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ANOTAÇÕES DE AULA – ECONOMIA CAFEEIRA O comerciante de café e o crédito agrícola Século XIX e meados do século XX: os mecanismos de financiamento da produção vinculavam-se profundamente à comercialização do produto tendo como figura central os comerciantes de café (comissários) de Santos e do Rio de Janeiro. A cultura do café exigia investimentos de gestação demorada, pois: – É uma cultura permanente de trato intensivo, ou seja, a lavoura requer cuidados o ano todo; – Necessita de um longo período para a plena formação dos cafezais (5-6 anos). A expansão e a manutenção dos cafezais exigia muito capital de giro, independentemente do tipo de mão-de-obra utilizada. A função de comercialização era extremamente especializada envolvendo o preparo de diversos tipos de café e outras características que refletiam as exigências das demandas externas de diversas procedências. O comércio concentrava-se nos portos de Santos e do Rio de Janeiro em razão da logística, dentre outros motivos. A relação entre produtores e comerciantes ia além da relação comercial e baseava-se em inúmeros serviços pessoais. Na ausência de um sistema bancário voltado à produção, o comerciante era o único agente capaz de tomar dinheiro emprestado e repassá-lo ao fazendeiro. Em troca o comerciante adquiria um cliente cativo, recebendo comissão de 3% do valor da venda. Os comerciantes não auferiam lucro do repasse do empréstimo, ou seja, os juros cobrados dos fazendeiros (9 -12%) eram os mesmos que o comerciante pagava. A informalidade dos contratos entre comerciantes e fazendeiros também estava presente na relação, baseada em crédito pessoal, entre bancos e comerciantes. Um sistema bancário restrito às grandes cidades impossibilitava a concessão de crédito agrícola (custos de monitoramento e seleção elevados). Relações financeiras eram baseadas em reputação (confiança): os fazendeiros mantinham relações financeiras e pessoais com os comerciantes e estes, por sua vez, tinham reputação perante os bancos (baixo custo de monitoramento e seleção). O esgotamento do sistema financeiro da economia cafeeira A informalidade do sistema de crédito permitia grande flexibilidade ao fazendeiro, que poderia postergar o pagamento quando as cotações do café baixassem. O crescimento dos negócios exigia garantias mais sólidas. Em razão do aumento do número de “casas comissárias”, os riscos maiores foram diluídos. O comércio do café contava com três classes de intermediários na Praça do Rio de Janeiro: – Comissários: desempenhavam as funções mencionadas e eram, via de regra, brasileiros e portugueses; – Ensacadores: compravam dos comissários, manipulavam e classificavam os tipos de café, também eram, em geral, brasileiros e portugueses. Exportadores: eram estrangeiros, principalmente ingleses. Conflito de interesses entre comissários e ensacadores versus exportadores. Comissários recebiam comissão e, portanto, queriam vender o café ao melhor preço. Exportadores visavam comprar ao menor preço. Como o comércio exportador era controlado por estrangeiros, uma parcela considerável da renda gerada na economia cafeeira era apropriada pelo capital estrangeiro e enviada ao exterior. À medida que crescia a área de atuação das casas exportadoras, em detrimento das casas comissárias, tornava-se maior a capacidade baixista do exportador e maior a renda apropriada e transferida para fora do país. 1894-1904: a ação das casas comissárias fazia o preço do café no atacado cair menos que no mercado internacional. Oligopsônio das casas de exportação versus organização concorrencial das casas comissárias: confronto desigual entre fracos interesses altistas e poderosos interesses baixistas, verificados, sobretudo, em períodos de superprodução. Aspectos negativos dos comissários: – Misturas indevidas de café, prejudicando os produtores de cafés finos; – Possibilidade de registrar a venda do café numa data posterior a de fato realizada. Queixa esta comum nas épocas de superprodução e/ou queda dos preços e que denunciava a inadequação do sistema. As tentativas de formação de um sistema de crédito agrícola foram por muito tempo ofuscadas pelo problema do fornecimento de mão-de-obra. O trabalho assalariado deu maior fôlego ao sistema baseado no comissário, pois liberou vultosos recursos antes utilizados para a aquisição de escravos. A questão da mão-de-obra A utilização em massa do trabalho assalariado representou a primeira fase de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Até a década de 1930, no sudeste, a mão-de-obra assalariada era recrutada entre os imigrantes, embora já houvesse, desde as últimas décadas do século XIX, um grande contingente potencial de trabalhadores assalariados entre os brasileiros natos. Durante 50 anos, de 1880 a 1930, chegaram ao país quatro milhões de imigrantes; no final do século XIX, os imigrantes constituíam cerca de metade da população adulta de São Paulo e mais de 10% da população adulta do país. O primitivismo dos hábitos de trabalho dos brasileiros natos, assim como tradições e costumes que lhes foram inculcados, criavam sérios obstáculos à exploração capitalista da mão-de-obra nacional. O estoque de escravos existente no Brasil revelou-se insuficiente em face da contínua expansão da produção cafeeira. O tráfico interno atingiu um ponto de esgotamento, provocando uma excessiva utilização (e consequentemente um desgaste maior) dessa mão-de-obra. Os trabalhadores da economia de subsistência estavam extremamente dispersos, dificultando o recrutamento e exigindo uma significativa mobilização de recursos. Os cafeicultores do oeste paulista e os primeiros industriais preferiam admitir operários-imigrantes que já haviam “cursado uma escola de trabalho assalariado”, habituados a mais disciplina e autonomia, embora custassem mais. Após 1930, sérias restrições foram impostas às novas imigrações devido ao agravamento do problema do excesso de oferta da mão-de-obra nacional. A libertação dos escravos não os transformou em operários assalariados, mas apenas criou possibilidades para isso. Tornar-se-iam proletários apenas filhos e netos dos antigos escravos, cujos pais e avós tiveram de passar pela severa escola da adaptação ao novo modo capitalista de produção.
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