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No livro “O fio das palavras”, o autor traz a discussão a respeito da psicoterapia, discutindo como funciona a relação estabelecida na clínica com o paciente, como este processo acontece e as aberturas possíveis. O autor traz que “Psicoterapia é um acontecimento onde estão envolvidas duas pessoas para a constituição da objetividade.", quando diz isso, traz uma fala sobre como é difícil a tarefa de se obter uma construção real de sentido daquilo que está sendo trabalhado, porque o terapeuta está implicado na relação com o seu paciente. Quando está envolvido na relação, enxerga os acontecimentos de dentro, sem imparcialidade. O autor traz também que “A transmissão de conhecimento sobre a terapia psicológica não se trata apenas do aprendizado racional de um conjunto de leis. Em sua própria terapia e supervisão, o aprendiz é imerso em todo clima emocional, pois só desse modo poderá fazer um prolongado exame de suas capacidades e possibilidades humanas.” Para ilustrar a mensagem de seu livro, o autor traz no texto o caso de João, seu paciente na clínica. Com esse caso, o autor traz questões relacionadas ao relacionamento estabelecido entre paciente-terapeuta, o processo feito para o estabelecimento de confiança entre os dois, bem como os passos dados, a fim de elucidar para o leitor a postura e as possibilidades que se abrem para aquele que atua na clínica, bem como para mostrar, até mesmo para um leigo, como o trabalho clínico é realizado. Quando começa a trazer a clínica feita com seu paciente, ele diz: “A confiança que João vai depositar em mim nasce desses episódios, onde se confirma a escuta de suas palavras e silêncios. É um processo onde vou deixar de ser psicólogo, a autoridade impessoal, para me tornar a pessoa viva com quem ele contracena no consultório.” João chega na clínica com um ar de superioridade, como quem tenta confrontar o terapeuta. Sem muita fé no tratamento que pode ser feito ali, João chega na clínica se queixando de uma dor no estômago que o perseguia, mas não encontrava causa fisiológica que pudesse ser tratada por médicos. Nesse processo de se abrir e confiar no terapeuta, João vai tateando um caminho que não lhe tirasse totalmente a segurança. O autor diz: “Ele espera que eu percorra seu roteiro, interessado e solidário. Algumas vezes tem medo. Medo da transformação da testemunha em juiz.” O terapeuta traz cenas e sensações experimentadas na clínica, retrata aquilo que vai acontecendo com o João diante dele. Em dado momento, traz que João busca na terapia um salvador. Uma revelação final, uma palavra que lhe cure completamente. Mas o seu terapeuta se recusa a dar-lhe aquilo que ele deseja, e muito provavelmente ele nem teria a possibilidade de tal feito, o que tem ali para oferecer é a sua presença e a sua escuta, direcionamentos para que João possa, por ele próprio, chegar a um rumo. O processo percorrido pelo paciente não é fácil, ele dá voltas ao redor das cenas, acontecimentos passados, dando a eles um significado que não é necessariamente verídico se comparado ao que foi vivido, mas dá o significado que lhe é possível no momento em que o faz. “O passado é o passado contado agora, com o significado dado hoje por ele.” Conforme João caminha, vai tateando espaços cada vez mais decisivos para os acontecimentos que podem ser os causadores de seu sofrimento. Quando percebe algumas coisas, ele mesmo, muitas vezes, não consegue colocar em palavras. João traz para a cena os acontecimentos que lhe perpassaram durante a infância, dá-lhes significados, recortes, reformula e tenta novos modos de ação. “Pois descobre: tira o véu de algo antes coberto. E revela: dando sentido ao vivido, cobre os outros sentidos possíveis. O recordar sempre adquire seu sentido em função do presente e de um projeto. O tempo se apresenta numa síntese. No tecer e retecer da vida, abre um caminho, dá uma lançada, direciona o fio da história.” Com os processos que lhes são possíveis de acessar naquele momento, João vai revelando os anseios que possuía na relação com a avó, desejava sua atenção, uma troca, por vezes até provocava ela com ofensas e atitudes rudes, mas nada recebia. Se sentia genérico, tinha consigo a incerteza sobre a sua significância, e isso lhe causava sofrimento. O autor traz uma frase que achei muito interessante, ele diz: “Confiar é co-fiar: seguir junto o mesmo fio.”, esse é o trabalho percorrido pelo terapeuta e seu paciente durante a análise, criam um processo onde um espaço de troca possa ser criado e respeitado, onde o terapeuta possa saber quais são os próximos passos possíveis de serem dados para que o fio construído mutuamente até ali não seja rompido por um brusco golpe. Num momento seguinte do texto, o autor se propõe a falar sobre as palavras, traz elas como o caminho da cura. Diz que “No processo psicoterápico a palavra aprisionadora é denunciada, e são criadas as condições para proferir a palavra libertadora. O aprisionamento aponta para o lugar onde a libertação pode acontecer - assim como a mentira só pode existir onde há verdade a ser dita.” É também através da palavra que o caminho da terapia se abre, cada intervenção feita abre um contexto diferente de significações que podem ser descobertas e trabalhadas. Seguindo a sua narrativa, o autor acrescenta que não é possível dizer que um paciente não está pronto para uma determinada interpretação, pois isso é supor que o terapeuta conhece algo do paciente que para este segundo ainda é velado. O clinicar abre a possibilidades de escolhas, e destas só é possível saber os efeitos quando são feitas. Quando faz a pergunta retórica “Qual foi o papel da terapia?”, o autor responde que esta teve o papel de não deixar João fechado num mesmo círculo, criou possibilidades para que caminhos alternativos pudessem ser percorridos. A partir disso, parte para a discussão sobre a cura. Fala que o paciente geralmente chega para o terapeuta com um modelo de “curado” pronto, com um alvo a ser atingido. Mas “A cura é percebida como sendo elaborada em alguns momentos pinçados do processo total da terapia, como nossa história, hoje, é percebida como uma costura de momentos significativos de nossa vida.” O autor traz que a cura sempre será um conceito a posteriori, não há como ser concebida antes de percorrer o caminho para que se chegue até ela. Conforme João avançava no processo terapêutico, se tornou maior que a culpa que o atormentava e enfim suas dores de estômago cessaram. Quando um paciente chega ao consultório, ele terá um tratamento diferente, dependendo da qualificação do profissional que o atende. Se for a um médico, provavelmente este seguirá pelos caminhos das doenças fisiológicas, onde tudo tem uma causa que pode ser medicalizada e entendida a partir de seus estudos genéricos. Mas na clínica psicológica, este ser passa a ser visto de maneira singular, suas particulares não podem ser cercadas pelas normas criadas pelas ciências biológicas. É preciso que se tenha um esforço para não negar nenhuma das áreas, mas abrir horizontes para que a demanda trazida pelo paciente ganhe também uma escuta e um tratamento singulares. Mais importante que nomear uma doença é conseguir dar um encaminhamento para aquilo que está sendo a sua causa. A psicoterapia existencial tem a pretensão de aumentar os significados possíveis da realidade para que os clientes possam traçar seus próprios mapas, ela não tem a pretensão de traçar um caminho prévio para o sujeito. Neste sentido, curar a sexualidade seria abrir os sentidos que a expressão sexual adquire na totalidade de vida do cliente. “À psicoterapia existencial cabe inserir a opção do cliente no contexto de sua vida. Mas a feição dessa escolha cabe exclusivamente a cada ser humano.” Tendo o exemplo do caso de João, o autor abre o pensamento de que se considerarmos um homem dotado de infinitas possibilidades, basta dar-lhe as condições de abertura necessárias para que ele as possa acessar. Mas avaliar o projetode uma vida, dentre tantas possibilidades de ação talvez fosse possível apenas na morte, que é onde as possibilidades se esgotam. Até lá, o sujeito está sendo delineado e delineando tudo aquilo com que tem contato, modificando e sendo modificado. Para finalizar, o autor traz que cada grupo social concebe a humanidade do homem de maneira diferente, isso diz respeito a uma procura pela existência. Existir é essa procura, e por sempre voltar a essa procura é que alguns psicoterapeutas são chamados de existencialistas. Busca, através das palavras, criar aberturas de sentido da vida e acerca de tudo aquilo que pode ser feito com as palavras. Ao escutar aquilo que o seu cliente tem a lhe trazer, o terapeuta cria o âmbito para “curar”, ele deixa que os fenômenos apareçam à luz do sentido próprio de cada vida. Por este motivo, o método aqui descrito é também chamado de fenomenológico.
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