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O que é Economia Neoclássica? O que é o Mainstream e a Ortodoxia? Um panorama histórico do pensamento econômico Gabriel F. Ferraz Março 2021 1 Introdução Se você já entrou em contato com economia já deve ter se deparado com os termos neoclássico, ortodoxo ou mainstream. Mas qual a diferença entre eles? Afinal seriam eles equivalentes, só maneiras diferentes de identificar uma mesma coisa ou teriam diferenças, essas que possam até ser substanciais e que legitimem sua nomenclatura diferencial? Denfenderemos que essas nomenclaturas tem sim suas diferenças, baseando-se na explicação de Colander et al[1]. Entende-se mainstream como o sistema complexo e dinâmico que constitui a fronteira da pesquisa econômica, no qual várias ideias são testadas sobre uma mesma metodologia, ou até metodologias novas são implementadas. Ortodoxia é uma teorização feita olhando para o desenvolvimento dessa fronteira, iden- tificando estaticamente as ideias que prevaleceram. Ou seja, ortodoxia diz respeito a identificação com a escola de pensamento dominante, que no caso é identificada geralmente como a neoclássica. Em verdade, a história é um tanto mais complicada e para um entendimento melhor do termo neoclássico se faz necessário adentrar na história do pensamento econômico para ver as diferentes escolas de pensamento que existiram e persistiram no mainstream. 2 Neoclássico X Mainstream X Ortodoxo A Economia como área de pesquisa do conhecimento humano é um sistema complexo, como tal ele só pode ser entendido pelo processo de mudança subjacente a ele. [1] Tentar passar sua essência é reducionista e dá uma definição necessariamente estática a um processo de natureza dinâmica, uma vez que se esta em constante mudança na fronteira da pesquisa econômica. Sendo assim, é mais útil caracterizar a profissão como ”um conjunto diversificado de ideias, vagamente mantidas juntas por sua abordagem de modelagem para problemas econômicos” [1]. Ou nas palavras de Roberto Solow: ”Hoje, se você fizer a um economista mainstream uma pergunta sobre quase todos os aspectos da vida econômica, a resposta: suponha que modelemos essa situação e vejamos o que acontece . . . a economia mainstream moderna consiste em pouco mais que exemplos deste processo”[2] Mas afinal o que é a economia mainstream? E como ela se diferencia da ortodoxia, caso se diferencia? O mainstream não diz respeito a uma escola de pensamento em espećıfico, nem a um conjunto estático de ideias, mas justamente as ideias da fronteira da pesquisa que são assumidas e defendidas pelos indiv́ıduos que são dominantes nas principais instituições acadêmicas, organizações e jornais num dado peŕıodo. Por tanto ela é um campo mais vasto que a ortodoxia, uma vez que várias ideias estão sendo testadas por advento da metodologia mais aceita ou até novas metodologias vão sendo experimentadas. Ortodoxia seria justamente as ideias que ficaram, então seria uma representação estática do conjunto dinâmicas que representa a profissão. A ortodoxia é para os historiadores do pensamento nada mais que a escola de pensamento dominante nos grandes centros de pesquisa e aquilo que acaba sendo ensinado nos livro-textos para os graduandos e/ou pós-graduandos. Okay, mas o que é uma escola de pensamento? Como Ioana Negru argumenta: ”Uma escola de pensamento refere-se tanto ao seu sistema de pensamento (ou seja, objeto de estudo) quanto a seus praticantes membros. Um sistema de pensamento compreende 1 ontologia (o reino do existente e da realidade), epistemologia (o reino do conhecido e do conhecimento; o que é conhećıvel?), metodologia (o reino das ferramentas, mecanismos e métodos de pesquisa e estudo), ética e axiologia (o reino e hierarquia de valores) e ideologia (um sistema de ideias, noções, teorias e concepções poĺıticas). [. . . ] Uma escola deve exibir um grau de coerência, o que implica um ńıvel de homogeneidade in- terna (do sistema de pensamento) e a lógica do sistema interno de pensamento (a lógica interna de pensamento refere-se ao argumento e ao racioćınio e é fundamentado em prinćıpios lógicos básicos, incluindo consistência e razão suficiente). Além disso, uma escola deve ser distinta de outras tradições de pensamento.”. [3] Tendo definido uma escola de pensamento é preciso entender que essa constitui mais que um paradigma ”escolas de pensamento compreendem paradigmas, embora os paradigmas concedam valor, importância e prest́ıgio para as escolas de pensamento”[3]. Um exemplo para economia seria na macroeconomia contem- porânea, na qual as escolas que fazem parte do mainstream ambas aceitam o paradigma da escolha racional, embora constitúırem de escolas divergentes. Então mainstream é algo amplo e diverso. Um sistema complexo de ideias sendo testadas por ortodoxos trabalhadas na fronteira da pesquisa sobre um mesmo método ou abordagem, mesmo que isso possa ser relativizado. Enquanto a ortodoxia é justamente as ideias que sobreviveram ao teste do tempo, sendo car- acterizadas como a escola de pensamento vigente, e essa escola é chamada (um tanto infelizmente)[4][5] de Escola Neoclássica. A economia Neoclássica pode ser entendida de duas formas: primeiramente como um bloco monoĺıtico de ideias e método que representa totalidade da ortodoxia. Sendo um termo mais serve para os seus cŕıticos heterodoxos, i.e, aqueles fora da ortodoxia, mas que foi incorporado no jargão do mainstream. Suas car- acteŕısticas seriam da análise partindo de um individualismo metodológico no qual foca no comportamento otimizador de agentes racionais e bem informados. São constrúıdos modelos cujas premissas são derivadas de maneira dedutiva a partir de um método axiomático, no qual suas previsões são testadas por técnicas econométricas. Segundamente, o termo neoclássico indica uma escola de pensamento bem especifica na história do pen- samento, que se consagrou como ortodoxia na sua época vigente, todavia hoje em dia, a profissão relaxou a grande parte de suas hipóteses, mesmo estas ainda servindo como fundacional para grande parte de suas ideias no mainstream. Então para saber a verdadeira natureza do pensamento ortodoxo é preciso um passeio geral pela história do pensamento econômico. 3 Um panorama histórico do pensamento econômico ou as diversas escolas de pensamento da economia 3.1 Economia antiga e a Idade Média A teorização sistemática econômica de tal forma que constitua uma escola de pensamento surge apenas com o lançamento da seminal obra de Adam Smith (1723-1790) ”A riqueza das nações”[6] Mas desde os tempos antigos da humanidade existem teorizações sobre a economia, que podem ser traçados de forma mais sistemática nas obras dos gregos da antiguidade. Como apresenta S.Todd Lowry: ”não devemos esquecer o fato notável de que o nome da disciplina de economia deriva da palavra grega oikonomia. Os gregos usavam a palavra para designar uma disciplina formal que tratava de um assunto abstrato (gestão patrimonial e administração pública), uso que manteve alguma continuidade por mais de dois mil anos antes de a disciplina se tornar conhecida como economia poĺıtica.”[7] Platão defendeu que uma mesma ciência devia reger a administração seja de uma pequena cidade, seja de uma grande casa[8]. Ademais apresentou uma teoria de divisão do trabalho, mesmo que um tanto limitada, sobre uso eficiente de capacidades individuais na organização do Estado por advento papéis especializados. Também sobre a divisão do trabalho, esta foi elaborada pelo teórico Xenofonte[9], disciplino de Sócrates, que entre outras coisas estudou e analisou o valor de uso comparado valor de troca de bens[10], enfatizou a econo- mia de escala para o desenvolvimento econômico[11] e fez um tratado[12] sobre organização e administração da propriedade agŕıcola, enfatizando o capital humano e a organização eficiente. Aristóteles foi outro teórico da economia,tendo formulado claramente o conceito de utilidade marginal 2 decrescente1 no sétimo livro de A Poĺıtica[13], além discorrer sobre a noção de um preço justo no livro 5 da Ética a Nicômaco[14]. Foi justamente esse pensamento que persistiu durante a Idade Média, que implicava numa proibição a usura, algo que não ocorreu no Mundo Islâmico, que via correto cobrar pela abstenção de consumo presente no empréstimo com um rendimento. Durante a Idade Média uma escola de pensamento notável é a Escola de Salamanca, cuja maior im- portância foi: ”em sua formulação de uma teoria psicológica do valor aplicada a bens e dinheiro, da teoria da quantidade e de uma teoria do câmbio que se assemelha muito à moderna teoria da paridade do poder de compra.”[15]. Sendo tal escola considerada a predecessora da escola austŕıaca, mas uma elaboração mais técnica de tal escola foge do escopo deste artigo. Com o desenvolvimento do comércio e a expansão no interesse em experimentação, advindo do Renasci- mento e Iluminismo, uma visão naturalista, baseada em um crença déısta de um mundo tal como um relógio, permitiu que surgisse espaço para teorização sistemática cient́ıfica. Sendo nesse ambiente que vai emergir aos poucos a Economia como se entende hoje. 3.2 Mercantilistas Nas palavras de Lars G. Magnussum: ”o conceito de ”mercantilismo” designa um sistema de poĺıtica econômica ou uma época no desenvolvimento da doutrina econômica durante os séculos XVII e XVIII”[16] Tal doutrina foi uma consequência da prosperidade do comércio com a autossuficiência do sistema feudal, que lentamente abria caminho para capitalismo comercial e uma expansão da atividade mercantil. Surgiram Estados Nações e como consequência houve uma crescente rivalidade econômica entre esses, sendo neste cenário que o corpo de doutrinas mercantilistas emerge.[17] Tal escola tinha como uma das principais doutrinas a ideia de uma balança comercial positiva, isto é, exportar mais que importar, mas além de um corpo de ideias, segundo pensadores da escola histórica alemã como Gustav Schmoller(1838-1917)[18], o mercantilismo expressava os interesses econômicos do Estado, sendo seu núcleo de ideias então um dirigismo e forte controle central por parte do Estado, defendendo o uso de tarifas e protecionismo afim de se proteger da concorrência externa e fortalecer internamente o Estado Nação. A principal preocupação dos mercantilistas era sobre como nações se tornam prosperas. Por conta disso, apoiavam-se na tese da balança comercial positiva. Alguns acreditavam que a abundância de dinheiro era de grande importância para a riqueza da nação, dáı advém a interpretação smithiana do mercantilismo que supostamente equivalia riqueza com dinheiro.[6]Sendo fato que os mercantilistas viam o ouro e a prata como formas desejáveis de riqueza e buscavam maximizá-la. Na França o mercantilismo teve uma variante chamada Colbertismo, cuja ação intervencionista e prote- cionista do Estado servia afim de proteger os comerciantes domésticos e financiar manufaturas estatais. Um dos principais pensadores dessa escola foi Thomas Mun (1571-1641) com sua obra A Discourse of Trade from England unto the East Indies (1621)[19] e England’s Treasure by Forraign Trade (1664)[20]. Ademais outros mercantilistas foram Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), Gerard de Malynes (1586-1641), William Petty (1623-1687) e James Stuart (1712-1780), cuja obra Principles of Political Oeconomy [21] (1767) é considerada uma das últimas grandes obras mercantilistas. 3.3 Fisiocratas Entre 1756 até 1776 reinou na França o pensamento fisiocrata, tendo iniciado com a publicação Grande Encyclopédie de François Quesnay (1694-1774), um médico que se transformou economista. Tal doutrina surgiu da contribuição de vários trabalhos e panfletos de membros da administração do reino francês justa- mente sobre administração, tendo ênfase nos aspectos econômicos e estudando os mecanismos de mercado, a partir do comportamento dos agentes como auto-interessado.[22] O cenário francês poĺıtico era constitúıdo pelo Antigo Regime, no qual havia uma grande regulamentação das relações produtivas que era feito pelo Governo. A indústria era pesadamente taxadas assim como a agricultura. Os camponeses tinham que arcar grandes custos, enquanto a nobreza era isenta de impostos. Dentro desse cenário, combinado com a guerra dos Sete Anos, houve necessidade de aumentar as receitas do governo. A situação econômica do páıs se tornou um assunto de preocupação pública[23][24], na qual os pensadores fisiocratas surgiram com uma solução. 1isto é, os ganhos de utilidade de consumir mais uma unidade de um bem são cada vez menores 3 Como argumenta P. Steiner: ”A doutrina fiscal [fisiocrata] visava diminuir o custo econômico e social da administração fiscal, notadamente para a população do campo, por meio de um imposto pago diretamente por aqueles que eram os contribuintes efetivos, os latifundiários.” [25] Além dessa poĺıtica os fisiocratas acreditavam na primazia da agricultura sobre demais setores e numa ordem natural nas relações humanas, tal como as leis da natureza descobertas por Newton que governavam o mundo f́ısico, também existiriam leis para natureza das relações humanas, assim o mercado deveria ser livre para seguir sua própria ordem, a da oferta e demanda. Deste corpo de doutrina advém a célebre expressão: Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même [deixar fazer, deixar passar, que o mundo vai por si mesmo] Um dos grandes contribuidores do pensamento fisiocrata, François Quesnay com sua ênfase em uma metodologia emṕırica e da necessidade de cálculos econômicos acurados para resolução de problemas na economia, desenvolveu um sistema que modelava toda circulação do capital, e como esse circulava na economia passando entre os latifundiários, o setor produtivo (agricultura) e setor estéril (manufatura). A figura 1 ilustra tal sistema, que Quesnay denominou de Tableu économique Figure 1: O Tableu économique de Quesnay[26] Entre outras figuras, teve notável importância para o pensamento fisiocrata o acadêmico Anne-Robert- Jacques Turgot (1727-1781), que dentre outras contribuições por uma análise de oferta e demanda demon- strou como o livre comércio geraria uma situação de Pareto-melhora, ou seja, uma situação onde os agentes econômicos todos se beneficiam dada a situação que estavam. Desenvolveu uma teoria do valor baseada na utilidade, assim como desenvolveu uma clara concepção de lucro como rendimento do capital investido.[27] 3.4 Economia Clássica Com a inauguração da célebre obra A Riqueza das Nações por Adam Smith (1723-1790)[6], sendo essa a base para o pensamento clássico junto com as obras de David Ricardo (1772-1823)[28][29], tal pensa- 4 mento perdurou por pelo menos um século, tendo como foco questões produtivas, distributivas e crescimento econômico. Essa escola foi constitúıda por principalmente por jornalistas, advogados e empresários que situavam-se primordialmente nas ilhas britânicas, com exceção do economista francês J.B.Say (1776-1832). Segundo Denis P.O’Brien: ”Os amplos conceitos básicos da Riqueza das Nações definiram a agenda para toda a era clássica. O indiv́ıduo busca o interesse próprio que, limitado por uma estrutura de lei, religião e costume, e um senso moral inerente (simpatia), produz uma coincidência de satisfação pública e privada. A competição em resposta aos sinais de preços aloca recursos à medida que o capital busca oportunidades de lucro, e a busca por maior produção a partir dos recursos comandados pelo capital leva à especialização e divisão do trabalho, a mola mestra do progresso técnico. A liberdade de comércio estimula o progresso técnico e amplia o mercado, permitindo o escoamento do aumento da produção - a divisão do trabalho depende da extensão do mercado.”[30]Ou seja, existia uma grande defesa por um mercado livre e livre comércio, muito baseado no modelo de vantagens comparativas ricardiano, ou seja, ”o argumento era basicamente que, se um páıs fosse geralmente mais eficiente do que outro, inicialmente teria um superávit na balança de pagamentos e o ouro fluiria para ele. Isso inflaria sua oferta de moeda e aumentaria seu ńıvel de preços, com o processo continuando até que os dois páıses estivessem em equiĺıbrio de balanço de pagamentos. O páıs mais eficiente importaria as mercadorias em que sua vantagem de produtividade fosse menor e exportaria aquelas em que sua superioridade fosse maior.”[30]. Embora uma atitude Laissez-faire como por exemplo é relutância a aceitar intervenções na indústria, essa atitude não era de maneira alguma dogmática, Smith alertava o papel do Estado na provisão de justiça, defesa e infraestrutura. Além que todos os clássicos eram favoráveis a provisão pública de educação e alguns defendiam formas de seguro desemprego, ou demais formas de aliviar o desemprego, em virtude da crescente mecanização do trabalho. O pensamento clássico pode ser formalizado como um sistema linear de reprodução simples[31], ou seja um sistema de produção em que os vários setores de economia dado certos inputs produzem outputs que serão realizados para alimentar o sistema. O cerne da problemática clássica diz respeito como se dá a produção e quem fica com o excedente, ou seja, como é distribúıdo os rendimentos tais como renda, lucro e salários.[32] Para uma discussão mais elaborada das minucias do pensamento clássico, sugerimos D.P.O’Brien (2003)[30] Era indispensável para os clássicos uma teoria do valor para explicar o sistema de mercado. O valor seria constitúıdo de duas formas, uma seria o valor de uso que diz respeito a utilidade que um bem provém e outro é o valor de troca, seria justamente o que vemos no mercado, que estaria associado com o trabalho para produzir o bem, ou trabalho socialmente necessário na formulação marxista[33]. Como diz Barbieri: ”Embora na primeira teoria [teoria clássica] o sistema de preços oriente no curto prazo a alocação de recursos, no longo prazo os preços gravitavam em torno dos custos de produção determinados em essência pela quantidade de trabalho empregada na produção dos bens”[34]. Ou seja, o valor trabalho é a ortodoxia para os clássicos para explicar preços, enquanto a utilidade do bem era ignorada. Esse pensamento muito se deve ao paradoxo da água e do diamante de Smith[6], que se perguntava do por que água seria tão barata mesmo sendo muito útil e diamantes muito caros mesmo sendo inúteis (ou menos úteis que água)? Tal questionamento fez Smith desviar se de explicações envolvendo utilidade, embora essa tenha sido usada por clássicos como Say[35] e Mountifort Longfield (1802 -1884)[36]. A escola clássica foi uma longa e rica tradição intelectual que se seguiu do programa de pesquisa iniciado por Adam Smith (1723-1790), com última grande obra dessa tradição sendo Das Kapital[37] de Karl Marx (1818-1883). Outro clássico notável foi Thomas Malthus (1766-1834), cuja a teoria populacional que a população cresce em progressão geométrica e a oferta de alimentos em progressão aritmética, assim uma restringe o crescimento da outra, serviu como doutrina para os demais pensadores clássicos. Além disso, fizeram parte dessa escola John Stuart Mill (1806-1873) e os já citados David Ricardo (1772-1823) e J.B.Say (1767-1832). 3.5 Revolução marginalista - a vertente inglesa, francesa e austŕıaca A revolução marginalista foi o desenvolvimento independente em 1871 e 74 do inglês William Stanley Jevons (1835-1882) no livro The Theory of Political Economy [38], do francês Marie-Ésprit-Léon Walras (1834-1910) no livro Elements d’économie politique pure[39] e do austŕıaco Carl Menger (1840-1921) no livro Grundsätze der Volkswirtschaftslehre[40] sobre a teoria da utilidade marginal, isto é, abandona-se uma teoria do valor baseada nos custos de produção ou valor trabalho para adotar um teoria de valor subjetivo, 5 utilizando-se do método marginalista. O método marginalista constitui nas palavras de Bert Mosselmans: ”[. . . ] é uma abordagem teórica em economia que resulta do insight de que as decisões econômicas são tipicamente tomadas “na margem”: o consumidor decide se deve ou não consumir um item adicional de um bem de consumo; o investidor financeiro decide se compra ou não uma ação adicional de uma determinada empresa; e o empregador decide se deve ou não contratar mais um trabalhador.”[41] A divergência entre a antiga visão clássica e a nova visão marginalista pode ser melhor exposta nas palavras de John Hicks:”É claro que não há dúvida de que a troca é uma caracteŕıstica básica da vida econômica, pelo menos em uma economia ”livre”, ou o que Marx teria chamado de economia ”capitalista”. Por nenhum dos economistas clássicos isso teria sido negado. Mas enquanto os clássicos olhavam para o sistema econômico principalmente do ângulo da produção, o catalactista [marginalista] olhava principalmente para o lado da troca. Era posśıvel, eles descobriram, construir uma ”visão” da vida econômica a partir da teoria da troca, como os clássicos haviam feito a partir do produto social. Era uma visão bem diferente”[32] A análise marginalista então além de propor uma nova visão colocando ”preços e alocação de recursos com oferta limitada como o centro da análise econômica”[42] Os marginalistas por seu método permitiram resolver o problema da água e do diamante ao olhar pra utilidade marginal decrescente, isto é, a cada acréscimo de uma unidade do bem menor vai ser o acréscimo marginal de utilidade, como exposto na figura 2. O problema é resolvido pois em baixos ńıveis de consumo, a água tem uma utilidade marginal muito maior do que os diamantes e, portanto, é mais valiosa. As pessoas geralmente consomem água em ńıveis muito mais elevados do que os diamantes e, portanto, a utilidade marginal e o preço da água são menores do que os diamantes. Figure 2: Utilidade marginal decrescente A revolução permitiu uma modernização na economia, principalmente pelo uso do cálculo diferencial e integral utilizado por Jevons e o sistema de equações simultâneas, que tornou pioneira a análise de equiĺıbrio geral, ou seja, da interrelação entre diversos mercados, por Léon Walras. Sendo o diferencial da vertente austŕıaca seu subjetivismo, uma vez que por exemplo para considerar um bem econômico é necessário as seguintes propriedades: 1. deve haver uma necessidade humana para a coisa 2. a coisa deve ser ”capaz de ser trazida a uma conexão causal com a satisfação dessa necessidade” 3. os humanos devem saber desta conexão causal 4. devemos ter comando suficiente sobre a coisa para que possamos usá-la para satisfazer a necessidade Como argumenta Horwitz: ”Além da segunda condição, que pode se referir às propriedades do próprio objeto, as condições listadas por Menger não se centram na coisa em si, mas em sua relação com os humanos. Ele fala das necessidades humanas, do conhecimento humano e de nossa capacidade de comandar a coisa em questão. Desde o ińıcio, Menger torna essas preocupações centrais para sua concepção de economia. Como ele argumenta mais tarde sobre o valor, o que torna algo um bem não é uma propriedade do próprio bem “mas 6 apenas uma relação entre certas coisas e os homens”[40]. Atribuir a caracteŕıstica de ser um “bem” à relação entre uma coisa e os seres humanos reflete o caráter nitidamente subjetivista do marginalismo austŕıaco.”[43] Então os marginalistas mudaram o foco da discussão clássica para tornar a economia não mais um prob- lema de distribuição do excedente, mas um problema alocativo, ou nas palavras de Lionel Robbins a economia é ”a ciência que estuda o comportamento humano como uma relaçãoentre fins e meios escassos que têm usos alternativos”[44]. O foco metodológico se torna agora na análise de mudanças marginais, enquanto a ver- tente inglesa usava de gráfico e cálculo, a vertente francesa utilizava de equações simultâneas modelando a economia como um todo interagindo e a vertente austŕıaca usava da prosa, se preocupando com questões de desequiĺıbrio e da atividade incerta empresarial, algo notável dessa vertente já que as demais pelo próprio aparato matemático focavam nas condições de equiĺıbrio do sistema econômico. Para saber mais da ver- tente inglesa, francesa e austŕıaca, recomenda-se respectivamente P.Groenewegen (2003)[45], D. A. Walker (2003)[46] e S.Horwitz (2003)[43] 3.6 Escola Neoclássica Como argumenta David Colinder: ”o uso atual do termo [neoclássico] por historiadores do pensamento é esquizofrênico e inconsistente”[4]. É um termo vago que denota divergentes teorias e posições de policy [poĺıtica], ao mesmo tempo que é usado de forma incoerente pela academia, não a toa que seus principais intérpretes, como Aspromourgos(1986)[47], Fayazmanesh (1998)[48] e Lawson (2013)[49] pedem para que essa nomenclatura deixe de ser usada. O termo geralmente é usado para caracterizar as teorias que se seguem após o marginalismo, sendo tudo que era anterior a essa seria o peŕıodo clássico, mas ao mesmo tempo para o termo ter algum significado é de se esperar que exista alguma continuidade com esses mesmos clássicos, embora Maurice Dobb[50] sugere que o termo contra-clássico seria mais adequado, tal como Schumpeter[51] disse que ”não há mais sentido em chamar a teoria de Jevons-Menger-Walras de neoclássica do que chamar a teoria de Einstein de neo-newtoniana” Segundo Aspromourgos[47] o termo teve sua origem em 1900 no artigo ”The Preconceptions of Economic Science” de Thorstein Veblen[52]. O termo seria usado para designar o pensamento marginalista de Alfred Marshall, que buscava sintetizar no seu trabalho o marginalismo com insights dos clássicos, mas o que efetivamente teria continuidade entre essas duas escolas seria o utilitarismo e de resto nada mais. Tal concepção de Neoclássico como derivação do Marshallianismo é seguida pelo historiador do pensamento econômico Stanley Brue[17]. Aspromourgos complementa que ”foi apenas com Hicks e Stigler, entre 1930 e 1940, que o termo foi estendido para embarcar o marginalismo no geral”, mas o pensador Milan Zafirovski já argumenta ”que essa nomenclatura neoclássica para o marginalismo era problemática na medida em que o marginalismo, especialmente sua versão anterior em Walras, Menger e especialmente Jevons, era não- e mesmo contra- ou ”anti-clássico” ao invés de ”novo” clássico, como o termo neoclássico sugeriria”[53] Um jeito de tornar operacionalizavel o termo é seguir Lawson[49] e investigar mais a fundo a diferenciação feita por Veblen[52]. Segundo a interpretação de Lawson, Veblen diferencia dois tipos de ciência em relação a sua ontologia: a taxonômica: ciência da normalidade ou do caso normal, que se preocupa com achar regu- laridades e correlações, isto é, considera a sociedade um sistema fechado, e a evolutiva: a ciência adaptativa que busca uma acumulação de sequências causais acumulativas, isto é, considera a sociedade um sistema aberto. O neoclássico, exemplificado pela figura de Marshall, seria justamente aqueles que como os clássicos seguiam uma metodologia taxonômica, porém aderem a uma ontologia evolutiva. Essa tensão fundamental entre método e ontologia constituiria o pensamento neoclássico. Mas como o mesmo Lawson defende o abandono do uso do termo, uma vez que esse esta sendo carac- terizado por uma posição conflitante. Diz ele ”se o uso atual do termo ”neoclássico” perdeu contato com seu significado original, não corresponde à sua fatura de sinalizar continuidade com a escola clássica e não é consistentemente interpretado de forma útil mesmo por aqueles que buscam coerência interna, parece ser adicionalmente o caso não haja necessidade de tal termo de qualquer maneira, pelo menos não para capturar os principais desenvolvimentos e / ou abordagens dentro da academia de economia moderna” Então usar o termo neoclássico para designar o que é feito hoje na academia parece tornar a nomenclatura inconsistente e consequentemente inútil, só faz sentido ela ser uma caracterização histórica, que segundo pensadores, como Roger Backhouse[54] iria de 1890 até 1939, com a maioria dos historiadores[4] seguindo Stigler e colocando o peŕıodo neoclássico entre 1870 até 1930, enquanto a autores como o já citado Brue[17] que diferenciam o marginalismo de Jevons-Menger-Walras do neoclássico de Marshall e cia, que ao nosso ver 7 parece ideal. Ou seja, neoclássico parece designar uma escola do pensamento datada no tempo, que por sua vez parece ir de 1870/1890 até 1930. Sendo seu pai fundador Alfred Marshall (1842-1924) com as suas contribuições condensadas no seu livro ”Principles of Economics”[55] Mas o que faz alguém neoclássico? Segundo Frank Hahn[56][57] é uma perspectiva individuaĺıstica, ou seja a unidade de análise é o indiv́ıduo, o uso de um axioma de racionalidade, e estudo de equiĺıbrios. Roy Weintraub[58] identifica os neoclássicos com base em relações de preferência racionais, maximização da utilidade por parte dos indiv́ıduos e dos lucros por parte das firmas, além de o agir dos indiv́ıduos ser baseado em informação completa. Já Arnsperger e Varoufakis[59] os identifica pelo individualismo, instrumentalismo e equiĺıbrio metodológico. Geoffrey Hodson[60] identifica as principais caracteŕısticas neoclássicas com base na hipótese de compor- tamento maximizador racional, estados de equiĺıbrio e ausência de problemas de informação. Por sua vez William Dugger[61] os neoclássicos se diferenciam por causa de sua metodologia, que leva em conta teorias preditivas, ou seja, cuja predição e o realismo destas é o que importa seguindo Machlup[62] e Friedman[63]. Sendo os indiv́ıduos e firmas maximizadoras a unidade de análise e uma perspectiva individualista na psi- cologia das teorias. Já Ben Fine[64] acredita que não é o comportamento maximizador ou racionalidade ou individualismo o foco da análise neoclássica, mas o uso do aparato matemático sua principal diferença metodológica. Para nosso entender Colider[4] apresenta os atributos neoclássicos mais notáveis, estes são: • concentra-se na alocação de recursos em um determinado momento no tempo • aceita algumas variações do utilitarismo como desempenhando um papel central na compreensão da economia • concentra-se em tradeoffs marginais • assume uma racionalidade previdente • aceita individualismo metodológico • é estruturado em torno de um conceito de equiĺıbrio geral da economia O modelo neoclássico em relação a macroeconômia, ou antiga área do ciclo de negócios, suas posições são melhor explicitadas em Lopes e Vasconcellos[65]: • as forças de mercado tendem a equilibrar a economia a pleno emprego, isto é, no ponto em que se igualam a oferta e a procura de mão-de-obra; corresponde a dizer que há completa flexibilização de preços e salários • como o ńıvel de atividade e de emprego está determinado automaticamente pelas forças de mercado, a quantidade de moeda afeta apenas o ńıvel geral de preços. Significa dizer que as variáveis reais, bem como os preços relativos, não são afetadas pela poĺıtica monetária (hipótese da neutralidade da moeda • a demanda agregada não é um fator determinante do ńıvel do produto; é válida a chamada Lei de Say: ”a oferta cria sua própria demanda” Em demais áreas, o foco do trabalho neoclássico é no desenvolvimento da microeconomia, ou na antiga teoria de preços, área que foi estabilizada durante 1920 e 1950, no sentido de que um consenso foi atingido. Como cita Roger Backhouse[66]: ”Na década de 1920, a ideia de que o comportamento do consumidordeveria ser visto como envolvendo a maximização da utilidade sujeita a restrições orçamentárias, com as demandas sendo determinadas por condições de primeira ordem relevantes, era amplamente aceita”. A definição de utilidade foi muito debatida, com a escolas de Cambridge propondo a visão de utilidade como a habilidade de satisfazer desejos. O conflito foi resolvido por meio da adoção de utilidade via pre- ferência revelada de Paul Samuelson[67]. Enquanto isso houve uma revolução da competição imperfeita, Joan Robinson[68], Sraffa[69] e E.H. Chamberlin[70] desenvolveram de forma independentes modelos de com- petição imperfeita, algo que paradoxalmente mostrou a importância da competição perfeita, por ser essa a teoria mais geral que tinha sido produzido na economia, uma teoria que servia de fundacional para teoria de preços. 8 Então dos debates sintetiza Backhouse, nesse peŕıodo de estabilização da teoria de preços: ”A teoria do consumidor deixou de explicar as escolhas e apenas as descreveu: a racionalidade passou a ser equiparada a preferências transitivas e consistentes. A empresa passou a ser modelada como maximizadora de lucros, e os aspectos da empresa e dos mercados (para os quais Marshall havia fornecido argumentos evolutivos) que não podiam ser inclúıdos nessa estrutura foram abandonados. A competição passou a ser entendida em termos de a incapacidade dos agentes de influenciar o preço em mercados desprovidos de qualquer caracteŕıstica institucional, definida apenas pela existência de um preço único. O resultado foi que as visões de processo da competição foram ignoradas.”[66] Entre os neoclássicos famosos estão entre eles o já citado Alfred Marshall (1849-1924), além disso Arthur Cecil Pigou (1877-1959), Jason Bates Clark (1847-1938), Frank Knight (1885-1972) entre outros 3.6.1 Escola Matemática ou neowalrasiana Seguindo o historiador do pensamento Stanley Brue[17], a escola matemática não é propriamente uma escola, mas um método e ao nosso ver um projeto pesquisa que nasceu do berço neoclássico e que dominou a fronteira econômica nos anos pós guerra. Isso se deu, por conta do renascimento dos debates sobre a teoria do equiĺıbrio geral e o uso de programação linear e demais análises matemáticas que serviram de grande importância para os esforços de guerra, tende prevalecido uma corrente formalista na economia em detrimento das escolas neoclássicas e institucionalistas, tal escola que não temos escopo para estender aqui, mas que pode ser estudada nos artigos de Malcom Rutherford[71][72]. 2 Para entender as transformações na economia consequentes dessa revolução formalista, é preciso primeiro entender o que aconteceu com a matemática no século XIX, segundo Lawson[49]:”A matemática, especial- mente por meio do trabalho de David Hilbert, tornou-se cada vez mais vista como uma disciplina propriamente preocupada em fornecer um conjunto de estruturas para posśıveis realidades. A matemática não era mais vista como a linguagem de natureza (não social), abstráıda do estudo desta última. Em vez disso, foi con- cebido como uma prática preocupada com a formulação de sistemas compreendendo conjuntos de axiomas e suas consequências dedutivas, com esses sistemas assumindo vida própria. A tarefa de encontrar aplicações passou a ser considerada de importância secundária, na melhor das hipóteses, e não de interesse imediato.” Antes de propriamente adentrarmos na importância dessas mudanças, precisamos passar pelo conteúdo das transformações econômicas antes da revolução. Nos anos 30 e 40 Paul Samuelson (1915-2009) transformou a profissão com seu seminal Foundations of Economic Analysis (1947)[73]. Segundo S.A.T.Rizvi[74]: ”Conforme a carreira de Samuelson avançava, o principal recurso matemático do livro - a formulação de quase todas as questões econômicas como um problema de otimização restrito - tornou-se comum. A otimização restrita passou a representar o problema econômico, englobando a formulação da economia de Lionel Robbins como a alocação de recursos escassos entre fins concorrentes. A escassez foi representada como restrição e o processo de alocação envolveu otimização.” Ou seja a linguagem padrão da economia se tornou a otimização via multiplicadores de Lagrange do Cálculo diferencial e integral. Essas transformações feitas por Samuelson foi acompanhada por Oskar Langue (1904-1965), Harold Hotelling (1895-1973), John Hicks (1904-1989), Maurice Allais (1911-2010) e Abba Lerner (1903-1982) que proveram as bases para estudar a demanda e oferta da economia com base em otimização. A curva de demanda sendo derivada de uma otimização restrita da função utilidade e a oferta de uma otimização das firmas, colocando sobre um aparato matemático a noção do indiv́ıduo como agente racional e a firma como maximizadora de lucro. O trabalho desse indiv́ıduos também culminou nos Teoremas de Bem Estar e um renascimento da teoria do Equiĺıbrio Geral, que essa por sua vez foi desenvolvida independentemente no Vienna Colloquium, que foi gerido por um grupo de matemáticos na Áustria por volta da década de 1930 buscando estudar a existência do equiĺıbrio competitivo.[75]. Tal grupo constitúıdo por Karl Menger (1902-1985), Karl Schlesinger (1889- 1938), Abraham Wald (1902-1950), entre outros foram estimulados pelo trabalho de John von Neumann (1903-1957) que introduziu o uso de teoremas de ponto fixo para provar a existência de equiĺıbrio. Segundo Rizvi[74]: Os esforços para demonstrar a existência de equiĺıbrio competitivo continuaram nos Estados Unidos sob os ausṕıcios da Cowles Commission, que começou em Chicago (posteriormente mudando- se para New Haven). Os teóricos do equiĺıbrio geral (Arrow, Debreu, Tjalling Koopmans, Lionel McKenzie e 2Vale a nota que no peŕıodo entre guerras houve um grande grau de pluralismo entre abordagens nas academias americanas, um pluralismo compartilhado pelos institucionalistas e neoclássicos que eram vistos como a ortodoxia da época. 9 outros) usaram técnicas matemáticas semelhantes às empregadas pelo grupo de Viena, em vez dos métodos de cálculo de Hicks e Samuelson. Os economistas de Cowles, incluindo Arrow (1951)[76], usaram o racioćınio ax- iomático (que também desempenhou um papel proeminente na Teoria dos Jogos e comportamento econômico de von Neumann e Morgenstern de 1944[77]). Eles também empregaram a teoria dos conjuntos, especial- mente porque analisou estruturas convexas (Koopmans, 1957[78]; Debreu, 1959[79]). Muitas das questões econômicas que examinaram eram semelhantes às consideradas por Samuelson: teoria do consumidor, teoria do produtor e os teoremas da economia do bem-estar. Estes foram reconsiderados com os novos métodos matemáticos, muitas vezes exageradamente contrastados com o cálculo anterior: Debreu escreveu deprecia- tivamente sobre “cálculo e outros compromissos com a lógica” (Debreu, 1959). Os prinćıpios básicos dessa abordagem foram dados no tratamento metodológico de Koopmans (1957)[78] e no enunciado resumido de Debreu (1959)[79].” Seguindo Blaug[5] foi esse uso do método axiomático dedutivo baseado no formalismo hilbertiano que deu origem a revolução formalista. Um exemplo t́ıpico é o desenvolvimento da teoria de crescimento moderna, que levou a controvérsia do capital[80]. Segundo Blaug algo notável tanto na teoria de crescimento quanto o debate de 20 anos que foi a controvérsia foi o caráter formaĺıstico dessa. A prova do equiĺıbrio geral em 1954 no artigo ”Existence of an equilibrium for a competitive economy”[81] de Kenneth Arrow (1921-2017) e Gérard Debreu (1921-2004) foi um grande desenvolvimento para esse pro- grama de pesquisa formaĺıstico. O caráter notável desse desenvolvimento matematizado do método ax- iomático e dos desenvolvimentos de teoria de jogos[82] por John Nash (1928-2015) foi o fato que processo de mercado convergindo ao equiĺıbriose tornam posições heterodoxas, enquanto a ortodoxia se preocupava com estado de equiĺıbrio, seu end-state (estado final). Para saber mais sobre os desenvolvimentos desse programa de pesquisa recomenda se o artigo Rizvi (2003)[74] e Blaug (2003)[5]. 3.7 Revolução Keynesiana Antes de propriamente falar dessa transformação no pensamento econômico é melhor situa-la no tempo. Em meados de 1920-30 com a crise de 29 se percebeu que as teorias neoclássicas em relação aos ciclos de negócio foram incapazes de entender e justificar a crise, uma vez que ela persistiu com desemprego involuntário, ou seja aquele que segundo a definição de Lopes e Vasconsellos: ”o indiv́ıduo, apesar de aceitar trabalhar ao salário vigente e mesmo abaixo deste, não consegue emprego”[65] É neste cenário que a seminal obra ”The General Theory of Employment, Interest and Money”[83] de John Maynard Keynes (1883-1946) faz uma verdadeira revolução no pensamento econômico, uma vez que reage ao pensamento neoclássico de Marshall e Pigou e estabelece um sistema cuja rigidez dos preços, ou seja, a incapacidade do mercado se autorregular rapidamente cria espaço para desemprego involuntário. Como resumido por G.C.Hancourt e Prue Kerr: ”A dicotomia do dinheiro real foi descartada; dinheiro e assuntos financeiros entrados desde o ińıcio da análise, totalmente integrados com os acontecimentos reais. O dinheiro, analiticamente, tinha todas as suas dimensões - uma reserva de valor, bem como um meio de troca e uma unidade de conta. A ênfase mudou do longo para o curto peŕıodo. As predileções de Keynes a esse respeito foram reforçadas pela abordagem e trabalho de seu aluno favorito, agora colega, Richard Kahn (1905-1989), cuja dissertação de bolsa de estudos de King, ”The economics of the short period”[84], tornou o curto peŕıodo digno de estudo por si só - embora , como veremos, não é unanimemente acordado que A Teoria Geral é ou deveria ter um peŕıodo curto de ênfase. A mudança da poupança que determina o investimento para o investimento que determina a poupança, que já estava ocorrendo em Cambridge e em outros lugares, tornou-se completa na Teoria Geral. A taxa de juros do dinheiro, agora o preço que igualava a demanda e a oferta de dinheiro, dominava o poleiro; a versão da Teoria Geral da taxa natural de juros tinha que estar à altura dela. O conceito herético de um equiĺıbrio de desemprego ou estado de repouso, o ponto de demanda efetiva, emergiu como a proposição central da Teoria Geral. Com a refutação da Lei de Say, a teoria quantitativa da moeda3 não explicou mais o ńıvel geral de preços. 3A teoria quantitativa da moeda constitui-se dá seguinte equação: MV = PT (1) onde: M =oferta monetária, V = velocidade do dinheiro, P = o ńıvel de preço médio e T = volume de transações na economia. Segundo o artigo na Investopedia ”What Is the Quantity Theory of Money?” um dos pontos essencias da teoria são • o ńıvel geral de preços de bens e serviços é proporcional à oferta de moeda em uma economia. 10 Keynes o substituiu por uma versão macroeconomica da curva de oferta de curto peŕıodo de Marshall. Com o preço do custo marginal geralmente assumido como ocorrendo, havia uma relação de inclinação ascendente entre a atividade e o ńıvel geral de preços em qualquer situação.”[85] As ideias de Keynes, que foram estabelecidas como válidas no curto prazo a despeito de certos keynesianos discordarem que esse seja o foco da teoria, serviram para os esforços de guerra na Inglaterra para evitar problemas inflacionários. Assim como Keynes influenciou as poĺıticas econômicos de modo a essas a agir de forma anti-ćıclica, ou seja, remediar os efeitos de depressões. Algo que foi adotado pelo presidente Franklin D. Roosevelt (1882-1945) afim de amenizar os efeitos da Grande Depressão advinda da crise de 29 com o pacote de poĺıticas conhecida como New Deal. Como descreve Lopes e Vasconcellos: ” Assim, da forma como Keynes caracteriza o sistema econômico, sua principal contribuição normativa foi propor o uso de poĺıticas fiscais compensatórias que tenderiam a ser muito mais eficientes do que instrumentos monetários, cuja eficácia dependeria de duplo condicionante: a capacidade da poĺıtica monetária em afetar as taxas de juros, e uma vez que tenha afetado, que está não seja sobrepujada por alterações na eficiência marginal do capital4, que limitem o impacto das alterações na taxa de juros sobre o investimento.”[65] Keynes criou uma ampla gama de seguidores em Cambridge e ao redor do mundo, estes ficaram conhecidos como os pós-keynesianos entre eles estão Michael Kalecki (1899-1970), Nicholas Kaldor (1908-1986), Joan Robinson (1903-1983), Luigi Pasinetti (1930- ), entre outros. Para uma análise mais profunda de Keynes e dos pós-keynesianos recomenda-se o artigo de Hancourt e Kerr[85]. 3.8 A śıntese neoclássica ou Escola neokeynesiana De acordo com Samuelson na terceira edição do seu livro Economics[86] colocou a seguinte frase: ”Nos últimos anos, 90 por cento dos economistas americanos deixaram de ser ‘Economistas Key- nesianos’ ou ‘Economistas anti-Keynesianos’. Ao invés eles trabalharam para uma śıntese de tudo o que é valioso na economia mais antiga e nas teorias modernas de determinação de renda. O resultado pode ser chamada de economia neoclássica e é aceita em sua ampla contornos por todos, exceto cerca de 5 por cento da extrema esquerda e da direita escritoras.” Assim como disse: ”Encontraremos repetidamente nos caṕıtulos posteriores o que é chamado de ”śıntese neoclássica”. De acordo com isto: se a economia moderna cumpre sua tarefa tão bem que o desemprego e a inflação são substancialmente banidos das sociedades democráticas, então sua importância diminuirá e a economia tradicional (cuja preocupação é a alocação sábia de recursos totalmente empregados) realmente entrará em sua própria - quase pela primeira vez”. (Samuelson, 1955, p. 11) Ou seja a śıntese neoclássica foi a união dos insights e modelo informal Keynesiano, como escrito em seu Teoria Geral[83], transformado em um modelo formal unido no paradigma neowalrasiano. Sendo os aspectos keynesianos se situando no curto prazo, enquanto a teoria antiga neowalrasiana se situando no longo prazo, tendo entrado no consenso das seguintes proposições de acordo com Backhouse[66]: 1. O prinćıpio organizador era o equiĺıbrio competitivo de oferta e demanda. A competição foi entendida como a incapacidade dos agentes individuais de influenciar o preço de mercado combinada, no longo prazo, com a liberdade de entrada e sáıda. 2. A demanda foi determinada pelos consumidores, que escolheram seu pacote de produtos preferido, su- jeito às restrições orçamentárias. As preferências foram assumidas para exibir não pacificação, transi- tividade e convexidade. Se uma função de utilidade foi usada, ela foi entendida como uma representação puramente ordinal de preferências. • As mesmas forças que influenciam a oferta e a demanda de qualquer mercadoria também influenciam a oferta e a demanda de dinheiro: um aumento na oferta de dinheiro diminui o valor marginal do dinheiro, de modo que a capacidade de compra de uma unidade de moeda diminui. 4Eficiência Marginal do Capital é a taxa de desconto que iguala o fluxo de receitas esperado ao custo do investimento. 11 3. Assume-se que as empresas se comportam como se maximizassem o lucro sujeito a uma função de produção e aos preços dos fatores e produtos. 4. Onde os problemas claramente envolviam comportamento não competitivo, as imperfeições da con- corrência eram entendidas como violações da premissa de tomada de preços: os agentes eram capazes de influenciar os preços nos mercados em que estavam negociando 5. As funções de bem-estar devem ser individualistas, contendo como argumentos as utilidades (no sentido descrito acima) dos consumidores individuais. Dada a ausênciade bases cient́ıficas para comparar as utilidades de diferentes indiv́ıduos, o principal critério de bem-estar era a eficiência de Pareto ou a otimização de Pareto (os dois termos sendo usados indistintamente). A śıtese pode se dizer que tem seu ińıcio no trabalho de Hicks ”Mr.Keynes and the ’classics’: a suggested interpretation” (1937)[87] e mais tarde estendido pelo trabalho de Alvin Hansen (1887-1975) no seu trabalho ”A guide to Keynes” (1953) [88]. Ambos autores desenvolveram o modelo conhecido com IS-LM onde incorpora todos os insights Keynesianos, por exemplo que o produto (a renda) é determinado pela demanda agregada, que os preços são ŕıgidos no curto prazo, a taxa de juros é um fator que está presente na demanda agregada no curto prazo afetando o investimento, enquanto também faz parte do longo prazo na oferta agregado, por permitir a expansão da capacidade produtiva. Um exemplo do modelo se mostra na figura 3. Figure 3: Modelo IS-LM. Representando em cada gráfico: ••••• A: uma expansão fiscal, ou seja, um aumento dos gastos do governo ou diminuição dos impostos • B: uma contração fiscal, ou seja, uma diminuição dos gastos do governo ou aumento dos impostos • C: uma expansão monetário, ou seja, uma diminuição da taxa de juros • D: uma contração monetário, ou seja, um aumento da taxa de juros 12 Como vai além do foco deste artigo, para estudar mais sobre a IS-LM recomendamos o livro Macroecono- mia de Olivier Blanchard[89] e seu artigo ”Neoclassical Synthesis”[90] para entender mais da śıntese com todos os seus detalhes e todas suas transformações especificas com seus diversos contribuidores. 3.9 Monetarismo Segundo Phillip Cagan: ”O monetarismo é a visão de que a quantidade de dinheiro tem uma grande influência sobre a atividade econômica e o ńıvel de preços e que os objetivos da poĺıtica monetária são mais bem alcançados tendo em vista a taxa de crescimento da oferta monetária.”[91] Segundo essa escola de pensamento a oferta monetária5 é a principal determinante do PIB atual no curto prazo e o ńıvel de preços em peŕıodos mais longos. Seguindo J.Brandford De Long[92] constatamos que houveram várias vertentes monetaristas ao longa da história. Seu primeiro movimento estaria associado ao trabalho de Irving Fisher (1867-1947) sobre a teoria quantitativa da moeda, que embora tais ideias possam ser remontadas a David Hume (1711-1776)[93] foi Fisher pioneiro no uso de tal teoria para fazer análises quantitativas e previsões sobre o ńıvel de preços, inflação e etc. A ausência de uma teoria para os ciclos de negócios e as análises de longo prazo advindas de Fisher levaram a ser criticados por Keynes justamente pelo fato de que no ”longo prazo estaremos todos mortos”[94]. Essa abordagem proto-monetarista foi abandonada com advento da revolução Keynesiana. O que nos leva a outra tradição proto-monetarista, que advém da Old Chicago Monetarism [monetarismo da velha Chicago] de Jacob Viner (1892-1970), Henry Calvert Simons (1899-1946) e Frank Knight (1885-1972). Há debates se tal tradição oral efetivamente existiu, Don Patkin[95][96] e Harry Johnson[97] negam a existência de um grupo coeso, já George Tavlas[98] afirma existir sim uma teoria, mesmo que impĺıcita. Nesse caso tal escola segundo De Long ”enfatizava a variabilidade da velocidade e sua correlação potencial com a taxa de inflação. Na poĺıtica econômica, eles culparam as forças monetárias que causaram a deflação como a fonte da depressão”[92]. Eis que chegamos finalmente no monetarismo em sua expressão clássica desenvolvida mais extensivamente por Milton Friedman (1912-2006) em artigos como Studies in the Quantity Theory of Money[99], A program for Monetary Stability[100] e The Role of Monetary Policy[101]. Ademais, segundo Jahan e Papageorgiou ”Hoje, o monetarismo está associado principalmente ao economista ganhador do Prêmio Nobel Milton Fried- man. Em sua obra seminal A Monetary History of the United States, 1867–1960[102], que escreveu com sua colega economista Anna Schwartz em 1963, Friedman argumentou que a má poĺıtica monetária do banco cen- tral dos EUA, o Federal Reserve, foi a principal causa do Grande Depressão nos Estados Unidos na década de 1930. Em sua opinião, o fracasso do Fed (como geralmente é chamado) em compensar as forças que estavam pressionando para baixo a oferta de moeda e suas ações para reduzir o estoque de dinheiro foram o oposto do que deveria ter sido feito. Eles também argumentaram que, como os mercados se movem naturalmente em direção a um centro estável, uma oferta de moeda definida incorretamente fez com que os mercados se comportassem de maneira errática’ [103] Segundo D. Laidler[104] o monetarismo teria como principal caracteŕısticas as seguintes: 1. Uma abordagem de ’teoria da quantidade’ para a análise macroeconômica em dois sentidos distintos: (a) aquela usada por Milton Friedman (1956)[105] para descrever uma teoria da demanda por dinheiro, e (b) o sentido mais tradicional de uma visão que flutua no quantidade de dinheiro é a causa dominante das flutuações na receita monetária. 2. A análise da divisão das flutuações da renda monetária entre o ńıvel de preços e a renda real em termos de uma curva de Phillips aumentada de expectativas, cuja estrutura exclui um trade off inverso de longo prazo economicamente significativo entre as variáveis. 3. Uma abordagem monetária para o balanço de pagamentos e a teoria da taxa de câmbio. 4. (a) Antipatia à poĺıtica de estabilização ativista, seja monetária ou fiscal, e aos controles de salários e preços, e (b) apoio para ’regras’ de poĺıtica monetária de longo prazo ou pelo menos ’metas’ apresen- tadas, expressas em termos do comportamento de algum agregado monetário em vez do ńıvel das taxas de juros. 5a quantidade total de dinheiro na economia 13 Os monetaristas estariam em confronto com os neo-Keynesianos, mas as maiores diferenças seriam em termos de policy (poĺıtica), notoriamente os monetaristas são defensores de poĺıtica monetária ao invés de fiscal, que segundo os eles essa teria pouco efeito. Friedman disse ”Eu continuo a acreditar que nossa diferença fundamental é emṕırica e não teórica”[106]. Tanto que ambos monetaristas quanto neo-keynesianos estiveram dispostos a dialogar usando o mesmo aparato, o modelo de IS-LM e discordando apenas do comportamento das curvas. Todavia Laidler[104] acredita que a verdadeira fonte das discordâncias advém da aceitação monetarista de uma modelagem num mundo walrasiano, por tanto não há necessidade do governo fazer poĺıtica econômica sistemática, enquanto os neo-keynesianos modelam um mundo não-walrasiano (embora aceitando-o no longo prazo como explicitado acima), ou seja, existe espaço para intervenção do Estado na economia de forma sistemática. Baseado na teoria quantitativa da moeda, os monetaristas veem a velocidade, isto é, a taxa que dinheiro troca de mão em mão, é geralmente estável, sendo assim renda nominal seria uma função da oferta monetária. Segundo Jahan e Papageorgiou[103] baseado nesses pontos da teoria quantitativa os pressupostos e pre- scrições monetaristas são: • Neutralidade monetária de longo prazo: Um aumento no estoque de moeda seria seguido por um aumento no ńıvel geral de preços no longo prazo, sem efeitos sobre fatores reais como consumo ou produto. • Não-neutralidade monetária de curto prazo: Um aumento no estoque de dinheiro tem efeitos temporários sobre o produto real (PIB) e o emprego no curto prazo porque os salários e preços levam tempo para se ajustar (eles são ŕıgidos, no jargão econômico). • Regra de crescimento monetário constante: Friedman, que morreu em 2006, propôs uma regra monetária fixa, que afirma que o Fed deveria ter como meta a taxa de crescimento da moeda para igualar a taxa de crescimento do PIB real, deixando o ńıvel de preços inalterado. Se a economia deve crescer2% em um determinado ano, o Fed deve permitir que a oferta de moeda aumente 2%. O Fed deve ser vinculado a regras fixas na condução da poĺıtica monetária porque o poder discricionário pode desestabilizar a economia • Flexibilidade das taxas de juros: A regra de crescimento monetário destinava-se a permitir que as taxas de juros, que afetam o custo do crédito, fossem flex́ıveis para permitir que os tomadores e credores levassem em conta a inflação esperada, bem como as variações nas taxas de juros reais. Monetaristas ganharam notoriedade na década de 70 por ser um peŕıodo de baixo crescimento e altas taxas de inflação. Sendo adotado como poĺıtica em 1979 com Paul Vocker (1927-2019) no FED e implementado no Banco da Inglaterra a mando de Margaret Thatcher (1925-2013). As aplicações foram bem sucedidas, mas logo o modelo monetarista veio a ser questionado dado que o link entre oferta monetária e PIB nominal ”quebrou”, ou seja, houve uma mudança na velocidade da moeda que fez a relação previamente achada ser estável se tornar instável, como consequência houve uma mudança entre dinheiro e performance econômica. Mesmo assim alguns insights monetaristas e a importância de poĺıtica monetária prevalecem até hoje sobre uma nova roupagem. Choque do petróleo, Estagflação e a cŕıtica de Lucas Dado o apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra de Yom Kippur, os páıses da OPEP aumentaram o preço do petróleo em mais de 400%, tal foi choque do petróleo que foi seguido de uma enorme recessão acompanhada de um fenômeno chamado Estagflação, que é segundo a definição da Investopedia: ”é carac- terizado por crescimento econômico lento e desemprego relativamente alto - ou estagnação econômica - que é ao mesmo tempo acompanhado por preços crescentes (ou seja, inflação). A estagflação também pode ser definida alternativamente como um peŕıodo de inflação combinado com um decĺınio no produto interno bruto (PIB)”. Ou seja, inflação combinada com desemprego persistente. A causa da Estagflação na época foi associado ao choque do petróleo, mas essa relação não explica a ausência de estagflação nas demais épocas nas quais houveram choque do petróleo, como nos anos 80 e seguintes. Segundo o estudo de Benjamin Hunt, ”a aceleração dos preços da energia por si só não pode explicar a estagflação amplamente experimentada ao longo da década de 1970”[107] e segundo Lutz Kilian[108] 14 foi a mudança de poĺıtica monetária, que teve um papel importante em causar o aumento do preço do petróleo e a estagflação em muitas economias. Segundo o autor: ”A aberração [da estagflação] parece ser o peŕıodo dos anos 1970 e começo dos anos 80. Barsky e Kilian (2002)[109] sugerem que a década de 1970 foi diferente das décadas precedentes e seguintes devido à ausência de restrições efetivas à poĺıtica monetária. Eles documentam que o ińıcio e o final da década de 1970 coincidiram com grandes mudanças nos regimes de poĺıtica monetária. A mudança inicial em direção a um regime de poĺıtica monetária menos restritivo tornou-se aparente com o colapso de Bretton Woods, que afrouxou as restrições remanescentes à poĺıtica monetária nacional. Como resultado, a poĺıtica monetária perdeu sua âncora.”[108] A estagflação representou a derrocada do pensamento neo-Keynesiano, uma vez que esse se mostrou incapaz de prever um fenômeno como esse. Nas palavras de Sargent e Lucas:”Nosso primeiro e mais impor- tante ponto é que os modelos macroeconométricos keynesianos existentes não podem fornecer uma orientação confiável na formulação de poĺıticas monetárias, fiscais ou outros tipos de poĺıtica. Esta conclusão é baseada em parte nas espetaculares falhas recentes desses modelos e em parte na falta de uma base teórica ou econométrica sólida. Em segundo lugar, no último terreno, não há esperança de que pequenas ou mesmo grandes modificações desses modelos levem a uma melhoria significativa em sua confiabilidade.”.[110] É nesse cenário que aparece a cŕıtica de Lucas, uma cŕıtica feita Robert Lucas Jr. (1937 - ) no seu artigo ”Econometric Policy Evaluation: A Critique”[111] sobre o uso de dados históricos como única base para considerar os efeitos da poĺıtica macroeconômica, fazendo um apelo para considerar as expectativas dos agentes. Os modelos macro deveriam considerar que os agentes tem expectativas racionais em relação as informações que contêm sobre poĺıtica econômica. A implicação do uso de expectativas racionais, segundo Blanchard[89]: ”era de que os modelos macroe- conômicos existentes não podiam ser usados ajudar a formular a poĺıtica econômica. Embora esses modelos reconhecessem que as expectativas afetavam o comportamento, não incorporavam as expectativas de maneira expĺıcita. Supunha-se que todas as variáveis dependiam de valores atuais e passados de outras variáveis, inclusive as variáveis de poĺıtica econômica. Portanto, o que os modelos captavam era o conjunto de relações entre variáveis econômicas que valiam no passado, sob poĺıticas econômicas passadas. Se essas poĺıticas fos- sem alteradas, argumentava Lucas, a maneira como as pessoas formavam as expectativas também se alteraria, tornando as relações estimadas — e, consequentemente, as simulações geradas com o uso dos modelos macroe- conométricos existentes — guias pobres quanto ao que aconteceria sob essas novas poĺıticas econômicas. Essa cŕıtica dos modelos macroeconométricos ficou conhecida como cŕıtica de Lucas. Tomando [. . . ] a história da curva de Phillips como exemplo, os dados até o ińıcio da década de 1970 sugeriam um dilema entre de- semprego e inflação. À medida que os formuladores de poĺıtica econômica tentaram explorar esse dilema, ele desapareceu.” 3.10 Escola Novo Clássico Em resposta as falhas da escola neo-keynesiana6 e a alta inflação e desemprego na década de 70 surge a Escola Novo Clássico. Como afirma Greenwald e Stiglitz: ”Em termos gerais, havia duas maneiras pelas quais as abordagens alternativas [keynesianas e não-keynesianas] poderiam ser reconciliadas: para adaptar a macro-teoria à micro-teoria, ou vice-versa. A Nova Economia Clássica adotou a primeira abordagem. Argumentou que o que havia de errado com a macroeconomia era a ausência de micro-fundações rigorosas. Seus defensores partiram de um ambicioso programa de pesquisa, que derivava o comportamento dinâmico e agregador da economia dos prinćıpios básicos de racionalidade e maximização de empresas e indiv́ıduos. A Escola reconheceu a importância de dinâmica para entender o macrocomportamento, e isso. reconheceu o papel central das expectativas na determinação do comportamento dinâmico. Concentrou sua atenção, então, nas consequências da formação de expectativas racionais, e é esse aspecto de seu trabalho que deu à Escola seu nome alternativo, Escola da Expectativa Racional.”[112] Ou seja, munidos com expectativas racionais, os Novo Clássicos viram a necessidade de micro-fundamentar os modelos macroeconômicos a modo de melhor entender a economia. Deveriam desse modelos em termos de policy, como diz Froyen: ”O prinćıpio central de poĺıtica da economia nova clássica é que a estabilização de variáveis reais, como produto e emprego, não pode ser alcançada pelo gerenciamento da demanda agregada. 6Vale a nota que as escolas de pensamento que iremos discutir neste excerto e no próximo dizem respeito a macroeconomia apenas. Sendo que a micro persiste em esṕırito o programa neowalrasiano, embora seu verdadeiror histórico recente é um tanto mais delicado que isso porém descrevê-lo aqui é além do escopo desse artigo. Recomendamos a leitura do artigo de Rizvi[74] 15 Os valores dessas variáveis, tanto no curto quanto no longo prazo, são insenśıveis às poĺıticas sistemáticas de gerenciamento da demanda agregada. Em outras palavras, na nova visão clássica, ações sistemáticasde poĺıtica monetária e fiscal que alterem a demanda agregada não afetarão o produto e o emprego, mesmo no curto prazo. Isso foi denominado a proposição de ineficácia da poĺıtica nova clássica.”[113] O programa de pesquisa Novo Clássico se pressupõe sobre a necessidade de microfundamentar os fenômenos macro, por tanto parte da ideia de que os agentes econômicos otimizam formando expectativas racionais e que o mercado tem um reajuste automático. Sendo assim, veem com desconfiança as hipóteses de salários ŕıgidos, tomando o mercado de trabalho como o de leilões, mesmo conscientes de contratos de longo prazo nesse, mas negam uma rigidez. Como consequência desse programa de pesquisa é o desenvolvimento do modelo do ciclos de negócios real (Real Business Cycle - RBC). Modelo este desenvolvido por Finn E. Kydland (1943- ) e Edward C. Prescott (1940- ) no clássico artigo ”Time to Build and Aggregate Fluctuations”[114], baseando-se nos pressupostos novo-clássicos, esses economistas, que viriam a ser nobelistas, desenvolveram um modelo em que os ciclos de negócio podem ser explicados como um fenômeno de equiĺıbrio e cuja as flutuações econômicas, segundo Froyen, são ”como ”decorrentes de variações nas oportunidades reais da economia privada”[115]. Os fatores que causam tais mudanças incluem choques tecnológicos, variações nas condições ambientais, mudanças nos preços reais (relativos) das matérias-primas importadas (por exemplo, petróleo bruto) e mu- danças nas taxas de impostos. Flutuações na produção também ocorrem com mudanças nas preferências dos indiv́ıduos - por exemplo, uma mudança na preferência por bens em relação ao lazer. Esses são os mesmos fatores que determinaram a produção no modelo clássico. Mas os economistas clássicos acreditavam que, na maior parte, esses fatores mudavam lentamente com o tempo. No curto prazo, eles foram tomados como dados. Eles eram os fatores que determinariam o crescimento a longo prazo. Os teóricos do ciclo econômico real argumentam que essas variáveis do lado da oferta também são a fonte de flutuações de curto prazo na produto e no emprego” Então em termos de policy [poĺıtica] cabe ao Banco Central ter uma poĺıtica monetária, que tem como alvo a inflação, seguindo regras de forma a ser cŕıvel. Para os teoristas do RBC poĺıtica fiscal afeta o produto e emprego, mas não por via da demanda agregada como no modelo keynesiano. Porém sim via o efeitos do lado da oferta, então cabe ao governo minimizar as distorções dos impostos. Fazem parte da escola Novo-clássico Robert Lucas Jr (1937- ), Thomas Sargent (1943- ), Robert Barro (1944- ) e os já citados Finn E. Kydland (1943- ) e Edward C. Prescott (1940- ) 3.11 Escola Novo Keynesiano Como argumenta Robert J. Gordon: ”No final da década de 1970, parecia que a paisagem macroeconômica dos EUA estava sendo varrida por uma maré novo-clássica e que a economia keynesiana havia se tornado um remanso isolado. Na verdade, ainda há uma impressão generalizada de que os melhores e mais brilhantes jovens macroeconomistas marchavam quase uniformemente sob a bandeira do novo clássico no ińıcio da década de 1980. No entanto, agora é evidente que os rumores da morte da economia keynesiana foram muito exagerados. Construindo sobre as bases lançadas no final dos anos 1970 por Stanley Fischer (1977a)[116] e Edmund Phelps e John Taylor (1977)[117], um grande número de autores, jovens e de meia idade, na última década produziram uma torrente de pesquisas dentro da tradição keynesiana que tenta construir as bases microeconômicas da rigidez de salários e preços. O adjetivo novo-keynesiano justapõe agradavelmente esse corpo de pesquisa com seu arco-oposto, a abordagem nova-clássica.”[118] A escola Novo-Keynesiana é uma resposta a cŕıtica novo-clássica e revolução das expectativas racionais. Como diz N.Gregory Mankiw e David Romer: “Os economistas do novo clássico argumentaram persuasiva- mente que a economia keynesiana era teoricamente inadequada, que a macroeconomia deve ser constrúıda so- bre uma base microeconômica firme.”[119] Os novos-keynesianos foram então buscar na microfundamentação um apoio para legitimar os conceitos keynesianos, como da rigidez de preços e de salários. Como aponta Greenwald e Stigltz[112] Os novo keynesianos buscam salvaguardar os insights de lord Keynes, esse princi- palmente são: 1. Uma teoria geral deve explicar a persistência do desemprego. 2. Uma teoria geral deve levar em conta as flutuações do desemprego 3. Poupança e investimento devem ser cuidadosamente distinguidos 16 4. Perturbações na demanda, não na oferta, fundamentam o comportamento ćıclico dos agregados macroe- conômicos Sendo assim os Novo-Keynesianos são agrupados por compartilharem uma modelagem feita a partir de competição imperfeita, são assumidos rigidez nos preços e introduzem rigidez real. Enquanto os modelos de RBC caracterizam os modelos novo-clássicos, o uso de modelagem de equiĺıbrio geral dinâmico e estocástico (Dynamic Stochastic General Equilibrium - DSGE) é notável na literatura novo keyne- siana. Como De Long[92] argumenta, o programa de pesquisa novo-keynesiano pode ser resumido por defender 5 proposições: 1. ”As fricções que impedem o ajuste rápido e instantâneo dos preços aos choques nominais são a principal causa das flutuações do ciclo de negócios no emprego e na produção. 2. Em circunstâncias normais, a poĺıtica monetária é uma ferramenta mais potente e útil para a estabi- lização do que a poĺıtica fiscal. 3. As flutuações do ciclo de negócios na produção são melhor analisadas a partir de um ponto de partida que as veja como flutuações em torno da tendência sustentável de longo prazo (em vez de decĺınios abaixo de algum ńıvel de produto potencial). 4. A maneira certa de analisar a poĺıtica macroeconômica é considerar as implicações para a economia de uma regra de poĺıtica, não analisar cada episódio de um ou dois anos isoladamente como requerendo uma resposta de poĺıtica única e idiossincrática. 5. Qualquer abordagem sólida para a poĺıtica de estabilização deve reconhecer os limites da poĺıtica de estabilização, incluindo as longas defasagens e os baixos multiplicadores associados à poĺıtica fiscal e as defasagens longas e variáveis e a magnitude incerta dos efeitos da poĺıtica monetária.” Um dos modelos clássicos novo-keynesiano é o do custo de menu, esse explica por que existe rigidez nos preços ao apontar que existem custos na mudança desses. Um exemplo de tal custos é o de coletar informação necessária para decidir o preço ótimo, ou por exemplo o custo percebido de uma redução de preços em uma recessão que pode levar a uma guerra de preços entre as firmas. Outro modelo importante é o de salário eficiente, que explica o motivo pelo qual firmas podem fixam salários acima do apropriado para esse mercado. Um exemplo seria o que tal aumento serviria de incentivo para os trabalhadores a serem mais eficientes, dado os custos de monitoração. Então a escola novo-keynesiana é um todo complexo com diversas modelagens, mas pode ser agrupadas pela microfundamentação de conceitos e insights keynesianos. Tais modelagens trabalham com competição imperfeita e expectativas racionais, se opondo aos novo-clássicos. Para saber mais dessa escola em seus por menores recomenda-se o artigo do Gordon[118]. Nessa escola fazem parte John B. Taylor (1946- ), Stanley Fisher (1943- ), N. Gregory Mankiw (1958- ), Paul Krugman (1953- ), Joseph Stiglitz (1943- ), entre outros. 3.12 A nova śıntese neoclássica Como escreve Abadallah Zouache: ”Uma nova śıntese neoclássica está surgindo (Goodfriend e King 1997)[120]. E, quando isso acontecer, a macroeconomia vai rejeitar as querelas teóricas e metodológicas das últimas décadas. A Nova Śıntese Neoclássica definirá os contornos do sucessor do modelo IS-LM. Mesmoque seja muito cedo para sustentar que há um acordo completo sobre a natureza da futura Śıntese Neoclássica, cada vez mais macroeconomistas consideram posśıvel tal futura śıntese, vista como uma extensão ’natural’ do consenso que prevalece sobre o entendimento dos principais mecanismos macroeconômicos.”[121] A nova śıntese neoclássica emergente nada mais é que a convergência dos modelos novo-clássicos com os novo-keynesianos. Algo que se tornou particularmente viśıvel durante a década de 90 e começo dos anos 2000. Para Goodfrey e King[120] tal śıntese incorpora: a) modelos macroeconométricos de larga escala, b) hipótese de rigidez dos modelo IS-LM, c) prinćıpios básicos advindos de Lucas, como substituição intertemporal e expectativas racionais e d) insghts monetaristas sobre teoria e prática da poĺıtica monetária. Segundo Froyen: ”[. . . ] os teóricos dos ciclos econômicos reais e os novos economistas keynesianos com- partilham o desejo de colocar a macroeconomia em uma base microeconômica sólida. Nos primeiros anos 17 do século XXI, isso levou a uma convergência considerável entre as duas escolas. [. . . ] muitas análises de poĺıticas modernas são realizadas em modelos que combinam elementos dessas duas escolas. Esses são mode- los em que os agentes otimizam, mas algum tipo de rigidez (geralmente um custo de menu) é incorporado. É criado um papel para a poĺıtica, a saber, fazer com que a economia se comporte como o faria na ausência de rigidez. Para alguns keynesianos, esses modelos vão longe demais ao incorporar outros elementos da teoria do ciclo de negócios real (por exemplo, expectativas racionais), mas para muitos economistas eles formam um meio-termo feliz.” [113] Todavia, com a Grande Recessão consequente da crise de 2008, mais e mais aparenta que a śıntese foi abalada. Algum economistas pedem pela volta das ideias de Keynes outros ficam contentem com integrar elementos do RBC com elementos keynesianos microfundamentados. O verdadeiro resultado da crise ainda está para ter seu veredito, enquanto isso persiste o mainstream cada vez mais alargando as fronteiras do nosso conhecimento econômico. 4 Conclusão Como vimos o mainstream constitui o trabalho que acontece na fronteira da pesquisa econômica. Tais são as ideias que são assumidas e defendidas pelos indiv́ıduos que são dominantes nas principais instituições acadêmicas, organizações e jornais num dado peŕıodo. Um processo dinâmico e complexo em que várias ideias são testadas sobre um mesmo viés metodológico, mas isso pode ser relaxado. Enquanto o Mainstream é foward looking [olha para frente] a ortodoxia é backward looking [olha para trás], ou seja, constitui um conjunto estático de ideias que ficaram da fronteira. Constitui a escola de pensamento dominante, assim como são as proposições, teoremas e demais conhecimento que fica acumulado nos livros-textos de graduação e/ou pós. Já neoclássico é um termo complicado, pois seu uso é inconsistente mas é melhor representado por uma escola de pensamento que durou de 1870 ou 1890 até 1930, sucessor da escola clássica e da revolução marginalista enquanto antecessor a revolução keynesiana e a śıntese neoclássica. Hoje em dia a academia é um conjunto diversos de ideias, pois afinal é isso que caracteriza o main- stream, constitúıdo principalmente de um dedutivismo matemático herança dos neowalrasiano, cujo projeto de pesquisa embora com muitas alterações, ainda perdura em esṕırito na microeconomia. Já na macro se encontra uma nova śıntese neoclássica, algo que pode ser relaxado como consequência da Grande Recessão. Este constitui a cara do mainstream moderno e seu histórico, na qual se mostra que está constantemente evoluindo e proliferando conhecimento sobre homem, sua relação com escassez e sobre o mundo. References [1] David Colander, Richard Holt, and Barkley Rosser Jr. The changing face of mainstream economics. Review of Political Economy, 16(4):485–499, 2004. [2] Robert M Solow. How did economics get that way and what way did it get? Daedalus, 126(1):39–58, 1997. [3] Ioana Negru. Revisiting the concept of schools of thought in economics: The example of the a ustrian school. 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