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Ambulatório de pediatria - diarreia aguda

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PED2 Diarreia aguda 1
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PED2- Diarreia aguda
Definição
Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou líquidas com 
uma frequência igual ou maior a três vezes por dia e duração de até 14 dias. 
Entretanto, neonatos e lactentes, em aleitamento materno exclusivo, podem 
apresentar esse padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia 
aguda.
Etiologia
As causas mais comuns de diarreia aguda podem ser dividas em infecciosas 
(viral, bacteriana ou parasitária), intoxicação (alimentar ou medicamentosa) e a 
colite pseudomembranosa. 
Dentre as causas infecciosas, as por bactérias e parasitas são mais 
prevalentes em países em desenvolvimento (alô Brasil) e têm seu pico de 
incidência em estações chuvosas e quentes, sendo os principais parasitas 
envolvidos: Cryptosporidium parvum, Entamoeba histolytica e Cyclospora 
cayetanensis.
Contudo, no contexto mundial, os vírus são os principais causadores da 
diarreia infecciosa, sendo as classes dos rotavírus, calicivírus, dos astrovírus e 
dos adenovírus entéricos grandes responsáveis.
PED2 Diarreia aguda 2
Fisiopatologia
Para que ocorra a diarreia infecciosa, é necessário que os microorganismos 
perpassem por uma barreia composta pelo pH ácido do estômago, flora 
bacteriana normal, peristaltismo intestinal, mucinas (glicoproteínas protetoras 
de mucosas), fatores antimicrobianos (lactoferrina, lisozimas) e o sistema 
imune entérico, sendo este percurso comum a todos os agentes patógenos. 
Depois disso, os microorganismos exercem seu fator de virulência sob a 
parede da mucosa, podendo ser pela produção da enterotoxina, citotoxina e 
lesão da mucosa. A partir disso, podem ocorrer quatro mecanismos para o 
aparecimento da diarreia (osmótico, secretor, inflamatório e de alteração da 
motilidade), sendo possível também a apresentação de mais de um destes 
mecanismos.
A diarreia osmótica predomina nos casos virais. O rotavírus causa lesões 
focais, com infecção das células vilositárias apicais, que ocasionam em 
destruição desses enterócitos. Com isso, a reposição dessas células 
destruídas por células imaturas, o que reduz a capacidade de absorção dos 
carboidratos (principalmente lactose) e diminuição da velocidade enzimática. 
Esses açúcares não digeridos na luz intestinal aumentam a pressão osmótica, 
determinando uma maior passagem de água e eletrólitos para o espaço 
intralumial. Esse tipo de diarréia caracteriza-se pela expulsão de fezes líquidas 
e volumosas, amareladas, com caráter explosivo e com grande perda 
hidroeletrolítica. Nesses casos, os vômitos são frequentes e precoces, em 80% 
a 90% precedendo a diarreia e causando desidratação, principalmente em 
lactentes, sendo essa a maior necessidade de atenção. Pode ocorrer febre 
alta, sendo vista em aproximadamente metade dos casos.
A diarreia secretora caracteriza-se por ação de enterotoxinas que estimulam 
os mediadores da secreção, a AMPc, o GMPc e o íon cálcio, levando a 
diminuição da absorção de água e íons e a secreção ativa pelas criptas. Nesse 
tipo de diarréia há poucos sintomas sistêmicos, com febre ausente ou baixa, e 
os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação desse 
caso.
A diarreia inflamatória é causada por patógenos que invadem a mucosa do 
intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou 
sistêmica, dependendo da extensão da injúria.
O quadro clínico geral desse tipo de diarreia é febre, mal-estar, vômitos, dor 
abdominal do tipo cólica e diarréia desentérica, com fezes contendo sangue, 
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muco e leucóticos.
💣💣💣 Não Confundir!!!
Incontinência fecal é quando há eliminação involuntária de conteúdo 
retal (distúrbios neuromusculares ou problemas estruturais anorretais);
Pseudodiarreia é a eliminação frequente de pequeno volume de fezes, 
geralmente acompanhada de urgência, principalmente em doenças 
anorretais (proctite);
Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucócitos nas 
fezes.
De maneira geral, a principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, 
que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidroeletrolítico e 
acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de 1 ano 
são as mais vulneráveis. Nas populações mais carentes, a diarreia aguda pode 
ser um fator determinante ou agravante da desnutrição, que por sua vez 
aumenta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de 
antibióticos.
💣💣💣 Sinais de alarme na 
diarreia
Investigar e internar pacientes 
com diarreia por mais de 7 dias 
ou com:
D - Diarreia sanguinolenta
I - Instabilidade 
hemodinâmica
I - Incapacidade de ingerir 
líquidos
I - Imunocomprometidos
V - Vômitos persistentes
💣💣💣 Sinais de desidratação
Mneumônico RRPPPP
R - Redução da diurese
R - Ressecamento de 
mucosas
P - Pulso
P - Pressão arterial
P - Turgor da pele
P - Formação de prega 
cutânea
Como diagnosticar o causador da diarréia?
Primeiramente, deve pensar na causa alimentar: consumo de alimentos com 
manipulação ou armazenamento suspeito. Caso for positivo, atentar-se ao 
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tempo de apresentação de sintomas pós-exposição, em três grupos: 
aparecimento em menos de 8 horas; sintomas 23 dias pós exposição ou 
sintomas após 7 dias de exposição.
Caso haja o consumo de alimentos suspeitos e os sintomas se apresentem 
numa janela de tempo curta (menos de 8 horas) o diagnóstico provável é de 
Estafiloenterotoxemia.
Caso ainda haja o consumo de alimentos suspeitos, mas os sintomas apareçam 
após 23 dias da exposição, suspeita-se de Salmonelose, Campylobacter 
jejuni, diarreia do viajante (caso tenha uma viagem recente) ou rotavírus (em 
casos que a criança não foi imunizada + diarreia aquosa, vômitos e febre por 3
9 dias).
Pode também, vir a ter um aparecimento de sintomas atrasado, que após 7 
dias da exposição é indicativo de Giardíase.
Caso não haja consumo de alimentos suspeitos previamente, deve-se 
pesquisar acerca do uso de ATB nos últimos 3 meses. Caso seja positivo, 
dosar toxinas do Clostridium difficile nas fezes, direcionando para a Colite 
pseudomembranosa* se positivo, e caso negativo suspeitar da diarreia 
medicamentosa.
Caso o uso de ATB nos últimos 3 meses seja negado, deve-se pensar em 
pseudoapendicite (quando há dor abdominal no QID acentuada à compressão) 
ou Síndrome hemolítico-urêmica (quando há outros sinais de infecção: febre, 
leucocitose, taquicardia, taquipneia, mialgia ou diarréia com sangue/muco + 
investigar diarreia infecciosa, solicitando parasitológico de fezes, hemograma e 
sorologias + evolução com insuficiência renal aguda, trombocitopenia e anemia 
hemolítica).
Estafiloenterotoxemia
Staphylococcus aureus são bactérias esféricas, gram positivo, que produzem 
enterotoxinas. Essas podem ser depositadas nos alimentos, principalmente 
através de lesões e ferimentos nas mãos de manipuladores de alimentos. Essa 
doença pode ser associada ao consumo de laticínios, carnes, ovos e saladas 
em restaurantes ou refeitórios. Não há transmissão entre pessoas pq é uma 
toxina somente. A apresentação típica inclui início abrupto dos sintomas 16h 
após contaminação): diarreia, náuseas, vômitos e cólicas. Pode complicar com 
desidratação, cefaleia e dores musculares. A conduta nesses casos é aumentar 
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a ingesta de líquidos, controle de náuseas e vômitos com antieméticos, 
reposição hidroeletrolítica caso necessário.
Salmonelose não tifoide
São bacilos gram negativos que fazem a fermentação de glicose, maltose e 
manitol. A Salmonella enteridis é a principal responsável pela diarreia aguda 
inflamatória súbita. Ocorrem fezes aquosas de coloração esverdeada com 
muco e, por vezes, com sangue, além de náuseas, vômitos, anorexia e mal 
estar. Suas complicações mais graves incluem risco de bacteremia, 
hiponatremia grave decorrente da secreção inadequada do ADH, síndrome 
perdedora de proteínas associada a anorexia. Sua ocorrência é associada a 
ingestão de aves, ovos e produtos lácteos, principalmentenão cozidos. A 
cultura de fezes deve ser feita, mais de uma vez e indentificar hemácias e 
leucócitos polimorfonucleares nas fezes. A conduta consiste na hidratação 
oral, não sendo recomendado o uso de ATB. Quando se trata de recém-
nascidos, maiores de 50 anos, com SIDA ou outra imunodeficiências, a doença 
pode ser muito grave e ter ATB Ciprofloxacina 500mg 12/12 por 3 dias.
Campylobacter jejuni
São gram-negativos e não-formadores de esporos. Não fermentam ou oxidam 
açúcares, obtendo energia através de aminoácidos e produtos intermediários 
do ciclo de krebs. É mais comum em crianças e jovens adultos, mas pode 
atingir todas as faixas etárias. Disseminada mundialmente, é associada ao 
consumo de carnes, principalmente quando mal manipuladas. Pode-se 
apresentar como diarreia aquosa, não sanguinolenta e não inflamatória ou 
diarreia gravemente inflamatória, com dor abdominal e febre que dura de 2 a 3 
dias. A dor aparece em cólicas, algumas horas ou dias após o inicio dos 
sintomas. Pode complicar com artrites e simular pseudoapendicite. Nessa 
doença o diagnóstico é pelo parasitológico de fezes e coprocultura. A conduta 
nesses casos é hidratação e se necessário eritromicina.
Diarreia do viajante
É causada mais frequentemente pela Eschirichia coli enterotoxigência ou 
enteroagregante além da Campylobacter, Shigella, norovírus, Salmonella, entre 
outros. A infecção por E. coli possui uma evolução bifásica, iniciando-se com 
diarreia aquosa e passando a ser sanguinolenta sem muco ou leucócitos. É 
comum após retorno de viagens, geralmente no terceiro dia . Ela é limitada, 
com uma duração de aproximadamente 4 dias e é ligada a ingestão de 
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alimentos contaminados, principalmente em carne, peixe ou marisco crus ou 
mal cozidos com viajantes que vão a regiões menos desenvolvidas. É comum a 
diarreia com fezes pastosas ou aquosas sem sangue, dores abdominais tipo 
cólica, náuseas, vômitos, flatulência, urgência fecal, febre baixa e mal estar. A 
sintomatologia dura de 3 a 5 dias. O diagnóstico deve se pautar em achados 
clínicos e epidemiologia do local da viagem. A terapia consiste inicialmente 
em hidratação oral, mas se caso haja a dejecção mole pelo menos 3 vezes em 
8h, associadas a febre, sangue nas fezes, náuseas, vômitos ou dores 
abdominais intensas, recomenda-se ATB (flouroquinolona Ciprofloxacina 
500mg 12/12 por 3 dias, mas também pode ser azitromicina e sulfametoxazol-
trimepropim).
Giardíase
Infecção causada pelo protozoário Giardia intestinalis, após consumo de água 
e alimentos contaminados pelos cistos da giárdia, levando a dor e má 
absorção intestinal. Acomete principalmente crianças que vivem em áreas de 
saneamento básico precário. Pacientes com hipogamaglobulinemia e 
imunodeficiências podem ter manifestações clínicas prolongadas e com pouca 
resposta terapêutica. O diagnóstico é feito através da identificação de cistos 
ou trofozoítos no parasitológico de fezes. O ensaio imuno-enzimático ELISA 
pode ser realizado se disponível. Os sinais são diarreia esteatorréica, dor 
epigástrica que melhora com alimentação, cólicas abdominais, perda de peso e 
desidratação. A conduta nesses casos é hidratação e ATB (metronidazol 
250mg via oral 2x/dia por 5 dias, podendo ser também nitazoxanida e 
tinidazol.
Colite pseudomembranosa
É uma inflamação do intestino provocada pela toxina do clostridioides difficile, 
que ocorre entre o primeiro dia até a sexta semana após o uso de ATB. É difícil, 
a nível de pediatria ocorrer, pois são fatores de risco para quem usa ATB, 
principalmente idosos e hospitalizados, e pacientes em uso crônico de 
omeprazol. A doença pode ter 4 apresentações clínicas diferentes: 
assintomático, diarreia por C. difficile; colite pseudomembranosa e colite 
fulminante. A diarreia é inicialmente aquosa e se torna mucossanguinolenta + 
dor abdominal em cólicas, desconforto em baixo ventre e febre. Pode 
complicar com desidratação, megacólon tóxico, perfuração intestinal e, 
raramente, artrite. O diagnóstico é feito pela pesquisa de toxinas A e B do C. 
difficile nas fezes e colonoscopia do reto e cólon sigmoide. A terapia é feita 
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com Vancomicina oral 125mg 6/6 por 10 dias. Outras opções são 
metronidazol e fidaxomicina.
 💣💣💣 A vancomicina oral não é disponível no Brasil, mas pode quebrar a 
vancomicina ampola e dar o conteúdo líquido para o paciente ingerir.
Pseudoapendicite
Invasão das mucosas do íleo terminal e do cólon proximal pela Yersinia e 
Campylobacter podem gerar dor abdominal intensa sensível a palpação, 
simulando apendicite aguda. A transmissão de Yersinia pestis se dá através de 
pulgas, por isso suspeitar em pacientes com contatos com animais, 
principalmente roedores. Pode apresentar diarreia, febre, artralgia/artrite, 
eritema nodoso e dor abdominal do lado direito (linfadenite mesentérica), 
esses sintomas podem durar de uma a três semanas. O diagnóstico pode ser 
confirmado com coprocultura, e pode-se realisar ELISA nas febres. 
Hemograma com leucocitose e desvio para a esquerda é sugestivo, e podem 
ser encontrado leucócitos nas fezes. A conduta nesses casos é hidratação + 
ATB conforme agente etiológico. Para Campylobacter, é preferível 
eritromicina. Ao se tratar da Yersinia, pode ser usados aminoglicosídeos, 
tetraciclinas, fluoroquinolonas como o ciprofloxacino e sulfametoxazol-
trimetropim.
💩💩💩 DETALHE!
As infecções pela Yersinia levam a dor a palpação superficial na fossa 
ilíaca direita, o que leva a pensar um quadro de pseudoapendicite quando 
associado a febre, vômitos e diarréia. Importante estar atento a realização 
de manobras e sinais para diagnóstico de apendicite.
Síndrome Hemolítico-urêmica
É desencadeada pela ação da verotoxina, toxina produzida pela E. coli, que tem 
sido associada a surtos diarreicos relacionados ao consumo de carne em 
creches, escolas, instituções e comunidades por todo o mundo. É a causa 
mais comum de insuficiencia renal aguda em crianças com idade abaixo dos 
4 anos. Também relacionada a outras infecções como Shigella. Ocorre 
principalmente em crianças, mas há fatores de risco para adultos: puerpério, 
uso de contraceptivos orais, complicações de gestação, LES, infecção pelo HIV 
e uso de drogas. O diagnóstico é baseado na tríade clínica compondo: anemia 
hemolítica microangiopática confirmada com hemoglobina 8g/dL + teste de 
Coombs negativo + esfregaço sanguíneo característico. A trombocitopenia é 
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evidenciada com contagem de plaquetas < 140.000/mm³. A IRA pode ser 
diagnosticada com base nos níveis aumentados com creatinina e ureia sérica. 
A conduta nesses casos não existe tratamento específico, pois é autolimitada. 
A minoria dos pacientes podem desenvolver uma insuficiência renal irreversível 
que se torna crônica e necessita de diálise. A ATB não é indicada.
💣💣💣 ATENÇÃO!
Em casos de diarreias infecciosas sem febre, deve se pensar em protozoários e 
helmintos como agentes patológicos. Os principais são: Cyclospora 
cayatenensis, Cryptosporidium, Microsporidium, Isospora belli, Giardia lamblia 
e Entamoeba histolytica.
💣💣💣 ATENÇÃO²!
A maioria dos indivíduos portadores de amebíase é assintomática. Entretanto, 
alguns pacientes podem abrir um quadro de disenteria (colite amebiana), ou 
pseudotumoral (ameboma), complicação rara que apresenta obstrução e 
sangramento gastrointestinal.

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