Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Diarreia e seus tipos A diarreia consiste no aumento do número de evacuações (mais de três por dia) e do teor de líquido das fezes, que se tornam amolecidas ou aquosas. 1 A diarreia é definida como um aumento na massa, na frequência, ou na fluidez das fezes, tipicamente mais de 200 g por dia. Em casos graves, o volume de fezes pode exceder 14 L por dia e, sem a reposição de fluidos, resultar em morte. A diarreia dolorosa, sanguinolenta e de pequeno volume é conhecida como disenteria. 2 A diarreia pode ser classificada em quatro categorias principais, de acordo com o mecanismo envolvido: ● A diarreia secretória é caracterizada por fezes isotônicas e permanece durante o jejum. ● A diarreia osmótica, tal como aquela que ocorre com a deficiência de lactase, é decorrente das forças osmóticas excessivas exercidas pelos solutos luminais não absorvidos. O fluido da diarreia está 50 mOsm mais concentrado do que o plasma e diminui com o jejum. ● A diarreia de má absorção ocorre como consequência de falha generalizada na absorção de nutrientes, está associada à esteatorreia e é aliviada pelo jejum. ● A diarreia exsudativa devido à doença inflamatória é caracterizada por fezes purulentas e sanguinolentas que continuam durante o jejum. Epidemiologia A diarreia é a segunda maior causa de mortalidade mundial, sendo particularmente problemática em idosos e em crianças abaixo de 5 anos nos países em desenvolvimento. As condições diarreicas infecciosas causam aproximadamente 750.000 mortes infantis anualmente em todo o mundo, apesar da melhor utilização de soluções de reidratação oral, zinco e suplementos de vitamina A. 4 Cerca de 48 milhões de americanos sofrem de doença provocada pela ingestão de alimentos em cada ano, incluindo cerca de 130.000 hospitalizações anuais e 3.000 mortes, a maioria em pessoas idosas. Os principais patógenos que causam diarreia resultam em US$ 14 a 16 bilhões em custos de cuidados de saúde anuais e dias de absentismo laboral. 4 Diarreia Aguda Diarreias agudas são aquelas com duração menor que duas a três semanas ou, raramente, seis a oito semanas. A causa mais comum das diarreias agudas é infecção. 4 A diarreia aguda não infecciosa manifesta-se com início súbito com três ou mais evacuações por dia; Fezes moles e líquidas, podendo conter muco ou sangue; Restos alimentares nas fezes; Cólicas intestinais, distensão abdominal; Anorexia, mal-estar; e, Desidratação. Dentre as causas, há as seguintes possibilidades: 1 ● Uso de laxativos: fenolftaleína, antraquinonas, óleo de rícino, bisacodil, oxifenisatina, sena, aloé, sulfossuccinato, dioctil sódico, sulfato de magnésio ● Medicamentos: antibióticos de largo espectro, teofilina, furosemida, tiazidas, quinidina, colchicina, inibidores da enzima de conversão da angiotensina, ranitidina, antidepressivos, misoprostol, antiácidos, xaropes com altor teor de sorbitol, suplementos vitamínicos, sulfato ferroso. ● Nutrição enteral ● Radioterapia e quimioterapia ● Exercícios vigorosos (diarreia dos corredores) ● Psicogênica. Já a diarreia aguda infecciosa, é causada por agentes infecciosos, como vírus, bactérias, fungos ou parasitas, sendo os principais patógenos: 1 Nesse contexto, os fatores de risco incluem higiene inadequada, saneamento básico deficiente, alimentos preparados de modo inadequado e mal conservados. Além disso, de acordo com o agente infeccioso, conta com as seguintes manifestações clínicas: ● Diarreia viral: autolimitada, podendo durar até 2 semanas; febre quase sempre de baixa intensidade, durando de 3 a 4 dias; vômitos frequentes; cólicas abdominais acompanhadas de evacuações explosivas. ● Diarreia bacteriana: ○ E. coli enterotoxigênica (ETEC): febre, calafrios e vômitos. Importante causa de diarreia em viajantes e crianças ○ Shigella e E. coli: síndrome disentérica (diarreia sanguinolenta com muco e pus). Febre alta, mialgias, cólicas, tenesmo. ○ E. coli êntero-hemorrágica (EHEC): colite hemorrágica; associada a síndrome hemolítico-urêmica em crianças, reação leucemoide, colite pseudomembranosa, cefaleia, meningismo, convulsões. Artrite 2 a 3 semanas após a diarreia. ○ Salmonella: início dos sintomas 8 a 48 horas após ingestão de alimentos contaminados. Febre e diarreia, às vezes vômitos. Dor abdominal em cólica. ○ Campylobacter jejuni ou Escherichia coli: dor abdominal. Pode complicar com megacólon tóxico, colite pseudomembranosa, síndrome hemolítico-urêmica, polineurite pós-infecciosa, síndromes de Guillain-Barré e Reiter. ○ Yersinia enterocolitica: febre e vômitos. Adenite mesentérica. Poliartrite migratória. Complicações: síndrome de Reiter, eritema nodoso, abscesso de fígado e baço, colite inflamatória. ○ Clostridium difficile: colite pseudomembranosa, artrite (relacionada com o uso de antimicrobianos) ○ Tropheryma whippelii: diarreia prolongada, seguida de esteatorreia com cólica; às vezes, distensão abdominal. Perda de peso, artralgia (grandes articulações). Febre de baixa intensidade. Hiperpigmentação da pele em 50% dos pacientes. Hipoalbuminemia, hipocolesterolemia, hipopotassemia e anemia. Complicações: endocardite marântica, alterações neurológicas (oftalmoplegia, demência, ataxia, mioclonias, hiper-reflexia e parestesias) ○ Vibrio cholerae: Cólera. ● Diarreia por parasitos: de acordo com as manifestações de cada verminose (Helmintíase, Giardíase, Amebíase e Estrongiloidiase). Além dessas, há também a diarreia em pacientes imunodeprimidos, que pode ser causada por Cryptosporidium, Microsporidium, Isospora, Ciclospora, citomegalovírus, Herpes-vírus humano, Mycobacterium, E. histolytica, Candida, G. Lamblia. Quanto ao diagnóstico, além dos dados clínicos, utiliza-se o diagnóstico etiológico, que depende do isolamento do agente infeccioso. Exames complementares nem sempre são necessários e dependem das hipóteses diagnósticas. No entanto as possibilidades de solicitações e possíveis alterações são: ● Hemograma: aumento dos leucócitos com desvio para a esquerda indica processo infeccioso bacteriano agudo. ● Eletrólitos séricos: aumento do sódio e potássio em consequência da desidratação. ● Ureia e creatinina: elevadas em caso de desidratação grave. ● PH: acidose hiperclorêmica. ● Exame parasitológico de fezes: para identificação de parasitas intestinais (amebíase, giardíase, estrongiloidíase, helmintíase). ● Cultura de fezes: identificação de bactérias. ● Radiografia simples em pacientes com dor abdominal e suspeita de obstrução, para excluir a possibilidade de megacólon tóxico e isquemia intestinal. ● Retossigmoidoscopia: suspeita de colite pseudomembranosa. Em relação ao tratamento, independentemente do diagnóstico etiológico, a reposição de água e eletrólitos deve ser iniciada imediatamente. Além disso, há as seguintes orientações quanto ao tratamento medicamentoso: ● Para supressão da diarreia ○ Loperamida, VO, 4 mg de início; a seguir, 2 mg, de 6/6 h (usar com cautela em pacientes com diarreia infecciosa); ou ○ Subsalicilato de bismuto, VO, 30 mℓ a cada meia hora, até 8 doses; ou ○ Caulim-pectina, 6/6 h ● Antibioticoterapia sem identificação do agente infeccioso => Ciprofloxacino, VO, 500 mg, 12/12 h durante 3 a 5 dias ● Antibioticoterapia com agente etiológico identificado: ○ Clostridium difficile: metronidazol, VO, 500 mg, 8/8 h; ou vancomicina VO, 250 mg, 6/6 h, durante 10 a 14 dias ○ Listeria monocytogenes: ampicilina, VO, 50 a 100 mg/kg, 6/6 h, para crianças; 500 mg, VO, 6/6 h, para adultos ○ Vibrio cholerae: ciprofloxacino, VO, 1 g, dose única ○ Tropheryma whippelii: sulfametoxazol 400 mg + trimetoprima 80 mg VO, 12/12 h, durante 1 ano ● Pacientes imunodeprimidos ○ Citomegalovirus: ganciclovir, IV, 7,5 a 15 mg/kg, 8/8 h, durante 14 a 21 dias ○ M. avium-intracellulare complex: claritromicina, VO, 500 mg, 12/12 h + ciprofloxacino, VO, 500 mg, 12/12 h + etambutol, VO, 25 mg/kg, durante 6 meses ○ Cryptosporidium: paramomicina, VO, 500 mg, 6/6 h; ou azitromicina, VO, 750 mg, 1 vez/dia, por 4 semanas ○ Microsporidiose: albendazol,VO, 400 mg, 12/12 h, durante 3 a4 semanas ○ Ciclospora e Isospora: sulfametoxazol 800 mg + trimetoprima 160 mg, VO, 12/12 h, durante 14 dias ○ E. hystolitica e G. lamblia (pacientes imunodeprimidos ou não): metronidazol, VO, 750 mg, 8/8 h, durante 10 dias. Resumindo de acordo com o aspecto das fezes na diarreia: 1 Para prevenção, deve-se adotar medidas como, não usar água suspeita (em caso de dúvida quanto à qualidade, ferver e filtrar a água que possa estar contaminada) e evitar ingestão de frutos do mar ou de carne não cozidos ou malcozidos. Diarreia Crônica Diarreia Crônica é aquela com duração maior que 4 semanas. Dentre suas possíveis causas há: Parasitoses intestinais, Cólon irritável, Colite pseudomembranosa medicamentosa (antibióticos), Câncer do cólon, Doença de Crohn, Retocolite ulcerativa, Síndrome de má absorção, AIDS, Diabetes, Alergia alimentar, Intolerância a lactose, Uso abusivo de laxativos, Síndrome de Zollinger-Ellison, Cirurgia gástrica, Ressecção ileal e Medicamentos. As manifestações clínicas incluem início gradativo, com o paciente no começo, em geral, não valorizando o aumento do número de evacuações. 3 a 5 evacuações por dia, fezes pastosas. Em alguns casos, com menos de 3 evacuações, o paciente percebe apenas que as fezes estão com menor consistência. Além disso, pode haver urgência para defecar; cólicas abdominais, principalmente na parte inferior do abdome, antes e no decorrer da defecação; perda de peso; depleção de líquidos e eletrólitos. Em raros casos, há incontinência fecal*1. A diarreia crônica é ainda comumente apresentada com má absorção, que se caracteriza pela absorção defeituosa de gorduras, vitaminas lipo e hidrossolúveis, proteínas, carboidratos, eletrólitos e minerais e água. A má absorção crônica pode ser acompanhada por perda de peso, anorexia, distensão abdominal, borborigmos e fraqueza muscular. Um marco da má absorção é a esteatorreia, caracterizada pela gordura excessiva nas fezes e por evacuação volumosa, espumante, gordurosa e de cor amarela ou de barro. 3 A má absorção resulta do distúrbio em pelo menos uma das quatro fases da absorção de nutrientes: 3 ● A digestão intraluminal, na qual proteínas, carboidratos e gorduras são quebrados em formas adequadas para a absorção. ● A digestão terminal, a qual envolve a hidrólise dos carboidratos e peptídios através das dissacaridases e peptidases da mucosa da borda em escova do intestino delgado. ● O transporte transepitelial, no qual nutrientes, fluido e eletrólitos são transportados e processados dentro do epitélio do intestino delgado; e ● O transporte linfático dos lipídios absorvidos. Em muitos distúrbios de má absorção, um defeito em algum desses processos predomina, porém mais de um geralmente contribui. Como resultado, as síndromes da má absorção se assemelham mais umas com as outras do que apresentam diferenças entre si. 3 Os sintomas gerais incluem diarreia (da má absorção de nutrientes e da secreção intestinal excessiva), flatos, dor abdominal e perda de peso. A absorção inadequada de vitaminas e de minerais pode resultar em anemia e mucosite em razão da deficiência de piridoxina, folato ou vitamina B12; sangramento decorrente da deficiência de vitamina K; osteopenia e tetania decorrentes da deficiência de cálcio, magnésio ou vitamina D; ou neuropatia periférica devida às deficiências de vitamina A ou B12. Uma variedade de distúrbios endócrinos e de pele também pode ocorrer. 3 3 Para comprovação diagnóstica, além dos dados clínicos, há os seguintes exames complementares: ● Hemograma: pode ser normal; anemia é frequente ● Eletrólitos: hipopotassemia ● Exame parasitológico das fezes: pesquisa de ovos e/ou parasitos ● Cultura das fezes: para identificar bactérias patogênicas ● Determinação da gordura fecal depois de uma dieta com 100 g de gordura/dia (anormal acima de 7 g/dia): caracteriza esteatorreia ● Pesquisa de sangue oculto nas fezes ● Enema opaco: retocolite ulcerativa, doença de Crohn ● Retossigmoidoscopia e colonoscopia: retocolite ulcerativa, doença de Crohn, amebíase. O tratamento não medicamentoso da diarreia crônica é realizado pela reposição de água e eletrólitos e dieta específica de acordo com a causa, incluindo redução ou evitamento de derivados do leite, nos casos de intolerância a lactose. Além disso, em casos especiais, pode ser necessária nutrição parenteral na diarreia refratária. Já as opções medicamentosas, para tratamento sintomático, são: Psyllium ou análogos sintéticos; ou difenoxilato, 5 a 20 mg/dia; ou loperamida, VO, 4 mg de início, a seguir, 2 mg, 6/6 h; ou caulim-pectina, 1 a 8 colheres das de sopa ao dia. Nos casos de cólicas intensas, pode-se indicar antiespamódicos. Além disso, de acordo com a etiologia da diarreia, pode ser necessário outros tratamentos específicos. *1: A incapacidade de controle voluntário dos esfíncteres anais com passagem involuntária de fezes e flatos. 2 Diarreia Persistente As diarreias infecciosas prolongadas (>2 semanas) podem ser em decorrência de infecções persistentes ou recorrentes. Essas diarreias ocorrem mais comumente em crianças expostas à água não potável em países em desenvolvimento, em pacientes que têm síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) ou são imunodeprimidos por outras razões, e em viajantes recentes. As causas mais comuns em crianças nos países em desenvolvimento são infecções enteropatogênicas e enteroaderentes E. coli. Outros organismos comuns são Giardia, Cryptosporidium, Entamoeba, Isospora, e Microsporidium. 4 Diarreia infecciosa recorrente ou prolongada pode levar à desnutrição grave e ao óbito (taxa de mortalidade, 50%). O tratamento inclui apoio nutricional com suplemento de vitamina A (200.000 UI duas vezes por ano) e zinco (20 mg elementar diariamente por 14 dias). As doenças graves podem necessitar de nutrição parenteral total. 4 Em pacientes com AIDS, a diarreia prolongada pode ser causada por agentes tratáveis, como E. histolytica, Giardia, Strongyloides ou por organismos como a Cryptosporidium, Isospora belli e microsporídeos difíceis de tratar ou intratáveis. O tratamento mais eficaz é o tratamento retroviral para melhorar o sistema imunitário. A fisiopatologia da diarreia persistente pode ocasionar doenças inflamatórias. Referências -1: PORTO. Clínica Médica na Prática Diária. Grupo GEN, 2015. 978-85-277-2824-9. -2: Definição Bvsalud -3: K. Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças. Grupo GEN, 2016. 9788595150966. -4: Goldman, L. Goldman-Cecil Medicina. Grupo GEN, 2018. 9788595150706.
Compartilhar