem, mas também para começar a ver o que estamos a fazer e qual é o nosso objectivo, que mudanças é que se necessitam, que mudanças se podem obter, com que custo ou poupança e como se podem realizar com o mínimo de ruptura da restante estrutura educativa". Os problemas curriculares não são, portanto, susceptíveis de solução teórica mas sim de solução prática, pois o currículo é um amplo corpo de factos acerca dos quais a abstrac- ção teórica guarda silêncio, que se deve buscar pela aplicação dó método deliberativo. Apesar de não discordar abertamente de Tyler, e apesar de não apresentar soluções para contrariar o modelo dominante da "racionalidade técnica", Schwab tem o mérito de cha- mar a atenção para a confiança excessiva da aplicação das leis científicas ao campo curri- cular como se este fosse um terreno meramente técnico, determinado por factores e variá- veis que se pudessem prever totalmente. Daí que o debate que se abriu sobre a crise curricular tenha, num dado tempo, adoptado metáforas obituárias para expressar a impossibilidade de uma teoria unificada ou de uma renovação imediata: "O currículo, reconheçamos o seu falecimento, reunamo-nos num velório. cel~bre~os alegremente o que os nossos antecessores tornaram possível e entao dispersemo-nos a fazer o nosso trabalho já que não somos doravante membros da mesma família. O tema currículo já não serve para nos unifi- car." (Huebner, 1976: 211) Sch~ab, ao _afirmar que o campo curricular se encontrava moribundo, sugeria uma urgente renovaçao mediante a linguagem, propunha o discurso da prática que conferiria mais atenção 38 1 > àquilo que se faz e menos àquilo que se pretende fazer Para 1·sso O cu , 1 d . " . . , meu o eve equa- cionar-se mais pela arte da prática" e pela "deliberação pra'ti'ca" do · 1 . que propriamente pe a teona. Stenhouse ( l 9~4) - tal _como Reid ( 1980) - é um dos continuadores da linha iniciada por Schwab, ao reforçar o pragmatismo curricular e ao defini-lo como uma prática d · · e como um processo e investigação que deve estabelecer a conexão entre a intenção e a realidade. Mais do que ? produto ou resultado pretendido, o currículo deve proporcionar um princí- pio de procedunento para o professor, dado que se entende como algo em construção e ina- cabado ou _c?mo uma ferramenta que, comparada a uma receita culinária, pode ser diferen- temente utilizada: "Um cunículo é uma tentativa de comunicar os princípios e aspectos essen- ciais de um propósito educativo, de modo que permaneça aberto a uma dis- cussão crítica e possa ser efectivamente realizado." (Stenhouse, 1.984: 29) Nesta linha de argumentação curricular, a teoria prática reforça a concepção do currí- culo como processo e não como produto (fig. 4). Enquanto processo, define-se como uma proposta que pode ser interpretada pelos professores de diferentes modos e aplicada em contextos diferentes. Neste sentido, o currículo é uma prática constantemente em delibera- ção e em negociação. Para Grundy (1987: 68), falar do currículo como prática é falar da "interacção entre alunos e professores, daí que os participantes sejam considerados como sujeitos e não como objectos, o que implica a tomada de decisões sobre os propósitos, o conteúdo e a conduta do currículo". Ainda com esta autora, nesta assunção prática, contesta-se a perspectiva de currículo como plano predeterminado e dá-se importância à interpretação negociada ou ao acto pes- soal de procura de significação. Se o currículo é um texto, assim também o define Lund- gren (1983) - e se o texto é um instrumento de produção de sentido-, a interpretação dos textos curriculares supõe uma actividade prática e implica a consideração dos alunos como sujeitos principais de todo o processo. Assim, o currículo é um texto produzido para resolver o problema da representação com estes quatro sentidos: dos materiais escritos (manuais, livros de texto ... ) para os alu- nos; das intenções e orientações programáticas para os professores; da interacção didáctica que existe ao nível da sala de aula e que é um texto verbal e não escrito; da interacção esco- lar da qual resultam textos não verbais e não escritos. A procura deste sentido prático, resultante da interacção entre leitor (professor) ~ auto~ (especialista curricular), conduz à posição de Stenhouse (1984) para quem o cumculo e uma proposta, uma hipótese que necessita de ser comprovada e investigada. 39 ■ Teoria prática """ Legitimidade processual Racionalidade prática Ideologia pragmática Interesse prático Discurso humanista Organização liberal Acção racional Teoria ~ prática Fig. 4 - Fundamentação da teoria prática 2.3. TEORIA CRÍTICA Concepções de currículo • Currículo como texto • CutTículo como projecto ---+ • Currículo como hipótese de trabalho Ao ter como enquadramento muitas das ideias neomarxistas, fenomenológicas e exis- tencialistas, a teoria crítica - que se caracteriza, segundo Kemmis (1988: 134), "por um discurso dialéctico, por uma organização participativa, democrática e comunitária e por uma acção emancipatória" (fig. 5) - insere-se numa perspectiva emancipadora de currículo, afastando-se, em termos conceptuais, das teorias técnica e prática. O currículo não é 0 resultado nem dos especialistas nem do professor individual mas dos professores agrupa-dos e portadores de uma consciência crítica e agrupados segundo interesses críticos. Teoria crítica Legitimidade discursiva Racionalidade comunicativa Ideologia crítica Interesse emancipatório Discurso dialéctico Organização participativa, democrática e comunitária Acção emancipatória Teoria ~ prática Fig. 5 - Fundamentação da teoria crítica Concepções de currículo - • Currículo como práxis • Currículo c~mo acção argumentativa O que ~sta teoria oferece são visões críticas do currículo, podendo este definir~se como um mteresse emancipatório, resultante dos interesses e das experiências deseJa· d~s por todos quantos participam nas actividades escolares. Vejamos quanto nos distan· ciamos da acepção curricular técnica, admitindo-se, contudo, uma proximidade com ª acepção prática. 40 - O que as distingue é O . , . 'd concert o de á . . e const1tm o pe]a acção tl _ pr x1s inerente . , e re exao o· ao interesse . . , . um ]ado, a emancipaça~o · rz Grundy (, 987. 115 · cogmtrvo cnt1co e que . . , e esta só · ) que " , · várros intervenientes no c , ' ocorre em condiço~ d . . ª prax1s conduz, por urrrculo es e Justiça d · o projecto curricular torrla d e, por outro, à crítica d .d· ·1 . e e igualdade dos ' n o-se só ' a I eo og1a qu i Quando os elementos d ,' . · possível pela reflexiv'd d ' e en orma todo . . a prax,s são , r , a e e pela acção autó " lece cmco pnncípios: ap icados à natureza do , 1 noma · - curncu o, a autora estabe- 1. º) Os elementos constituint d , . , es a pra x1s s~ ~ e apenas um conjunto de J , ao a acçao e a reflexão [ ] O e , 1 ~ , d P anos a ser im 1 --~ · · · umcu o nao ves .e um processo activo onde o la p emen.tados mas é antes co nstituído atra- relac10nados e integrados. P near, 0 agJr e o avaliar estão rec iprocamente 2. º) A práxis tem lugar noreal - ~ 'nao no mund o h' t't' S construçao do currículo nã ipo e ico. egue o princípio de que a encarannos o currículo o po de ser separada do acto da "impl ementação" Se . ser fonnada no real nã:omo um a ~rática social, não como um produ to, então cÍeve ' nas situaçoes de aprend· h' , . mada com alunos reais e - . . , . izagem 1potet1cas, e deve ser for- nao 1magmanos. 3. º) A práxis trabalha no mundo da . ~ . mos este Prl ·nci'p· , ..!!!!~cçao, do social e do cultural. Se aplica r- 10 a const ~ d ----, -·-- 1 ruçao O curnculo, torna-se evid ente que este currí- cu o, operando como um tipo d , . ~ " . ,, p 1 e prax1s, nao pode ser apenas so bre aprender c01sas . e o contrário a apr d · d I . . fi ' ~. ~ en IZa[em eve_s_~r encarada como um acto social. st0 sign,1 _ica ~ue a construçao de u m ambiente social de aprendizag em, e não apenas fisico, e central para o c urrículo. [ ... ] Se o currículo for v isto como uma f~rm~ d: ~ráxis, então o aprender e o ensinar têm que ser vistos como uma re la- çao dialog1ca entre professor e aluno, em vez de uma relação au toritária. 4. º) O_ m~n~o ,da pr~is é o m~n do co~struído, não o mundo natura l. A aplicação deste ! &, pnnc1p10 a teona do cumculo e xige o reconhecimento de que o c onhecer é uma construção social. Através da ac ção de aprender, grupos de alunos tornam-se parti- cipantes activos na construção d o seu próprio conhecimento. 5. º) A práxis assume o process o de fazedor de sentido, que reco nhece o significado como uma construção social. E ste princípio segue o anterior. O fazer o signifi- cado e a interpretação é centr al para o tão chamado conhecim ento. Assim, a orientação crítica para todo o co nhecimento é essencial quando se está comprome- tido em diferentes tipos de práx is. Isto, pelo contrário, reforça a ideia de que o processo do currículo é, sem d úvida, político porque o fazer s entido também envolve significados em confli to. Aqueles que têm poder de co ntro!ar .º currí- culo são aqueles que têm o pod er de se certificarem que os seus s1gmficados sejam aceites como úteis na tra nsmissão. Quando alunos ~ p~ofessores, e~ c~n- junto, desafiam esta ascendência , queixando-se sob~e O dJTeit~ de eles propnos determinarem O s ignificado, 0 processo da constr uçao do cumculo torna-se um acto político. Em síntese, e numa visão comparativa das três teorias, a deftniçã~ de ~urrículo jamais deixará de questionar-se à luz destas diferentes pers~ectiva~ que se mterhga~ e comple-tam. o que se tornará mais problemático - e me_smo ,mpo~s~vel por,que º. cumculo não se resume a um conjunto de postulados que se aceitam ou reJettam - e analisarmos a prática cunicular à luz das mesmas perspectivas. Neste aspecto, as teorias propostas não só se distanci_am c?mo também se antagonizarn e incompatibilizam. Falar, por exemplo, de um papel mats acttvo dos profes~ores tem refle-xos muito profundos na estrutura curricular ou propor e ~d?ptar u'!1a acça? _estratégica e crítica dos alunos e professores, tomando-os uns contestatanos do ststema, ma determinar a alteração de muita~ nonnas e regras instituídas. Deste modo, seria ainda mais discutível aplicar tais perspectivas ao ensino básico e aos diferentes conteúdos programáticos. Sabemos que a teoria prática poucas indicações for-nece sobre a imprescindibilidade da teoria e sobre a delimitação das intenções curriculares e que a teoria crítica rejeita liminarmente uma prática curricular determinada e especificada em objectivos. Será sempre polémico aplicar ao mundo da escolaridade um conjunto de pressupostos prévios que não reflictam a natureza dessa mesma escolaridade e não ponde-rem a função social, política e cultural da educação. Partindo de uma macroestrutura em que estas funções primeiramente se enraízam ' Lundgren ( 1983) fala de três sistemas que determinam a prática educativa: a administra-ção, que serve de marco de referência; a jurisdição, que estabelece as regras formais; o cur-rículo, que estabelece as intenções. Não é sem razão, argumenta ainda Lundgren (1983: 35), que "qualquer teoria curricular não pode construir-se somente sobre o estudo dos processo de ensino-aprendizagem, mas em relação ao estudo dos valores desses pro-cessos numa sociedade concreta". ~ssi_m, a dis~us~ão sobre a teorização curricular implica a necessária problematização do amb1to da propna teoria e que Kliebard (1985: 228) delimita nestas quatro questões: "Por que devemos ensinar isto e não outra coisa? Quem deve ter acesso a que conhecimentos? Que regras devem guiar o ensino? Como se devem _inter-relacionar as distintas partes do currículo de modo a obter-se um conJunto coerente?". da i:~aeteeDito, as relsp_ostas a esta~ interrogações constituem, decerto, o objecto de estudo esenvo v1mento Cumcular No dizer de De Landsheere ( 1992. 94) 1 ª f ~ rículo encontra-se nos B . p . . · 1 ª · ormulaçao moderna da construção do cur-aslc rmcip es 0r e · l d . . assim colocados: 'J urncu um an mstructwn de Tyler ( 1949), g~: :~pect_i;os_educacionais deve a Escola procurar atingir? enenc1as educacionais pode . . possível atingir esses objectivos? m ser proporcionadas para que seja Como podem essas experiências educac. . Como podemos determinar s , , ~on~1s ser eficazmente organizadas? e esses obJecttvos estão a ser atingidos?" 42 Trata-se de um método racional de construção do currículo - que é visto como um plano estruturado para proporcionar a aprendizagem aos alunos - fortemente burocrático e técnico, porque entregue aos especialistas que o elaboram para os professores, que impôs uma tecnologia específica do desenvolvimento curricular. A construção do cun-ículo a partir da prática é uma segunda formulação, menos forma- lizada, da teorização cun-icular, já que perfilha que os professores devem participar activa- mente na ton1ada de decisões educativas e aceitar a responsabilidade pelo facto de o faze- rem" (Ke1nmis, 1988: 72). A diversidade dos argumentos e a excessiva teorização para a resolução de questões que são por natureza práticas e que são parte constitutiva de um projecto de f armação explica, aliás, a complexidade das questões curriculares. Neste sentido, o estudo do currículo ocupa-se de temas relacionados com a justificação, realização e comprovação do projecto educativo, projecto este que, por sua vez, encerra diversas preocupações: didácticas, orga- nizativas, sociais, políticas e filosóficas. Partindo-se de uma acepção de currículo como projecto em ( des) construção, é, assim, possível encontrar os critérios para a fundamentação do campo de estudos da realidade cur- ricular ou do seu terreno epistemológico: a organização da aprendizagem dos alunos faz- -se em função de um projecto cultural; o projecto cultural ocorre no contexto de determi- nadas condições políticas, administrativas e institucionais e o currículo não tem valor senão em função das condições reais em que se desenvolve; o projecto cultural, origem de todo o currículo e das mesmas condições escolares, está condicionado pelos pressupostos, ideias e valores (Gimeno, 1988: 140-141).
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