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Waleska Maria - Med IX Capítulo 62 Princípios gerais da função gastrointestinal O trato alimentar abastece o corpo com suprimento contínuo de água, eletrólitos, vitaminas e nutrientes. Neste capítulo, discutimos os princípios básicos da função de todo o sistema alimentar: Princípios gerais da motilidade gastrointestinal Anatomia fisiológica da parede gastrointestinal Camadas, de fora para dentro: (1) a serosa (2) camada muscular lisa longitudinal (3) camada muscular lisa circular (4) a submucosa (5) a mucosa - Músculo Liso Gastrointestinal: Na camada longitudinal, os feixes se estendem longitudinalmente e na camada muscular circular, se dispõem em torno do intestino. No interior de cada feixe, as fibras musculares se conectam por meio das junções comunicantes. Assim, os sinais elétricos, que desencadeiam as contrações musculares, podem passar prontamente de uma fibra para a seguinte em cada feixe. Os feixes de fibras musculares lisas são separados por tecido conjuntivo frouxo, mas, em alguns pontos, esses feixes de fibras se fundem. Assim, as camadas musculares são formadas por uma rede de feixes. Quando um potencial de ação é disparado em qualquer ponto na massa muscular, ele, em geral se propaga em todas as direções no músculo. Por isso, a camada muscular funcional como um sincício. Outro aspecto importante, é que a excitação de uma camada (seja longitudinal ou circular) afeta a outra. Atividade elétrica do músculo liso gastrointestinal Consiste em dois tipos básicos de ondas elétricas: (1) ondas lentas: não são potencial de ação, mas sim variações lentas e ondulantes do potencial de repouso da membrana. Não se sabe ao certo qual sua causa, mas se estuda as interações entre células do músculo liso e as células intersticiais de Cajal. As ondas lentas geralmente não causam, por si sós, contração muscular, mas estimulam o disparo intermitente de potenciais em ponta, que provocam a contração muscular. (2) potenciais em ponta: são verdadeiros potenciais de ação. Acontecem logo quando o potencial de repouso da membrana gastrointestinal fica mais positivo do que -40 milivolts. Quanto maior o potencial da onda lenta, maior a frequência dos potenciais. É importante diferenciar os potenciais de ação das fibras nervosas e do músculo liso gastrointestinal. - Fibras nervosas: potenciais de ação são causados, pela rápida entrada de íons sódio, pelos canais de sódio. - Fibras do músculo liso gastrointestinal: os canais permitem que uma quantidade grande de íons cálcio entre junto com quantidades menores de íons sódio e, portanto, são denominados canais para cálcio-sódio. Como tais canais se abrem e fecham lentamente, os potenciais têm longa duração. Mudanças na Voltagem do Potencial de Repouso da Membrana Quando o potencial fica menos negativo, o que é denominado despolarização da membrana, as fibras musculares ficam mais excitáveis. Quando o potencial fica mais negativo, o que se chama de hiperpolarização, as fibras ficam menos excitáveis. O que despolariza? (1) estiramento do músculo. (2) estimulação pela acetilcolina, liberada a partir das terminações dos nervos parassimpáticos. (3) estimulação por diversos hormônios gastrointestinais específicos. O que hiperpolariza? (1) efeito da norepinefrina ou da epinefrina, na membrana da fibra. (2) estimulação dos nervos simpáticos, que secretam norepinefrina em seus terminais. Íon Cálcio A contração do músculo liso ocorre em resposta à entrada de íons cálcio na fibra muscular. Os íons ativam os filamentos de miosina na fibra, fazendo com que forças de atração se desenvolvam entre os filamentos de miosina e os filamentos de actina, causando a contração muscular. Como as ondas lentas não estão associadas à entrada de cálcio, por si só, elas não fazem contração muscular. A contração acontece durante os potenciais de ponta durante os picos das ondas lentas. Contração tônica A contração tônica é diferente da contração rítmica, que acontece pelo ritmo das ondas lentas. Elas podem ser causadas por mecanismos ainda não bem explicados, sendo eles: potenciais em ponta repetidos sem interrupção — quanto maior a frequência, maior o grau de contração; hormônios ou por outros fatores que produzem a despolarização parcial contínua da membrana do músculo liso, sem provocar potenciais de ação; a entrada contínua de íons cálcio, no interior da célula, por modos não associados à variação do potencial da membrana. Sistema nervoso entérico O trato gastrointestinal tem seu próprio sistema nervoso, que vai do esôfago ao ânus. O SN entérico é composto pelos plexos: (1) Plexo mioentérico ou Plexo de Auerbach: externo, disposto entre as camadas musculares longitudinal e circular. Controla quase todos os movimentos gastrointestinais (2) Plexo submucoso ou Plexo de Meissner: interno, localizado na submucosa. Controla a secreção gastrointestinal e o fluxo sanguíneo local. Nessa mesma região, existe ainda fibras simpática e parassimpáticas, capazes de intensificar ou inibir as funções gastrointestinais. Também aparecem terminações nervosas que enviam fibras aferentes para os dois plexos, para os gânglios pré-vertebrais do sistema nervoso simpático, para a medula espinhal e para o tronco cerebral pelos nervos vagos, provocando reflexos. Unidade XII Waleska Maria - Med IX Plexo mioentérico Estende-se por toda a extensão da parede intestinal, localizada entre as camadas longitudinal e circular, ele participa no controle da atividade muscular por todo o intestino. Os efeitos desse plexo são: (1) aumento da contração tônica da parede intestinal; (2) aumento da intensidade e do ritmo das contrações rítmicas; (3) aumento na velocidade de condução das ondas excitatórias, causando ondas peristálticas mais rápidas. Apresenta alguns neurônios inibitórios também, com sinais inibitórios importantes para controle dos esfíncteres. Plexo submucoso Função de controle na parede interna, ajudando a controlar a secreção intestinal local, a absorção local e a contração local do músculo submucoso, que causa graus variados de dobramento da mucosa gastrointestinal. Neurotransmissores secretados pelos neurônios entéricos -Acetilcolina: excita a atividade gastrointestinal. -Norepinefrina e epinefrina: quase sempre, inibe a atividade gastrointestinal. - trifosfato de adenosina, serotonina, dopamina, colecistocinina, substância P, polipeptídeo intestinal vasoativo, somatostatina, leuencefalina, metencefalina e bombesina. Controle autônomo do TGI Estimulação parassimpática: A inervação parassimpática do intestino divide-se em divisões cranianas e sacrais. A maioria das fibras cranianas está nos nervos vagos e algumas distribuídas pelas regiões bucais e faringianas. As fibras sacrais se originam nos 2º, 3º e 4º segmentos sacrais da medula espinhal e passa pelos nervos pélvicos. Os neurônios pós-ganglionares do sistema parassimpático ficam principalmente nos plexos mioentérico e submucoso. A estimulação dos nervos parassimpáticos intensifica a atividade da maioria das funções gastrointestinais. Estimulação simpática: as fibras se originam da medula espinhal entre os segmento T5 e L2. As fibras, ao sair da medula, entram nas cadeias simpáticas dispostas lateralmente à coluna vertebral, onde vão até os gânglios mais distantes. Os terminais dos nervos simpáticos secretam, principalmente, norepinefrina, mas, também, pequenas quantidades de epinefrina. A estimulação do sistema nervoso simpático inibe a atividade do trato gastrointestinal. Isso acontece pela ação da norepinefrina, que inibe a musculatura lisa, exceto o músculo mucoso e, principalmente, pelo seu efeito inibidor sobre os neurônios de todo o sistema nervoso entérico. Fibras nervosas sensoriais aferentes do intestino: podem ter seus corpos celulares no próprio sistemanervoso ou nos gânglios da medula espinhal. São estimuladas por irritação da mucosa intestinal, distensão excessiva do intestino ou presença de substâncias químicas específicas no intestino, causando inibição ou excitação. As fibras aferentes transmitem sinais para o bulbo, que desencadeia sinais reflexos para o TGI. Reflexos gastrointestinais Três tipos de reflexos são essenciais: 1- Reflexos completamente integrados na parede intestinal: controlam secreção, peristaltismo, contrações de mistura. 2- Reflexos do intestino para os gânglios simpáticos prévertebrais e que voltam para o trato gastrointestinal: transmitem sinais por longas distâncias. 3- Reflexos do intestino para a medula ou para o tronco cerebral e que voltam para o trato gastrointestinal. Controle Hormonal Hormônio Estímulo Local secretado Ação Gastrina Proteína, distensão nervo, (Ácido inibe liberação). Células G do antro, duodeno e jejuno Estimula secreção de ácido gástrico e crescimento da mucosa. Colecistoci nina Proteína, gordura, ácido Células I do duodeno, jejuno e íleo Estimula secreção de enzima pancreática e de bicarbonato pancreático, contração da vesícula biliar e crescimento do pâncreas exócrino; Inibe esvaziamento gástrico. Secretina Ácido, gordura Células S do duodeno, jejuno e íleo Estimula secreção de pepsina, bicarbonato pancreático e bicarbonato biliar, crescimento de pâncreas exócrino; Inibe secreção de ácido gástrico. Peptídeo inibidor gástrico Proteína, gordura, carboidrato Células K do duodeno e jejuno Estimula liberação de insulina; Inibe secreção de ácido gástrico. Motilina Gordura, ácido, nervo Células M do duodeno e jejuno Estimula motilidade gástrica e motilidade intestinal. Tipos de movimento no TGI No trato gastrointestinal ocorrem dois tipos de movimentos: movimentos propulsivos e movimentos de mistura. Movimentos Propulsivos — Peristaltismo Um anel contrátil, ao redor do intestino, surge em um ponto e se move para adiante; a estimulação em qualquer ponto do intestino pode fazer com que um anel contrátil surja na musculatura circular. O estímulo usual do peristaltismo intestinal é a distensão do trato gastrointestinal, mas também pode acontecer por irritação química ou física do revestimento epitelial do intestino e intensos sinais nervosos parassimpáticos. *O peristaltismo efetivo requer o plexo mioentérico ativo. O peristaltismo pode ocorrer em ambas às direções, mas tende a se manter em direção ao ânus. Não se conhece a explicação exata, mas acredita- se que o próprio plexo mioentérico seja ―polarizado‖ na direção anal. O intestino às vezes relaxa vários centímetros adiante, na direção do ânus, o que é chamado de ―relaxamento receptivo‖, permitindo que o alimento seja impulsionado, mais facilmente, na direção anal do que na direção oral. Movimentos de mistura Contrações constritivas intermitentes locais ocorrem em regiões separadas por poucos centímetros da parede intestinal. Essas constrições, geralmente, duram apenas de 5 a 30 segundos; então, novas constrições ocorrem em outros pontos no intestino, ―triturando‖ e ―separando‖ os conteúdos aqui e ali. Fluxo sanguíneo Os vasos sanguíneos fazem parte da circulação esplâncnica. Todo o sangue que passa pelo intestino, baço e pâncreas flui, imediatamente, para o fígado por meio da veia porta. No fígado, o sangue passa por Unidade XII Waleska Maria - Med IX milhões de diminutos sinusoides hepáticos e, finalmente, deixa o órgão por meio das veias hepáticas, que desembocam na veia cava da circulação geral. Os nutrientes não lipídicos e hidrossolúveis, absorvidos no intestino, são transportados pela veia porta para os sinusóides hepáticos, onde células hepáticas e reticuloendoteliais absorvem parte dos nutrientes. Artéria celíaca: supre sangue do estômago. Artérias mesentéricas superior e inferior: suprem paredes dos intestinos delgado e grosso. Ileocólica, jejunal, ileal, cólica direita, cólica média. Depois de refeição, a atividade motora, a atividade secretória e a atividade absortiva aumentam; então, o fluxo de sangue aumenta bastante, mas depois diminui para os valores de repouso, no período seguinte de 2 a 4 horas. Esse aumento de fluxo acontece porque existem muitas substâncias vasodilatadoras sendo liberadas (colecistocinina, peptídeo vasoativo intestinal, gastrina e secretina, calidina e bradicinina). Além disso, a redução da concentração de oxigênio na parede intestinal pode aumentar o fluxo de sangue intestinal por 50% a 100%. Grande parte do oxigênio sanguíneo se difunde das arteríolas, diretamente, para as vênulas adjacentes, sem passar pelas extremidades dos vilos. Em condições normais, esse desvio do oxigênio das arteríolas para as vênulas não é lesivo às vilosidades, mas em condições patológicas, o fluxo sanguíneo para o intestino fica bastante comprometido e pode causar morte isquêmica na vilosidades. A estimulação simpática tem efeito direto em, essencialmente, todo o trato gastrointestinal causando vasoconstrição intensa das arteríolas, com grande redução do fluxo sanguíneo. Uma das principais utilidades adaptativas da vasoconstrição simpática, no intestino, é permitir a interrupção do fluxo sanguíneo gastrointestinal e esplâncnico por breves períodos de tempo, durante o exercício pesado, quando o coração e os músculos esqueléticos necessitam de maior fluxo. Caso clínico Ficha do paciente: Paciente JMSC, feminino, 27 anos, queixas queimação no peito e na ―boca‖ do estômago há 1 ano. Já consultou anteriormente e ―deram remédio para verme‖ sem melhora significativa. Nega antecedentes. Teve duas gestações e conta que piorou este problema durante a gravidez. Exame físico: bom estado geral, sobrepeso, normotensa, ausculta pulmonar e cardíaca normais, abdome flácido e sem visceromegalias. 1. Qual sua hipótese diagnóstica? a) Doença do refluxo gasto-esofágico b) Úlcera péptica c) Gastrite 2. Qual a sua conduta? a) Exame de imagem b) Exame endoscópio c) Tratamento empírico (sem exames) d) Tratamento com drogas inibidoras de bomba de prótons (IBP) Conduta e retorno: A conduta proposta foi: tratamento clínico com IBP por 2 meses e orientação alimentar, se possível controle de peso/ avaliação nutricional. Retornou 6 meses depois, contou que não pode comprar o remédio prescrito, mas o farmacêutico deu ranitidina. Teve melhora inicial, porém apresentou recidiva após 4 meses. O exame físico inalterado em relação ao anterior, exceto por ganho ponderal. 3. Qual sua conduta nesta situação? a) Solicitar endoscopia b) Insistir no tratamento prescrito c) Tratamento da obesidade d) Mandar retornar com o farmacêutico 4. Por quanto tempo manter a medicação? a) 1 mês b) 2 meses c) 6 meses d) Uso contínuo Respostas: 1. a. boa hipótese, a presença de sintomas típicos, por duas ou mais vezes semanais por dois ou mais meses é suficiente para o diagnóstico desta entidade. 2. d. perfeito, esta paciente pode se beneficiar com o uso de drogas antissecretoras (omeprazol, pantoprazol, entre outros). Os IBPs são muitos mais potentes e não causam a taquifilaxia. Sobre o endoscópio: quando disponível é sempre útil, principalmente para definir a gravidade da DRGE. Vários protocolos permitem o tratamento sem investigação para indivíduos jovens e sem sinais de alerta 3. b. é a conduta ideal, provavelmente houve taquifilaxia com uso de ranitidina. 4. b. o consenso brasileiro de DRGE sugere o mínimo de 6 semanas para tratamento de DRGE nos casos leves. Fonte: UNA-SUS Unidade XII
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