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ENTENDENDO A NOMENCLATURA BOTÂNICA João Renato Stehmann1 e Marcos Sobral1 A nomenclatura científica botânica baseia-se nas normas estabelecidas pelo Código Internacional de Nomenclatura Botânica (que é diferente do código de nomenclatura de outros organismos), que estabelece a premissa de que “uma espécie de planta só pode ter um único nome correto”. Para se estabelecer o nome correto de uma planta, os botânicos vasculham toda a sua história. Portanto, a nomenclatura botânica corresponde a este resgate histórico e não se resume apenas a um nome científico. O início da nomenclatura botânica (e biológica) está ligada ao emprego na nomenclatura binomial, utilizada por Lineu quando da publicação do seu livro, Species Plantarum, em 1753. O nome de uma espécie de planta compõe-se de duas partes: o nome do gênero (ou epíteto genérico) e o epíteto específico. Os dois nomes são latinizados e, por este motivo, escritos normalmente em itálico. Em verdade não há no Código Internacional de Nomenclatura Botânica nenhuma regra que nos obrigue a escrevê- los em itálico. Comumente recomenda-se que os nomes científicos sejam destacados no texto, escrevendo-os em itálico, sublinhados ou em negrito. O autor do binômio, ou seja, quem descreveu a espécie, aparece ao final do nome da espécie e não é latinizado. A seguir apresentamos um quadro-síntese da nomenclatura binomial. Figura 1. Quadro síntese da nomenclatura binomial, tomando como exemplo a espécie comumente conhecida como jurubeba. Os nomes científicos são estranhos à primeira vista porque vêm geralmente das línguas grega e latina. Seus significados têm relação com características das plantas, mas podem também ser homenagens a cientistas do passado, localidades geográficas ou nomes populares (indígenas). Todo nome de espécie é composto de duas partes, como por exemplo Eremanthus erythropappus (DC.) MacLeish. O primeiro nome, Eremanthus, é o nome do que se chama gênero, e erythropappus é o nome da espécie. Eremanthus erythropappus é uma dentre várias espécies do gênero Eremanthus, como por exemplo Eremanthus glomerulatus Less., Eremanthus incanus (Less.) Less. e Eremanthus elaeagnus (Mart. ex DC.) Sch. Bip. Em muitos textos é comum o gênero, uma vez citado, ser abreviado; no caso, as espécies seriam enumeradas E. glomerulatus Less., E. incanus (Less.) Less. e E. elaeagnus (Mart. ex DC.) Sch. Bip. Como estas espécies estão dentro de um 1 Departamento de Botânica, ICB, UFMG Solanum paniculatum L. Epíteto genérico: Solanum Epíteto específico: paniculatum Autor do binômio: Lineu 2 mesmo gênero, podemos imaginar que elas sejam aparentadas entre si. Assim como existe um parentesco entre espécies de um gênero, o mesmo pode ocorrer entre diferentes gêneros e quando isso acontece eles são considerados como formando uma família. O nome de uma família também vem do latim ou do grego e sempre termina com “aceae”, exceto em oito casos, onde se aceitam nomes alternativos2. No caso do nosso exemplo, a família do gênero Eremanthus é Asteraceae (ou Compositae). Além dos nomes científicos, vamos notar também que todos eles têm em seguida um ou mais nomes próprios ou abreviaturas. São os nomes ou abreviaturas dos botânicos que descobriram estas plantas (os autores das espécies). Às vezes uma espécie tem mais de um autor e um deles está entre parênteses - isso é uma maneira de mostrar que houve uma mudança na posição da espécie dentro da família desde que ela foi inicialmente conhecida. Por exemplo, em Eremanthus erythropappus (DC.) MacLeish, o nome entre parênteses (De Candolle, abreviado DC.) mostra que a espécie foi descoberta por ele, que batizou-a Albertinia erythropappa DC. Muitos anos mais tarde a botânica Nanda MacLeish concluiu que, ao invés de tratar-se de uma espécie de Albertinia (um outro gênero da família Asteraceae), esta espécie era semelhante às demais do gênero Eremanthus, e mudou-a de posição (a mudança de “erythropappa” para “erythropappus” deve-se ao fato de que na língua latina Albertinia é palavra feminina, enquanto Eremanthus é masculina). No caso da espécie ter sido descrita por mais de um autor, seus nomes são ligados por “et” (que significa “e” em latim) ou “et al.”, que significa “e outros” e é a abreviação costumeira quando três autores ou mais descreveram a espécie. Uma outra palavra encontrada entre nomes de autores é “ex”; esta expressão é uma convenção para mostrar que o autor que antecede “ex” foi o que deu o nome original à espécie, mas a espécie foi publicada no trabalho de outro pesquisador, que incluiu o “ex” em referência ao trabalho intelectual do primeiro. Para evitar confusões na forma de abreviar os milhares de nomes de autores que descreveram espécies, a comunidade científica tem seguido a proposta de abreviatura de dois autores, Brummitt & Powells (1992) (disponível em www.rbgk.or.uk). Há também sites onde é possível pesquisar o nome científico de uma planta, dos autores e o nome da obra onde foi pela primeira vez publicado - IPNI (www.ipni.org) e W3Tropicos (www.mobot.org). Antigamente as plantas recebiam um nome e eram descritas em poucas linhas, o que causou muita dificuldade no reconhecimento das espécies, pois tais descrições não permitiam distinguir as espécies próximas. Além disso, os materiais utilizados na descrição das plantas não eram relacionados. Atualmente há regras fixas e precisas para a descrição de espécies botânicas e faz-se necessário publicar uma diagnose em latim, uma descrição morfológica detalhada e a indicação do(s) material(is) botânico(s) (denominados typus ou typi) utilizados na descrição, bem como do herbário onde encontra-se depositado. Na história nomenclatural de uma espécie, ela pode ter sido descrita diversas vezes por diferentes botânicos, recebendo diversos nomes científicos. As regras nomenclaturais estabelecem que uma planta só pode ter um nome científico correto e que, caso ela tenha sido descrita diversas vezes, o nome mais antigo deve prevalecer. Este é o chamado princípio da prioridade. Os outros nomes científicos, 2 Os nomes alternativos para famílias são: Compositae (=Asteraceae), Cruciferae (=Brassicaceae), Gramineae (=Poaceae), Guttiferae(=Clusiaceae), Labiatae(=Lamiaceae), Leguminosae (=Fabaceae), Palmae (=Arecaceae) e Umbelliferae (=Apiaceae) http://www.rbgk.or.uk)/ http://www.ipni.org/ 3 que não correspondem ao mais antigo, serão denominados sinônimos, isto é, outros nomes dados à mesma espécie de planta. Quando um botânico estuda a história de um grupo taxonômico, ele localiza todas as publicações realizadas acerca de cada espécie e, como conseqüência, determina qual é o nome válido a ser utilizado e quais os sinônimos. Este é um dos motivos pelos quais o nome válido de uma planta pode mudar e porque devemos estar sempre consultando livros novos e nomenclaturalmente atualizados. Os nomes científicos encontrados em livros clássicos como o “Dicionário das plantas úteis do Brasil” de Pio Corrêa (1926) e “A Flora Nacional na Medicina Doméstica” de Balbach são exemplos de obras que contém uma nomenclatura botânica bastante desatualizada. Outras alterações nomenclaturais se dão quando um botânico redefine a circunscrição (os limites) de um táxon. Isto acontece quando um gênero é unido a outro ou quando um novo gênero é reconhecido através do desmembramento de um gênero pré-existente. Neste caso, não se descreve novamente as espécies, mas transfere-se as espécies já descritas para o novo gênero. Os nomes são então recombinados, conservando o epíteto específico original. O autor que designou o epíteto específico é mantido entre parênteses e o autor da nova combinação é adicionado a seguir. As revisões taxonômicas resumem a história nomenclatural a uma lista de nomes apresentada abaixo do nome da espécie. Para compreender melhor o seu significado, a seguir apresentamos a história nomenclatural da ipeca ou poaia: Psychotriaipecacuanha (Brot.) Stokes, Bot. Mat. Med. I. p. 365. 1812. Basônimo/ Basiônimo: • Callicocca ipecacuanha Brot., Trans. Linn. Soc. London 6 p.137. 1802. Sinonímia/ Sinônimos: • Ipecacuanha officinalis Arruda ex Koster., Trav. Braz. p. 497. 1816. nomen nudum • Cephaelis ipecacuanha (Brot.) A . Rich., Bull. Fac. Med. 4 p. 4: 92. 1818. • Psychotria emetica Vell., Fl. Flum. p. 64. 1825. • Uragoga ipecacuanha Baill., Hist. Plant. 7. p. 281. 1881. Pode-se dizer que a poaia ou ipeca foi reconhecida por botânicos como pertencendo a cinco gêneros distintos durante sua história. A primeira descrição foi realizada por Brotero, que reconheceu a planta como pertencente ao gênero Callicocca, descrevendo-a como C. ipecacuanha. Pouco anos mais tarde, Stokes reconheceu a espécie no gênero Psychotria, nome válido atualmente, e que resultou na combinação que leva o nome dos dois autores. Neste caso, o basônimo da espécie é Callicocca ipecacauanha. O epíteto específico dado pelo primeiro descritor da espécie é, através desta metodologia, conservado. Os restantes nomes dados à espécie, seja no mesmo ou em outros gêneros, são denominados sinônimos (sinonímia). Lembre-se de que quando dizemos que dois nomes são sinônimos, isso significa que eles estão associados à mesma espécie. Assim sendo, numa revisão bibliográfica, é importante que pesquisemos, além do nome válido, referências associadas aos sinônimos. A lista de sinônimos é encontrada apenas junto a trabalhos de revisão taxonômica, quando o taxonomista pode revisar todas as descrições originais e os tipos nomenclaturais das espécies de determinado táxon (gênero, subgênero ou seção).