Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Doenca Inflamatoria Intestinal Fonte: Tratado de Gastroenterologia Introdução O termo “doença inflamatória intestinal” (DII) engloba a doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU), afecções que têm características comuns, como cronicidade, padrão recidivante, acometimento principalmente de adultos jovens de ambos os sexos. Por outro lado, há importantes diferenças na fisiopatogenia e no tratamento. Na RCU, o processo inflamatório está restrito à mucosa dos cólons e reto, ao passo que na DC envolve todas as camadas da parede intestinal, podendo se manifestar da boca ao ânus. Quadro clínico Os sintomas são variáveis, dependendo da extensão e do comportamento da doença, e incluem: Diarreia presente em cerca de 70% dos casos ao diagnóstico, associada ou não à presença de sangue ou muco; Dor abdominal tipo cólica de intensidade variável, em geral sem alívio com eliminação de flatos ou fezes, descrita por 80% dos pacientes; Emagrecimento, com perda ponderal importante em 60% dos indivíduos ao diagnóstico. Além disso, outros sintomas sistêmicos podem estar presentes, como febre, anorexia e mal-estar. Na RCU, o envolvimento do reto resulta em sangramento visível nas fezes, relatado por mais de 90% dos pacientes, urgência fecal, tenesmo e, algumas vezes, exsudato mucopurulento. História e exame físico A anamnese da DII deve incluir informações detalhadas sobre o início dos sintomas, viagens recentes, intolerâncias alimentares, uso de medicações como antibióticos e anti-inflamatórios não esteroidais, tabagismo e história familiar. A caracterização de sintomas noturnos, de manifestações extraintestinais envolvendo boca, pele, olhos, articulações, episódios de abscessos perianais ou fissuras e fístulas anais também devem estar descritos na história da moléstia atual. O exame físico deve avaliar o estado geral, peso e coloração de mucosas, pois são comuns alterações relacionadas à desnutrição e anemia. No abdome, é importante observar a presença de cicatrizes cirúrgicas, dor à palpação, geralmente sem sinal de irritação peritoneal, exceto na presença de complicações e distensão. Na DC, o processo inflamatório pode envolver o mesentério próximo ao íleo terminal levando à identificação de tumoração em quadrante inferior direito. O exame da região perianal, à procura de fissuras, fístulas e abscessos, é fundamental para o diagnóstico da doença. As fístulas perianais estão presentes em pelo menos 10% dos pacientes com DC no momento do diagnóstico, podendo acometer até 40% dos pacientes ao longo da evolução da doença. Manifestações extraintestinais das doenças inflamatórias As manifestações extraintestinais são comuns, com prevalência estimada de 20,1% na DC e 10,4% na RCU. As manifestações extraintestinais podem ser divididas em imunomediadas (artropatias, lesões cutâneas) e não imunomediadas, relacionadas a alterações metabólicas ou processos secundários (colelitíase, nefrolitíase e anemia). Algumas são temporárias e relacionadas à atividade de doença (artrite periférica, eritema nodoso, aftas orais e episclerite); outras podem seguir um curso independente (pioderma gangrenoso, uveíte, artropatia axial e colangite esclerosante primária). O acometimento articular, uma manifestação frequente, em geral é assimétrico, migratório e não causa deformidades. Pode ser dividido em: Artropatia periférica tipo I Associada com a atividade da doença intestinal, acometendo grandes articulações e em número menor que cinco, caracterizada por ser aguda, assimétrica e geralmente autolimitada. Artropatia periférica tipo II Poliartrite de pequenas articulações, principalmente das mãos, tem um curso crônico e independente da atividade da DII. Artropatia axial Inclui a sacroileíte e a espondilite anquilosante, sem relação direta com atividade intestinal. Entre 4 e 18% dos pacientes com DC cursam com artropatia assintomática, apenas com alteração radiográfica sugestiva de espondilite anquilosante, diagnosticada pela presença do HLA-B27. A lesão cutânea mais comum da DII é o eritema nodoso, descrito em 4% dos casos e caracterizado por nódulos subcutâneos dolorosos, com diâmetro variando de 1 a 5 cm, localizados principalmente em superfícies extensoras das extremidades e face tibial anterior. O pioderma gangrenoso, apesar de ser encontrado em 0,75% dos pacientes, tem importante correlação com a atividade de doença em 50% dos casos. Outras lesões cutâneas mais raras são a síndrome de Sweet, vasculites cutâneas, psoríase e doença de Crohn metastático. Aproximadamente 6% dos casos de DII desenvolvem manifestações oculares durante a atividade da doença, como a episclerite e a esclerite, de menor gravidade. Já a uveíte manifesta-se com hiperemia ocular, dor ocular, lacrimejamento e fotofobia e, se não tratada adequadamente, pode causar perda irreversível da visão. Outras complicações oculares descritas são a cegueira noturna, secundária à má absorção de vitamina A, e a catarata precoce, associada ao uso de corticosteroides. Pacientes com DC têm um risco relativo para colelitíase aumentado de 1,8 comparado à população geral. Os dois mecanismos são (1) eedução do total de sais biliares por menor absorção ileal decorrente do comprometimento pela doença ou ressecção e consequente supersaturação biliar de colesterol e (2) redução da motilidade da vesícula biliar. Colangite esclerosante primária (CEP) pode preceder a doença intestinal em vários anos e afeta cerca de 10 a 4% dos pacientes com RCU e DC, respectivamente. Apesar de não existir um tratamento efetivo para a CEP, seu diagnóstico tem implicações importantes, pois está associado a maior risco de colangiocarcinoma e de câncer colorretal. A colangiorressonância é o exame de escolha, mas se o exame for normal, a biópsia hepática está indicada para complementar a investigação. Avaliação clínica da RCU Na classificação de Montreal, a doença é dividida quanto à extensão (E) e gravidade (S, de severity); assim: E1: proctite – limitada ao reto. E2: colite esquerda – envolve cólon descendente até a flexura esplênica. E3: extensa – acometimento proximal à flexura esplênica, incluindo a pancolite. Os critérios de gravidade incluem S0 a S3: A classificação de Montreal foi adaptada dos critérios clássicos de Truelove e Witts, com a vantagem de contemplar pacientes em remissão, além de incluir a extensão do processo inflamatório, importante parâmetro na escolha da medicação e via de administração, ou seja, se na forma de supositórios, enemas ou via oral. Essa classificação também inclui a programação de colonoscopias para vigilância do câncer colorretal. Ainda de forma simplificada, pode-se dividir a gravidade do episódio agudo de RCU em leve, grave e fulminante. Leve O paciente não preenche critérios para doença grave ou fulminante, podendo ser tratado ambulatorialmente. Grave • O doente apresenta seis ou mais evacuações sanguinolentas, além de um ou mais dos seguintes achados: - Febre (temperatura acima de 37,5°C), taquicardia (frequência cardíaca acima de 100 bpm), anemia (hemoglobina abaixo de 10 g/dL), velocidade de hemossedimentação elevada (acima de 30 mm na primeira hora) e hipoalbuminemia (abaixo de 3,5 g/dL). Fulminante Cursa com mais de 10 evacuações ao dia, com enterorragia, febre, taquicardia, necessidade transfusional, provas de atividade inflamatória elevadas, com ou sem megacólon tóxico, caracterizado por uma dilatação de cólon transverso com diâmetro acima de 6 cm, evidenciada na radiografia de abdome, ou perfuração intestinal. Outra classificação utilizada é o Escore Completo de Mayo, que levaem consideração a frequência de evacuações e o sangramento via retal, associado aos achados endoscópicos. A soma dos pontos com valor igual ou menor que 2, ou seja, todos os critérios pontuando entre 0 ou 1, indica remissão clínica; a pontuação total de 3 a 5 expressa atividade leve; escores entre 6 e 10 apontam para atividade moderada; e de 11 a 12, grave. O índice mais empregado atualmente para avaliar a atividade endoscópica da RCU é o escore parcial de Mayo. Remissão (Mayo = 0): exame normal ou ausência de qualquer inflamação na mucosa. Atividade leve (Mayo = 1): quando se observa apenas enantema, redução do padrão vascular e mínima friabilidade. Atividade moderada (Mayo = 2): na presença de enantema mais intenso, não é possível visualizar a trama vascular, além de friabilidade e erosões. Atividade severa (Mayo = 3): quando há sangramento espontâneo e ulcerações. O índice endoscópico para retocolite ulcerativa – UCEIS (Ulcerative Colitis Endoscopic Index of Severity) utiliza o padrão vascular, sangramento e ulcerações da mucosa em sua classificação, com pontuações de 1 a 3 para cada um dos três critérios, que são somadas. → Possui pouca aplicação prática. Avaliação clínica da doença de Crohn A avaliação clínica da doença de Crohn considera a localização, a extensão e o comportamento da doença, além das manifestações extraintestinais. A classificação de Montreal tenta unificar esses dados e, embora não contemple a atividade clínica ou endoscópica e as manifestações extraintestinais. Na prática clínica a impressão médica ainda é a mais utilizada para avaliar gravidade e guiar a opção terapêutica, considerando-se o número de evacuações, peso, bem-estar geral, dor abdominal e manifestações extraintestinais, complicações e presença de tumoração em fossa ilíaca direita. Atualmente, busca-se como alvo terapêutico a cicatrização da mucosa. No entanto, como nem sempre existe correlação entre a atividade endoscópica e atividade clínica, a realização do exame endoscópico, de preferência de forma padronizada e a utilização de sistemas de pontuação têm se mostrado eficazes em diminuir a subjetividade da impressão médica na conduta terapêutica. O primeiro índice proposto com esse objetivo foi o CDEIS (Crohn’s Disease Endoscopic Index of Severity), que avalia de forma independente cada segmento do intestino (íleo, cólon direito, transverso, cólon esquerdo e reto) quanto à presença de úlceras superficiais e profundas, superfície do intestino acometido e a presença de estenoses com ou sem inflamação. Por outro lado, o escore SES-CD (Simplify Endoscopic Score for Crohn’s Disease) analisa os mesmos pontos do CDEIS, porém, de forma simplificada, tornando mais fácil sua aplicação. Diagnóstico RCU A colonoscopia com intubação ileal e biópsias seriadas (do íleo ao reto) é a melhor forma de diagnosticar e avaliar a gravidade e extensão da RCU. A realização de biópsias seriadas é aconselhada para todos os pacientes, exceto para aqueles com colite grave, nos quais também existe a recomendação de extremo cuidado na realização da colonoscopia, ou preferencialmente a substituição desse exame por retossigmoidoscopia flexível com pouca insuflação e preparo retrógrado, que seja suficiente para o diagnóstico ou exclusão de doença infecciosa. Na RCU o comprometimento da mucosa inicia-se no reto e pode se estender proximalmente até o ceco de forma contínua e com clara demarcação entre a área doente e normal. Observa-se enantema e edema da mucosa, com perda do padrão vascular, friabilidade, erosões ou ulcerações superficiais. Friabilidade • A definição de friabilidade na endoscopia não é padronizada. • O ECCO considera a presença de sangramento após três segundos de pressão da pinça de biópsia fechada sobre a mucosa, mas a maioria das diretrizes define como mucosa friável o sangramento espontâneo ao toque do aparelho. Os achados histológicos são variáveis, geralmente inespecíficos, auxiliam pouco no diagnóstico e podem ser descritos como ramificações, distorções, depleções e alargamentos das criptas consequente à inflamação crônica da mucosa, assim como a depleção das células caliciformes e a metaplasia das células de Paneth associada à reparação tecidual. A inflamação crônica é considerada o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer colorretal. Diagnóstico de Crohn Assim como na RCU, o diagnóstico é baseado em uma combinação de achados endoscópicos, histológico e de imagem. A colonoscopia é o principal exame. No entanto, faz-se necessária a investigação complementar do intestino delgado por métodos de imagens como a enterotomografia ou enterorressonância e, em situações especiais, por meio da cápsula endoscópica e enteroscopia assistida por balão. Colonoscopia • A localização do processo inflamatório é acessível pela colonoscopia em cerca de 80% dos casos e caracteriza-se por lesões descontínuas, úlceras profundas e longitudinais, com tendência a não acometer o reto. • De maneira geral, observam-se acometimento de cólon, íleo terminal e ileocolônico em 20%, 30% e 30% dos casos, respectivamente. • Após a confirmação diagnóstica de DC por colonoscopia, recomenda-se a avaliação do intestino delgado por meio de exames de imagem para quantificar (precisar) a extensão da doença antes do início do tratamento. Enteroscopia com duplo balão • Como a doença de Crohn pode acometer áreas do intestino delgado que não são acessíveis à EDA ou à colonoscopia, algumas vezes há necessidade de complementar a investigação com exame de enteroscopia com duplo-balão ou com balão único, que pode ser realizado por via retrógrada, anterógrada ou ambas, permitindo a visualização de todo o intestino delgado, bem como a realização de biópsias e procedimentos terapêuticos, como dilatações. • Esse exame ainda é pouco disponível e de alto custo em nosso meio. Cápsula endoscópica • A cápsula endoscópica é um exame bastante sensível, superior à tomografia ou à ressonância no diagnóstico da doença de Crohn, de fácil realização e bem tolerada pelo paciente. • Entretanto, a cápsula está contraindicada em pacientes com obstrução gastrointestinal, estenoses ou fístulas, marca-passo ou outros dispositivos eletrônicos implantados, e precisa de auxílio por endoscopia para inserção na presença de distúrbios da deglutição. • A indicação desse exame está reservada para pacientes com alta suspeita de doença de Crohn, mas sem comprovação diagnóstica com outros exames. • Também é um procedimento útil no estadiamento da doença, pois permite a avaliação da extensão e atividade inflamatória no intestino delgado. Exames de imagem Enterotomografia • A enterografia por tomografia computadorizada é um exame rápido e bem tolerado; no entanto, implica exposição à radiação, limitando sua indicação em indivíduos jovens com DII, pois provavelmente vão necessitar de avaliações repetidas ao longo da sua vida. • Durante o exame, as imagens do intestino delgado e grosso são adquiridas durante uma única pausa respiratória, com baixa interferência de artefatos como o peristaltismo intestinal. • A ingestão oral de contraste neutro (polietileno glicol ou manitol), resulta em distensão das alças intestinais e, associado ao contraste intravenoso, permite a avaliação apropriada do intestino. • A distensão luminal inadequada pode mimetizar espessamento de parede ou atrapalhar a detecção de lesões da mucosa. • Os achados radiológicos são hiper-realce de mucosa, espessamento e estratificação de mucosa, ulceração transmural, proliferação do mesentério, ingurgitamento da vasa recta e estenoses associadas ou não à dilatação de alças a montante. Enterorressonância • As imagens na enterografia por ressonâncianuclear magnética (RNM) são geradas em sequências Fast, T1, T2, com uso de contraste venoso e oral (Manitol 7,5% ou Polietilenoglicol). • A enteroRNM tem acurácia diagnóstica similar a enteroTC, sem expor o paciente a radiação ionizante, mas tem limitações pelo alto custo, menor acessibilidade e por ser de difícil realização, já que o grande número de sequências realizadas aumenta o tempo do exame. • A RNM de pelve é o procedimento de escolha para identificar fístulas e abscessos perianais e é superior a outros métodos de imagens, mas necessita de contraste por via oral ou retal. Trânsito intestinal (Tide) • O Tide deixou de ser o exame de escolha para avaliação de delgado na doença de Crohn. • É substituído com vantagens pela TC ou RNM com enterografia, principalmente na avaliação da parede intestinal. Ultrassonografia • tem baixo custo e pode ser executada com rapidez na maioria dos serviços de saúde, com alta especificidade para detecção de lesões extraintestinais na doença de Crohn, como abscessos. • Além disso, traz informações valiosas sobre a espessura da mucosa, se realizada com preparo prévio adequado (macroglucol), que se correlacionam com a atividade – endoscópica da doença. Exame anatomopatológico • A análise anatomopatológica dos fragmentos de biópsia tem limitações importantes no diagnóstico da DII, contribuindo pouco na diferenciação entre RCU e DC, uma vez que achados mais específicos, como a identificação de granuloma na biópsia endoscópica, ocorrem em apenas 5% dos pacientes com diagnóstico de doença de Crohn. • No entanto, diante de casos refratários, nos quais é importante afastar outras causas de lesão intestinal, como infecção por citomegalovírus ou fungos, a investigação anatomopatológica tem importância. • Em paciente com mais de 10 anos de DII e envolvimento de cólon, a realização de pancromoscopia com biópsias de áreas suspeitas está indicada para rastreio de displasia, substituindo as biópsias seriadas do passado (biópsias nos quatro quadrantes a cada 10 cm). Exames laboratoriais Hemograma: pode identificar anemia e plaquetose. O padrão da anemia em geral é misto, de doença crônica e deficiência de ferro, mas também pode ocorrer por deficiência de vitamina B12 Provas de atividade inflamatória, como a proteína C-reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), alfa-1-glicoproteína ácida. Testes microbiológicos para excluir diarreia infecciosa, incluindo a pesquisa das toxinas A e B do Clostridium difficile, Campylobacter sp. e E. coli. Sorologia para HIV. Nos últimos anos, a calprotectina fecal tem auxiliado no diagnóstico e no acompanhamento da DII após início do tratamento, pois valores inferiores a 50 mcg/g de fezes têm uma alta acurácia na diferenciação de doenças inflamatórias e doenças funcionais, como a síndrome do intestino irritável. É um bom marcador para avaliar recidiva das doenças, e é o exame com melhor correlação com a atividade endoscópica. Diagnóstico diferencial Dentre as desordens funcionais intestinais, a síndrome do intestino irritável é a que mais se confunde com DII, embora caracteristicamente se diferencie da RCU e DC por não estar associada a febre, perda de peso, sangramento ou manifestações extraintestinais. Outras desordens devem ser excluídas, como colite secundária ao uso de medicações (especialmente anti-inflamatórios não esteroidais – AINEs), doença isquêmica, colite actínica secundária à radiação, colite microscópica, colite neutropênica, colagenoses, tuberculose e o linfoma intestinal. Avaliação e tratamento Ao avaliar um paciente com RCU para tratamento, é necessário conhecer a extensão da doença. Também é preciso avaliar a intensidade/gravidade da doença no momento de tomada da conduta. Embora haja vários critérios e escores utilizados, atualmente o mais utilizado é o escore da Clínica Mayo. O objetivo principal do tratamento, como já dito, é a indução e a manutenção da remissão, de preferência clínica e endoscópica. A documentação de cicatrização da mucosa requer avaliação endoscópica. Portanto, ressaltam-se dois pontos importantes a serem cuidados: o que é uma mucosa cicatrizada? Quando realizar a avaliação endoscópica para checar essa cicatrização? Em geral, considera-se cicatrizada uma mucosa que se enquadra nas categorias 0 ou 1 do subescore endoscópico da Clínica Mayo. Pacientes que conseguem atingir a cicatrização da mucosa têm uma evolução mais favorável, com menos necessidade de corticosteroides, menos hospitalizações e menos colectomias. A colonoscopia, embora apresente índice relativamente baixo de complicações graves, é um procedimento incômodo, invasivo e não completamente seguro. Deve ser solicitada quando é necessário tomar decisões importantes para o manejo do doente, como avaliar a eficácia da terapêutica adotada no fim de um período adequado de tratamento com determinada droga ou, então, quando o paciente vinha evoluindo bem com uma droga que perde sua eficácia em dado momento e necessita ser substituída por outra. Na avaliação da atividade inflamatória, a realização de colonoscopias frequentes, indesejável pelos motivos expostos, pode ser substituída pela dosagem de calprotectina fecal. Calprotectina fecal • Essa proteína está presente nas fezes quando há inflamação da mucosa, e sua dosagem vem se tornando mais disponível atualmente em nosso meio. • A dosagem de calprotectina fecal correlaciona-se melhor com a avaliação endoscópica da inflamação do que os sintomas clínicos ou provas inflamatórias sistêmica, como a proteína C- reativa. Outras considerações importantes referem-se ao perfil de risco do paciente e a resposta à terapia com corticosteroides. Sabe-se que colites mais extensas, uso de corticosteroides, recidivas que requerem internação e níveis elevados de proteína C-reativa ou velocidade de hemossedimentação estão associados a um risco maior de colectomia. Quanto à resposta com o uso de corticosteroides, os pacientes podem responder adequadamente ou comportar-se de modo corticodependente ou corticorrefratário. • Corticodependente: é aquele no qual não se consegue retirar o corticosteroide oral sem a recidiva de sintomas, dentro de um período de 3 meses, ou uma recidiva de sintomas dentro de 3 meses após interrompido o corticosteroide, ou a necessidade de uso do mesmo por mais de duas vezes em um ano. • Corticorrefratário: é aquele que não apresenta resposta sintomática apesar do uso de 40 a 60 mg de prednisona oral por dia, por pelo menos 14 dias. Mediante uma falta de resposta terapêutica a qualquer dos medicamentos que estiverem em uso, ou seja, antes de um diagnóstico de “falha de tratamento”, é necessário considerar se os sintomas apresentados não decorrem de outras causas coexistentes, tais como a síndrome do intestino irritável, sangramento por hemorroida ou divertículos, infecções entéricas etc. A terapia mais tradicional é baseada nos aminossalicilatos sulfassalazina e mesalazina. TRATAMENTO X TIPO DE RCU • Proctite em atividade leve a moderada, supositórios de mesalazina (ácido 5-aminossalicílico – 5-ASA), na dose de 1 g/dia, é a recomendação. • Retossigmoidite, enemas de 5-ASA, em dose de 1 g/dia ou mais, é a terapêutica de escolha. • Colite leve a moderada de qualquer extensão proximal ao reto, 5-ASA oral, na dose de 2 a 4,8 g/dia, é o tratamento de escolha. Estudos sugerem uma dose-dependência da resposta, sendo recomendada uma dosagem entre 2 e 2,4 g/dia na doença em atividade leve, e doses superiores, até 4,8 g/dia, na atividade moderada. A eficácia da sulfassalazina é comparável à da mesalazina, porém, a primeira apresenta maior taxa de efeitos colaterais. A frequência de eventos adversos com o usode mesalazina fica em torno de 15%, sendo os mais comuns náusea, flatulência, diarreia, cefaleia, rash cutâneo e plaquetopenia. A avaliação da eficácia da utilização de 5-ASA deve ser realizada dentro de 4 a 8 semanas, a fim de verificar se há necessidade de introduzir outra terapia no caso de resposta inadequada. Em geral, os sintomas melhoram entre 2 e 4 semanas. Nos pacientes que atingem resposta adequada, a terapêutica deve ser mantida indefinidamente, na mesma dose ou com pelo menos 2 g/dia de mesalazina, enquanto as avaliações periódicas mostrarem remissão da doença. Nos pacientes que não respondem à terapia com 5- ASA oral, não é recomendado mudar para outra formulação de 5-ASA, mas, sim, a troca para outra classe terapêutica. Em relação aos corticosteroides, são recomendados para indução de remissão como primeira linha em pacientes com doença moderada a grave. Não são recomendados como primeira linha em doença leve. A dosagem utilizada varia entre 40 mg (mais comum) e 60 mg de prednisona por dia, por via oral. Não há aumento de eficácia ao utilizar doses maiores do que essa, e aumentam os efeitos adversos. É importante notar que mais de 50% dos pacientes apresentam em curto prazo edemas, acne, dispepsia e distúrbios do humor durante a terapia. Em nosso meio, dispomos atualmente apenas da budesonida enema, contendo 3 g, para a doença retossigmoidiana. Um importante aspecto a ser frisado é que corticosteroides nunca devem ser utilizados como terapia de manutenção. Em longo prazo, estão associados com catarata, osteoporose, miopatia e aumento da suscetibilidade a infecções. O paciente em uso de corticosteroides deve ser avaliado dentro de duas semanas quanto à resposta terapêutica. Se não houver resposta, a terapia deve ser modificada, sem insistir no uso do esteroide. Se houver uma resposta parcial, recomenda-se tentar estender o uso por mais um curto período (uma semana) e reavaliar. Os imunossupressores constituem-se em alternativa terapêutica importante na colite ulcerativa. São representados principalmente pela azatioprina e seu metabólito 6 mercaptopurina, e pelo metotrexato. AZATIOPRINA • Pode demorar entre 2 e 6 meses para atingir plena eficácia terapêutica, o que contraindica seu uso para indução da remissão. • Há utilidade da azatioprina na manutenção da remissão, especialmente em pacientes corticodependentes. • Ela é mais eficaz que a mesalazina para manter remissão livre de corticosteroides. • Recomenda-se a dosagem da enzima tiopurina metiltransferase (TPMT) que pode ser útil no estabelecimento da dose apropriada da medicação, porém, esse teste é pouco disponível em nosso meio, e ainda assim sua dosagem não dispensa a monitoração hematológica periódica para checagem de leucopenia, efeito colateral importante da droga. • Ultimamente, tem havido uma tendência à recomendação de terapia biológica em vez de azatioprina para pacientes corticodependentes, já que esses pacientes têm pior prognóstico e os biológicos apresentam maior eficácia que as tiopurinas na manutenção da remissão. Metotrexato • há uma falta de informações e estudos consistentes sobre sua indicação para induzir e manter a remissão em colite ulcerativa, razão pela qual não há recomendação dessa droga com tal finalidade, na grande maioria dos pacientes, a não ser em casos excepcionais. Terapia biológica com anticorpos anti-TNF (infliximabe, adalimumabe) ou com drogas antimoléculas de adesão (vedolizumab) • Está indicada em pacientes que não respondem à terapia de indução com corticosteroides ou naqueles que não respondem às tiopurinas. • Tanto o infliximabe quanto o adalimumabe mostraram-se eficazes para indução e manutenção da remissão em pacientes com colite ulcerativa moderada a grave. • Com relação ao adalimumabe, o estudo ULTRA 1 mostrou uma eficácia maior do tratamento no grupo em uso de imunossupressores + adalimumabe do que no grupo tratado apenas com adalimumabe. Recomenda-se que o início da terapia seja feito de modo combinado com imunossupressores, em particular a azatioprina, pois essa medida aumenta a eficácia e reduz a formação de autoanticorpos contra a droga biológica, o que ocorre em cerca de 10 a 20% dos pacientes em um ano e está associada a uma diminuição da eficácia e perda da resposta terapêutica. A terapia combinada biológico + imunossupressor aumenta ligeiramente a taxa de infecções e câncer em relação ao uso isolado de cada uma. Como já dito anteriormente, apesar de a azatioprina ser uma opção para o tratamento da colite ulcerativa corticodependente, há uma tendência entre especialistas de indicar a terapia biológica nesta situação, em razão da existência de evidências mais robustas de eficácia da última e tendo em vista que pacientes corticodependentes têm pior prognóstico em médio e longo prazos. A resposta sintomática à terapia com anti-TNF deve ser avaliada em 8 a 12 semanas. Se não houve resposta clínica nesse período, deve ser discutida nova estratégia terapêutica. Havendo resposta, outros controles serão necessários posteriormente, incluindo a colonoscopia para verificar a cicatrização da mucosa. Como referido anteriormente, ao longo do tratamento pode haver perda de resposta ou o paciente pode apresentar uma resposta inicial incompleta com os biológicos. Idealmente, a medida de níveis séricos da droga e quantidade de autoanticorpos é muito útil para determinar a conduta a ser adotada. Nenhum dos dois está disponível na grande maioria dos centros no Brasil.
Compartilhar