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DA TEORIA NÃO-DI RETIVA A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA: BREVE HISTóRICO VlRGINlA MORElRA LElT ÁO * RESUMO Apresenta os conceitos básicos da Abordagem Centrada na Pessoa, analisando as diferentes denominações que assumiu e as correntes filosóficas que a antecederam. Dis- cute as possíveis influências na vida e na obra de Carl Rogers.· Descreve a história da Abordagem Centrada 'na Pessoa 110 Brasil. (28 referências) ABSTRACT The article presents the basic concepts related to 'person centered approach', and it analises the different denomi- nations it had as well as the previous philosofical approaches that preceded it. lt discusses the possible influences on the life and work of Carl Rogers. lt discribes the 'person centered approach' in Brazil. INTRODUÇÃO A Abordagem Centrada na Pessoa tem estado presente na atuação de profissionais de Psicologia e Pedagogia no Brasil. ", Professora Adjunta no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estaduál do Ceará. Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan./jun., 1986 65 Parece ter sido, nos últimos anos, ora largamente utilizada ora rejeitada, sem que tenha sido feito um estudo fund~mentad~ de suas contribuições e imperfeições, tanto da teoria em SI como de sua aplicação em Pedagogia. Ainda assim, é notável lia literatura psicológica disponível no país, a presença nume- rosa da obra de Carl Rogers, traduzida e publicada no Brasil. Diante deste fato, este estudo se propõe a fazer um breve histórico da Abordagem Centrada na Pessoa desde a teoria de Carl Rogers, inicialmente chamada de teoria "não-dlretíva", até seu momento atual no Brasil. Pretende-se desta forma mos- trar, de uma forma geral, a evolução da referida teoria no sen- tido de contribuir para sua compreensão. 1. CONCEITOS BÁSICOS 1 . 1. A Teoria Psicológica A Abordagem Centrada na Pessoa, como o próprio nome sugere, defende a pessoa como o centro das preocupações, como o fim básico. A pessoa é o que existe de mais importan- te e, a partir desse ponto de vista, esta Abordagem busca res- gatar o respeito e a ênfase no ser humano. A teoria da personalidade rogeriana tem como postulado fundamental a tendência atualizante. Para Rogers (1977) este conceito corresponde à seguinte proposição: "todo organismo é movido por uma tendência inerente para desenvolver todas as suas potencial idades e para desenvolvê-Ias de maneira a favorecer sua conservacão e seu enriquecimento." (p. 159) Rogers acredita, portanto, que todo ser humano tem um potencial de crescimento pessoal natural, que lhe é inerente e que ocorrerá desde que lhe sejam dadas as condições psico- lógicas adequadas para tal. Seu pensamento enfoca o homem como uma totalidade, um organismo em processo de integração. Nesse sentido, a abordagem da pessoa é globalizante, não se podendo analisar 8S diferentes facetas da personalidade de maneira desvinculada. A partir desse ponto de vista, Rogers dá uma ênfase toda especial ao papel dos sentimentos e da experiência como fator de crescimento. Para ele, a experimentação dos sentimentos é o caminho para a integração e o desenvolvimento pleno do ser humano. Por conseguinte, enfoca o homem no presente ime- diato, aqui e agora. É a experiência do momento e a vivência 66 Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 plena dos sentimentos que ocasionam a manifestação ativa do potencial de desenvolvimento existente na pessoa. Segundo Puente (1978) sua crença na capacidade da pessoa de autodesenvolver-se, auto-ajustar-se, autodirigir-se, sugere uma visão do homem como ser independente, autônomo e, como tal, devendo ser respeitado. Para Rogers (1983), "o indivíduo possui dentro de si vas- tos recursos para a autocompreensão, para a modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo". (p. 38) Esse ponto de' vista leva a Abordagem Cen- trada na Pessoa a ter como hipótese central a concepção de natureza humana como fundamentalmente construtiva e auto- -reguladora. Rogers (1983) hipotetiza que existe uma tendência formativa no universo que pode ser rastreada e observada no espaço estrelar, nos cristais, nos microorganismos, na vida orgânica mais complexa e nos seres humanos. Trata-se de uma ten- dência evolutiva para uma maior ordem, uma maior complexidade, uma maior inter-relação. Na espécie humana essa tendência se expressa quando o lndiví- duo progride de seu início unicelu/ar para um iuncio- namento orgânico complexo, para um modo de con- ceber e de sentir abaixo do nível de consciência, para um conhecimento consciente do organismo e do mun- do externo, para uma consciência transcendente da harmonia e da unidade do sistema cósmico no qual se inclui a espécie humana. (p. 50) Percebe no Universo essa tendência construtiva que vê no homem e cita pesquisas de cientistas químicos, filósofos e físicos que atestam a tendência à organização e a força cons- trutiva nos diferentes componentes. seres vivos ou não vivos do universo. A teoria psicológica de Rogers (1977) tem como uma de suas concepções fundamentais a primazia da ordem subjetiva. Assim, Rogers afirma: ainda que eu me dê conta da possibilidade da exis- tência de uma verdade objetiva, dou-me conta, igua/- mente, de que não poderei jamais conhecê-Ia plena- mente. Disto se conclui que o que se considera gera/- mente como "conhecimento científico" não existe. Há Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.Zjun., 1986 67 apenas percepções individuais daquilo que parece, a cada um de -nâs, representar essa espécie de conhe- cimento. (p. 153). Dessa forma, não é a realidade concreta que é enfatizada, mas a visão subjetiva dessa realidade, por meio da visão da pes- soa-indivíduo. 1.2. A Teoria Pedagógica Por extensão da teoria psicológica à prática didática surge o Ensino Centrado no Aluno. Rogers (1978) postula que o obje- tivo educacional deve ser a facilitação do processo de mudan- ça e aprendizagem, afirmando que o homem educado é aquele que aprendeu a mudar, a adaptar-se, o que percebe que nenhum conhecimento é seguro e que só o processo de buscar co- nhecimento oferece alguma fonte de segurança. A didática centrada na pessoa enfatiza a pessoa do pro- fessor, a pessoa do aluno e a relação que existe entre eles em um clima de respeito mútuo, cabendo ao professor, basicamen- te, dar condições favoráveis ao aluno de desenvolver seu po- tencial intelectual e afetivo. O professor aprenderá também no decorrer do processo educativo, sendo, não apenas ele mas também o aluno, responsáveis por esse processo. O relaciona- mento professor-aluno deve ser pessoal e dinâmico e o aluno deve ser tratado com autenticidade: empatia** e consideração positiva incondicional; *** as três condições básicas no rela- cionamento educativo. Para Rogers (1978) ensinar é função exageradamente valo- rizada e, segundo seu modo de ver, uma atividade relativamen- te sem importância. Pensa que qualquer coisa que se possa ensinar ao outro tem pouca ou insignificante influência sobre o seu comportamento; a única aprendizagem que influi signifi- cativamente no comportamento é a que for autodescoberta e auto-apropriada. Acredita, assim, que se deveria abolir o ensino, 9 que as pessoas interessadas em aprender se reuniriam espon- taneamente para tal. * Autenticidade ou genuinidade é considerada por Rogers como a condi- ção fundamental no desempenho da tarefa educativa do professor. ** A compreensão empática se constitui na capacidade do professor em perceber o mais exatamente possível o mundo interior do aluno, perceber o mundo do aluno como ele próprio o percebe. * ** A terceira condição. consideração positiva incondicional ou aceitação afetuosa, se baseia no interesse do professor pelo aluno. na sua aceitação como indivíduo, como pessoa separada. 68 Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (I): jan,/jun., 1986 Baseado nessa visão de educação,Rogers identific como função do professor facilitar a aprendizagem do aluno. Essa concepção de professor enquanto facilitador, c r reta um outro estilo de autoridade e outra concepção d dls- ciplina. Nessa perspectiva, a autoridade deve ser compartilhad entre os alunos e o professor, e não exercida apenas p 10 professor. A aprendizagem significativa é um dos princípios funda- mentais postulados pela Abordagem Centrada na Pessoa em Pedagogia. Rogers (1978) acredita que o aluno só aprende siqnl- ticativamente, quando o objeto do estudo está de acordo com seus objetivos individuais. O aluno só aprenderá aquilo que lhe interessa pessoalmente. Afirma que: A aprendizagem significativa verifica-se quando o es- tudante percebe que a matéria a estudar se relaciona com seus próprios objetivos. De maneira um tanto mais formal dlr-se-é que uma pessoa só aprende signi- ficativamente aquelas coisas que percebe implicarem na manutenção ou na elevação de si mesma. (p. 60) Para Rogers, ensinar é aprender. O Ensino Centrado no Aluno não é um método; é um estilo de relação com o outro, com o grupo, onde o aspecto formativo supera o informativo. Resumindo, os princípios em que se fundamenta o Ensino Centrado no Aluno, que são os mesmos fixados por Carl Rogers (1978) para a aprendizagem significativa, são os sequintes: a) Os seres humanos têm natural potencial idade para aprender. b) A aprendizagem significativa se efetiva quando o aluno percebe que o conteúdo a estudar se relaciona com seus pró- prios objetivos pessoais. c) O aluno é o verdadeiro sujeito, autor, da aprendizagem. d) É por meio de atos (atividades) que melhor se efetiva uma aprendizagem significativa para o aluno e um processo de ensino também significativo para o professor. e) A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa responsavelmente do seu processo. f) A aprendizagem auto-iniciada, que envolve toda a pes- soa do aprendiz, tanto seus sentimentos quanto sua vontade e inteligência, é a mais durável e impregnante, levando à auto- -realização. Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986 69 g) A independência, a criatividade e ~. autoconfiança s~o fatores de aprendizagem; quando a autocrttíca e a auto-avalia- ção são mais importantes, são mais valorizadas do que a ava- liação feita por outrem. h) A aprendizagem mais útil, socialmente (isto é, a que leva a uma integração social), é uma contínua abertura à expe- r.êncla. à incorporação dentro do indivíduo do processo de mu- dança. (pp. 159-64) 2. A Evolução da Denominação Em se tratando do histórico da Abordagem Centrada na Pessoa, pode-se observar sua evolução a partir da evolução de sua própria denominação. A referida Abordagem, como concebida por Rogers foi, ao longo de sua experiência, evoluindo na direção de uma melhor adequação da denominação à real concepção de sua teoria. O próprio autor a trata no desenvolvimento de sua obra, como "aconselharnento não-dlretlvo", "terapia centrada no cliente". "ensino centrado no aluno", "liderança centrada no grupo" Mals recentemente, Rogers (1983) reconhece como o nome que melhor descreve sua teoria, o de "Abordagem Centrada na Pessoa". ~ visível um processo evolutivo da concepção não-diretiva à denominação atual de Abordagem Centrada na Pessoa, o que demonstra claramente a evolução das idéias de Rogers sobre sua própria teoria. A grande maioria das críticas existentes sobre a Aborda- gem Centrada na Pessoa referem-se à teoria não-diretiva, tendo sido esse conceito amplamente discutido. Cornaton (1977) por exemplo, observa que "a não-diretividade designa mais espe- cificamente a atitude pela qual alguém se nega a sugerir uma direção qualquer ao outro, que pode decidir e pensar o que quiser sem que se imponha nenhuma interpretação". (p. 61) A denominacão não-diretiva se liga ao carater puramente negativo do termo que reflete maios aspectos positivos dos pressupostos rogerianos. Partindo da concepção negativa do termo, o conceito parece tornar-se flutuante e Incerto. Nesse sentido Hameline e Dardelin (1977) assinalam que o termo não-diretivo cobrirá sempre uma realidade ambígua. Tem em vista que, no ensino, por exemplo, nenhum prof~s.sor pode pretender-se não diretivo já que só sua presença físlca. suas atitudes e mesmo os silêncios, por exemplo, por serem '10 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (I): jan.jjun., 1986 suscetíveis d nterpretação, exercem sobre o grupo uma in- fluência mull dlretiva e freqüentemente determinante. Posteriorm nte, Rogers (1974) passa a denominar seu enfoque de t orla centrada no cliente, conceito que ainda não satisfaz na 111 dlda em que não enfoca a pessoa do terapeuta, mas apenas do cliente, negligenciando assim a relação clien- te-terapeuta. se pensamento é corroborado por Pagés (1970) que critica e, a denominação, salientando que a expressão cen- trada no cli nt 6 pouco melhor que não-diretividade e consi- derando que t mbérn não evoca a relação do terapeuta consigo mesmo, tão Importante nesta Abordagem. Todas o a críticas' se tornam, no entanto, obsoletas na medida em que as denominações de teoria não-diretiva e de teoria centr da no cliente são também obsoletas, embora ainda utilizados ev ntualrnente. Rogers não mais utiliza a denomina- ção de teori não-diretiva desde a década de 50 e em seus últi- mos livros r fere-se à sua teoria como Abordagem Centrada na Pessoa. Puente (1978) acredita que a utilização do termo não-dire- tividade permanece, por ter sido esta a denominação inicia! que, talvez por ser mais popular, resistiu ao tempo. Acentua, porém, que Rogers não mais utiliza a denomi- nação não-dlretiva e que sete ou oito anos após seu início já denominou sua psicoterapla de Centrada no Cliente, quase que exclusivamenlo. A denominação "Centrada na Pessoa" parece explicar me- lhor c mais completamente o objetivo da proposta rogeriana, que é exatam nte esse: centrar-se na pessoa para que tendo as condições p Icológicas adequadas, através da relação inter- pessoal, ela possa desenvolver todo o seu potencial de cresci- mento. Evid ntemente, o próprio Rogers se deu conta da me- lhor adequaç o dessa denominação. Rosenb rg (1977) observa que os primeiros artigos de descrição da pessoa plena elaborados por Rogers, foram reali- zados em função da situação de Psicoterapia em consultório onde focalízr va somente a pessoa enquanto indivíduo. Poste- riormente, s u escritos passaram a focalizar mais a relação de pessoa para pessoa e, mais recentemente, tem dedicado espe- cial atenção o processo da relação interpessoal, como o de viver-se com um parceiro tal como é visto no casamento, o que, segundo Ro nberg, delineia aos poucos o processo de tor- fiar-se pesso social plena. Atualm nte, percebe-se na obra rogeriana o foco de aten- ção voltado p ra preocupações políticas, embora, como vere- Rev, de Psico/aRilJ, Fortaleza, 4 (1): jan.fjun., 1986 71 mos adiante, seu posicionamento político seja vago, desvin- culado da realidade concreta de conflitos de classes sociais. Fica evidente, no entanto, que o pensamento rogeriano muito tem evoluído, todavia, guardando o princípio básico que lhe é característico: a crença no potencial de crescimento do ser humano. Essa evolução manifestada claramente na evolução da denominação da teoria criada por Rogers, pode ser compre- endida pelo acompanhamento do caminho trilhado por ele, ex- plícito em sua obra. 3. ROUSSEAU e a corrente Libertadora Apesar da aparência inovadora da teoria de Carl Rogers, para muitos autores suas idéias básicas parecem datar do século XVIII, com o pensamento de Jean Jacques Rousseau, para quem a liberdade é o primeiro e o mais importante dos princípios. Segundo o referido filósofo (1978), "essa liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua pri- meira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus primeiros cuidados são aquelesque se deve a 'si mesmo, .. " (p. 23) Rousseau (1977) acreditava que o maior de todos os bens não era a autoridade e sim a liberdade. Sua concepção de liber- dade incluía uma liberdade interior, uma autonomia' que tinha lugar a partir do contato do homem com a natureza. Segundo seu ponto de vista o homem é naturalmente bom, é a sociedade que o perverte, isto é, são as forças sociais que limitam ou alteram seu desenvolvimento. (p. 17) A liberdade em Rousseau não é uma negação radical da dependência, mas uma liberdade de escolha e um mínimo de intervenção adulta. Ao lado dessa negação à autoridade, ele dá prioridade à ligação da criança com a natureza e refuta a sociedade, na medida em que ela seja criadora da inautentici- dade e perversão. ' Para Hannoun (1976) "em Rousseau a liberdade não é ape- nas o fim e o meio da educação, ela é também o conteúdo, po- demos dizer, único". (p. 32) Já com Rousseau existia a crença de que o ser humano teria um potencial que só pode ser desen- "olvido com liberdade. Hannoun (1976), acrescenta que "a partir de Rousseau vimos então nascer, em nossa época, certas correntes do pen- samento pedagógico que, conservando como ponto comum :=t reivindicação da liberdade da criança, discordavam dos meios 72 Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 8CH-PER IODICO <l~ alcançá-Ia". (p. 42) Acreditava que "pode-se presentemente S afirmar, sem sombra de dúvida, que após Rousseau todos os pensadores em matéria de Pedagogia pegaram sua obra como ponto de partida. A corrente das pedagogias libertárias não é exceção à regra". (p. 47) Os anti-autoritários se caracterizam pela negação de qual- quer autoridade. A experiência de Summerhill, fundada em 1921, nos arredores de Londres, foi uma tentativa de aplicação da teoria anti-autoritária, da autodirecão do aluno e da liber- dade para aprende r. A preocupação de A. S. Neil (1982), fun- dador desta escola, era liberar a criança de qualquer imposi- ção, não se devendo exercer influência alguma sobre ela. Ainda na linha anti-autoritária Hannoun (1976) cita a experiência de Hamburgo, entre 1919 e 1936, e, Cornaton (1977) descreve, mais recentemente, a experiência de Berlim em 1968 (Kinderladen). (9, p. 55) Hannoun (1976) vê situada neste contexto a ação de Carl Rogers. Acredita que, após a expressão da liberdade como exigência fundamental da Educação, tal como formulada por Rousseau, pode-se trilhar o caminho mediante os autores cita- dos, entre outros, até a Hoqers. Vê, dessa forma, no pensa- mento rogeriano, uma direção rousseauista. Esse ponto de vista é corroborado por May (1957) que des- creve Rogers como rousseauesco. Lembra suas repetidas de- clarações de convicção da racional idade humana e da sua po- tencialidade de escolha racional, se lhe for dada a oportunidade certa. (46, p. 26) É interessante notar que, apesar de os críticos da teoria ro- geriana perceberem nela fortes ligações com o pensamento de Rousseau, o próprio Rogers (1957) não dá muita importância ao fato, declarando: Para mim, se eu sou um "sucessor" de Rousseau, não sou competente para dizê-to. Posso apenas comentar que embora possa certamente ser dito que meu pen- samento se aproxima mais do de Rousseau do que do de Calvin, eu certamente não penso em mim mesmo em nenhum sentido como um seguidor de Roussesu. Posso atestar que pelo menos não houve nenhuma in- fluência direta. Meu único contato pessoal com o tra- balho de Rousseau foi a leitura de uma parte de seu "Emile" para meu exame de lingua francesa no dou- torado e eu quase fui reprovado no exame. (p. 100) Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986 73 Essa afirmação deve-se ao seu ponto de vista de que a laboração de sua teoria parte de sua própria experiência na prática clínica de Psicoterapia, que lhe proporcionou o acesso ao estudo da personalidade humana. No entanto, ao analisar- mos o histórico da Abordagem Centrada na Pessoa, torna-se imprescindível perceber em que corrente filosófica se insere, apesar de não se ter aqui o objetivo de aprofundar a análise dessa fundamentação filosófica. Nesse sentido, é ponto de vista de vários autores acima citados a direção rousseauista do pensamento rogeriano. 4. CARL ROGERS 4.1. Alguns dados sobre o homem e a obra Carl Ramson Rogers nasceu em janeiro de 1902, em Ork Park, subúrbio de Chicago, onde morou até 12 anos de idade quando seu pai comprou uma fazenda, onde foram viver. Sua família tinha valores protestantes muito rígidos. A esse respeito escreve Rogers (1961): Fui educado numa família extremamente unida onde reinava uma atmosfera religiosa e moral estrita e in- transigente, e que tinha um verdadeiro culto pelo va- lor do trabalho... Passávamos um tempo agradável reunidos em família mas não convivíamos. Tornei-me assim uma criança solitária que fia incessantemente ... (p. 17) No campo. Rogers passou a se ocupar da zoologia e da botânica, estudando e pesquisando. Ao ingressar no Liceu de Wisconsin. Rogers dedicou-se, inicialmente, à agricultura. Sua participação ativa, como estu- dante, em religião, levou-o posteriormente a transferir-se da agricultura para a história, julgando ser esta uma melhor pre- paração para sua futura vida profissional. . Em 1922 faz uma viagem à China a fim de participar de um Congresso Mundial dos Estudantes. Cri~tãos. ~ ~essa vi~g~_m ao Oriente que Rogers começa a divergir da vrsao de rellqião dos seus pais, o que causou tensões em suas relações fami- liares. Segundo De Peretti (1974). a aceitação da teoria roqeriana no Japão tem origem nesse contato com o Oriente, devendo-se 74 Rev. de Psicologia. Fortaleza, 4 (1): jan.Zjun., 1986 ali o sucesso da Abordagem "ao lado oriental que se observa freqüentemente nela e que Rogers encontrou sem dúvida du- rante sua temporada na China". (p. 95) Em 1924 Rogers ingressa no Seminário, onde estuda du- rante dois anos, quando desiste da vocação religiosa. Devagar c. ênfase do seu interesse passa da organização religiosa para Psicologia e, finalmente, ele se transfere do seminário para o Teacher's College. Em 1928 vai para Rochester, onde permanece por 12 anos trabalhando com crianças e adolescentes carentes. Em 1939. publica seu primeiro livro O tratamento clínico da criança-pro- blema, no qual descreve suas idéias e seu trabalho na prática clínica com crianças em Rochester. Em 1940, Rogers aceita o lugar de professor na Universi- dade Estadual de Ohio. Sobre esse período Carreteiro (1981) observa: Em Ohio ministra cursos dedicados à formação do psicoterapeuta nos quais objetivava propiciar aos alu- nos treinamentos teórico e prático usando para este fim recursos de entrevistas gravadas as quais poste- riormente seriam analisadas e supervisionadas. Foi () primeiro psicoterepeute a desenvolver essa atividade. (p. 7) Entre 1944 e 1957 Rogers se estabelece em Chicago, onde ensina Psicologia e monta um Centro de Aconselhamento na Universidade de Chicago. Nesse período escreve Terapia Cen- trada no Cfiente, obra relevante no desenvolvimento de suas idéias. De 1957 a 1963, Rogers trabalha na Universidade de Nisconsin, onde, além de ensinar, faz pesquisas com sujeitos normais e psicóticos. Nessa época junto com outros autores, publica um livro sobre esquizofrênicos: Relationship and its empacts: A study of psychoterapy with Schizophrenics. Ainda em Wisconsin publica Tornar-se Pessoa, obra com- posta de artigos escritos no período de 1951/1961. Em 1964, Rogers decide abandonar o trabalho em lnstl- tuição Universitária e se muda para La Jolla. na Califórnia, ond . passa a dedicar-se à Psicoterapia e à Atividade de Grupo. Em 1966, faz uma viagem à França onde, segundo Hamelin e Dardelin (1977), é fortemente criticado pelo ponto de vi. t 1 dos franceses de que a teoria rogeriana tinha conceitos p r ti nalistas que se identificavam com a pedagogia cristã, apr ,,,Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 tando em si uma tendência espontânea a desconsiderar as im- plicações políticas no ato de ensinar. . Criticando esse aspecto, De Peretti (1974) cita a publica- ção no jornal Le Monde, de 15-16 de maio de 1966: " ... Sua psicologia que trata todos os conflitos sociais como sirnples mal-entendidos, não é ela finalmente uma ideologia que serve bem aos interesses e à boa consciência da classe dominante?" (p. 116) Essa não aceitação da Abordagem Centrada na Pessoa na França parece compreensível diante do quadro que ali se en- contrava, de forte intelectualismo e sólidas bases da Psica- nálise, amplamente aceita e praticada. Rogers era acusado por Snyders (1973), entre outros de superficialismo e anti-intelec- tualisrno, e suas concepções qualificadas como "anqelicais". Hannoun (1978) comenta ainda que no jornal Le Monde, de maio de 1966, são publicadas críticas às declarações de Rogers na França: Pensa-se no otimismo americano para quem o homem é invariavelmente voltado para o progresso e a felici- dade e pode-se imaginar que a psicologia rogeriana é um produto do puritanismo americano e uma reação contra a psicologia freudiana surgida ela do purita- nismo europeu que devora a idéia da dor, do mal e morte. (p. 115) Apesar do peso das críticas negativas, Rogers também foi criticado positivamente. Segundo De Peretti (1974): Não se pode discutir a novidade da técnica terapêu- tica; ela lembra ao psicanalista que antes mesmo de interpretar, o essencial é ouvir e compreender e que isso é particularmente difícil; ela acentua essa co- municação consigo mesmo... Sobre o plano teórico Rogers não fala de estrutura da personalidade. Ele a vê como um "vir a ser", uma tendência permanente à mudança, indo assim de maneira audaciosa e ori- ginal além da Psicanálise. (p. 116) Hameline e Dardelin (1977) descrevem em educação a fase do "encantamento" com a teoria rogeriana pela concepção pe- dagógica cristã em voga. A fase de "desencantamento" suce- deu a partir do movimento institucional, onde se passou a en- tatizar a importância do papel político da escola. 76 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 Enquanto que na Europa o "choque" da Abordagem Cen- trada na Pessoa parece ter se dado em relação à psicanálise e com uma perspectiva sócio-política, nos Estados Unidos a teo- ria de Rogers pressupõe um modelo de homem que vem contra a concepção da psicologia behaviorista, de Skinner. amplamen- te utilizada e divulgada naquele país. As posições divergentes dos dois psicólogos americanos deu origem a inúmeros deba- tes e escritos sobre o assunto. (Forisha & Miolan, 1~78) Nos anos 70 Rogers, juntamente com outros terapeutas. dedica-se a numerosos trabalhos de grupos, ("workshops") e vivências em comunidade, algumas das quais realizadas no Brasil, como veremos adiante. No início dessa década escreve Grupos de Encontro. Sua obra teve também larga repercussão lia área educacional, assunto ao qual ele dedica o livro Liber- dade Para Aprender. No final da década de 70, Rogers parece despertar para a preocupação do papel político da Abordagem Centrada na Pessoa e escreve Sobre o poder pessoal, onde analisa as ins- tituições família e casamento e ensaia algumas reflexões so- bre o oprimido, a partir da Teltura de Paulo Freire. Apesar da idade avançada, Rogers continua em plena ati- vidade dedicando-se a escrever. Publicou, em 1980, nos EUA, Um jeito de ser, traduzido e publicado no Brasil em 1983. Recentemente publicou seu último livro Liberdade para aprender na nossa década, onde se propõe a elaborar reflexões ampliadas a partir de Liberdade para aprender. 4.2. Influências relevantes na elaboração da teoria centrada na pessoa. Não é meu objetivo aprofundar a análise das influências relevantes na elaboração da teoria centrada na pessoa. No en- tanto, parece ser importante ter uma noção, ainda que super- ficial, dessas influências, no sentido de se obter uma melhor compreensão da teoria. Com esse intuito, vejamos rapidamente alguns aspecto que parecem ter influenciado a vida e a obra de Carl Rogers . por conseguinte, sua concepção da Abordagem Centrada na Pessoa. 4.2. 1. A influência biológica Rogers tem raízes camponesas e seu interesse inicial foi para a biologia e 'a agronomia, havendo na sua teoria uma Iortt Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 77 tendência biológica para explicar o processo da vida e seus conceitos teóricos: tendência, autoformativa, comportamento autodirigido, potencial de crescimento humano. É conhecido seu exemplo dessa tendência, através do fato citado por ele, das batatas, que estando na sombra, cresceram em direção ao sol. (Rogers, 1983) A Abordagem Centrada na Pessoa, ao tratar a tendência formativa, faz uma analogia dessa tendência presente tanto na planta, quanto no animal, quanto no homem, tendo em vista suas bases biológicas. A esse respeito afirma Rogers (1983): Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma minhoca ou de um belo pássaro, de uma maçã ou de uma pessoa, creio que estaremos certos ao reconhe- cermos que a vida é um processo ativo e não passivo. Pouco importa que o estímulo venha de dentro ou de fora, pouco importa que o ambiente seja favorável ou desfavorável. Em qualquer uma dessas condições os comportamentos de um organismo estarão voltados para a sua manutenção, seu crescimento e sua repro- dução. Essa é a própria natureza do processo a que chamamos vida... (p. 40) Hameline e Oardelin (1977), sobre a analogia entre o ho- mem e a planta no que se refere a seu potencial de cresci- mento, afirmam tratar-se de uma imagem hortícoJa: um ser humano é comparável a uma planta que cresce. É em si mesma que ela leva a fonte de seu crescimento (growth). O meio não a constitui mas lhe fornece o ambiente indispensável a seu crescimento. A concepção das relações individuo- -sociedade é mais ecológica que histórica. (p. 24) Cornaton (1977) observa que, para Rogers, é na volta à natureza que se encontra a espontaneidade criadora, além das "conservas culturais". O homem teria, então, para ele, um ca- ráter absoluto, universal. A renúncia à cultura em nome da volta à natureza tem, todavia, categoria de valor, e poderia não conduzir à marginalização. A ênfase na natureza e a colocação da cultura em segundo plano pode ter características alienan- tes, já que a cultura tem uma significação política. A respeito deste assunto Marx (1983) afirma que: "toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece '78 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 na relação que ele postula entre os outros homens, ele pró- prio e a natureza." (p. 98) Sobre a importância da natureza para o homem o mesmo autor afirma: A significação humana" da natureza só existe pa,ra o homem social porque só neste caso a natureza e um laço com outros homens, a base de sua existência para outros e da existência destes para ele. Só então a natureza é a base da própria experiência. humana dele e um elemento vital da realidade humana. A exis- tência natural do homem tornou-se, com isso, sua existência humana, e a própria natureza tornou-se hu- mana para ele. Logo, a sociedade é a união afetiva do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o hu- manismo realizado da natureza. (p. 118) <1.2.2. A influência religiosa Buscando situar a teoria rogeriana no contexto históricc do seu autor, deve-se mencionar novamente a formação reli- giosa de Rogers, o qual, como vimos, chegou inclusive a in- gressar no seminário. . . Segundo Lasch (1939), Rogers é influenciado pelo ldealls- mo fundamentalista e a atmosfera da "amizade religiosa, pon- derando sobre a necessidade de se cristianizar as relações in- ternacionais, industriais, políticas e sociais". Acrescenta que emboraele logo tenha trocado Religião por PSicologia, um im- pulso missionário ainda influencia muito o seu trabalho poso terior. Snyders (1973), por sua vez, acusa o rogerianismo de ter na "providência" seu conceito central: tudo está preparado para a alegria e a providência se encarregará de trazer as so lucões. - Hameline e Dardelin (1977) falam da transição do en In cristão para o "nâo-diretivo" nas escolas francesas. Segundo esses autores, a prática dessa Abordagem foi pront m nt aceita por conta de suas características tão P!óxi~a ~ ndnp táveis aos princípios fundamentais da educaçao Cri ln. r( 1C,(' bem na Abordagem Centrada no Aluno, fortes me 111 1I1!. I', * Em itálicos no original. Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 7 ) com o ensino cristão, o que explica sua rápida aceitação nas escolas religiosas. (pp. 27-34) O fato é que as afirmações de Rogers demonstram sua fé e seu otimismo quanto ao desenvolvimento do homem. Seu conceito de tendência formativa,* em que baseia toda sua teoria, traduz essa fé e esse otimismo que podem dever-se às influências sofridas pela religião ao longo de sua vida. 4.2.3. A influência do contexto sócio-cultural Embora possa parecer evidente, é importante lembrar a importância da relação entre o contexto sócio-cultural onde viveu Rogers e a sua proposição de abordagem Centrada na Pessoa. Fonseca (1983) define esse contexto sócio-cultural onde se desenvolveu e tomou corpo a Teoria Centrada na Pessoa. como de classes dominantes do primeiro mundo. Assinala a importância da questão do contexto, salientando que não se trata apenas do trabalho de Rogers ter surgido da classe média, mas da classe média norte-americana, na medida em que in- serida em um sistema social do país desenvolvido, com carac- terísticas próprias rlo primeiro mundo, mantém uma relação de dominação com os países subdesenvolvidos do terceiro mundo. Comparando as origens da Abordagem Centrada na Pessoa e da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, o mesmo autor observa a relação de conflito existente entre esses dois con- textos, o de primeiro mundo e o de terceiro mundo. Fonseca (1983) acrescenta que "a Abordagem Centrada na Pessoa sur- giu e cresceu no seio daqueles para cujas mesas, carros e casas, vai muito do que é expropriado do corpo e do ser, da casa e dos pratos daqueles em cujo seio nasceu a pedagogia do oprimido". (p. 46) 4.2.4. A influência experimentalista Um aspecto a ser salientado na história da vida de Rogers é sua formação experimentalista, que o levou a pesquisar lon- gamente seus pressupostos teóricos. * Segundo Rogers é a tendência inerente a todo ser vivo de desenvolver-se positivamente no sentido da auto-regulação. 80 Rev. de Psicologia, Fortaleza. 4 (1): jan.fjun., 1986 Segundo De Peretti (1974) as contribuições organizacionais de Rog r sobre I terapia e as relações humanas se revelaram multu importantes. Não somente os estudos os moI vnrlu dos foram efetuados por seus resistentes tud I/If/ s ou colegas que trabalharam em volta dele m XP( ri'ência de grupo intensiva. mas ainda com pl no baseados em controles múltiplos aparentado os métodos agronômicos que tinham fascinado Rog rs na sua juventude, em razão de seu naturalismo raclo- ne). (p. 270) Poeydornenqe (1984) elogia o trabalho científico realizado por Rogers. assinalando que este nunca temeu envolver-se pes- soalmente. recorrendo à gravações de fitas e filmes para obter dados mais mensuráveis. Posicionando-se contrariamente a De Peretti e Poeydomen- ge. Hannoun e Snyders não vêem cientificidade na pesquisa rogeriana que. segundo eles. mistura rigor científico com ati- tude experimental. Para Hannoun (1976). "Rogers se instala em uma atitude anticientífica. na medida em que. em realidade e apesar de suas alegações. ele recusa o recurso aos fatos da experiência objetiva". (p. 124) Não querendo entrar no mérito da questão da validade das pesquisas elaboradas por Rogers e seus colegas, o fato é que a pesquisa tem sido uma constante preocupação em Rogers e tema freqüente em sua obra, o que demonstra sua tendência experimental ista. 4.2.5. A influência de outros pensadores Apesar de Rogers ter desenvolvido sua teoria baseado em sua própria experiência de vida, existem alguns teóricos que possivelmente influenciaram seu pensamento. Entre estes, De Peretti (1974) cita Kilpatrick e Dewey. Este autor acrescenta que o encontro com Otto Rank foi outro contato marcante para Rogers. na medida em que esti- mulou a despertar o interesse pela atitude individual e os va- lares vividos pelos terapeutas. (56, pp. 53-55) Carreteiro (1981) refere-se à influência de Rogers por Rank sobretudo no que concerne à relação psicojêrapêutlca, Rev. de Psicologia, Fortaleza. 4 (1): jan.fjun .• 1986 81 ressaltando que ambos a compreendem como uma experiência de crescimento. De Peretti (1974) cita Kierkegaard como outro pensador que influenciou a Abordagem Centrada na Pessoa, salientando que, em 1951, através da leitura de sua obra, Rogers descobre que a direção que tomava sua reflexão e o aspecto central de seu trabalho terapêutico poderiam ser qualificados como exls- tenciais ou fenomenológicos. Acrescenta que a leitura de Kierkegaard o encorajou a ter confiança em sua experiência pessoal, já que aquele "exprime a importância da existência e da experiência face às seduções e às complicações intelectua- listas, representadas em seu tempo por uma hipersistematiza- ção da dialética hegeliana". (p. 79) Fonseca (1983) observa que a filosofia do diálogo, de Mar- tin Buber, é outra influência marcante em Rogers. Afirma que a Abordagem Centrada na Pessoa incorpora perfeita- mente esta filosofia e, eventualmente, quase que com ela se confunde. Em 1957 Rogers se encontrou com Buber em Ann Arbor, nos EUA. De lá para cá cita-o freqüentemente em suas obras e reconhece a similaridade de suas idéias para com as dele. (p. 65) Os nomes de Dewey, Kilpatrick, Rank, Kierkegaard e Buber aparecem, portanto, como prováveis influenciadores do pensa- mento rogeriano. A afirmação da existência dessas influências merece, no entanto, estudos muito mais amplos e aprofundados. o que não é meu intuito realizar nesse momento. 5. A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA NO BRASIL É, na verdade, pouco o que foi escrito a respeito da his- tória da Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil. Deparei-me com esse fato ao tentar inteirar-me no assunto, o que é aliás observado também por vários profissionais da área entre os cuals Rosenberg. * Segundo Rosenberg (1977), as idéias principais de Rogers sobre o desenvolvimento humano e a motivacão dos indivíduos, bem como suas propostas de maneiras de propiciar sua pleni- tude harmônica, foram inicialmente divulgados no Brasil em cursos e publicações, com Osvaldo de Barros Santos (1959) e * Carta à autora - 23 de outubro de 1983. 82 Itev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan./jun., 1986 Ruth Scheffer (1960). Acrescenta, ainda, como ligados aos mo- vimentos de Abordagem Centr.ada na Pessoa nas décadas de 60 e 70 no Brasil, os nomes de Padre Benko na Pontificia Uni- versidade Católica do Rio de Janeiro e Maria Bowen, realizando atividades de grupo em Minas Gerais." Rosenberg (1977) lembra, no entanto, que esses esforços pioneiros representaram contribuições estranhas num meio dominado, na época, pela pslcs- nálise, pela mensuração psicológica e pela incipiente corrernte experimental em psicologia. Gradualmente em grupo se afiliou à posição rogeriana e hoje ela. até certo ponto, se incorpora na formação de muitos de nossos profissionais de diversas áreas. (p. 62) Em janeiro de 1977, Rogers vem ao Brasil juntamente com mais cinco profissionais do "Center of Studies of the Per- son"** a fim de realizar uma série de "workshops" com gran- des grupos. Esses grupos foram realizados em Recife, São Paulo e Rio de Janeiro e Rogers(1983) os descreve como uma "aventura estimulante". Além dos "workshops", que contaram com a participação de até 800 pessoas em um grupo, foram também realizadas palestras e ciclos de debates. Essas atividades atingiram, por- tanto, um bom número de pessoas, o que contribuiu para a divulgação da Abordagem no Brasil. Na primeira metade da década de 80, a Abordagem Cen- trada na Pessoa parece ocupar um considerável espaço em Psicoterapla Individual e de Grupo. Nessa linha têm se espe- cializado alguns profissionais, através de grupos de formação e treinamentos. Esse movimento de profissionais que traba- lham em Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil parece ser bastante relevante, embora nem sempre muito nítido, como ficou demonstrado no I Encontro Latino:*'" tendo em vista a pouca articulação dos profissionais da área que, a partir dessa constatação, começaram a se organizar. Quanto à Pedagogia Centrada na Pessoa, desta parece não se poder dizer o mesmo. Na década de 60-70, houve real- * Carta à autora - 23 de outubro de 1983. •.• Centro de atividades ligadas à Abordagem Centrada na Pessoa, fundado por Carl Rogers e localizado na Califórnia, nos EUA. * •.• Encontro Latino da Abordagem Centrada na Pessoa. Petrópolis. outubro de 1983. Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 83 mente uma marcante tendência psicologizante em educação, incluindo a Abordagem Centrada na Pessoa. Alvite (1981) ex- plica esse psicologismo na educação como correspondendo aos interesses de uma classe dominante, tendo em vista que, ao 58 colocar como acrítico da realidade social de divisão de cals- ses, o professor contribui para perpetuar a manutenção do stetus que. Pode-se hipotetizar três motivos que dificultaram a Abor- dagem Centrada na Pessoa, em Pedagogia, de ir adiante no Brasil. Primeiramenté, uma tendência pedagógica antl-pslcolo- ~Jjsante e pró-político social, a partir de uma consciência crítica da ideologia dominante, que começou a se impor no final dos anos 70. O discurso político passou a ser encarado como fun- damental na educação do Brasil, tendo em vista sua relação íne- vitável com o próprio sistema social. A educação visa a formar críticos. da realidade e sob essa perspectiva Alvite (1981) cri- tica os psicologismos na educação. Em segundo lugar, as inúmeras deturpações da Abordagem Centrada na Pessoa, dando lugar ao laíssez-faire e à total falta de produtividade, deram à imagem desta abordagem em peda- qcqia um caráter negativo. Esse perigo é alertado por Paqés (1970) ao discorrer sobre os mal-entendidos existentes na prá- tica da Abordagem Centrada na Pessoa. Finalmente, o que parece ser o argumento clássico a favor da não utilização da Abordagem Centrada na Pessoa em edu- cação no Brasil é a hipótese de que não funciona. Os alunos estão condicionados a um ensino autoritário e para que eles se adaptem a essa nova metodologia, ocorre uma enorme perda de tempo. O caráter institucional da escola contribui para a não funcionalidade da Abordagem Centrada na Pessoa, como veremos adiante. O desinteresse pelos programas curriculares, totalmente desvinculados da realidade, leva a nenhuma produ- tividade ou quase nenhuma, ao se adotar uma metodologia cen- trada na pessoa. Além disso, classes muito numerosas, falta de material pedagógico e bibliográfico dificulta, ainda mais, uma aprendizagem auto-iniciada. É importante notar aqui o caráter conservador dessa argu- mentação, embora ela tenha realmente se constituído como barreira à utilização da Abordagem Centrada na Pessoa em educação. Doxsey (1982) assinala a existência desse argumento e também o aponta como um dos empecilhos para a prática da Abordagem Centrada na Pessoa em Educação no Brasil. 84 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (I): jan.jjun., 1986 Apesar de todas essas dificuldades a Abordagem Centra- da na Pessoa parece ainda estar viva na prática de profissionais ligados à área, com a realização, inclusive, de pesquisas sobre a aplicação dessa Abordagem em sala de aula. (Doxsey, 1983) Na área de Psicofogia, por sua vez, a Abordagem Centrada na Pessoa continua atuando, como demonstram realizações de grupos de encontro e atividades ligadas à área. Nesse sentido vale notar a recente vinda de Carl Rogers ao Brasil onde faci- litou um grande workshop" que contou com a participação de 170 pessoas. Além disso, o movimento latino na Abordagem vem ganhando significado com a realização do li Encontro La- tino de ACP em 1985 na Argentina e a atual mobilização para organização do 111Encontro Latino a ser realizado no Rio de Ja- neiro em outubro de 1986. CONCLUSÃO Ao final desse breve histórico da Abordagem Centrada na Pessoa pode-se notar que não se trata de uma teoria estática, pronta. Ao contrário, sua evolução demonstra um processo di- nâmico de recriação o que nada mais é que um processo de vida. Esse fato pode ser ilustrado pela recente colocação de Carl Rogers no workshop em Brasília: "Eu não sou rogeriano". Essa afirmação salienta sua preocupação com a .não-crtstatiza- cão da Abordagem e com a não-repetição de um modelo rígido "roqeriano", que o próprio Rogers nega. Na Abordagem Centrada na Pessoa não se trata, portanto, da simples repetição do modelo de Rogers. Ela abre espaço para algo muito mais amplo relacionado com as necessidades e o momento histórico da pessoa em que se pretende centrar-se. Da teoria não-diretiva à Abordagem Centrada na Pessoa aconteceu um longo processo teórico e prático. Esse processo continua acontecendo atualmente com vários profissionais que continuam praticando, repensando e teorizando a Abordagem Centrada na Pessoa. REFERÊNCIAS BIBLlOGRAFICAS 1. ALVITE. Maria Mercedes Capelo. Didática e psicologia: crítica ao psico- logismo na educação. São Paulo, Loyola. c , CARRETEIRO, Tereza Cristina. As atitudes do terapeuta na teoria cen- • Workshop "Vivendo em Harmonia: o trabalho de Carl Rogers tem uma opção?" Brasília, junho de 1985. 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