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HD_ Dissertação_ Artigo 15

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O filme “Artigo 15”, 2019, é uma produção indiana que faz referência ao artigo
quinze da Constituição da Índia e discorre sobre igualdade, com ênfase na questão das castas
e o papel desempenhado pela mulher no âmbito social. Para mais, inspirado em histórias
reais, o drama policial inclui dentre suas alegações o estupro coletivo de Baduan em 2014.
Em primeiro lugar, é de suma relevância entender o sistema de castas da Índia e a
sua rigidez. Desse modo, essa divisão é determinada a partir da hereditariedade, ou seja,
passa de pai para filho, logo, mantém-se inalterada, sem mobilidade, consequentemente, sem
possibilidade de ascensão ou decadência social e define uma hierarquia marcada por
privilégios e deveres. Por esses princípios, esse sistema tem como principal característica a
segregação que resulta em uma elevada desigualdade social.
A princípio, existiam apenas quatro tipos de casta, que eram: brâmares
(sacerdotes), xatrias (militares), vaixias (fazendeiros e comerciantes) e a mais baixa, os
sudras (servos). Havia ainda os dalits, os indivíduos sem casta, considerados intocáveis por
serem impuros.
Atualmente, a Índia chega a cerca de 4 mil castas distintas, isso deve-se,
sobretudo, ao elevado crescimento populacional do país, seu dinamismo, e por conta do
avanço econômico que tem tido nos últimos anos, surgiram diferentes atividades produtivas
que também servem de base para a formação de novas castas.
Contudo, o Governo indiano afirma que estas divisões não existem mais, porém,
é sabido que, esta realidade está arraigada na cultura do país e não é tão simples desfazer
séculos de tradição, todavia, interfere diretamente na qualidade de vida da população indiana.
O direito da Índia gira em torno de tradição e modernidade, acentuando um
pluralismo de fontes e é justamente esse choque entre cultura antiga e política recente que dá
os contornos do direito constitucional indiano. A constituição da Índia consagrou
formalmente a isonomia, assim, conforme os Direitos Fundamentais, do Artigo 15 da
Constituição, prevê-se o direito à igualdade. Por esses termos, tanto o Estado quanto os
cidadãos não podem discriminar qualquer outro, com base na religião, raça, casta, sexo e/ou
local de nascimento, assim, não podem considerar nenhum indivíduo como inapto ou
restringir a livre circulação por estas condições.
Essa concepção de igualdade é projetada nas relações de emprego, mantidas pelo
Estado. Ademais, aboliu-se a casta dos intocáveis, bem como a proibição da prática sob
qualquer forma, e fazer uso de títulos de nobreza.
A trama de “Artigo 15” gira em torno do superintendente da polícia Ayan Ranjan,
que tenta solucionar o desaparecimento de três jovens menores de idade, que mais tarde se
torna um caso de assassinato. O policial Ayan não mede esforços em nenhum momento para
encontrar as jovens desaparecidas, todavia, durante toda a investigação ele sofre com a falta
de cooperação e as barreiras colocadas por líderes influentes locais e a própria polícia, pois
tentam a todo custo atrapalhar e, consequentemente, impedir que o superintendente resolva o
crime. Isso tudo se deve ao fraudulento e negligente sistema judicial, que corrobora com a
impunidade e a discriminação com castas inferiores. ,
Nesse sentido, é de suma relevância conhecer o Código de Manu, redigido entre
os séculos II a.C. e II d.C., no que tange suas regras de controle social e a própria sociedade
hindu, visto que, se relaciona diretamente com o tema principal da obra cinematográfica
“Artigo 15” e, dessa forma, entender o modo de vida indiana.
Em seu artigo 733 se estabelece que: “Instruído ou ignorante, um Brâmane é uma
divindade poderosa, do mesmo que o fogo consagrado ou não consagrado é uma poderosa
divindade”. Esta afirmação elucida o modo como a estratificação da sociedade indiana era um
ponto determinante no que se refere a ideia de subordinação, contemplada por lei e baseada
em princípios histórico-culturais.
A concepção errônea de que todo e qualquer indiano estava fadado a servidão ou
não, sem possibilidade de mudar isso com o decorrer de sua vida, tendo em vista apenas o seu
nascimento em uma família de casta superior ou inferior demonstra como a sociedade indiana
era injusta.
Apesar de acreditarem que se fossem bons ou ruins em vida isso servia de
preceito para que, em outra vida, pudesse reencarnar em uma casta diferente, e usarem disso
para alimentarem as esperanças, o conceito de o nascimento definir quem possuía poder ainda
é fútil e retrógrado. Art. 751. “Um Sudra, puro de espírito e de corpo, submetido às
vontades das classes superiores, doce em sua linguagem, isento de arrogância e se ligando
principalmente aos Brâmanes, obtém um nascimento mais elevado.”
Em seu artigo 410 nota-se com clareza a submissão obrigatória de um Sudra,
casta inferior, a um Brâmane, casta superior. “Mas, que ele [o Brâmane] obrigue um
Sudra, comprado ou não, a cumprir as funções servis; porque ele foi criado para o
serviço de Brâmane pelo ser existente por si mesmo”.
Outra questão que ganha fundamental importância é o desprezo com uma parcela
populacional, especificamente o Chandalas (ou párias), que não eram considerados como
casta e muito menos como gente. Nasciam impuros e morriam assim também, eram
intocáveis e ficavam encarregados das funções e tarefas mais degradantes e humilhantes, sem
poder de contestação a respeito de nada, destinados a viver marginalizados.
É incontestável que o papel da mulher na sociedade hindu, independe da casta,
sempre foi de inferioridade, subordinada ao homem durante toda a sua vida. Art. 420. “Uma
mulher está sob a guarda de seu pai, durante a infância, sob a guarda de seu marido
durante a juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não deve
jamais se conduzir à sua vontade”.
O estupro foi colocado entre os artigos de adultério e o código afirma
que, em todas as castas são as mulheres que deveriam ser vigiadas para que isto não
ocorresse. No filme, Ayan consegue apoio de uma médica legista que, após pesquisas e
exames, comprova que as garotas foram vítimas de um estupro coletivo e o principal suspeito
é um rico empreiteiro local, Anshu Naharia.
Dessa forma, além de encontrar as vítimas e o suspeito de assassinato, Ayan
precisou lidar com a triste realidade vivida no interior da Índia e procurar meios para mudar
os ideais ultrapassados impostos acerca da superioridade de uns sobre os outros, baseada no
sistema de castas e na submissão pré-estabelecida da mulher mediante os homens. Assim, o
superintende faz jus ao artigo 15 da Constituição e por suas ações garante a igualdade entre
todos.

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