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DOENÇA RENAL CRÔNICA I

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DOENÇA RENAL CRÔNICA I
SBCMC I - 2021.1
Nefrologia
DEFINIÇÃO: DOENÇA RENAL CRÔNICA
Lesão renal por 03 meses ou mais, definida por anormalidades estruturais ou funcionais dos rins
com ou sem aumento da TFG, manifestada por anormalidade patológicas ou marcadores de lesão
renal, incluindo anormalidades na composição do sangue ou da urina ou em exames de imagem.
OU
TFG < 60 mL durante 03 meses ou mais, com ou sem a presença dos marcadores de lesão renal.
FISIOPATOLOGIA
Teoria do Néfron Intacto:
● Primeiramente, temos uma doença renal de base que leva à destruição dos néfrons -
diabetes e HAS, por exemplo.
● Essa destruição é gradual, e leva a um acúmulo de substâncias na circulação, as quais em
situações normais seriam excretadas.
● O acúmulo dessas substâncias faz com que os néfrons saudáveis sofram uma hipertrofia
para conseguir eliminá-las - pela hipertrofia, ocorre um aumento da carga excretora pelos
néfrons remanescentes.
● Então temos um aumento da TFG por néfron - pela ação das prostaglandinas, ocorre uma
diminuição da resistência arteriolar, principalmente das arteríolas aferentes que sofrem
uma vasodilatação, então entra mais sangue no glomérulo → aumento da pressão no
capilar glomerular = aumento da TFG.
**Obs: “néfron intacto” não é um nome adequado, porque os néfrons afetados também contribuem
para a manutenção da função renal.
Trade-off Mecanismo:
● O gráfico mostra a fração de excreção de qualquer soluto em porcentagem X a taxa de
filtração glomerular por néfron.
● Veja que com 100% da TFG um néfron trabalha menos de 20%. A partir do momento que
há uma queda da TFG, há um aumento na contribuição do néfron na excreção de solutos,
que começa a trabalhar com quase 100% de sua capacidade.
● Então conforme a TFG diminui, a contribuição do néfron para a excreção de qualquer
soluto aumenta.
DESCRIÇÃO DO RIM
Macroscópica: rim com aparência diminuída em tamanho com superfície de aspecto glomerular
em relação ao rim normal.
Microscópica: histologicamente, o tecido glomerular é substituído por tecido amorfo, os túbulos
ficam totalmente esclerosados, atrofiados e sem função.
**Obs: a evolução da DRC é mais lenta, consequentemente, as alterações no rim também são,
por isso é que é tão comum que o paciente passe longos períodos sem apresentar nenhum
sintoma.
CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO
Qualquer um dos seguintes, presentes por > 3 meses - marcadores de lesão renal (1 ou +):
● Albuminúria
○ > 30 mg/24h (urina 24h) ou Relação albumina/creatinina > 30 mg/g
● Anormalidades no sedimento urinários (cilindros hemáticos ou granulosos, hematúria)
● Distúrbios eletrolíticos e outros devido a lesões tubulares
● Anormalidades detectadas por exame histológico (biópsia)
● Anormalidades estruturais detectadas por exame de imagem
○ Rim ectópico
○ Estenose de JUPE
○ Cistos ou cálculos de repetição
● História de transplante renal (doador ou receptor - rim único)
● TFG diminuída < 60 mL/min/1,73 m²
FATORES DE RISCO
São fatores de risco tanto para o desenvolvimento quanto para o agravamento da DRC.
01. Causa da DRC
02. Estágio da DRC
03. Nível de albuminúria
04. Idade - principalmente > 65 anos (e tem aumentado com aumento da expectativa de vida)
05. Para cada paciente que faz diálise, existem 10 pacientes com DRC não dialíticos
06. A faixa etária mais acometida é > 65 anos
07. Sexo - maior risco para o sexo masculino
08. Obesidade
09. Raça - mais incidência em negros
10. Descontrole pressórico
11. Descontrole glicêmico
12. Dislipidemia - principalmente nas dislipidemias familiares
13. Tabagismo - aumento da atividade inflamatória
14. História de DCV - valvulopatias (febre reumática na infância)
15. Exposição a agentes nefrotóxicos - uso abusivo de AINES, contrastes…
Causas da DRC:
1. HAS
2. DM
3. Glomerulonefrites primárias
4. Doença renal policística
5. Litíase de repetição (doença litiásica)
6. Outras doenças
Estágio da DRC:
● São divididos de acordo com a TFG - é calculada pela creatinina
● Equação de Cockcroft-Gault: (está em desuso, hoje só é usada quando não tem como aplicar outros métodos)
● Atualmente, faz-se uso de outros métodos.
● Método MDRD:
○ Clearance:
■ Estágio 1: > 90 mL/min ou presença de algum dos marcadores
■ Estágio 2: 60-80 mL/min
■ Estágio 3a: 45-59 mL/min
■ Estágio 3b: 30-44 mL/min
■ Estágio 4: 15-29 mL/min
■ Estágio 5: < 15mL/min - falência renal (pré-dialítico)
● Podemos falar de um estágio 5b onde o paciente já é dialítico
○ Albuminúria:
■ Estágio A: < 30 mg/24h
■ Estágio B : 30 - 300 mg/24h
■ Estágio 3: > 300 mg/24h
○ Então faz-se uma relação entre o Clearance e a Albuminúria para determinar a
gravidade da DRC:
DIAGNÓSTICO
O paciente chega com creatinina e o clearance alterados, é um paciente agudo ou crônico?
História Clínica:
● Paciente com doença de base
● Profissão - caminhoneiro é profissão de risco, porque não cuida da saúde nas estradas
● Precisa analisar o fatores de risco no geral
● Nos casos agudos, o paciente provavelmente vai vir de uma infecção primária com
desidratação (diarreia, vômito)
Exames Laboratoriais:
● O paciente renal crônico não tratado chega com anemia normo/normo
○ O agudo não tem anemia, a não ser que tenha alguma outra doença.
● Aumento de Fósforo e diminuição de Cálcio no sangue
● Acidose metabólica compensada no crônico e descompensada no agudo
Exames de Imagem - US de Rim e Vias Urinárias:
● Perda da diferenciação corticomedular
● Rins diminuídos
● Alterações císticas
○ O rim atinge um grau de deformidade que leva ao aparecimento de cistos
■ Não é a doença policística desde a infância, é cisto de DRC
● Diagnóstico: 01 dos achados com cistos, os 03 achados ou rim muito diminuído.
COMPLICAÇÕES NA DRC - ANEMIA:
● É a principal consequência hematológica da DRC
● O paciente tem limitação física e astenia, geralmente é até por isso que o paciente busca
atendimento
○ A gente precisa ser perspicaz, ficar atento aos fatores de risco e investigar a causa
dessa anemia, solicitar dosagem de creatinina, porque a DRC em si é
assintomática por muito tempo → diante de um paciente com fatores de risco e
anemia a gente PRECISA solicitar creatinina
● A anemia associada à DRC aumenta muito a morbidade vascular
Quando a anemia aparece?
● Homens: a partir do clearance 75 mL/min - muito precocemente
○ O paciente é totalmente assintomático e já tem um déficit de eritropoetina
importante
● Mulheres: começa a aparecer a partir 45 mL/min
Diagnóstico:
● Avaliação - quais exames solicitar?
○ Hb completo
○ Reticulócitos
○ Perfil do ferro (IST e Ferritina)
○ Excluir outras causas que não a DRC
● Níveis de Hemoglobina:
○ Homens: Hb < 13
○ Mulheres: Hb < 12
Por que a anemia ocorre na DRC?
São várias causas:
● Deficiência de eritropoetina:
○ EPO é um hormônio renal que estimula a produção de eritrócitos na medula óssea
○ Como o rim atrofia, vai diminuir a produção da eritropoetina
● Uremia diminuindo a eritropoese
○ A ureia elevada diminui a eritropoese
○ Essa elevação da ureia se deve ao estado inflamatório característico da DRC → as
doenças crônicas geram um aumento da liberação de interleucinas, estimulam o
sistema imune a produzir TNF, e ativam vários outros mecanismos que levam à
formação de partículas proteicas que acabam estimulando a cascata inflamatória,
determinando o estado inflamatório
○ Como há aumento da concentração de proteínas no sangue pelo próprio estado
inflamatório, vai haver um aumento da degradação das mesmas, que tem como
produto a ureia.
● Sobrevida da hemácia menor
○ A hemácia produzida no meio inflamatório tem vida média de menos de 60 dias,
enquanto em estado normal são 120 dias.
● Deficiência de ferro absoluta ou relativa
○ O paciente, pelo aumento da ureia, tem uma perda do apetite generalizada ou
seletiva - não quer ingerir carnes e outros alimentos ricos em fósforo, gerando a
deficiência absoluta de ferro.;
○ Com relação à deficiência relativa, quanto mais inflamado o meio, maior a
deficiência → o paciente tem estoque de ferro íntegro, mas não consegue
mobilizar, então o ferro fica ali inutilizável.● Toxicidade pelo alumínio, PTh aumentado e transfusões múltiplas
○ A toxicidade pelo alumínio é uma consequência da diálise
○ O PTh aumentado gera uma fibrose medular que diminui a eritropoiese
○ A submissão a múltiplas transfusões pode gerar anticorpos contra o sangue
externo, o que mantém o paciente em anemia.
● Perdas sanguíneas repetidas
○ Pelo circuito da hemodiálise, o paciente pode ter perda de 30 a 50 mL de sangue
por sessão.
○ Deficiência de folato e vit B12 - o paciente tem problemas com alimentação e pela
diálise vai perder muitas vitaminas
Eritropoetina (EPO):
● A produção é 90% renal e 10% hepática
● O estímulo para a produção da EPO é a concentração de O2:
○ Se o nível de O2 cai, há um aumento da produção de EPO que vai atuar na medula
óssea, aumentando o número de hemácias e, consequentemente, o nível de O2.
● Se mesmo complementando a EPO o paciente permanece em anemia, a gente precisa
pensar em outras causas.
Deficiência de Ferro:
● Deficiência absoluta por má absorção secundária à uremia (inapetência)
● Deficiência funcional em estados inflamatórios aumento dos estoques - ferritina
● Hepcidina - peptídeo de produção hepática:
○ Toda vez que temos uma patologia crônica, não necessariamente renal, vai haver
um aumento da hepcidina, o que é ruim para os estoques de ferro
○ A hepcidina aumentada contribui para o “aprisionamento” do ferro na ferritina, o que
inibe a distribuição do ferro para o organismo.
○ Em estados normais, a hepcidina se liga à ferroportina e regula a absorção de ferro
no duodeno e sua liberação para as células de estoque
● O aumento da concentração da hepcidina na DRC é atribuído não só a diminuição de
excreção renal, mas também ao aumento de sua síntese em resposta à presença de
inflamação, sendo a hepcidina o elo entre a inflamação e os distúrbios do metabolismo do
ferro nessa população.
● Diagnóstico:
○ Ferritina entre 100-500 mg/dl no não dialítico e 200-500 mg/dl no dialítico OU
○ IST > 20%
● Tratamento:
○ Reposição de Ferro EV
COMPLICAÇÕES DA DRC - DISTÚRBIO MINERAL E ÓSSEO
● É uma complicação muito importante, pois a depender do distúrbio mineral e ósseo, a
gente tem a principal causa de mortalidade da DRC, que é a doença cardiovascular
● Calcifilaxia: acúmulo de cálcio no tecido subcutâneo e arteríolas → isquemia tecidual
devido à obliteração por cálcio fora do osso → 90% de mortalidade
● Aumento do PTH - hiperparatireoidismo (fácies leonina)
Fisiopatologia:
● O rim diminuído, pela DRC, para de produzir eritropoietina e calcitriol (vitamina D ativa), e
passa a excretar menos fósforo.
● Pela redução da excreção de fósforo, sua concentração aumenta no sangue. Ocorre que o
fósforo tem afinidade por Cálcio, então vai haver a formação de uma molécula Ca+P a qual
fica livre na circulação.
● Concomitantemente, há a diminuição do calcitriol, que tem como função estimular a
absorção de cálcio no intestino. Logo, vai haver menor absorção de cálcio.
○ Então temos: cálcio ligado ao fósforo e falta de absorção intestinal
● Vai haver então uma estimulação da paratireóide, que entende que tem pouco cálcio no
sangue, e aumenta a produção de PTH.
● O PTH age nos ossos, estimulando a reabsorção óssea com o objetivo de aumentar a
disponibilidade de cálcio.
● Com isso, temos 02 problemas:
○ Alterações ósseas: osteoporose, osteopenia e fraturas espontâneas pela falta de
cálcio nos ossos.
○ Deposição de cálcio de forma inadequada: o entendimento de que há baixa
concentração de cálcio no sangue não é tão verdadeiro, porque na realidade há
cálcio no sangue, mas ele não está livre e sim em sua forma química associado ao
fósforo, como o PTH vai estimular a reabsorção, começa a haver um aumento
muito acentuado das concentrações de cálcio no sangue, e ele vai se depositar em
tecidos onde não deveria formando calcificações, principalmente subcutâneas e
vasculares.
■ Calcificação das artérias → morte súbita → é a causa de grande parcela
das mortes relacionadas à DRC
Tratamento:
● Dieta com baixa ingestão de fósforo
● Medicamentos - Quelantes de Fósforo: se unem ao fósforo e faz ele ser excretado nas
fezes
○ Carbonato de Cálcio: apesar de ser muito bom, é cálcio, então uma parcela vai ser
dissolvida e se depositar.
○ Sevelamer: é um quelante de Fósforo sem cálcio, o problema é que a dose precisa
ser muito grande então causa problema gastrointestinal e a tolerância é baixa.
○ Calcitriol: vitamina D ativa - propicia um aumento da absorção do cálcio e diminui o
PTH
○ Cinacalcete: é um calcimimético - engana a paratireóide ao se ligar aos receptores,
diminuindo a secreção de PTH.
○ Paratireoidectomia (em último caso)
TRATAMENTO CONSERVADOR PARA A DRC
● É o tratamento ambulatorial enquanto o paciente não precisa hemodiálise
Níveis de Prevenção:
● Primária: previne o desenvolvimento da DRC
● Secundária: previne as complicações da DRC
● Terciária: previne o óbito precoce
Tratamento - Estágio I: clearance maior que 90 ml/min e marcadores de lesão renal
● Tratamento das doenças de base e educação em saúde:
● Hipertensão:
○ IECA/BRA sempre, porque tem efeito nefroprotetor - diminui a fibrose e a
destruição do endotélio
○ PA alvo:
■ Paciente > 60 anos: 180 x 90 mmHg
■ Pacientes proteinúricos: < 130 x 80 mmHg
● Diabetes:
○ Manter Hb glicada sempre abaixo de 7
○ A Metformina deve ser suspensa para pacientes com Clearance < 90 ml/min
Tratamento - Estágio II:
● Todas as medidas anteriores +
● Suspender o uso de antiinflamatórios
● Orientar cuidados especiais com doenças causadoras de desidratação (diarreia, vômito,
viroses no geral)
● Orientar sobre o uso de contraste em exames de imagem → nefropatia por contrastes
Tratamento - Estágio IIIa:
● Todas as medidas anteriores +
● Dieta hipoproteica → diminuir queixas urêmicas
● Mantém os IECA com atenção para a hipercalemia, que é um dos efeitos colaterais
● Tratar a dislipidemia se houver
● Exames de 06 em 06 meses
Tratamento - Estágio IIIb:
● Todas as anteriores +
● Encaminhamento para o nefrologista
○ Vai intervir com relação aos efeitos da DRC
● Nesse momento, já podemos começar a investigação de anemia
● Com relação ao metabolismo: meta 22 de bicarbonato
● Observar a hipercalemia - iniciar diuréticos e se for preciso pode suspender IECA
Tratamento - Estágio IV:
● O paciente já está em cuidado com especialista
● Começa a se pensar em terapia substitutiva renal
● Se o paciente possuir um doador vivo é possível transplantar antes de iniciar a diálise
○ Transplante Preemptivo
● Tratamento de anemia e outras possíveis consequências
● Investigação cardiológica
Tratamento - Estágio V: clearence < 15 ml/min
● Paciente pré-dialítico
● Indicações absolutas para diálise:
○ Síndrome urêmica
○ Hipercalemia refratária
○ Acidose refratária
○ Hipervolemia refratária
● Indicações relativas para diálise:
○ Desnutrição intensa
○ Necessidade de realizar algum procedimento (ex: cateterismo)
TRATAMENTO INVASIVO PARA DRC
Hemodiálise:
● Fístula
● O sangue sai e passa por uma membrana artificial de filtração e volta
Diálise Peritoneal:
● É usado o próprio peritônio do paciente como membrana de filtração
Transplante Renal:
● Mesmo transplantado, o paciente ainda é considerado doente renal, pois tem 01 rim só e
fica em tratamento contínuo
● No transplante, o rim é colocado bem anteriormente na cavidade abdominal, o que facilita
a palpação e futuras biópsias renais.
● O paciente fica com 03 rins, pois o rim doente não é retirado.

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