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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS COMO LIMITE À IMPLEMENTAÇÃO DO ESTADO MÍNIMO

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Supremo Tribunal Federal e a proteção dos direitos sociais como limite à implementação do Estado mínimo
 
 
 
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS COMO LIMITE À IMPLEMENTAÇÃO DO ESTADO MÍNIMO
Brazilian Supreme Court and the protection of social rights as a limit to the implementation of the minimum state
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 122/2020 | p. 173 - 192 | Nov - Dez / 2020
DTR\2020\14258
	
Flávia Soares de Sá Neves 
Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). flavia.soaresn@gmail.com 
 
Tânia Mara Felipe de Almeida 
Mestranda em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus. Graduada em Direito. diretoria@almeida-law.com 
 
Área do Direito: Constitucional; Direitos Humanos
Resumo: A questão fundamental que guia o presente estudo é a importância da atuação do Supremo Tribunal Federal nos casos de supressão dos direitos sociais que surgem em um contexto político-econômico específico, o neoliberalismo. Para tanto, serão abordados conceitos e ideias importantes como a do Estado Liberal, do Estado Social, dos direitos sociais e o neoliberalismo. Assim, poderemos abordar a questão da efetividade dos direitos sociais no contexto neoliberal e a importância da atividade jurisdicional. Por fim, realizaremos uma análise de casos, abordando arguições de descumprimento de preceito fundamental que tramitaram ou se encontram em tramitação no Supremo Tribunal Federal. A partir dessa análise, restará demonstrada a importância da atuação desse órgão no que se refere à proteção dos direitos sociais no cenário político e econômico atual.
 Palavras-chave:  Efetividade – Direitos sociais – Liberalismo – Neoliberalismo – Supremo Tribunal Federal
Abstract: The fundamental issue that guides this study is the importance of the Brazilian Supreme Court’s action in cases of suppression of social rights that arise in a specific political-economic context, the neoliberalism. To that end, important concepts and ideas such as the Liberal State, the Social State, social rights and neoliberalism will be discussed. This way, we will be able to deal with the question of the effectiveness of social rights in the neoliberal context and the importance of jurisdictional activity. Finally, we will realize an analysis of cases, of Fundamental Rights Default Arguments that have been or are in progress in the Brazilian Supreme Court. rom this analysis, the importance of this entity’s actions in protecting social rights in the current political and economic scenario will be demonstrated.
 Keywords:  Effectiveness – ocial rights – iberalism – eoliberalism – razilian Supreme Court
Sumário:  
1.Introdução - 2.O Estado Liberal e o Estado de Bem-Estar Social - 3.Os direitos sociais - 4.O surgimento e o fortalecimento do neoliberalismo - 5.A efetividade dos direitos sociais no contexto neoliberal e a sua proteção por meio da atividade jurisdicional - Conclusão - Referências
 
1.Introdução
O Estado, ao longo da história, foi transformando as suas formas e funções como uma maneira de adaptação aos problemas que vão surgindo. Essas transformações geram efeitos no campo jurídico, entre eles, o comprometimento na efetividade dos direitos sociais. 
O escopo principal da pesquisa é lançar um olhar crítico sobre o tema proposto, buscando analisar a possibilidade de supressão dos direitos sociais pelo fortalecimento do modelo neoliberal, tema esse que vem sendo debatido hodiernamente pelo mundo. Com efeito, tendo em vista o fortalecimento do modelo neoliberal em alguns países, o que comprova a pertinência da discussão, o artigo aponta também o quanto esse modelo influencia na concretização dos direitos sociais, que acabam tendo que ser garantidos pela atividade jurisdicional. 
A pesquisa foi realizada por meio da revisão bibliográfica e análise jurisprudencial. 
Inicialmente, serão apontados alguns traços de modelos político-econômicos, entre eles o Estado Liberal, o Estado Social e o neoliberalismo, trazendo as suas origens históricas e os seus objetivos. Essa análise se dará com o objetivo de ponderar em que nível de prioridade as políticas públicas voltadas para a efetividade dos direitos sociais se encontram no Estado mínimo. 
Ainda, trataremos sucintamente sobre os direitos sociais e a sua positivação na ordem jurídica nacional e internacional, para que assim possamos partir para a análise da importância da atividade jurisdicional no que se refere à proteção dos direitos sociais na atualidade, a qual se vale de um importante instrumento para essa proteção, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Por fim, será realizada uma análise de casos apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, demonstrando como o órgão costuma lidar com as tentativas de retirada ou diminuição dos direitos sociais. Mais especificamente, serão abordadas algumas arguições de descumprimento de preceito fundamental sobre a matéria, quais sejam: a Arguição de descumprimento de preceito fundamental 45, a Arguição de descumprimento de preceito fundamental 600 e a Arguição de descumprimento de preceito fundamental 672. Sob a óptica dos casos escolhidos, restará clara a importância da atuação do Supremo Tribunal Federal na defesa dos direitos sociais. 
Assim, a partir da abordagem dessas questões, sob os prismas jurisdicional e doutrinário, o artigo procurará mostrar como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem enfrentando o tema da redução de direitos sociais, em razão do citado Estado mínimo. Também serão abordados os conteúdos das decisões e os efeitos que elas provocam. Com isso, pretende-se mostrar o papel da Corte na contenção (ou convalidação) a busca da redução do Estado e, consequentemente, na proteção dos direitos sociais. 
2.O Estado Liberal e o Estado de Bem-Estar Social
O liberalismo, doutrina política e econômica, surge como uma resposta ao modo de produção feudal e ao Absolutismo, contribuindo para a ascensão do capitalismo. Inspirado nos ideais iluministas, seus idealizadores propõem mudanças no campo da vida social e da economia.
Os ideais liberais defendem a liberdade de produzir e comercializar as mercadorias, assim como a liberdade política e econômica. Nesse modelo, também se rebatem as ideias do mercantilismo, que pressupunha o controle do Estado na economia através de monopólios, prática econômica adotada pelas nações europeias durante os séculos XV ao XVIII.
Os iluministas, críticos do Absolutismo, defendiam a estruturação de uma sociedade com base no liberalismo econômico e político.
Entre os pensadores que contribuíram para a construção da ideologia liberal temos: Adam Smith, John Locke, Montesquieu, Stuart Mill, entre outros. Esses pensadores defendiam um Estado mínimo, que promovesse apenas as funções indispensáveis. Entre os pensadores, Adam Smith foi considerado um dos principais idealizadores do modelo liberal, o “pai da economia”. 
No modelo liberal, o Estado possui limites para a sua atuação. Dessa limitação, surgem dois fenômenos: a limitação dos poderes do Estado e a limitação das funções do Estado.1
Baseado no individualismo, o liberalismo tem entre as suas principais características: a não intervenção do Estado na economia, a defesa da livre concorrência e de direitos e liberdades individuais (destacando-se a proteção à propriedade privada). Ao Estado, nesse modelo, caberia somente a manutenção da ordem, a preservação da paz e a proteção à propriedade privada, não devendo interferir no mercado, que deve se autorregular.
O Estado Liberal preocupa-se, principalmente, com a garantia dos direitos individuais, principalmente aqueles que se referem à limitação ou à liberdade no agir do Poder Público. Essa preocupação com os direitos dos indivíduos diante do Estado denota o rompimento com o Absolutismo, no qual o soberano possuíapoder ilimitado. 
Devido aos seus objetivos e meios dos quais se utiliza, o liberalismo se tornou a ideologia da burguesia, interessada em colocar fim ao Absolutismo, que cerceava as suas liberdades e iniciativas político-econômicas. 
Como consequência da aplicação das ideias liberais emergiu o desenvolvimento econômico. No entanto, na contramão, surgiu um cenário de profundas desigualdades sociais, com o aumento da miséria humana e da exploração do proletariado. As fraquezas do Estado Liberal foram, gradualmente, ficando mais identificáveis, entrando o modelo liberal em crise. 
Ao mesmo tempo que o liberalismo acarretou um progresso econômico e a valorização do indivíduo como detentor de direitos inerentes, também aflorou problemas sociais, o que fez surgir uma reação ao modelo liberal. 
Assim, surge o Estado do Bem-Estar Social (welfare state) omo uma resposta ao liberalismo, o qual gerou um quadro de profundas desigualdades sociais. Nesse modelo, o Estado intervém de maneira mais intensa na economia e passa a se preocupar mais intensamente com os direitos econômicos e sociais. 
Após a Segunda Guerra Mundial, o quadro social e político faz aumentar a demanda por serviços sociais, transformando Estados Democráticos Liberais em Estados Democráticos Sociais.2 Do modelo de abstenção do Estado, fixado pelo modelo liberal, passa-se à intervenção pública em prol do social. O intervencionismo se justifica como um meio para garantir a extinção das desigualdades sociais.3
No Estado Social, o Estado se envolve diretamente com a sociedade, devendo intervir na economia e na vida social, na busca da justiça social e da proteção do bem comum. Impõe-se a responsabilidade sobre determinados serviços coletivos ao Estado. 
Nesse modelo, há um conjunto de serviços e benefícios sociais universais que devem ser promovidos pelo Estado com a finalidade de promover tanto o desenvolvimento como certa estabilidade social. Os elementos básicos que garantem o bem-estar dos indivíduos através da atuação estatal, como é o caso da saúde, da educação, da segurança, entre outros. 
Entre o que se busca com o Estado Social, temos a redistribuição da renda e a regulamentação das relações sociais. Com o advento do Estado Social, surgiu o ambiente propício para o desenvolvimento dos direitos sociais, como um meio para o alcance da justiça social. 
3.Os direitos sociais
A ideia de direitos sociais está atrelada aos primórdios do capitalismo industrial. Isso porque esses direitos surgiram a partir desse momento econômico, o qual foi marcado por relações trabalhistas tirânicas e recorrentes violações à dignidade da classe operária. Como resposta a esse cenário opressor, surgiram movimentos de resistência e de afirmação de direitos, que culminaram no surgimento dos direitos sociais.4
Na busca de um ponto em comum entre os direitos sociais, podemos encontrar o objetivo desses direitos: a tentativa de assegurar uma adequada qualidade de vida aos indivíduos de uma sociedade, através da garantia do mínimo vital, para assegurar a sua dignidade como pessoa humana.5
Os direitos sociais se preocupam especialmente com as pessoas que não possuem recursos mínimos para uma subsistência digna, logo, buscam garantir as condições necessárias para o alcance dessa dignidade. Isso, porque as relações econômicas são marcadas por desigualdades.6 Para remediar as injustiças que surgem, os direitos sociais buscam possibilitar o gozo pelo indivíduo dos benefícios da vida em sociedade.7 Em outras palavras, os direitos sociais buscam amparar os indivíduos – rincipalmente os grupos vulneráveis – ue são prejudicados pelas desigualdades sociais que surgem das relações econômicas. 
Como mencionado, os direitos sociais são essenciais para a garantia da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil). Podemos dizer, portanto, que os direitos sociais passam por uma “fundamentalização”, já que não podemos pensar em direitos intrínsecos ao ser humano sem que esteja garantido o mínimo vital para a sua existência.8
3.1.Positivação dos direitos sociais 
Os direitos sociais foram acolhidos pelas Constituições de muitas nações, assim como em tratados e convenções internacionais. Porém, o documento pioneiro na previsão dos direitos sociais foi a Constituição Francesa de 1848. Esse documento surgiu em um momento de intensos embates ideológicos entre capitalistas e operários.9
Outro texto constitucional importante para a proteção dos direitos foi a Constituição Mexicana de 1917.
Logo após, tivemos a Constituição de Weimar, de 1919. Esse texto constitucional fixa avanços no que se refere aos direitos fundamentais e, com a ampliação do rol de direitos sociais previstos constitucionalmente, esse texto legal serviu de inspiração para muitas Constituições mais atuais.10
Depois da Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades cometidas, os direitos humanos ganharam relevância, surgindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). O texto inovou ao reconhecer que os direitos de liberdade e os direitos sociais, econômicos e culturais possuem relação de mútua dependência.11 Essa Declaração reconheceu de maneira ampla os direitos sociais, consolidando-os como direitos intrínsecos à natureza humana.12 Com o processo de “juridicização” da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para que essa se tornasse juridicamente obrigatória e vinculante no âmbito do Direito Internacional, foi elaborado o Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (1966).13 Esse pacto, ratificado pelo Brasil em 1992, surgiu em um contexto de bipolaridade ideológica. O mundo estava dividido entre o bloco dos países capitalistas, mais preocupados com a defesa dos direitos de liberdade, e o bloco dos países socialistas, mais preocupados com a defesa dos direitos sociais.14
Tratando especificamente do Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer um Estado Social de Direito, preocupando-se com a previsão de direitos sociais. Após a Constituição de 1934, o próximo texto constitucional a se preocupar com a previsão dos direitos sociais foi a Constituição de 1946, a qual trazia em si um repúdio ao espírito autoritário que continha a Constituição de 1937. A Constituição de 1946 buscava fortalecer o Estado Social.15
Por fim, atualmente temos a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que representa um avanço na previsão dos direitos sociais, ao integrá-los como direitos e garantias fundamentais com aplicabilidade imediata, e inovando ao arrolá-los no seu Capítulo II do Título II. 
No seu artigo 6º, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz que são direitos sociais: a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. No entanto, há muitos outros artigos do texto constitucional e normas infraconstitucionais que regulam a proteção e a prestação desses direitos, como acontece com o artigo 196 (direito à saúde)  o artigo 205 (direito à educação), ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país, tendo em vista a ruptura com o regime autoritário militar que se mantinha desde 1964.16
4.O surgimento e o fortalecimento do neoliberalismo
Como visto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 se preocupa com a proteção aos direitos sociais. No entanto, no momento histórico do seu surgimento, já era possível observar certo declínio do Estado de Bem-Estar (welfare state) e a retomada das ideias do liberalismo econômico em uma nova roupagem, a do neoliberalismo. 
Apesar do Estado Social buscar a redistribuição da renda e a regulamentação das relações sociais, observou-se um aumento considerável das despesas públicas e o aumento dos tributos,o que gerou insatisfação em uma parcela da sociedade, criando o cenário ideal para o surgimento dos ideais neoliberais.
O pensamento neoliberal surge por volta dos anos 1970. Nas duas décadas seguintes, observa-se uma ascensão dessa ideologia, inclusive na América Latina. Isso, porque vivia-se a crise do Estado de Bem-Estar Social, logo, os ideais neoliberalistas surgem como uma oposição ao Estado intervencionista. 
Entre os pensadores mais importantes do neoliberalismo, temos Friedrich Hayek, que é contra toda e qualquer intervenção do Estado na economia. Outros pensadores importantes para o movimento neoliberalista foram Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, entre outros. 
O neoliberalismo é uma teoria de práticas político-econômicas que segue a máxima de que o bem-estar dos indivíduos está relacionado com a liberdade dos agentes em relação às suas capacidades e liberdades empreendedoras individuais, sendo o papel do Estado fornecer meios adequados para essas práticas. Esse projeto preza pela garantia do direito de propriedade privada, livre mercado e livre comércio.17
Nesse modelo, incentiva-se o Estado a passar para a iniciativa privada a gerência de setores que são de sua responsabilidade.18 Os Estados neoliberalistas pregam a redução do tamanho e das funções sociais do Estado, isso porque o próprio surgimento do neoliberalismo é uma resposta ao Estado intervencionista.
Com o neoliberalismo, o setor público deverá retirar-se da economia, deixando o espaço para o setor privado. A intervenção do Estado deve ser meramente reguladora, a fim de propiciar a acumulação de capital.
Na teoria, os Estados neoliberais favorecem os direitos individuais à propriedade privada, o regime de direito, o livre mercado e o livre comércio. Podemos notar, nos Estados neoliberais, o foco na proteção das liberdades individuais. Protegem-se os contratos, os direitos individuais à liberdade de ação, de expressão e de escolha.19
Os Estados começam a adotar políticas com viés neoliberal. Entre os governos que foram essenciais para a introdução e ascensão do modelo temos: o de Margareth Thatcher (Inglaterra), de Reagan (Estados Unidos), de Helmul Khol (Alemanha) , posteriormente, o de Augusto Pinochet (Chile). 
A adoção desse modelo pode vir a prejudicar a efetividade dos direitos sociais, tendo em vista que se prega que cada indivíduo é responsável pelas suas ações e pelo seu bem-estar. Observa-se uma clara retirada do Estado de muitas das áreas garantidoras do bem-estar social, com uma redução dos serviços sociais e científicos prestados pelo Estado.
O princípio dos indivíduos serem responsáveis pelas suas ações e pelo seu bem-estar é aplicado aos domínios do bem-estar social, da educação, da assistência à saúde e da seguridade social.20 Assim, percebe-se que há pouco incentivo às políticas públicas efetivadoras de direitos sociais no contexto neoliberal, o que afeta, sobretudo, as populações vulneráveis.
O Brasil, apesar de não ter adotado completamente o modelo do neoliberalismo, possui aderência ao modelo em certos pontos, assim como implanta algumas políticas com claro viés neoliberal. Logo, em muitos casos, cabe ao Poder Judiciário ser mais ativo para regular as situações que acarretam prejuízos aos direitos sociais.
5.A efetividade dos direitos sociais no contexto neoliberal e a sua proteção por meio da atividade jurisdicional
Apesar de terem sido previstos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os direitos sociais muitas vezes não alcançam a sua plena efetividade. Esses direitos costumam depender de uma prestação por parte do Estado, podendo essa prestação ser positiva ou negativa. No entanto, muitas vezes, essas prestações, que se dão através de políticas públicas, são ineficazes, seja porque não são suficientes para o atendimento da demanda da população brasileira, seja porque não possuem uma qualidade adequada.
No contexto neoliberal, a prestação positiva das políticas públicas costuma ser ainda mais prejudicada. Isso porque, nesse modelo econômico, a atuação do Estado é mais restrita e o incentivo a esse tipo de prestação estatal não é uma prioridade, já que os programas sociais constituiriam uma ameaça aos interesses e liberdades individuais, inibindo a atividade e a concorrência privada.21
O Estado, no entanto, possui o dever de adotar todas as medidas necessárias para que esses direitos se realizem de maneira completa.22 Caso não haja a prestação por parte do Estado, os direitos sociais poderão ser reivindicados, porque são direitos acionáveis, exigíveis.23 Logo, o Poder Judiciário possui legitimidade para decidir sobre certas condições sociais.
Portanto, quando observamos uma fragilização dos direitos sociais, é possível pleitear a tutela desses direitos através da atividade jurisdicional. Isso, porque como previsto pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o Poder Judiciário deverá apreciar as lesões ou ameaças de lesões a qualquer direito.
No Brasil, é recorrente que fique a cargo do Judiciário garantir a implementação dessas políticas públicas. Isso, porque, como dito anteriormente, apesar dos direitos sociais estarem positivados, em alguns momentos as políticas públicas são insuficientes, não garantindo a efetividade desses direitos, principalmente no contexto neoliberal. Logo, é incumbência do governo a elaboração de políticas públicas efetivadoras dos direitos sociais, podendo o Judiciário exercer o controle jurisdicional sobre a realização dessas políticas, podendo corrigi-las e complementá-las, tanto em relação às regras que estruturam a sua prestação como em relação aos objetivos constitucionalmente determinados. 
Essa atuação do Judiciário não seria possível em um modelo liberal de Estado. Isso, porque, nesse modelo econômico, o juiz possui um poder limitado, de fiscalizar o cumprimento de normas. Logo, não seria possível que o Judiciário pudesse intervir na realização de políticas públicas, chegando até mesmo a corrigi-las ou defini-las.24
Estaríamos, portanto, enfrentando um grande problema, uma vez que a atuação do Judiciário é um importante instrumento na defesa dos direitos sociais diante das ameaças contra a sua existência ou efetividade. A sua intervenção, em muitos casos, representa um ato em favor da democracia. 
Para a garantia da efetividade das políticas públicas, é imprescindível que seja possível a realização do controle judicial no que se refere às questões legislativas ou governamentais.
Importante pontuar que essa atuação dos juízes deve se dar com certa cautela. Os direitos sociais costumam depender de enormes gastos públicos e de decisões que extrapolam o simples raciocínio jurídico-formal, sendo necessária a tomada de decisões sobre como e onde os recursos públicos serão destinados.25 Recursos públicos esses que são limitados. Logo, é importante que haja muita ponderação no exercício da atividade jurisdicional.
Assim, a atuação do Poder Judiciário na defesa dos direitos sociais é possível e necessária, mas essa atuação deve se dar com a máxima cautela. Nesse sentido, expõe Ingo Wolfgang Sarlet:
“Além disso, assume caráter emergencial uma crescente conscientização por parte dos órgãos do Poder Judiciário, de que não apenas podem como devem zelar pela efetivação dos direitos fundamentais sociais, mas que, ao fazê-lo, haverão de obrar com máxima cautela e responsabilidade, seja ao concederem (seja quando negarem) m direito subjetivo a determinada prestação social, ou mesmo quando declararem a inconstitucionalidade de alguma medida estatal com base na alegação de uma violação de direitos sociais, sem que tal postura, como já esperamos ter logrado fundamentar, venha a implicar necessariamente uma violação do princípio democrático e do princípio da separação dos Poderes.”26
O Supremo Tribunal Federal, em especial, exerce um importante papel na realização dos direitos sociais no exercício da sua função de guardião da Constituição Federal. Essa proteção, em muitos casos, se estabelece através de um instrumento do controle concentrado de constitucionalidade,a arguição de descumprimento de preceito fundamental. 
A arguição de descumprimento de preceito fundamental é disciplinada pelo artigo 102, § º, da Constituição da República Federativa do Brasil e pela Lei 9.882/99 (LGL\1999\144). Esse instrumento poderá ser utilizado quando se pretende evitar ou reparar condutas do Poder Público que possam causar lesão a preceito fundamental da República. 
Logo, trata-se de mecanismo apto a ser utilizado na tutela jurisdicional dos preceitos fundamentais, compostos por regras e princípios jurídicos. 
A arguição de preceito fundamental, assim, trata-se de um meio eficiente para a garantia da concretização dos direitos sociais, por incluir-se no conceito de preceito fundamental. Apesar de parte da doutrina considerar como preceitos fundamentais somente os princípios jurídicos, uma considerável parte das decisões judiciais, inclusive decisões do Supremo Tribunal Federal, como trataremos em seguida, consideram que o conceito de preceito fundamental é aberto, cabendo ser construído pelo Tribunal. 
No entanto, como a afronta aos direitos sociais costuma implicar desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos sociais tendem a ser considerados como preceitos fundamentais pelas decisões judiciais. 
Assim, havendo violação aos direitos sociais, caberá impugnação através de arguição de descumprimento de preceito fundamental a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo analisadas a seguir algumas dessas arguições que envolvem a matéria dos direitos sociais. 
5.1.Constitucionalidade da supressão dos direitos sociais pela perspectiva do Supremo Tribunal Federal
Mostra-se importante a análise da atuação do Supremo Tribunal Federal sobre ações que cuidam dos direitos sociais. Isso, porque a atuação do órgão é uma importante aliada na proteção desses direitos, principalmente diante do fortalecimento do modelo neoliberalista, como pode ser observado na realidade brasileira. Assim, será analisada de que maneira a efetividade dos direitos sociais é influenciada pela atuação do Supremo Tribunal Federal, nosso intérprete constitucional máximo.
Serão analisados casos que foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Mais especificamente, serão analisadas algumas arguições de descumprimento de preceito fundamental, tendo em vista a importância desse instrumento para a garantia da efetividade dos direitos sociais. 
A primeira ação que iremos tratar é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 4527, uma das ações mais emblemáticas sobre a matéria. Essa ação abordou a temática da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em relação às políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. 
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 45 discutia o veto presidencial do § º do artigo 55 (posteriormente renumerado como artigo 59) a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que buscava fixar as diretrizes para a Lei Orçamentária Anual de 2004. O autor sustentava que o veto implicava desrespeito a preceito fundamental decorrente da Emenda Constitucional 29/2000 (LGL\2000\208), preceito que busca garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e nos serviços públicos de saúde. Apesar da ação ter perdido o seu objeto, por ter sido configurada a prejudicialidade do pedido em razão do surgimento de um projeto de lei que restaurava o artigo anteriormente vetado, trata-se de uma ação importante, uma vez que o seu objetivo foi alcançado, ou seja, a ação garantiu o respeito à Emenda Constitucional 29/2000 (LGL\2000\208), impedindo que eventual comprometimento da saúde pública se concretizasse. Ademais, tema importante foi abordado na decisão monocrática final do Ministro Celso de Mello, tratando do dever do Poder Judiciário, mais especificamente do Supremo Tribunal Federal, de agir em casos de ameaça aos direitos sociais: 
“Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais – ue se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. elso de Mello) –, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional.” (STF, ADPF 45/DF, rel. Min. elso de Mello, j. 29.04.2004, DJ 04.05.2004). 
Nota-se que a efetividade dos direitos sociais é prestigiada na decisão analisada. No entanto, o Ministro Celso de Mello deixa claro que a atuação do Poder Judiciário sobre as políticas públicas, apesar de ser possível e, em algumas situações, necessária, não poderá se dar em qualquer caso ou em qualquer momento. O Ministro reconhece a excepcionalidade da atuação do Poder Judiciário na qual ocorre a formulação ou a implementação de políticas públicas, tendo em vista que são funções, a princípio, do Poder Executivo e do Poder Legislativo:
“Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivadas de cláusulas revestidas de conteúdo programático.” (STF, ADPF 45/DF, rel. Min. elso de Mello, j. 29.04.2004, DJ 04.05.2004).
Logo, conclui-se, com a decisão, que o Poder Judiciário poderá e deverá intervir nos casos em que notar-se a falta de efetividade dos direitos sociais, comprometendo a garantia do mínimo existencial e a vida digna dos indivíduos. 
As próximas decisões a serem abordadas serão aquelas que se deram em sede da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 60028. A ação, com pedido de medida cautelar, foi proposta em razão da Emenda à Lei Orgânica 55, de 14 de setembro de 2018, que alterava o artigo 165-A da Lei Fundamental do município de Londrina, proibindo a adoção de conteúdos que adotassem a “ideologia de gênero” nos ambientes escolares. Assim, a norma vedaria a adoção de política educacional que tratasse de gênero, demonstrando clara afronta à liberdade, à tolerância e a vinculação entre a educação e as práticas sociais (artigo 2º da Lei 9.394/96 (LGL\1996\91)). 
A decisão dada em sede de medida liminar do Ministro Luís Roberto Barroso mostrou a importância da atuação do Judiciário na defesa dos direitos sociais, no caso, o direito à educação. Isso, porque decidiu-se pelo deferimento da cautelar, suspendendo os efeitos da Emenda à Lei Orgânica 55, de 14 de setembro de 2018, entendendo-se presente a plausibilidade da inconstitucionalidade material e formal. Logo, a decisão buscou zelar pelo direito a uma educação mais ampla, como justificou o Ministro Luís Roberto Barroso ao qualificar os efeitos da proibição: 
“Trata-se, portanto, de uma proibição que impõe aos educandos o desconhecimento e a ignorância sobre uma dimensão fundamental da experiência humana e que tem, ainda, por consequência, impedir que a educação desempenhe seu papel fundamental de transformação cultural, de promoção da igualdade e da própria proteção integral assegurada pela Constituição às crianças e aos jovens (...).” (STF, ADPF 600/PR rel. Min. oberto Barroso, j. 12.12.2019, DJe 17.12.2019).
Em sessão virtual realizada em 24 de agosto de 2020, o Tribunal Pleno decidiu, por unanimidade de votos, julgar procedente o pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 600, declarando a inconstitucionalidade, tanto formal como material, da Emenda à Lei Orgânica nº 55, do Município de Londrina. De acordo com a decisão, a Emenda comprometeria o acesso dos estudantes a conteúdos relevantes, que são pertinentes à sua vida íntima e social, desrespeitando a doutrina da proteçãointegral. 
A inconstitucionalidade formal da Emenda à Lei Orgânica se daria na medida em que ocorre a violação da competência privativa da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República Federativa do Brasil)  da competência da União para estabelecer normas gerais sobre a educação (artigo 24, §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil), sendo dos Estados e do Distrito Federal a competência suplementar sobre a matéria (artigo 24, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil)  aos Municípios a competência normativa suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (artigo 30, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil), hipótese em que não se enquadra a Emenda à Lei Orgânica nº 55, do Município de Londrina. 
A inconstitucionalidade material da Emenda à Lei Orgânica nº 55 se daria na medida em que ocorre a tentativa de violação do direito à educação, uma vez que, ao vedar a adoção de política educacional que trate de gênero ou de orientação sexual e ao proibir a utilização desses termos, a Emenda interfere nas diretrizes que devem orientar a educação, entre estas: a liberdade de aprender e ensinar (artigo 206, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil e artigo 3º, incisos II , Lei nº 9.394), o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (artigo 206, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil e artigo 3º, incisos III , Lei nº 9.394), o respeito à liberdade e apreço à tolerância (artigo 3º, incisos IV, Lei nº 9.394)  a vinculação entre a educação escolar e as práticas sociais (artigo 3º, incisos XI , Lei nº 9.394), compondo esses elementos uma educação emancipadora. 
Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de assegurar que a educação, direito social previsto pelo artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil, seja exercida buscando o pleno desenvolvimento da pessoa, a sua capacitação para a cidadania, a sua qualificação para o trabalho, bem como para o desenvolvimento humanístico do país. 
Por fim, temos a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental mais recente que será abordada no presente trabalho, a 67229. Trata-se de ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em face de atos omissivos e comissivos do Poder Executivo Federal, praticados na condução de políticas públicas emergenciais voltadas ao combate da crise de saúde pública causada pela pandemia da COVID-19. 
A arguição requeria a concessão de medida cautelar que determinasse ao Presidente da República: o cumprimento do protocolo da Organização Mundial de Saúde sobre adoção de medidas de isolamento social; o respeito a determinações de governadores e prefeitos no que se referia às atividades econômicas e distanciamento social; a não interferência na atuação técnica do Ministério da Saúde, delineada pelas recomendações da Organização Mundial da Saúde; e a implementação imediata de benefícios emergenciais para desempregados, trabalhadores autônomos e informais, e a imediata inclusão no programa Bolsa-Família das famílias que se encontrassem na fila de espera. 
Em 9 de abril de 2020, o pedido da liminar foi parcialmente deferido pelo Ministro Alexandre de Moraes, julgando incabível o pedido de que o Judiciário substitua o juízo discricionário do Executivo e determine ao Presidente da República a realização de medidas administrativas específicas, mas foi reconhecido o pedido no tocante ao exercício da competência concorrente dos governos estaduais e distrital e a competência suplementar dos governos municipais na adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, independentemente da superveniência de ato federal em sentido contrário, sendo determinada a efetiva observância dos artigos 23, incisos II e IX, artigo 24, inciso XII, artigo 30, inciso II e artigo 198, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, na aplicação da Lei 13.979/20 (LGL\2020\1068) e dispositivos conexos. 
Na decisão monocrática de 15 de abril de 2020, o Ministro expôs que o Poder Judiciário não pode substituir o juízo discricionário do Poder Executivo, mas a ele cabe realizar o controle jurisdicional dessas medidas ou omissões discricionárias, ao dizer que:
“Não compete ao Poder Judiciário substituir o juízo de conveniência e oportunidade realizado pelo Presidente da República no exercício de suas competências constitucionais, porém é seu dever constitucional exercer o juízo de verificação da exatidão do exercício dessa discricionariedade executiva perante a constitucionalidade das medidas tomadas, verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica da decisão com as situações concretas. Se ausente a coerência, as medidas estarão viciadas por infringência ao ordenamento jurídico constitucional e, mais especificamente, ao princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos que impede o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que se converta em causa de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias.” (STF, ADPF 672/DF, rel. Min. lexandre de Moraes, j. 08.04.2020; DJe 15.04.2020)
Ainda na mesma decisão monocrática, decidiu-se pela possibilidade de utilização preventiva da arguição de descumprimento de preceito fundamental, uma vez que a presente ação buscava evitar condutas do Poder Público que pudessem colocar em risco os preceitos fundamentais da República, no caso a proteção à saúde, direito social fundamental, e o respeito ao federalismo e suas regras de distribuição de competências. Sendo assim, as medidas e omissões realizadas pelo Presidente da República seriam passíveis de controle jurisdicional, inclusive de maneira preventiva por meio do instrumento da arguição de descumprimento de preceito fundamental. A possibilidade desse controle se fundamenta na vinculação das autoridades ao império constitucional, devendo obediência ao Direito e respeito e efetividade aos direitos fundamentais. 
Em seguida, em 13 de outubro de 2020, em sessão virtual do Plenário, ficou decidido, por unanimidade, pela confirmação da medida cautelar e pela procedência em parte dos pedidos formulados na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672, buscando assegurar a observância do artigo 23, incisos II e IX (existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios); do artigo 24, inciso XII (competência concorrente entre União e Estados e o Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde); do artigo 30, inciso II (possibilidade de os Municípios suplementarem a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local); e do artigo 198 (descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde), todos da Constituição da República Federativa do Brasil. Essas regras constitucionais deverão ser respeitadas na interpretação e aplicação da Lei nº 13.979/20 (LGL\2020\1068) e dispositivos conexos, reconhecendo e assegurando o exercício da competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, sem prejuízo da competência geral da União para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal buscou garantir a proteção, principalmente, à saúde pública, que se encontra fragilizada, atravessando uma crise causada pela pandemia do Coronavírus. Essa crise só poderá ser superada por meio da adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis que busquem fornecer apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde, sendo assim, o Supremo Tribunal Federal agiu no sentido de não permitir o prejuízo à efetividade de políticas públicas que buscam proteger a saúde e outros direitos sociaisconstitucionalmente assegurados, garantidores do bem-estar da sociedade. No caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, essa proteção se deu por meio da salvaguarda da margem de atuação dos Estados, Distrito Federal e Municípios, que, assim como a União, possuem competência em matéria de proteção à saúde, podendo realizar a delimitação das medidas sanitárias que, técnica e cientificamente, sejam mais adequadas e eficazes para os seus respectivos territórios. 
A partir dessa ação mais recente, ficou demonstrada a importância da atuação do Poder Judiciário na defesa dos direitos sociais (no caso, envolvendo inúmeros riscos sociais, entre eles o risco à saúde pública), até mesmo em casos extremos, como o ocasionado pela pandemia da COVID-19. 
Conclusão
Feitas as devidas considerações e exposições, não podemos deixar de oferecer uma conclusão sobre o tema, ainda que sucinta.
Pela análise, buscou-se abordar a importância do ativismo judicial no que se refere à proteção dos direitos sociais. Isso porque, com a ascensão do modelo neoliberalista, os direitos sociais tendem a ser prejudicados, uma vez que se prioriza a proteção dos direitos civis. Podemos observar certos ataques aos direitos sociais, tanto do ponto de vista da previsão desses direitos, como da sua efetividade, tendo em vista a deficiência na implementação de políticas públicas sociais. Assim, podemos perceber um movimento que acaba minando a força dos direitos sociais para favorecer o capital. 
Nesse cenário, as instituições estatais se mostram importantes na garantia da proteção e efetividade desses direitos. Entre essas instituições, podemos citar o Supremo Tribunal Federal, que se vale de um importante instrumento para isso, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 
Assim, foram estudadas algumas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental julgadas pelo Supremo Tribunal Federal que tratam da proteção dos direitos sociais. 
Apesar da garantia da efetividade dos direitos sociais tratar-se, a princípio, de uma responsabilidade governamental, a atuação do Poder Judiciário se mostra necessária em alguns casos. Isso, porque nos casos em que o Poder Executivo e o Poder Legislativo falharem na sua atuação perante a proteção e garantia dos direitos sociais (seja através da inércia, seja da atuação indevida), o Poder Judiciário terá legitimidade para intervir, garantindo a efetividade desses direitos. 
Nos casos abordados, o Supremo Tribunal Federal mostrou exercer esse importante papel, garantindo não somente a efetividade de direitos sociais, mas a dignidade da pessoa humana. O órgão traça parâmetros sem avançar em uma definição clara de Estado mínimo. No entanto, há traços de preocupação com a perda dos direitos sociais em razão de interesses econômicos que acabam por cercear o bem-estar da sociedade. 
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1 .SILVA, Enio Moraes da Silva. O Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 67, jul.-set. 005. p. 18-219. 
 
2 .BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Democracia, estado social e reforma gerencial. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 0, n. , jan.-mar. 2010. 
 
3 .SILVA, Enio Moraes da Silva. O Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 67, jul.-set. 005. p. 23.
 
4 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 1. 
 
5 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 5.
 
6 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 7. 
 
7 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 9. 
 
8 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 5.
 
9 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 1.
 
10 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 2.
 
11 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 4.
 
12 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009.p. 5.
 
13 .PIOVESAN, Flávia. Proteção dos direitos sociais: desafios do ius commune sul-americano. Rev. ST, Brasília, v. 7, n. , out.-dez. 2011. p. 13.
 
14 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 6.
 
15 .NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 1.
 
16 .PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos no Brasil: desafios e perspectivas. Araucaria – evista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades, Sevilla, v. , n. 5, abr. 2006. p. 30.
 
17 .HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 2.
 
18 .HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 5-76.
 
19 .HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 5. 
 
20 .HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008, p. 6.
 
21 .DRAIBE, Sônia M. As políticas sociais e o neoliberalismo. Reflexões suscitadas pelas experiências latino-americanas. Revista da USP, São Paulo, n. 7, mar.-maio 1993. p. 0.
 
22 .PIOVESAN, Flávia. Proteção dos direitos sociais: desafios do ius commune sul-americano. Rev. ST, Brasília, v. 7, n. , out.-dez. 2011. p. 14-115. 
 
23 .PIOVESAN, Flávia. Proteção dos direitos sociais: desafios do ius commune sul-americano. Rev. ST, Brasília, v. 7, n. , out.-dez. 2011. p. 09. 
 
24 .SILVA, Luis Virgilio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e o obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 89.
 
25 .SILVA, Luis Virgilio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e o obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 90.
 
26 .SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. 20 anos do Constitucionalismo Democrático –  Agora? Porto Alegre/Belo Horizonte, 2008. p. 88-189.
 
27 .Cita-se a ementa do julgado emblemático: “Argüição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da “reserva do possível”. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)” (STF, ADPF 45/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Data de Julgamento: 29/04/2004, Data de Publicação: 04/05/2004).
 
28 .Ementa: “DIREITO À EDUCAÇÃO. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. LEI MUNICIPAL QUE VEDA O ENSINO SOBRE GÊNERO, BEM COMO A UTILIZAÇÃO DO CONCEITO NAS ESCOLAS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Violação à competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/88 (LGL\1988\3), art. 2, XXIV), bem como à competência deste mesmo ente para estabelecer normas gerais em matéria de educação (CF/88 (LGL\1988\3), art. 4, IX). Inobservância dos limites da competência normativa suplementar municipal (CF/88 (LGL\1988\3), art. 0, II). 2. Supressão de domínio do saber do universo escolar. Desrespeito ao direito à educação com o alcance pleno e emancipatório que lhe confere a Constituição. Dever do Estado de assegurar um ensino plural, que prepare os indivíduos para a vida em sociedade. Violação à liberdade de ensinar e de aprender (CF/88 (LGL\1988\3), arts. 05, art. 06, II, III, V, e art. 14). 3. Comprometimento do papel transformador da educação. Utilização do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade. Violação do direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e perpetuação de estigmas (CF/88 (LGL\1988\3), art. º, III, e art. º). 4. Violação ao princípio da proteção integral. Importância da educação sobre diversidade sexual para crianças, adolescentes e jovens. Indivíduos especialmente vulneráveis que podem desenvolver identidades de gênero e orientação sexual divergentes do padrão culturalmente naturalizado. Dever do estado de mantê-los a salvo de toda forma de discriminação e opressão. Regime constitucional especialmente protetivo (CF/88 (LGL\1988\3), art. 77). 5. Declaração de inconstitucionalidade da Emenda à Lei Orgânica nº 55, de 14 de setembro de 2018, do Município de Londrina. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente.” (STF, ADPF 600/PR, Relator: Ministro Roberto Barroso, Data de Julgamento: 24/08/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 22/09/2020).
 
29 .Ementa: “CONSTITUCIONAL. PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). RESPEITO AO FEDERALISMO. LEI FEDERAL 13.979/2020. MEDIDAS SANITÁRIAS DE CONTENÇÃO À DISSEMINAÇÃO DO VÍRUS. ISOLAMENTO SOCIAL. PROTEÇÃO À SAÚDE, SEGURANÇA SANITÁRIA E EPIDEMIOLÓGICA. COMPETÊNCIAS COMUNS E CONCORRENTES E RESPEITO AO PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE (ARTS. 23, II, 24, XII, E 25, § º, DA CF (LGL\1988\3)). COMPETÊNCIAS DOS ESTADOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PREVISTAS EM LEI FEDERAL. ARGUIÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Proposta de conversão de referendo de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, considerando a existência de precedentes da CORTE quanto à matéria de fundo e a instrução dos autos, nos termos do art. 2 da Lei 9.868/1999 (LGL\1999\138). 2. A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) xige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde, sempre com o absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais valorizados, evitando-se o exacerbamento de quaisquer personalismos prejudiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia de COVID-19. 3. Em relação à saúde e assistência pública, a Constituição Federal consagra a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 3, II e IX, da CF (LGL\1988\3)), bem como prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 4, XII, da CF (LGL\1988\3)), permitindo aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 0, II, da CF (LGL\1988\3)); e prescrevendo ainda a descentralização político administrativa do Sistema de Saúde (art. 98, CF (LGL\1988\3), e art. º da Lei 8.080/1990 (LGL\1990\41)), com a consequente descentralização da execução de serviços, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. º, I, da Lei 8.080/1990 (LGL\1990\41)). 4. O Poder Executivo federal exerce o papel de ente centralno planejamento e coordenação das ações governamentais em prol da saúde pública, mas nem por isso pode afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotem medidas sanitárias previstas na Lei 13.979/2020 (LGL\2020\1068) no âmbito de seus respectivos territórios, como a imposição de distanciamento ou isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, sem prejuízo do exame da validade formal e material de cada ato normativo específico estadual, distrital ou municipal editado nesse contexto pela autoridade jurisdicional competente. 5. Arguição julgada parcialmente procedente.” (STF, ADPF 672/DF, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 13/10/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 29/10/2020).

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