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[V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OABNAMEDIDA.COM.BR FILOSOFIA DO DIREITO APOSTILA INTEGRADA COM O APP! XXXII EXAME [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O Alteração Legislativa Atenção Exemplo 2 SUMÁRIO 1. CONCEITO DE FILOSOFIA DO DIREITO 2. PRINCIPAIS PENSADORES CLÁSSICOS 2.1. INTRODUÇÃO 2.2. SÓCRATES 2.3. PLATÃO 2.4. ARISTÓTELES 3. PRINCIPAIS RAMOS DA FILOSOFIA 3.1. ONTOLOGIA 3.2. METAFÍSICA 3.3. GNOSIOLOGIA 3.4. EPISTEMOLOGIA 4. PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS 4.1. ILUMINISMO 4.2. JUSNATURALISMO 4.3. CONTRATUALISMO 4.4. JUSPOSITIVISMO 4.4.1 HANS KELSEN: A TEORIA PURA DO DIREITO 4.4.2 CHAÏM PERELMAN: SISTEMA JURÍDICO ABERTO 4.5. UTILITARISMO 5. OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO 5.1. JUSTIÇA 5.2. GOVERNO 5.3. POLÍTICA 6. ÉTICA E MORAL 6.1. ÉTICA 6.2. MORAL 7. A CIÊNCIA DO DIREITO 7.1. CONCEITO DE DIREITO 7.2. HERMENÊUTICA 7.3. HERMENÊUTICA E EXEGESE 7.4. DIALÉTICA 7.5. ANTINOMIAS 7.6. LACUNAS 7.7. INTEGRAÇÃO [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 3 8. JUSFILÓSOFOS MODERNOS 8.1. RONALD DWORKIN 8.2. ROBERT ALEXY 8.3. HERBERT HART 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] 1 OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 4 1. CONCEITO DE FILOSOFIA DO DIREITO A Filosofia do Direito é o ramo da Filosofia que tem por objeto a reflexão acerca dos pressupostos filosóficos aplicados ao Direito enquanto ciência social, tendo surgido de forma autônoma a partir da publicação da obra “Fundamentos de Filosofia do Direito”, em 1820, pelo filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Por sua vez, Miguel Reale entende que a Filosofia do Direito “é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem de realidade, que é a ‘Realidade Jurídica’”, não se tratando de uma disciplina específica e completamente autônoma, mas apenas a própria Filosofia Geral voltada ao estudo do objeto Direito, concluindo que “nem mesmo se pode afirmar que seja Filosofia especial, porque é a Filosofia, na sua totalidade”1. A Filosofia do Direito busca contribuir com o jurista em sua busca pelo conhecimento a respeito da ciência que opera. Objetiva oferecer instrumentos capazes de viabilizar uma melhor compreensão do universo jurídico como um todo, instigando o jurista a refletir as bases do Direito, indo além do seu limite como ciência jurídica e das balizas do Direito Positivo. Além disso, deve ser compreendida como uma disciplina fundamental para a formação dos profissionais do Direito, não sendo possível que o jurista funde os alicerces de suas bases jurídicas sem integrar entre os seus conhecimentos os elementos de reflexão propostos pela Filosofia do Direito. Não é diferente, portanto, para os acadêmicos do Direito que pretendam realizar o Exame de Ordem. Além de figurar como matéria obrigatória, a Filosofia do Direito apresenta questões que são exploradas também em outras matérias, servindo como grande contribuição durante os estudos para uma leitura e compreensão mais completa do mundo jurídico. A Filosofia ocidental nasceu do desejo do homem de encontrar respostas para satisfazer sua curiosidade sobre questões não completamente compreendidas. Até então, as explicações disponíveis eram fundadas em mitos, fábulas e na religião, revestidas, portanto, de questões ligadas à fé, a aspectos sobrenaturais e mistérios que mais confundiam que esclareciam. Além disso, observações sobre o mundo fundadas em bases apartadas da ciência não suportavam questionamentos, já que provinham do divino. Buscando superar essa metodologia, a Filosofia enfrentou desafios para encontrar novos caminhos, tendo de enfrentar tradições e bater de frente com verdades já estabelecidas. A busca da compreensão daquilo que acontece no mundo natural sem utilizar-se de explicações que estejam fora deste mesmo mundo, é a marca mais importante deixada pelos primeiros filósofos. Esse desejo levou os primeiros filósofos a refletirem sobre qual seria o elemento primordial que daria sustentabilidade à ordem das coisas no mundo: a arché. A arché seria a base de toda realidade e estaria presente em tudo, tendo gerado tudo e não tendo sido gerado por nada. Esse foi o princípio de tudo insistentemente buscado pelos primeiros filósofos. 1 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. Saraiva, 2002 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 5 A busca por esse elemento primordial, no entanto, não ocorreu fora do contexto da época, levando em conta pressupostos importantes como o comprometimento com o logos, ou seja, a base do discurso racional. Surgiu, assim, uma nova forma de interpretar e compreender o mundo, a vida e a sociedade, o que, com o passar do tempo e com o desenvolvimento de teorias racionais sobre as coisas, passou a ser chamado de Filosofia, cujos maiores expoentes foram Sócrates, responsável pela definição do que se entendia por filosofia no Período Clássico, Platão, fundador idealista de uma visão metafísica de realidade, e Aristóteles, ligado ao materialismo e ao conhecimento por meio da experiência. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 6 2 2. PRINCIPAIS PENSADORES CLÁSSICOS 2.1. INTRODUÇÃO Sócrates, Platão e Aristóteles são os pilares sobre os quais se fundamentou a filosofia ocidental, com reflexões que são importantes em diversos ramos do conhecimento até os dias de hoje. O período áureo da filosofia clássica, inaugurado por Sócrates e desenvolvido por Platão e Aristóteles, contribuiu profundamente para o avanço do pensamento filosófico na idade média e no período renascentista, servindo de base, ainda, para toda a filosofia moderna e contemporânea. Grandes filósofos, de vários períodos históricos e das mais variadas correntes, como Gregório, Santo Agostinho, Rousseau, Voltaire, Descartes, Comte, Hume, Nietzsche, Kant e Foucault, dentre outros, basearam seus estudos nos ensinamentos dos pais da filosofia ocidental. 2.2. SÓCRATES Sócrates nasceu em Atenas, Grécia, tendo vivido entre os anos de 469 e 399 a.C., sendo considerado um dos mais célebres e importantes representantes da Filosofia ocidental. Como Sócrates não deixou escritos, seus ensinamentos foram registrados por seus principais discípulos, Platão, Xenofonte e Aristófanes. Sócrates é apresentado por seus discípulos como um filósofo de mente precisa e rigorosa, sempre voltado a promover o pensamento racional entre os cidadãos, a fim de que todos alcançassem sua verdade interior. Surge, daí, a máxima socrática, “conhece-te a ti mesmo”, que representa a fixação do pai da filosofia ocidental pela busca do conhecimento interior. Esse processo de busca pelo eu interior foi denominado maiêutica socrática, que consistia na realização de questionamentos às pessoas em duas etapas. Inicialmente, Sócrates lançava questões simples sobre temas comuns, a respeito dos quais o questionado imaginava conhecer bem. Depois, essas questões eram refeitas, mas de forma contextualizada, apresentando situações que levavam o indivíduo a indagar-se sobre seu conhecimento, gerando, assim, uma reflexão interna sobre o sentido das coisas, do conhecimento e da própria pessoa. Essas reflexões críticas a respeito das convicções de cada indivíduo tinham o objetivo de demonstrar que o conhecimento humano era limitado, nunca chegando ao ápice por conta da própria ignorância do homem. Advêm dessas reflexões as máximas socráticas “sábio é aquele queconhece os limites da própria ignorância” e, mais célebre delas, “só sei que nada sei”. Uma de suas principais contribuições para a Filosofia do Direito foi a ideia de que uma das condições necessárias para realizar a justiça seria o cumprimento das leis. Segundo ele, a única possibilidade de fazer justiça seria pela observância da lei, não se podendo fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que assim, ao desrespeitar a lei, já estaria sendo cometida uma injustiça. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 7 2.3. PLATÃO Também nascido em Atenas, Grécia, Platão era matemático e filósofo, tendo vivido entre os anos de 428 e 347 a.C. Seu mentor foi Sócrates e seu sucessor, Aristóteles. Muitos consideram que Platão foi o maior dos filósofos ocidentais da antiguidade, superando seu mestre. Diferentemente da maioria dos filósofos pré-socráticos, Platão não ansiava por conhecer a essência física das coisas, que eram corruptíveis e mutáveis, mas a verdade essencial presente nas ideias e nos fatos, aspectos do mundo que ele chamava de realidades imutáveis. Enquanto cidadão ateniense, Platão era admirador e estudioso das formas de organização do Estado, dedicando parte de sua vida a reflexões sobre a política e sobre quais seriam as melhores formas de governo para o desenvolvimento de uma sociedade justa. Expôs seus pensamentos na obra “A República”, onde debatia, a partir de ensinamentos obtidos por meio de diálogos com Sócrates, diversas formas de governo existentes, de sociedade e de Estado, sempre tendo como pano de fundo o tema da justiça. Conclui, comungando do pensamento de seu mestre, que o melhor governo seria aquele exercido pelos filósofos, que representariam a razão e a melhor direção. Defendia, ainda, que a sociedade, para ser justa, deveria ser dividida em três classes: os filósofos, que como dito, seriam os governantes, os guerreiros, que exerceriam o papel da força, da defesa e da ordem, e os trabalhadores, que seriam responsáveis pela produção de bens, alimentos, movimentação do comércio e da economia, servindo de base para o sustento das demais classes. Para Platão, o equilíbrio dessa divisão tríplice da sociedade representaria a justiça, sendo que os indivíduos compreendidos como células do corpo humano. Assim, se um indivíduo não realizasse sua função ou tentasse galgar ascensão para exercer uma função além de sua classe, estaria prejudicando o corpo, devendo ser combatido. Foi também em “A República” que escreveu sobre o Mito da Caverna, metáfora na qual fez uma referência à morte de Sócrates nas mãos daqueles que não aceitaram seus estudos e suas proposições críticas a respeito das coisas, dos fatos e do mundo, que entraram em conflito com a compreensão das pessoas à época. Certa vez, ao confrontar Dionísio I, Rei da Sicília, destacando as limitações do monarca, este se ofendeu e tornou Platão seu escravo, condição da qual só foi retirado por ter sido comprado por alguns filósofos. Esse acontecimento levou Platão a concluir, em suas reflexões posteriores, que os sábios não devem se unir aos tiranos. Recuperando sua liberdade, Platão fundou a Academia de Atenas, instituição de ensino que ganhou extrema notoriedade, sendo procurada por muitos jovens que buscavam conhecimento e por nobres que tinham interesse em debater ideias das mais variadas. Também chamada de Academia de Platão, a Academia de Atenas tornou-se a primeira universidade da história, tendo permanecido em atividade até o século VI, quando foi fechada pelo imperador Justiniano, sob o argumento de que era necessário abolir a cultura helenista, considerada pagã à época. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 8 2.4. ARISTÓTELES Aristóteles, filho de Nicômaco, nasceu em Estagira, na Macedônia, tendo vivido entre os anos de 384 a 322 a.C. Além de filósofo, foi médico e discípulo de Platão que, por sua vez, recebeu os ensinamentos de Sócrates. Aristóteles, juntamente com Sócrates e Platão, é reconhecido como um dos maiores filósofos da história, além de expoente máximo da filosofia ocidental. Os escritos de Aristóteles revelam que ele se preocupava com os mais variados ramos do conhecimento, incluindo a física, a metafísica, a música, o Estado, a ética e a poesia. Seus princípios e ideias, além de seus estudos no ramo das ciências físicas, influenciaram os principais filósofos renascentistas. Suas proposições sobre metafísica tiveram grande influência na cultura e nas tradições judaico-islâmicas durante a Idade Média, refletindo, inclusive, em elementos fundamentais do cristianismo. Quando jovem, mudou-se para Atenas, ingressando na Academia Platônica (Academia de Atenas) onde, sob a direção intelectual de seu mestre, Platão, estudou durante vinte anos. Muitos consideram Aristóteles como o pai da Ética. Seus ensinamentos revelam que o filósofo era um grande interessado na análise quanto à forma de agir do ser humano, tendo chegado à conclusão de que todo conhecimento estaria voltado a algum bem, que seria a finalidade de toda a ação. Em uma de suas principais obras, “Ética a Nicômaco” TEMA COBRADO NO XXXI EXAME DA OAB/FGV, Aristóteles defende a ideia de que o homem só tem importância enquanto integrante da Polis, onde prevalece a organização da sociedade a partir das leis. O homem só se desenvolveria em um meio político, onde seria possível alcançar a sua finalidade, que é a felicidade (eudaimonia). A felicidade, entretanto, não seria um sentimento, mas a ação através da qual o cidadão da Polis realizaria suas aptidões, mediante a prática das virtudes. As virtudes, segundo Aristóteles, seriam um agir com moderação. A virtude podia ser entendida como o equilíbrio das ações, um meio-termo entre se exceder e se abster de alguma conduta. Com essas reflexões Aristóteles afirma que a justiça também só será justiça se houver equilíbrio em sua concretização. Para Aristóteles, o estudo da ética era importante para a melhoria das vidas das pessoas, uma vez que os princípios éticos estariam voltados à concretização do bem-estar humano. Assim como Sócrates e Platão, Aristóteles assentava a importância das virtudes como forma de se alcançar uma vida bem vivida. As virtudes éticas (coragem, justiça, temperança etc.) eram compreendidas como habilidades racionais, emocionais e sociais complexas, sendo que para se alcançar essas virtudes, era necessário adquirir a capacidade de se observar, nos fatos da vida, qual medida seria a mais sábia e racional a ser adotada. Nasce, assim, a ideia de sabedoria prática, que deveria ser adquirida com o estudo de teorias e regras gerais, mas também através da experiência. Essa sabedoria prática é que guiaria o homem na direção da compreensão geral do que efetivamente seria bem-estar, permitindo que fossem adotadas as ações corretas em cada ocasião. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 9 3 3. PRINCIPAIS RAMOS DA FILOSOFIA A Filosofia ocupa-se, além de outros temas, a debater questões relativas à ontologia, metafísica, gnosiologia e epistemologia. 3.1. ONTOLOGIA Expressão que se forma pela união das palavras gregas ontos (ser) e logos (doutrina, estudo, conceito). Ontologia quer dizer, portanto, o “estudo do ser”, consistindo em um ramo da filosofia que se ocupa com o estudo do ser, da natureza, da existência e da realidade. A ontologia jurídica, por sua vez, é uma expressão cunhada posteriormente no âmbito do direito, que se destina a refletir e explicar a essência do Direito, suas particularidades e como está relacionado com o ser humano. 3.2. METAFÍSICA O termo metafísica também possui origem grega, surgindo da união das expressões meta(além) e Physis (natureza, universo, física), sendo uma área do conhecimento filosófico que estuda os elementos essenciais da realidade além das ciências tradicionais, como química, física, biologia, etc.), buscando, ainda, dar explicações sobre a essência dos homens e as razões de estarmos neste mundo. A Metafísica ocupa-se, também, dos estudos das interações e relações dos seres humanos com o universo. Aristóteles foi o filósofo antigo que mais pensou, refletiu e produziu conhecimento a respeito da metafísica. 3.3. GNOSIOLOGIA Parte da Filosofia que visa estudar o conhecimento humano, sendo sua nomenclatura formada pelos termos gregos gnosis (conhecimento) e logos (doutrina, estudo, conceito). Entende-se a Gnosiologia como sendo a teoria geral do conhecimento, por meio da qual se reflete sobre a concordância do pensamento reflexivo entre o sujeito e o objeto. O objeto é qualquer coisa externa ao espírito, como um fenômeno, um conceito ou uma ideia, visto de maneira consciente pelo sujeito. O objeto da gnosiologia é a reflexão sobre a origem, limites e essência do ato cognitivo, ou seja, de qualquer ação que busque ou leve ao conhecimento. 3.4. EPISTEMOLOGIA A Epistemologia também é uma teoria acerca do conhecimento, no entanto, distingue-se da Gnosiologia por associar-se ao conhecimento científico (episteme), às pesquisas científicas e [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 10 todos as leis e hipóteses relacionadas. A Filosofia Clássica discute, igualmente, os valores a serem considerados para construção de uma sociedade justa e solidária, posicionando-se os filósofos sobre os conceitos de justiça, direito e moral, sobre o papel dos detentores do poder político e sobre os princípios fundamentais da vida em sociedade. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 11 4 4. PRINCIPAIS CORRENTES FILOSÓFICAS 4.1. ILUMINISMO O Iluminismo foi um movimento que perdurou no período compreendido entre os séculos XVII aos XVIII, servindo como fator determinante para a ascensão da burguesia ao poder. Esse movimento intelectual, chamado por alguns como “século das luzes”, esteve na base da revolução preconizada pela burguesia e retratou a luta pelo direito de uso da razão sem a interferência de dogmas religiosos ou de qualquer outro tipo. Os princípios iluministas, tais como liberdade, igualdade e justiça, serviram para apoiar a derrubada do antigo regime que se apoiava na monarquia absolutista, no sistema feudal da produção, na autoridade da igreja e em seus dogmas. Os valores defendidos pelo Iluminismo podem ser identificados como sendo os seguintes: • Igualdade jurídica: nos atos de comércio, ou seja, na compra e venda, todas as desigualdades sociais existentes entre compradores e vendedores são esquecidas. O que importa efetivamente é a igualdade jurídica dos envolvidos no ato comercial. O Iluminismo defendia, portanto, a igualdade jurídica perante a lei, pois todos seriam cidadãos com os mesmos direitos básicos, embora com diferentes situações socioeconômicas; • Tolerância religiosa ou filosófica: para o ato comercial não teria importância as convicções religiosas ou filosóficas das pessoas, sendo que, do ponto de vista econômico, seria impensável que os atos de comércio ocorressem somente entre pessoas da mesma religião. Nesse passo, pode-se dizer que a burguesia assumiu uma efetiva conduta em defesa da tolerância; • Liberdade pessoal e social: o comércio só poderia se desenvolver em uma sociedade na qual as pessoas sejam livres para realizar seus negócios. A burguesia posicionou- se, então, contra a escravidão, pois sem homens livres recebendo seus salários, não poderia haver mercado comercial; • Propriedade privada: talvez o mais importante valor defendido pela burguesia, a propriedade de bens ou de capitais era essencial para o comércio, pois a propriedade privada conferia aos proprietários o direito de usar e dispor livremente do que lhes pertencia. Nesse sentido, a burguesia passou a defender o direito do homem à propriedade privada, direito que se tornou essencial à sociedade capitalista. O Iluminismo promoveu, ainda, a defesa da ciência e da racionalidade crítica contra a superstição e os dogmas religiosos, a defesa das liberdades individuais e dos direitos dos cidadãos contra o autoritarismo e o abuso do poder soberano, mormente em relação à dignidade da pessoa humana, tendo em Immanuel Kant o seu principal representante. Para Kant, em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a ideia de dignidade [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 12 da pessoa humana é entendida como algo que está acima de todo o preço, pois quando uma coisa tem um preço pode-se pôr no lugar dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalência, então ela tem dignidade. Segundo Kant, a dignidade da pessoa humana deve ser entendida como algo inerente a tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. É qualidade inseparável da autonomia, inerente apenas aos seres humanos, entes morais e éticos TEMA COBRADO NO XIX EXAME DA OAB/FGV Os filósofos iluministas foram “ideólogos da burguesia”, destacando-se, dentre eles: Montesquieu (1689-1755): autor do “O espírito das leis”, obra na qual defende a separação dos poderes do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário, como maneira de evitar abusos dos governantes e de proteger liberdades individuais. Dizia ele que a “lei é uma relação necessária que decorre da natureza das coisas” e que “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder”2 TEMA COBRADO NO XXIV EXAME DA OAB/FGV. Voltaire (1694-1778): um dos mais famosos pensadores do período iluminista, tinha um estilo literário irônico, destacando-se pelas críticas que fazia à intolerância religiosa, ao clero católico e à prepotência dos poderosos. Apesar de não ser um democrata, era defensor de uma monarquia que respeitasse as liberdades individuais, devendo ser governada por um soberano esclarecido. Sua posição em defesa da liberdade de pensamento ficou historicamente conhecida por sua célebre frase “posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”; Rousseau (1712-1778): autor de grandes obras, dentre elas aquela intitulada de “Do contrato social”, onde expõe a tese de que o soberano precisa conduzir o Estado de acordo com a vontade geral do povo, tendo sempre em vista o atendimento do bem comum. Apenas um Estado fundado em bases democráticas teria condições de oferecer aos cidadãos um regime de efetiva igualdade jurídica. Segundo Rousseau “ só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de suas instituições, que é o bem comum.”3. Essa ideia de vontade geral, apresentada por Rousseau em sua obra “Do Contrato Social”, foi fundamental para o amadurecimento do conceito moderno de lei e de democracia, sintetizando a ideia de vontade geral do povo, afirmando que “se quando o povo, bem informado, toma deliberações, e os cidadãos não comunicam entre si, a soma das pequenas diferenças daria sempre a vontade geral e a decisão seria boa” TEMA COBRADO NO XXIII EXAME DA OAB/FGV. Em uma outra de suas mais importantes obras, “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, Rousseau exalta os valores da vida natural, fazendo inúmeros elogios à liberdade dos selvagens, à pureza do seu estado natural, atacando a avareza, acorrupção e os vícios da sociedade, decorrente da falsidade e do artificialismo do homem civilizado; Kant (1724-1804): filósofo alemão do século XVIII, foi um dos principais pensadores do período moderno da filosofia. Abordou questões que iam desde reflexões sobre a moralidade até a natureza do espaço e do tempo, sendo reconhecido por promover a reunião conceitual entre o racionalismo e o empirismo. Segundo Kant, a experiência era extremamente importante, no entanto, a mente humana era imprescindível para qualquer experiencia. Em sua obra “Crítica da Razão Pura”, o filósofo leva buscou promover a dissolução do impasse entre racionalistas e empiristas. Definiu o conceito de imperativo categórico como ponto central de sua deontologia, que é estudado até hoje por filósofos e profissionais do conhecimento do mundo todo. 2 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Editora Nova Cultural, 1997 3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Do Contrato Social”. Faculdades Integradas do Brasil. 2007 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 13 Kant defendia um Estado baseado nas leis, com governo republicano, recusando a democracia direta, uma vez que esta ofereceria risco às liberdades individuais, pois comparava a democracia ao despotismo, já que ambos podem estabelecer um Poder Executivo que poderia vir a governar contra a liberdade de indivíduos discordantes da maioria. Kant defendia um governo misto, composto por elementos da democracia, da aristocracia e da monarquia, evitando, assim, a degeneração de suas formas. 4.2. JUSNATURALISMO O Jusnaturalismo apresenta a ideia de um direito natural, possuindo estreita ligação com ideais iluministas de libertação da razão no processo de conhecimento, bem como da autonomia política e jurídica ante o sistema monárquico-ditatorial que prevalecia à época. Uma definição de direito natural apresentada por Norberto Bobbio afirma que o jusnaturalismo é uma “doutrina jurídica segundo a qual existe e pode ser conhecimento um direito natural, e este direito é anterior e superior ao direito positivo”4. De fato, o jusnaturalismo é um pensamento jurídico que antecede a ciência do direito, sendo abordado por pensadores gregos antigos como Platão e Aristóteles. Segundo os ensinamentos dos estóicos, filósofos helênicos pragmatistas e moralistas, o jusnaturalismo é uma doutrina que defende a existência de uma lei natural, universal e imutável, advindo de uma natureza soberana e independente que, por isso, sustenta-se em si mesma. A natureza possuiria leis perfeitas e, por isso, imutáveis, devendo a elas se submeter o homem sem qualquer possibilidade de contraposição. As ideias jusnaturalistas tiveram, no início da Idade Moderna, papel muito relevante para o surgimento do Estado de Direito e em relação aos pressupostos filosóficos do Estado Liberal, além de influenciar profundamente a doutrina dos direitos fundamentais do homem: vida, liberdade, segurança, felicidade, etc. A escola jusnaturalista baseia-se, pois, na hipotética concepção de um Direito natural preexistente, anterior e superior ao Direito Positivo. 4.3. CONTRATUALISMO O contratualismo foi uma escola filosófica a partir da qual foram concebidas várias reflexões sobre a natureza humana e a respeito do surgimento das sociedades civis. Os contratualistas explicavam que o ser humano havia experimentado, no passado, uma forma de vida social diferente, quando apenas os instintos e as qualidades intrínsecas do homem serviam de mediadores das ações. Os contratualistas acreditavam que o Estado civil não havia surgido gradualmente, de forma espontânea, mas era uma entidade fabricada pelo próprio homem, sendo objeto de seus estudos tentar definir em que ponto e como o Estado passou a regulamentar a vida do homem por meio de leis e regras institucionais. Alguns pensadores acreditavam que o homem era naturalmente mau e egoísta, estando sempre disposto a sacrificar o bem comum em seu benefício próprio, enquanto outros defendiam que o homem era naturalmente racional e social, inclinando-se, na maioria das vezes, para o bem. Em ambos os casos, no entanto, os problemas do homem natural surgiriam em decorrência do convívio social. No primeiro caso, a maldade intrínseca do homem levaria a um estado de guerra constante, sendo a paz apenas um conceito inalcançável. No segundo, apesar do entendimento de que 4 BOBBIO, Norberto. CLASEN, Jaime A. Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico. UNESP. 2016 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 14 o homem seria naturalmente racional, não seria integralmente bom, abrindo-se a atos de egoísmo, vingança e destruição caso entendesse estar sendo prejudicado por outros membros da sociedade. A ação em nome da justiça estaria distribuída na mão de todos, sendo um direito natural do homem colocar-se como juiz das ações dos outros indivíduos, punindo aqueles que transgredissem as leis naturais. O problema é que a liberdade dos indivíduos estaria sempre ameaçada, uma vez que a justiça não representaria o desejo de todos, mas apenas daquele que a aplicou. A solução para tais problemas seria a constituição de um tratado entre os seres humanos, fundado na razão e com o objetivo de resguardar os direitos naturais de todos. No entanto, os indivíduos precisariam abrir mão de parte de seus direitos, depositando nas mãos de uma ordem superior, por exemplo, o direito de processar, julgar e punir os infratores das leis. Assim, em determinado momento histórico, o homem teria percebido a necessidade da criação do Estado, o que ocorreu por meio do Contrato Social, que realizou a passagem do Estado Natural para o Estado Civil. Quando os homens constataram que poderia haver algo melhor, através do Contrato Social, estabeleceu-se também a Sociedade Política, conferindo-se maior segurança às relações sociais, algo que não era possível no Estado Natural. Em troca dessa segurança, contudo, as pessoas abrem mão de direitos subjetivos. Destas concessões e da concentração de poder nesse novo ente, surge o chamado Estado Soberano, que, na visão de Hobbes, poderia ser visualizado como o “Leviatã” (monstro bíblico que surge no livro de Jó, sendo definido como o “rei dos orgulhosos”), que exercia um poder supremo e soberano em face dos indivíduos que compunham o Estado. Essa é a ideia do Contrato Social. A ideia usada para explicar o surgimento do Estado e, consequentemente, do próprio Direito. É claro que existem enfoques diferentes para a ideia de Contrato Social: Segundo Thomas Hobbes, a passagem de um Estado de natureza ao civil, todos os direitos que cabiam ao indivíduo passam para o Estado. O indivíduo conserva um único direito, qual seja, a conservação da própria vida, sendo os demais (liberdade, propriedade, etc.) mantidos sob o controle do Estado. Tal concepção é do Estado Autoritário. Ainda segundo Hobbes “os homens têm de cumprir os pactos que celebram”. Prossegue o autor, ainda: “Sem esta lei os pactos seriam vãos e não passariam de palavras vazias. Como o direito de todos os homens a todas as coisas continuaria em vigor, permaneceríamos na condição bélica. Nesta lei natural assenta-se a fonte e a origem da justiça”5. Nesse sentido, o contrato social seria um acordo entre os membros de uma sociedade, em que todos reconheceriam a autoridade de um governo, depositariam a legitimidade do uso da força e confiariam a proteção de suas liberdades individuais. Dessa forma, apenas o governo instituído teria a capacidade de agir por intermédio da força de forma legítima. John Locke, por sua vez, discorda de Hobbes. Para ele, os direitos naturais que cada indivíduo possui emanam da própria comunidade e não do Estado. Quando da essa passagem do Estado de Natureza para o Civil, os indivíduos conservam uma lista maior de direitos,que são inatos: conservam-se o direito à vida, propriedade, liberdade. São, portanto, direitos inatos e inalienáveis. O fim do Estado é proteger e promover esses direitos naturais. Se o Estado não agisse assim, 5 HOBBES, Thomas. O Leviatã. Martin Claret. 2008 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 15 na visão de Locke, ensejaria aos cidadãos o poder de exercer seu direito de desobediência civil. Locke afirma que “embora em uma comunidade constituída, erigida sobre a base popular e atuando conforme sua própria natureza, isto é agindo sempre em busca de sua própria preservação, somente possa existir um poder supremo, que é o legislativo, ao qual tudo o mais deve ser subordinado, sendo todavia o legislativo somente um poder fiduciário que entra em ação apenas em certos casos, cabe ainda ao povo o poder supremo para afastar ou modificar o legislativo, se constatar que age contra a intenção do encargo que lhe confiaram. Ora, todo poder concedido como encargo para se obter certo objetivo é limitado por esse mesmo objetivo, e sempre que este for desprezado ou claramente contrariado, perde-se necessariamente o direito a este poder, que retorna às mãos que o concederam, que poderão depositá-lo em quem julguem melhor para garantia e segurança próprias. Por isso, a comunidade sempre conserva o poder supremo de se salvaguardar contra os maus propósitos e atentados de quem quer que seja, até dos legisladores, quando se mostrarem levianos ou maldosos para tramar contra a liberdade e propriedades dos cidadãos”6 TEMA COBRADO NO XXIV EXAME DA OAB/FGV. 4.4. JUSPOSITIVISMO Após suas conquistas durante a Revolução Frances, não interessava mais à burguesia a luta pela preservação de valores tais como liberdade, igualdade, mas sim conter as tentativas de insurreição das massas e exaltar o desenvolvimento tecnológico e científico que se ampliava. Assim, contestando o racionalismo abstrato dos liberalistas, surgem os defensores do positivismo científico que, voltando-se para o mundo real, passaram a pregar o distanciamento das investigações sobre o incognoscível e enaltecendo ideais capitalistas, o processo de industrialização e os avanços científicos. Por sua vez, o positivismo jurídico, reflexo desse positivismo científico do século XIX, é um movimento de pensamento contrário a qualquer teoria metafísica, naturalista, sociológica, histórica ou antropológica do Direito. Segundo esta corrente filosófica, os requisitos para verificar se uma norma pertence ou não a um ordenamento jurídico possuem natureza formal, não dependendo de critérios de mérito externos ao direito, decorrentes de outros sistemas normativos, como a moral, a ética ou a política. Além disso, a ideia de Direito Positivo sempre esteve atrelada ao direito escrito, legalizado e sancionado pelo poder vigente, com objetivo de fazer prevalecer a ordem e a Justiça dentro de uma unidade política e social. Essa concepção é defendida por Hans Kelsen em sua obra “Teoria Pura do Direito”, onde o autor procurou delinear os traços de uma Ciência do Direito desprovida de qualquer influência externa, acreditando conferir assim, à norma, maior caráter científico, retirando de sua essência qualquer critério de justiça, sociologia, ética, moral, etc. O positivismo jurídico é, assim, baseado na prevalência de uma fonte do direito sobre as demais fontes: a lei. TEMA COBRADO NO XXII EXAME DA OAB/FGV. O Estado seria a única fonte do direito, estabelecendo a lei como única expressão do seu poder normativo. Segundo Kelsen, o jurista não pode questionar os valores que antecederam a elaboração da norma jurídica ou os que eventualmente poderiam ser observados no ato de 6 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Martin Claret, 2006 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 16 aplicação da norma. Para Kelsen, juízos de justiça ou reflexões axiológicas em geral seriam tarefa da Ética, não sendo objeto da ciência jurídica. A Teoria Pura, nesse passo, busca identificar os elementos de validade, vigência e eficácia da norma jurídica. O Direito positivo nasce da tentativa de se transformar o estudo do direito numa verdadeira ciência, com as mesmas características, por exemplo, das ciências matemáticas. O Positivismo jurídico exclui todo juízo de valor da análise do Direito, buscando, assim evitar o surgimento de divergências a respeito da validade, justiça e legitimidade do ordenamento jurídico. Por isso Norberto Bobbio afirma que o jurista precisa ver o Direito como ele é, não como deveria ser. Essa ideia se contrapõe ao jusnaturalismo, que sustenta dever fazer parte do estudo do direito também a sua valoração com base no direito ideal, ou seja, refletindo-se como o Direito deveria ser, evitando-se a aplicação da norma com resultados negativos para a sociedade. Sobre o tema, o jusfilósofo alemão Gustav Radbruch, após a II Guerra Mundial, escreveu o texto “Cinco Minutos de Filosofia do Direito”7, no qual afirmou: “Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas”. Radbruch, então, elaborou uma “fórmula” que teve como um de seus elementos fundamentais a análise da prática jurídica do regime nazista, quando os tribunais alemães passaram a aplicar as excessivas leis da época sob o argumento de que “lei é lei”. Para Radbruch “o positivismo desarmou de fato aos juristas alemães perante leis de conteúdo arbitrário e delitivo. O positivismo ademais, não está em condições de fundamentar com suas próprias forças a validade das leis”. Contrário a esse raciocínio da aplicação cega das leis, a “Fórmula de Radbruch” serviu como meio de se defender a perda da validade das leis extremamente injustas TEMA COBRADO NO XIV EXAME DA OAB/FGV. Como visto, a principal tese sustentada pelo paradigma do positivismo jurídico é a validade da norma jurídica, independentemente de um juízo moral que se possa fazer sobre o seu conteúdo. No entanto, podem surgir graves problemas na aplicação das leis sem qualquer valorização externa, como no caso do regime nazista. Por esse motivo, um dos mais influentes filósofos do direito juspositivista, Herbert Hart, em “O Conceito de Direito”8, sustenta a possibilidade de um positivismo brando, eventualmente chamado de positivismo inclusivo ou soft positivism, ou seja, a possibilidade de que a norma de reconhecimento de um ordenamento jurídico incorpore, como critério de validade jurídica, a obediência a princípios morais ou valores substantivos TEMA COBRADO NO XXII EXAME DA OAB/FGV. Nesse passo, as noções de validade jurídica apresentadas por Herbert Hart partem da análise dessa denominada “regra de reconhecimento” (rule of recognition), que definirá os critérios e aspectos pelos quais a sociedade vai, ou não, aceitar determinada norma como válida. TEMA COBRADO NO XXVIII EXAME DA OAB/FGV. Herbert Hart é, pois, classificado como positivista da corrente inclusivista, que não exclui totalmente a moral ou valores substantivos da definição do direito, contrapondo-se a positivistas da corrente exclusivista, que apregoam a validade da norma jurídica sem qualquer juízo moral acerca de seu conteúdo. 4.4.1. HANS KELSEN: A TEORIA PURA DO DIREITO 7 RADBRUCH, Gustav. Cinco minutos da Filosofia do Direito. In: Filosofia do Direito. 5ª ed. Armênio Amado, Editor. 1974 8 HART, Harbert L.A. O Conceito de Direito. 2. ed. Oxfor: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 17 Hans Kelsen (1881–1973) é considerado um dos maiores jusfilósofo da era moderna, sendo autor dediversas obras, dentre as quais destaca-se “A Teoria Pura do Direito”9, onde defendeu que o Direito deveria ordenar e validar a Lei por si mesma, não dependendo de valores extralegais por ser autossuficiente. A Teoria Pura do Direito surgiu como uma tentativa de se retirar do campo do Direito tudo o que não fosse jurídico, eliminando elementos filosóficos, sociológicos, psicológicos, éticos, morais, econômicos, etc. Por essa teoria, a Ciência do Direito deveria se traduzir apenas em normas, a fim de que seus estudiosos pudessem dominar melhor e mais facilmente o seu instrumento de trabalho. A norma jurídica seria o objeto da ciência do Direito, enquanto o formalismo seria o princípio que nortearia a prática científica. Em seus estudos, o jusfilósofo nos apresenta “A Pirâmide de Kelsen”, representando um sistema normativo no qual existem normas hierarquicamente diversas, sendo as inferiores, tais como leis, decretos, etc., legitimadas e validadas por uma norma superior, no caso, a Constituição. As normas de hierarquia inferior devem observar as de hierarquia superior, sendo certo que, se uma norma inferior viola a superior, não pode ser apta a produzir efeitos jurídicos. Por outro lado, se a norma superior viola a inferior, esta acaba sendo revogada. 4.4.2. CHAÏM PERELMAN: SISTEMA JURÍDICO ABERTO Chaïm Perelman apresenta-se como um contraponto aos argumentos jurídicos de Hans Kelsen, na medida em que afirma, especificamente em relação à atuação dos operadores do direito, que as normas devem ser aplicadas após um profundo raciocínio jurídico e dialético diante da argumentação e persuasão das partes, permitindo que se chegue a uma decisão justa. O autor não admite um sistema jurídico fechado, uma vez que os julgadores devem estar autorizados a preencher lacunas e resolver conflitos indo além da norma positivada, utilizando-se de provas, mas também de valores, experiências, bom senso, equidade e justiça social. Para isso, no entanto, a atividade do juiz não pode ser arbitrária, mas justificada perante os auditórios para os quais se destina. Segundo Chaïm Perelman, ao tratar da argumentação jurídica na obra “Lógica Jurídica”10, a decisão judicial aceitável deve se fundamentar em questões que vão além da norma pura, permitindo, assim, satisfazer os três auditórios para os quais ela se destina. Os auditórios são as partes em litígio, os profissionais do direito e a opinião pública. Na obra citada, Chaïm Perelman afirma que “O raciocínio judiciário tem de ser matizado segundo os auditórios aos quais se dirige, segundo a matéria tratada, segundo o ramo do direito”. Mais à frente, ao tratar especificamente sobre a motivação das decisões judiciais e seus destinatários, afirma o autor: “Motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. (...) A motivação convida-o a compreender a sentença e não o deixa entregar-se por muito tempo ao amargo prazer de “maldizer os juízes”. (...) Além do mais, a motivação dirige-se não apenas aos pleiteantes, mas a todos. Faz compreender o sentido e os limites das leis novas, o modo de combiná-las com as antigas. Fornece aos comentadores, aos estudiosos da jurisprudência, a possibilidade de comparar as sentenças entre si, de analisa-las, agrupá-las, criticá-las, de extrair delas lições, em geral, também de preparar as soluções futuras” TEMA COBRADO NO XIII EXAME DA OAB/FGV 9 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8˚ ed. Martins Fontes, 2009 10 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. 1ª ed. Martins Fontes, 2000 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 18 4.5. UTILITARISMO O Utilitarismo é a teoria desenvolvida por Jeremy Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806- 1873) que, em síntese, considera que boas ações e regras de conduta positivas devem ser caracterizadas pelo prazer e pela utilidade que podem proporcionar aos indivíduos e à coletividade. Pode ser definida, também, como uma doutrina ética que apregoa serem as ações boas aquelas que promovem a felicidade ao maior número de indivíduos, e más aquelas que tendem a promover o oposto da felicidade. TEMA COBRADO NO XXX EXAME DA OAB/FGV. A doutrina utilitarista pode ser sintetizada, assim, como o princípio do bem-estar máximo, que defende que as ações devem ser concretizadas sempre de modo a produzir o maior índice de bem- estar possível. O Utilitarismo compreende uma moral eudemonista, pela qual todas as práticas humanas devem voltar-se busca de uma vida plenamente feliz, tanto no âmbito individual quanto no âmbito coletivo. Reveste-se de princípios e fundamentos ligados a valores morais, afirmando serem eticamente positivas as ações que levam o homem à felicidade. Segundo Aristóteles “A felicidade é um princípio; é para alcançá-la que realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o gênio de nossas motivações”11. Bentham expõe o conceito central da utilidade no primeiro capítulo do livro “Uma Introdução aos Princípios da Moral e Legislação”12 da seguinte forma: “Por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação. (...) Designamos por utilidade a tendência de alguma coisa em alcançar o bem-estar, o bem, a beleza, a felicidade, as vantagens, etc. O conceito de utilidade não deve ser reduzido ao sentido corrente de modo de vida com um fim imediato” TEMA COBRADO NO XIV EXAME DA OAB/FGV. Como visto, o utilitarismo rejeita qualquer ideia que se se aproxime do egoísmo, opondo- se a indivíduos que perseguem seus próprios interesses, normalmente às custas de outros. Opõe-se, também, a qualquer teoria que considere ações como certas ou erradas, uma vez que, independentemente desses aspectos, o que vale é a liberdade de ações para obtenção do prazer e felicidade coletivos. Desse modo, a consciência jurídica deve levar em conta o delicado balanço entre a liberdade individual e o governo das leis. Na obra “A Liberdade. Utilitarismo”13 John Stuart Mill sustenta que um dos maiores problemas da vida civil é a tirania das maiorias: “Há um limite para a interferência legítima da opinião coletiva sobre a independência individual, e encontrar esse limite, guardando-o de invasões, é tão indispensável à boa condição dos negócios humanos como a proteção contra o despotismo político”. A sociedade, quando faz as vezes do tirano, pratica uma tirania mais temível do que muitas espécies de opressão política, pois penetra nos detalhes da vida e escraviza a alma. Por isso é necessária a proteção contra a tirania da opinião e do sentimento dominantes. Para Mill, a tirania da maioria, ou tirania social, ocorre quando o coletivo social se coloca acima dos interesses dos indivíduos que a compõem, sufocando, via de regra, direitos das minorias que se encontram à margem da sociedade tirana. Surge daí a necessidade de existência de normas que protejam esses 11 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Nova Cultural: 1996 12 BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Nova Cultura, 1989 13 MILL, John S. A Liberdade/Utilitarismo. Martins Fontes, 2000 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 19 grupos das imposições que só buscam alcançar os interesses da maioria TEMA COBRADO NO XXI EXAME DA OAB/FGV. Os princípios fundamentais do utilitarismo podem ser definidos da seguinte forma: Princípio do bem-estar: o bem-estar (físico, moral, intelectual) é o objetivo primordial a ser visado por toda ação, ética e moral, dos indivíduos. Consequencialismo: a moralidade de uma determinada ação deve ser analisada com base nas consequências dessa mesma ação, não se interessando, os utilitaristas, por fatores morais, mas somente pelas ações: as consequênciasdo ato é que são morais ou não. Para o utilitarismo uma mesma ação pode ser moral ou imoral, dependendo se as suas consequências são boas ou más. Princípio da agregação: leva-se em conta o efetivo grau de bem-estar garantido aos indivíduos afetados por uma determinada ação, devendo ser considerada a quantidade global de bem-estar, independentemente de como se dá a repartição desta quantidade. Por esse princípio, pode ser válido sacrificar uma minoria com o objetivo de garantir um maior grau de bem-estar geral. Se o saldo do sacrifício for positivo, a ação é considerada moralmente positiva e útil ao bem-estar comum. Princípio de otimização: o utilitarismo apregoa a otimização do bem-estar geral, não como uma faculdade, mas como um dever de conduta de todos. Imparcialidade e universalismo: os sofrimentos e prazeres dos indivíduos são considerados igualmente relevantes, não havendo diferenciação em relação a quais são os indivíduos afetados. Todos têm o mesmo peso do ponto de vista da garantia do bem-estar, não se podendo privilegia ou prejudicar ninguém. Jeremy Bentham, aplicando seu pensamento utilitarista ao direito de punir do Estado, afirma que “III. É evidente, portanto, que não se deve infligir punição nos casos a seguir enumerados: (1) Quando não houver motivo para a punição, ou seja, quando não houver, nenhum prejuízo a evitar, pelo fato de o ato em conjunto não ser pernicioso. (2) Quando a punição só pode ser ineficaz, ou seja, quando a mesma não pode agir de maneira a evitar o prejuízo; (3) Quando a punição for inútil ou excessivamente dispendiosa; isto aconteceria em caso de o prejuízo produzir por ela ser maior do que o prejuízo que se quer evitar; (4) Quando a punição for supérflua, quando o prejuízo pode ser evitado – ou pode cessar por si mesmo – sem a punição, ou seja, por um preço menor”14 14 BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Nova Cultura, 1989 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 20 5 5. OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO 5.1. JUSTIÇA O debate sobre Justiça sempre foi no sentido de se determinar o que seria uma sociedade justa, a qual, na verdade, não existe na realidade, mas apenas no ideário dos filósofos, que buscavam determinar, teoricamente, sua organização, seu governo e a qualidade dos governantes dessa sociedade justa. Acerca da justiça, Aristóteles escreveu que “Temos, pois, definido o justo e o injusto. Após distingui-los assim um do outro, é evidente que a ação justa é intermediária entre o agir injustamente e o ser vítima da injustiça; pois um deles é ter demais e o outro é ter demasiado pouco”15. Para Aristóteles, portanto, a justiça deve sempre ser entendida como espécie de meio-termo. Nesse aspecto, Aristóteles afirma que o juiz é considerado a personificação da justiça e o seu mediador, sendo que “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça viva”. Afirma, ainda, que o juiz “é uma pessoa equidistante e, em algumas cidades são chamados de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo” TEMA COBRADO NO XI EXAME DA OAB/FGV. Dessa forma, com cada indivíduo ocupando o espaço o obtendo aquilo que lhe é devido, estar- se-ia fazendo justiça (dikê), aqui compreendida como sendo a necessidade de que cada um assimile e aceite o seu lugar na sociedade segundo a natureza das coisas, não tentando ocupar o espaço ou obter aquilo que pertence a outro. Platão, igualmente, ao refletir sobre a justiça, manifesta um espírito precipuamente conservador, defendendo que cada classe social deve se conformar com a situação ocupada na pólis, não tentando subvertê-la ou alterá-la. O filósofo, no entanto, não pretendia abolir ou segregar qualquer classe social, mas reformar o sistema de classes até então estabelecido por conta das diferenças de patrimônio e renda, substituindo-o por outro fundado nas atribuições naturais com que cada indivíduo era dotado. Ainda nas palavras de Aristóteles “A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a sim mesmas como também em relação ao próximo”16. O filósofo, então, propõe, em sua obra Ética a Nicômaco17, a seguinte classificação de justiça TEMA COBRADO NO XX EXAME DA OAB/FGV. • Justiça Universal Os primeiros traços da justiça universal foram objeto de amplos estudos por parte de 15 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural: 1996 16 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural: 1996 17 ARISTÓTELES. Ob. cit. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 21 Aristóteles, partindo da análise do que era injusto. Para ele, o termo injusto se aplicaria “tanto às pessoas que infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo”. O conceito de justo universal, portanto, estaria ligado ao cumprimento das leis. A justiça seria reflexo da obediência ao nómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expressado nas normas, englobando, ainda, os princípios e os costumes dominantes em uma determinada sociedade. • Justiça particular A justiça particular é uma espécie de justiça que, diversamente da justiça universal, corresponde a apenas uma parte da virtude, não à virtude total. O justo particular, portanto, seria espécie do gênero justiça total, dividindo-se em justiça distributiva e justiça corretiva. Justiça Distributiva: é aquela relacionada à distribuição, pela polis, ou seja, pelo Estado, de cargos, bens, honrarias, responsabilidades, deveres e impostos. Conforme Aristóteles, a justiça distributiva é “uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa”. Prosseguindo, o filósofo afirma que “o justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior”. Em resumo, a justiça distributiva seria o meio-termo afirmado pelo filósofo, sendo justo, portanto, atingir a finalidade de dar aquilo que é devido a cada um, na medida de seus próprios méritos. Aristóteles compara a justiça com a equidade, concluindo que são “a mesma coisa, embora a equidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o equitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”.\ Justiça Corretiva: A justiça corretiva se difere da justiça distributiva por utilizar, como critério de justiça, o restabelecimento do equilíbrio rompido entre os particulares. Segundo os ensinamentos de Aristóteles, a justiça corretiva “é a que desempenha função corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são voluntárias e outras são involuntárias;são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto, o adultério, o envenenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino traiçoeiro, o falso [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 22 testemunho), e outras são violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a injúria e o ultraje”. A justiça corretiva seria aplicada pelo juiz, mediador dos processos, considerado por Aristóteles como a personificação da justiça, pois, “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça viva (...) é uma pessoa equidistante e, em algumas cidades são chamados de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo”. A justiça corretiva pode ser definida, também, como justiça comutativa, que impõe a condição de equivalência entre os indivíduos que foi rompida anteriormente. Essa equivalência deve ser respeitada pelas partes envolvidas, que se encontram vinculadas por ato de vontade ou não. Nesse aspecto, a justiça comutativa também é chamada de justiça sinalagmática. • Justiça Política A justiça política é vislumbrada no âmbito das relações dos indivíduos perante seus iguais enquanto integrantes da mesma polis, organizando o modo de vida da vida comunitária. Aristóteles, afirma que o justo político “se apresenta entre as pessoas que vivem juntas com o objetivo de assegurar a autossuficiência do grupo - pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais. Logo, entre pessoas que não se enquadram nesta condição não há justiça política, e sim a justiça em um sentido especial e por analogia”. As pessoas consideradas cidadãs na polis formavam, então, um conjunto restrito e excludente, evitando o ingresso de estrangeiros, escravos, mulheres, escravos, etc., não se aplicando a justiça política sobre esses demais membros, os quais eram atingidos apenas indiretamente. • Justiça Doméstica A justiça doméstica, como o próprio nome diz, é aquela que se restringe ao âmbito da casa de cada indivíduo, impondo-se sobre a esposa, os filhos, objetos e escravos. Aristóteles dizia que “a justiça do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho não são iguais à justiça política, embora se lhe assemelhem; na realidade, não pode haver injustiça no sentido irrestrito em relação a coisas que nos pertencem, mas os escravos de um homem, e seus filhos até uma certa idade em que se tornam independentes, são por assim dizer partes deste homem, e ninguém faz mal a si mesmo (por esta razão uma pessoa não pode ser injusta em relação a si mesma)”. Sobre essa espécie de justiça, Aristóteles afirma que não há que se falar em justiça ou injustiça, defendendo, nesse aspecto, poderes irrestritos do pai sobre seu filho ou do senhor sobre o seu escravo. • Justiça Legal A justiça legal, junto com a justiça natural, é uma divisão da justiça política. A distinção feita por Aristóteles entre o justo legal (díkaion nomikón) e o justo natural (díkaion physikón) é feita da seguinte forma: “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente”. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 23 A justiça legal tem fundamento na lei, correspondendo às prescrições do nómos, ou seja, das regras vigentes entre os cidadãos na polis, definidas pela vontade do legislador. Possuindo força não natural, é fundada em convenções, uma vez que a vontade do órgão que emana o ato legislativo é soberana, pressupondo consenso de todos. Uma vez vigente, a lei passa a ser obrigatória e vincula os cidadãos. • Justiça Natural A justiça natural, por outro lado, consiste no conjunto de regras que encontram validade, força, aplicação e aceitação universais, podendo-se definir o justo natural como parte do justo político, encontrando respaldo na natureza e não depende do arbítrio dos legisladores, possuindo caráter universalista. A justiça natural, desse modo, possui uma força que rompe as barreiras políticas, transcendendo a vontade humana, sendo imutáveis e tendo a mesma forma em todo lugar. 5.2. GOVERNO Platão, ao tratar dos governantes (arcontes), afirma que a sociedade ideal, na verdade, deveria ser governada pelos filósofos ou pelo filósofo-rei, porque somente o homem sábio teria a completa e correta ideia do bem e da justiça, tendo, assim, menos inclinação para o cometimento de injustiças ou práticas voltadas para o mal, evitando que os governados busquem se rebelar contra a ordem social. Aristóteles, a seu termo, classificou a política como algo pertencente às “ciências práticas”, ou seja, aquelas que ajudariam o homem a agir visando a felicidade e o bem-estar, merecendo, portanto, um estudo especial. Os governos que mantêm como objetivo primordial o bem comum, diz-se que são orientados por constituições retas, ou puras. No entanto, se os poderes dos governantes forem exercidos para satisfação do interesse privado de um só indivíduo, de apenas um grupo ou classe social, pode-se afirmar que sua constituição está desvirtuada. Quando isso acontece, as formas de governo também acabam degradadas pelos interesses privados e pessoais dos indivíduos privilegiados, sofrendo alterações na sua essência. A monarquia, a aristocracia e a democracia se degradam, por exemplo, em tirania, oligarquia e monocracia (ou ditadura), terminando por beneficiar interesses de particulares, do tirano, do grupo que detém o poder ou da grande massa controlada pelo governo, marginalizando-se o bem comum. 5.3. POLÍTICA Aristóteles utiliza o termo política para se referir à ciência relativa à felicidade humana, que consistiria em uma certa maneira de viver do homem, tanto em relação ao meio que o cerca, os costumes adotados, quanto às instituições estabelecidas na comunidade à qual pertence. O objetivo da política seria, então, descobrir qual a maneira de se viver que levaria à felicidade humana, bem como qual a forma de governo e as instituições capazes de assegurarem essa felicidade. Para Aristóteles “o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 24 ou seja, o interesse comum”18. Desse modo, para se obter uma sociedade estável e feliz, Aristóteles considerava que o regime mais adequado era o misto, que equilibrava a força dos cidadãos ricos com o número de indivíduos pobres. A sociedade ideal seria, então, aquela baseada na mediania, que garantiria a efetiva presença de uma classe média forte, atenuando os conflitos entre ricos e pobres, estabilizando a organização social. Esse governo era definido por Aristóteles como a Timocracia (do grego, timé: honra ou valor), teoria constitucional que propunha um estado onde somente os donos de terras poderiam participar do governo ou onde a honra era o princípio dominante, sem participação do Estado e governando em busca do bem comum. 18 ARISTÓTELES. Obras. 2. ed. Madeira. 1973 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 25 6 6. ÉTICA E MORAL 6.1. ÉTICA Em suma, éticaé o processo de refletir sobre os princípios e valores de cada pessoa, adquiridos a partir de uma determinada cultura por influência do meio social, econômico, religioso e político. Em outras palavras, é a análise do conjunto de princípios e valores que regem a vida do homem, da conduta humana baseada no bem ou no mal, da compreensão sobre o que é certo ou errado, sob o prisma dos costumes, comportamentos e cultura de uma determinada sociedade. As reflexões feitas pela ética devem levar em consideração o fato de que os costumes de um povo mudam com o tempo, fazendo com que aquilo que hoje é aceito pela sociedade, amanhã pode não ser. O que hoje é ético, amanhã pode não ser. Além disso, o que uma sociedade considera errado, pode ser considerado certo por outra cultura. O que é ético aqui, pode não ser do outro lado do mundo. A ética fomenta discussões sobre essas questões, incluindo, nos debates, também, temas ligados à moral e ao direito. Miguel Reale afirma que a moral, juntamente com o direito, faria parte da chamada “unidade da vida ética”, ou, eticidade. Para Hegel, fazem parte da eticidade a moral, o direito e a economia, elementos que levam a um desenvolvimento das relações éticas. Para ele, o Estado seria o ápice da eticidade humana. Aristóteles, a partir de sua visão sistemática e integrada do conhecimento, valorizou a ciência empírica, a ética e a política, dividindo o conhecimento entre o prático (práxis) o produtivo (poiesis) e teórico. A ética, nesse caso, estaria no campo do conhecimento prático, juntamente com a política. A ética aristotélica pressupõe três elementos fundamentais: razão, boa conduta (eupraxia) e felicidade (eudaimonia). Suas reflexões éticas determinaram que o homem tenderia para a felicidade. O homem buscaria, como seu fim último, a felicidade, que decorreria de atividades realizadas conforme a razão e a partir das virtudes humanas. A virtude, nesse aspecto, seria a excelência da ética. Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles procurou refletir sobre as virtudes e como constituiriam a excelência ética, surgindo daí a teoria de que virtude é a justa medida, enquanto os vícios, que representariam o apartamento da ética, seriam decorrentes do excesso e da falta de moderação. 6.2. MORAL O termo moral tem sua origem no latim “morus”, que significa usos e costumes. A moral seria, então, o conjunto das regras sociais para se realizar algo específico ou atingir um objetivo concreto. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 26 Moral e direito eram, no passado, coisas que se equivaliam, compondo a mesma realidade e sendo analisadas conjuntamente. Na antiguidade, a diferenciação entre moral e direito não era clara, já que ambas tratavam o mesmo conteúdo. Os gregos e romanos não concebiam uma distinção, pois entendiam que o dever moral e o dever jurídico possuíam o mesmo sentido. Na modernidade a distinção entre moral e direito ganhou força, principalmente com a reforma protestante, que defendeu a existência de uma limitação no âmbito de atuação do Estado, definindo uma área em que o Estado não possa agir: um âmbito interno, ligado à intimidade e à privacidade dos indivíduos. Passaram a surgir critérios de distinção entre moral e direito. Um dos primeiros foi o critério de foro íntimo e foro externo. A moral pertenceria ao foro íntimo, à consciência, enquanto o direito pertenceria ao foro externo, ou ao plano da ação, sendo dois âmbitos diferentes da vida em sociedade. A partir dessas reflexões, alguém só poderia ser punido pelo que efetivamente fizesse e não pelo que pensasse. Kant afirmava que moral representava um de seus imperativos categóricos, isto é, uma das máximas criadas por ele para se determinar o que seria moral. O imperativo categórico seria uma ação que poderia se tornar uma lei universal TEMA COBRADO NO XV EXAME DA OAB/ FGV. Por exemplo: trate o outro do modo como gostaria de ser tratado. O segundo critério contrapõe a autonomia e a heteronomia. A moral é autônoma e o direito é heterônomo. A moral, por se foro íntimo, deve ser autônoma. Cada indivíduo estabelece para si as próprias regras morais ou suas normas internas. O Direito é heterônomo por ser estabelecido por um terceiro, no caos, o Estado. Como terceiro critério temos a coerção. As normas morais não possuem a possibilidade de serem cumpridas por coerção. Não se pode exigir de alguém que observe uma regra moral, como, por exemplo, obrigar alguém a observar um costume de cumprimentar as pessoas ao chegar em algum lugar. Se a norma for descumprida, não haverá uma coerção para que seja cumprido o ato, ainda que haja certa repulsa em relação ao indivíduo. Já o eventual descumprimento das normas impostas pelo direito, pode ser passível de coerção pelo Estado. Por fim, o critério unilateral e bilateral. A moral é unilateral enquanto o direito é bilateral. Nas condutas morais não se pode exigir nada em troca, mas naquelas reguladas pelo direito, sim. Se um indivíduo sai à rua e encontra um amigo que lhe cumprimenta com um abraço e, logo em seguida, lhe pede dinheiro, não há bilateralidade que exija o atendimento do pedido. No entanto, se esse mesmo indivíduo entra em um taxi, o ato de o taxista leva-lo de um ponto a outro na cidade, por ser bilateral aos olhos do direito, exige a contrapartida. O mero pedido de dinheiro pelo amigo é um ato que deve ser observado do ponto de vista da moral, relacionando-se com a consciência de cada um. Se o indivíduo não dá o dinheiro, o amigo não terá qualquer meio para exigi-lo. Já em relação ao pagamento devido ao taxista há um nexo decorrente do serviço prestado, uma vez que a conduta é regulada pelo direito e não pela moral. Há, nesse caso, uma relação de bilateralidade. De maneira mais clara, a conduta moral é aquela praticada de acordo com princípios éticos. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 27 Moral é a prática da ética. Mas, enquanto não externalizada a vontade do indivíduo, ela permanece apenas no campo da moral. Realizada a ação a partir dessa vontade, a conduta passa para o campo do direito, devendo adequar-se a ele sob pena de coerção. Sobre o tema, Tércio Sampaio Ferraz Júnior leciona, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação, que o “direito e moral distinguem-se no sistema kantiano como duas partes de um mesmo todo unitário, a saber, duas partes que se relacionam à exterioridade e à interioridade, uma vez relacionadas à liberdade interior e à liberdade exterior”19 TEMA COBRADO NO X EXAME DA OAB/FGV. 19 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. Atlas. 1994. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 28 7 7. A CIÊNCIA DO DIREITO 7.1. CONCEITO DE DIREITO O termo direito vem do latim “ius”, que remete à ideia do que é justo. Da expressão “ius” surgiram, também, os termos justiça, jurisdição e jurisprudência, palavras com a mesma raiz. O direito traz consigo, portanto, a ideia de ordem, equilíbrio e justiça. A relação entre direito e sociedade é muito íntima, afinal o direito só existe em função dela, sendo imprescindível, por meio de suas regras, para o estabelecimento de qualquer corpo social. Platão afirmava que até em grupo de bandidos são necessárias regras. É impossível pensar em uma sociedade sem o direito, afinal, uma sociedade é um ambiente de escassez, o que gera inevitáveis conflitos. A coordenação desses conflitos faz do direito uma verdadeira exigência da vida em comunidade. O direito tem a ver com relações interpessoais (entre pessoas), não se estabelecendo onde haja apenas uma pessoa (metáfora de RobinsonCrusoé). O direito busca, portanto, estabelecer as regras que vão sustentar uma sociedade, ajustando o homem perante seus iguais de forma jurídica, estabelecendo o Estado como regulador das regras de organização definidas pelo direito. O direito existia mesmo antes da definição de Estado como conhecido hoje, antes da escrita, quando ainda era costumeiro, haja vista a necessidade de um regramento mínimo para o convívio comum. Sendo o direito uma regra de convivência em sociedade, pode-se dizer que o direito é norma. Mas não é a única norma de conduta, existindo outras, como os costumes, a religião, etc., com as quais se relaciona. Em comum, todas estas normas estão no plano do dever ser, sendo expectativas de comportamento. Espera-se que, em sociedade, as pessoas não roubem, não matem, não se corrompam, evitando-se conflitos sociais que possam trazer problemas aos indivíduos. Sobre esses conflitos decorrentes da inobservância do direito, Rudolf Von Ihering, em sua obra “A Luta pelo Direito”20 afirma que “O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo, a luta”. Para o autor, o direito de uma sociedade seria exatamente a expressão dos conflitos sociais desta sociedade, resultando de uma luta de pessoas e grupos pelos seus próprios direitos subjetivos. Por isso, o Direito seria uma força viva e não uma ideia. A frase Ihering expressa justamente a ideia de que o direito surge para regular os conflitos sociais, de modo que, inexistindo conflito, ou seja, em caso de paz absoluta, o direito perderia a razão de existir. Ihering define o direito como produto da luta de todos por direitos e não de um processo natural. O autor, inclusive, refere-se ao fato de o símbolo do direito ser uma balança e uma espada: a balança, para a justa apreciação dos fatos, e a espada, como sinal de força. Apenas a espada, sem a correta medida da balança, traria a violência insana. Já a balança, sem a força da espada, 20 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Editora Revista dos Tribunais. 1998 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 29 promoveria um direito impotente, inútil para o fim da pacificação social. Em resumo, o autor afirma que o resultado da guerra de outras gerações é o que garante a paz que se desfruta em momento posterior TEMAS COBRADOS NOS EXAMES XVI E XXVI DA OAB/FGV. 7.2. HERMENÊUTICA A hermenêutica é um ramo da filosofia que se ocupa com os estudos acerca da teoria da interpretação, podendo se referir à arte da interpretação ou à prática e treino de interpretação. Em resumo, a hermenêutica tradicional diz respeito ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de religião, literatura e direito. O hermeneuta é aquele que se ocupa da arte de transmitir e de interpretar uma ideia, contextualizando e clareando o sentido das palavras do emissor original. As pessoas interpretam as informações que recebem a partir de suas vivências e experiências pessoais, as quais, no entanto, não correspondem às experiências e vivências de pessoas de outras culturas ou de outras gerações. Surgem, por esse motivo, possíveis erros de interpretação. Por esse motivo devem ser estabelecidos parâmetros que definam quais as interpretações são válidas, sob pena de quaisquer interpretações a respeito de um fato social ou uma norma serem válidas. Surgiram, então, ao longo do tempo, divisões metodológicas da hermenêutica, as quais apresentam parâmetros específicos próprios ou comuns, aplicáveis ao processo de interpretação. De acordo com a filosofia, a hermenêutica pode ser epistemológica, voltada para a interpretação de textos, ou ontológica, remetendo à interpretação de uma realidade. As mais relevantes divisões da hermenêutica seriam as seguintes: Hermenêutica bíblica: a necessidade de serem estabelecidas regras específicas para análise e compreensão de textos bíblicos deu espaço à teoria da exegese ou hermenêutica de textos da Bíblia, com aplicação obviamente restrita aos textos do antigo e do novo testamento. Hermenêutica filológica: metodologia surgida a partir do desenvolvimento do iluminismo, tendo definido regras gerais de exegese filológica aplicáveis a textos bíblicos, mas ampliando seu alcance, também a outros textos literários. A hermenêutica filológica (ref. a filologia) possui ligação com o estudo da linguagem registrada em fontes históricas escritas, sendo definida como o estudo de registros escritos e de textos literários, tendo como objetivo não só determinar o significado dos mesmos, mas também estabelecer sua autenticidade. Hermenêutica fenomenológica: método hermenêutico que tem por objeto a existência humana e a compreensão ontológica dessa existência. Estudada pelo filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) em sua obra “Ser e Tempo”21, a hermenêutica fenomenológica apresenta regras para resolver o problema do sentido do ser. Seu objeto fundamental não é o homem, mas o ser. Mais especificamente, o sentido do ser. Criando uma denominação própria, Heidegger define o modo de ser do homem com a palavra Dasein, cujo sentido é “ser-aí” ou “estar aí”, referindo-se ao homem enquanto ente que “existe imediatamente no mundo” e que é capaz de questionar o ser e possuir uma compreensão do ser. Hermenêutica jurídica: a hermenêutica jurídica é a divisão da hermenêutica que tem como 21 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Editora Vozes, 2015 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 30 objeto a interpretação de normas jurídicas, apontando métodos para a compreensão de dispositivos legais e fixação do sentido e do alcance das normas jurídicas. Os textos jurídicos, em princípio, são suscetíveis e carecem de interpretação porque toda linguagem é passível de adequação a cada situação. Segundo o jusfilósofo alemão Karl Larenz, grande parte dos textos jurídicos apresentam problemas de compreensão porque, apesar de serem redigidos em linguagem corrente ou em linguagem especializada, contêm expressões que apresentam uma margem de variabilidade de significação. Para Larenz as leis são “uma obra de linguagem, que, como tal, carece de interpretação”22 TEMA COBRADO NO XVIII EXAME DA OAB/ FGV. A interpretação da norma legal deve esclarecer o seu significado e validade, bem como demonstrar o seu alcance social, garantindo que a aplicação concretize seus fins sociais e leve ao bem comum. Para solucionar problemas quanto ao significado à validade da norma, os métodos de interpretação são: gramatical, lógica e sistemática. Interpretação gramatical: também chamada de literal, permite decifrar o significado da norma jurídica por meio de uma abordagem léxica, analisando o texto do ponto de vista da gramática. São verificadas questões quanto ao significado de uma palavra, tomada não só isoladamente, mas em conexão com as demais palavras do texto. Preocupa-se, ainda, com as acepções dos vocábulos e seus sinônimos, uso de pronomes substantivos e adjetivos. Interpretação lógica: resolve contradições entre os termos de uma norma jurídica, a fim de se chegar a um significado que seja coerente do ponto de vista da lógica, aclarando situações em que os termos apresentem significados divergentes. Interpretação sistemática: analisa normas jurídicas perante o sistema jurídico em que se encontram inseridas, observando que o ordenamento é um todo unitário e que as normas que o compõem não devem apresentar incompatibilidades, devendo ser escolhido o significado que seja coerente com o restante do conjunto, mormente em relação a normas hierarquicamente superiores e a princípios gerais do direito. Já para demonstrar o alcance da norma legal, é preciso identificar fenômenos históricos e sociais que influenciaram no significado das palavras ou expressões utilizadas. O esclarecimento sobre o significado dessaspalavras e expressões pode ser alcançado por meio da interpretação histórica, sociológica, teleológica e axiológica. Interpretação histórica: assemelha-se à busca da vontade do legislador. Recorrendo aos precedentes normativos e aos trabalhos preparatórios, que antecedem a aprovação da lei, tenta encontrar o significado das palavras no contexto de criação da norma (occasio legis). Interpretação sociológica: por seu turno, assemelha-se à busca da vontade da lei. Focando o presente, tenta verificar o sentido das palavras imprecisas analisando-se os costumes e os valores atuais da sociedade. Interpretação teleológica: busca os fins da norma, tendo como critério básico a análise sobre a finalidade do texto legal, observando-se, para tanto, a realidade e o contexto social, político e 22 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Fundação Calouste Gulbekian, 1997 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 31 econômico que a norma pretendia atender com vistas à concretização da justiça e do bem comum . Interpretação axiológica: busca explicitar os valores que serão concretizados pela norma TEMA COBRADO NO X EXAME DA OAB/FGV. Ainda no que diz respeito à interpretação, ganha destaque a Teoria Tridimensional do Direito, criada por Miguel Reale, segundo a qual o fenômeno jurídico deve ser sempre analisado com base no trinômio fato, valor e norma. Assim, ao aplicar uma norma jurídica a um determinado caso concreto, o operador do direito deve levar em consideração, durante o processo de interpretação da norma aplicada, todos os valores que, de algum modo, sejam relevantes à resolução do problema posto em discussão TEMA COBRADO NO XIX EXAME DA OAB/FGV. Após determinar-se um significado válido para a norma e definir-se o seu alcance, resta mostrar que sua aplicação concretizará seus fins sociais e levará ao bem comum, como pressupõe o art. 5° da LINDB, podendo ser utilizadas, para tanto, a interpretação deve ser restritiva, extensiva ou cognoscitiva. Interpretação restritiva: quando a lei possui palavras que, se aplicadas literalmente, vão concretizar um resultado que vai além da vontade da lei, cabendo ao intérprete reduzir o alcance da norma. Interpretação extensiva: a norma carece de amplitude em relação às palavras que a compõem, dizendo menos do que deveria dizer, cabendo ao intérprete ampliar o significado da norma, fazendo com que o seu resultado alcance o objetivo efetivamente pretendido pela vontade do legislador. Interpretação cognoscitiva: a interpretação cognoscitiva combina-se a um ato de vontade em que o órgão aplicador efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas por meio da mesma interpretação cognoscitiva. Hans Kelsen, ao abordar o tema da interpretação jurídica no seu livro “Teoria Pura do Direito”23, fala em ato de vontade e ato de conhecimento, afirmando que “na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. Com este ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuído na norma jurídica aplicanda” TEMA COBRADO NO XVII EXAME DA OAB/FGV. 7.3. HERMENÊUTICA E EXEGESE Para muitos hermenêutica e exegese são sinônimos, referindo-se ambos os termos ao processo de interpretação de escritos, sejam eles históricos, religiosos, filosóficos ou jurídicos. A palavra Hermenêutica possui origem grega, significando o ato de interpretar ou explicar algo. Por sua vez, Exegese significa extrair do texto o que ele significa. No entanto, há uma diferença bem sutil entre as expressões. A Exegese tem como objetivo dar clareza a um texto, buscando analisar o seu significado de forma profunda e objetiva, extraindo do texto aquilo que ele significa, mas de forma literal. 23 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8˚ ed. Martins Fontes, 2009 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 32 Já a hermenêutica seria um método de interpretação mais amplo, abrangendo outros aspectos. A hermenêutica não busca somente analisar o texto, analisando também o seu contexto, observando aspectos históricos, sociais, culturais, econômicos e o momento político em que o texto interpretado foi escrito. Nesse contexto, Norberto Bobbio, ao explicar as características fundamentais da Escola da Exegese, afirma que esta foi marcada por uma concepção rigidamente estatal de direito. Segundo Bobbio, a Escola da Exegese concluiu que a lei não deveria ser interpretada segundo a razão e os critérios valorativos daquele que deve aplicá-la (como defendiam os hermeneutas), mas, ao contrário, o intérprete deveria submeter-se completamente à razão expressa na própria lei, observando o princípio da onipotência do legislador. Segundo o autor, as características da Escola da Exegese podem ser assim resumidas: “o argumento fundamental que guia os operadores do direito no seu raciocínio jurídico é o princípio da autoridade, isto é, a vontade do legislador que pôs a norma jurídica; pois bem, com a codificação, a vontade do legislador é expressa de modo seguro e completo e aos operadores do direito basta ater-se ao ditado pela autoridade soberana”24 TEMA COBRADO NO XV EXAME DA OAB/FGV. 7.4. DIALÉTICA De forma geral, a Dialética representa o processo de reflexão a respeito de ideias, princípios ou valores que se contrapõem em relação a um determinado tema, não importado, contudo, se essas reflexões vão ou não determinar qual a ideia prevalecente. O que importa para a Dialética são as perspectivas dos posicionamentos conflitantes em busca daquilo que cada um defenda como verdadeiro. Hegel entendia a Dialética como a contraposição entre uma tese e sua antítese, de cuja reflexão surgiria uma síntese, que seria a expressão da verdade desejada. O problema é que essa síntese poderia também evoluir para uma nova tese e, consequentemente, novas antíteses, em uma progressiva contraposição de argumentos que nunca seriam resolvidos dialeticamente. Surge, então, a ideia de dialética de complementaridade, pela qual não haveria possibilidade de reduzir uma tese e sua antítese a uma síntese superadora do conflito. A dialética de complementaridade reconhece que as duas posições antagônicas subsistem, em mútua correlação, de forma distinta e complementar. Para Miguel Reale, a contraposição e contradição de ideias (dialética) não importa na contradição de lados opostos, mas na interdependência desses opostos, chegando-se, a partir da complementação entre as partes, ao surgimento de novas ideias (dialética de complementaridade). Segundo o autor, em sua obra “Teoria Tridimensional do Direito”25 o caráter dialético do conhecimento é sempre “de natureza relacional, aberto sempre a novas possibilidades de síntese, sem que esta jamais se conclua, em virtude da essencial irredutibilidade dos dois termos relacionados ou relacionáveis. É a esse tipo de dialética, que denomina dialética de complementaridade”. E prossegue: “No âmbito da dialética de complementaridade, dá-se a implicação dos opostos na medida em que se desoculta e se revela a aparência da contradição, sem que com este desocultamento os termos cessem de ser contrários, cada qual idêntico a si mesmo e ambos em mútua e necessária correlação” TEMA COBRADO NO XVII EXAME DA OAB/FGV. 24 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições da filosofia do direito. Ícone, 1995 25 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5.ª ed. Editora Saraiva. 2003 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED IDA | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 33 Pela dialética de complementaridade os elementos contrapostos não se fundem, mas se correlacionam, mantendo-se, porém, perfeitamente distintos. Foi com a Teoria Tridimensional do Direito que a ideia de dialética de complementaridade ganhou destaque, na medida em que se passou a reconhecer que fato, valor e norma mantêm uma relação de dialética, mas de maneira complementar. 7.5. ANTINOMIAS Uma Antinomia, segundo a tradição de doutrinas influenciadas pelo ceticismo, como o kantismo, é uma contradição entre duas proposições filosóficas igualmente críveis, lógicas ou coerentes, mas que chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites cognitivos ou as contradições inerentes ao intelecto humano. Em suma, antinomia jurídica se caracteriza pelo conflito entre duas normas válidas, emanadas de uma autoridade competente, a partir do qual surgem dificuldades para que se definir qual será aplicada a um determinado caso. Nesse sentido, antinomia jurídica seria uma contradição, aparente ou real, entre normas ou princípios de um mesmo sistema jurídico, causando dificuldades em sua interpretação e afetando a segurança jurídica daquele sistema. Podem ser verificadas antinomias entre normas, entre princípios jurídicos ou entre uma norma e um princípio. Considerando que um determinado conjunto de normas jurídicas deve seguir certa ordem e possuir caráter unitário, uma das consequências da antinomia é o dano que causa ao sistema jurídico em que verificada, reduzindo sua credibilidade em face da contestação de sua lógica. Além da confusão causada nos operadores do Direito, as antinomias dão uma abertura excessiva a interpretações múltiplas de uma mesma situação, surgindo a necessidade de aplicação da hermenêutica para a solução dos conflitos entre normas e princípios, restaurando a integridade do ordenamento. Segundo Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”26 são necessárias duas condições para que uma antinomia ocorra. As duas normas ou princípios em conflito devem pertencer ao mesmo ordenamento e devem ter o mesmo âmbito de validade, seja temporal, espacial, pessoal ou material. Para Bobbio, antinomia jurídica seria “aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade”, nos aspectos temporal, espacial, pessoal e material” TEMA COBRADO NO XXII EXAME DA OAB/FGV. Segundo Bobbio as antinomias são (1) aparentes, quando o próprio ordenamento jurídico apresenta a solução do conflito, e (2) reais, quando realmente inexiste qualquer critério normativo válido para definir qual das normas será aplicada, devendo o aplicador do direito solucionar o conflito por meio da interpretação equitativa, ou recorrendo aos costumes, à doutrina, a princípios gerais do direito, etc., surgindo, em alguns casos, a necessidade de edição de uma nova norma TEMA COBRADO NO XVIII EXAME DA OAB/FGV. As antinomias jurídicas reais são aquelas que denotam um conflito exclusivo e incompatível, afigurando-se impossível a sua resolução pelos critérios designados pelo ordenamento. No caso, a incoerência representa um erro lógico tão grave que a única solução viável é a exclusão ou edição de uma das normas conflitantes. Ainda que seja possível a resolução pontual do problema pelo operador do Direito, a solução do conflito real não estará suprimindo a antinomia. 26 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 34 Por outro lado, as antinomias jurídicas aparentes referem-se a conflitos em que uma solução interpretativa é viável, cabendo ao operador do Direito utilizar, para tanto, determinados critérios lógicos, doutrinários e normativos. Muitos autores criaram doutrinas próprias para a definição de critérios de resolução de antinomias, mas, de um modo geral, destacam-se três critérios básicos: Critério Cronológico: por esse critério a norma posterior prevalece sobre a anterior. Diz-se que a lei posterior derroga as leis anteriores (“lex posterior derogat legi priori”). Critério Hierárquico: a norma que possui um status hierarquicamente superior se sobrepõe à de caráter inferior, como no caso de conflitos entre normas constitucionais e leis ordinárias, ou entre leis ordinárias e decretos. Diz-se que que a lei superior derroga as leis inferiores (“lex superior derogat legi inferiori”). Critério da Especialidade: a antinomia se resolve pela aplicação da norma mais específica em relação ao caso concreto. Ao debruçar-se sobre o objeto conflituoso o operador do Direito irá encontrar uma norma ou princípio que possui caráter mais específico, devendo esta prevalecer em relação àquela de caráter mais genérico. Diz-se que a lei especial derroga as leis genéricas (“lex specialis derogat legi generali”). 7.6. LACUNAS Denomina-se lacuna o vazio ou a incompletude de um ordenamento por inexistência de uma norma aplicável a um caso concreto ou de um critério que permita identificar qual norma aplicar, uma vez que o legislador não tem como prever todas as situações possíveis no mundo fático. Assim, a lacuna jurídica se caracteriza como sendo uma omissão involuntária no texto de uma lei, que impede a regulamentação de determinada situação, exigindo a integração do ordenamento para complementação da norma. São espécies de lacunas: Lacuna normativa: é ausência total de norma aplicável a um caso concreto; Lacuna ontológica: refere-se às hipóteses de presença de uma norma aplicável ao caso concreto, mas que não possui eficácia social, ou seja, está em desacordo com a realidade prática. Lacuna axiológica: também diz respeito à presença de uma norma aplicável ao caso concreto, mas sua aplicação se mostra injusta ou insatisfatória; Lacuna ideológica: as lacunas ideológicas dizem respeito a um critério extrínseco à ordem jurídica, e expressa a ausência de um comportamento e a presença de uma norma que difere daquilo que se estima como justo. A lacuna ideológica, segundo Norberto Bobbio, “é a falta de uma norma justa, isto é, de uma norma que se desejaria que existisse, mas que não existe”27 TEMA COBRADO NO XVI EXAME DA OAB/FGV. 27 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 35 7.7. INTEGRAÇÃO A ideia da existência das lacunas no Direito é um desafio ao conceito de completude do ordenamento jurídico. De acordo com os ensinamentos do jusfilósofo italiano Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”28, pode-se completar ou integrar as lacunas existentes no Direito por intermédio de dois métodos, a saber: heterointegração e autointegração. A heterointegração é a técnica pela qual o ordenamento jurídico se completa a partir da integração de fontes diversas da norma legal, tais como o costume e a equidade. Já a autointegração é o método pelo qual o ordenamento se completa a partir da integração da fonte dominante do direito, ou seja, a lei TEMA COBRADO NO XXV EXAME DA OAB/FGV. O problema das lacunas no direito é resolvido mediante uso de técnicas de integração, recorrendo-se aos costumes, à jurisprudência, aos princípios gerais do direito, à analogia e, segundo alguns juristas, também à equidade. Costumes: regras gerais não escritas, identificadas por um elemento objetivo (uniformidade) e outro subjetivo (aceitação), que são aceitas pelos indivíduos que as observam e as consideram obrigatórias. Princípios gerais de direito: postulados de valor genérico e relevante, integrantes do sistema, sendo tanto aplicáveis a casos concretos quanto inspiradores de normas do ordenamento.Analogia: técnica destinada a suprir eventuais omissões no ordenamento jurídico. Adotada para situações em que não foram expressamente previstas regras específicas para hipóteses semelhantes. Desse modo, cabe ao aplicador do Direito estender o alcance de uma norma para os casos que, apesar de não mencionados expressamente, são análogos ao caso amparado pelo sistema legal. Norberto Bobbio, ao tratar do conceito de analogia, afirma que se deve determinar e constatar semelhanças relevantes (qualidade comum) entre duas situações, para somente então fazer a atribuição ao caso não regulamentado das mesmas consequências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante29 TEMA COBRADO NO XX EXAME DA OAB/FGV. Equidade: destinada a abrandar o rigor excessivo da lei, sem desconstitui-la, mas completando-a. É uma modalidade de Justiça: a justiça do caso particular. Aristóteles compara a equidade com a justiça, afirmando que são “a mesma coisa, embora a equidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o equitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”30. 28 BOBBIO, Norberto. Ob. cit. 29 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997 30 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural: 1996 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 36 8 8. JUSFILÓSOFOS MODERNOS 8.1. RONALD DWORKIN Ronald Dworkin é um filósofo americano que estuda a Filosofia do Direito e, consequentemente, a interpretação jurídica, de modo liberal. Dworkin pensa o Direito em contexto democrático, com eminente preocupação pluralista, assentando a importância dos direitos individuais. De tudo, o que mais ganha relevo em toda a sua teoria é o valor da igualdade que, no caso, significa que todas as pessoas merecem igual consideração do Estado, feita em regra pelas leis. Para Dworkin a igualdade de recursos é uma questão de igualdade de quaisquer recursos que os indivíduos possuam privadamente. O autor utiliza a ideia de igualdade distributiva que se refere a circunstâncias segundo as quais as pessoas não são iguais em bem-estar, mas nos recursos de que dispõem. A igualdade distributiva, para Dworkin, deveria se concretizar por meio de uma igualdade material, ou igualdade de recursos, garantindo a todos os meios necessários para uma efetiva inclusão social TEMA COBRADO NO XXIII EXAME DA OAB/FGV. Dworkin não é jusnaturalista nem positivista, sendo que a sua maior preocupação repousa na realidade jurídica, em como efetivamente as decisões são tomadas no direito. Ele considera a atuação do Direito diante dos hard cases, ou seja, os “casos difíceis” que envolvem colisões entre princípios de igual relevância, em relação aos quais encontram-se diversas soluções possíveis. Faz-se necessário, assim, escolher entre dois princípios que solucionem a questão. O filósofo desenvolveu a ideia de que existem diretrizes e também princípios. As diretrizes são as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados. Esses objetivos podem ser de ordem econômica, política, etc. por exemplo: reduzir o número de acidentes de trânsito ou melhorar a educação. Já os princípios são pautas cuja observância correspondem a um imperativo de justiça, honestidade ou outra dimensão moral. Corresponde a algo com conteúdo moral. Exemplo: ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza. Segundo Dworkin, a decisão normativamente mais correta (ou a decisão normativamente mais adequada) é aquela baseada em princípios e não em diretrizes. A razão disso é que os princípios possuem uma base mais forte, são mais bem estruturados que as diretrizes, pois vinculados às concepções de justiça e moralidade vigentes numa certa sociedade, enquanto as diretrizes estão vinculadas e são implementadas por concepções transitórias, por isso, tendem a refletir uma vontade momentânea. Em sua obra “Levando os Direitos a Sério”31, Dworkin cita o caso “Riggs contra Palmer”, em que um jovem matou o próprio avô para ficar com a herança. O Tribunal de Nova Iorque julgou o caso em 1889, considerando que a legislação do local e da época não previa o homicídio como causa de exclusão da sucessão. Para solucionar o caso, o Tribunal aplicou o princípio, não legislado, do direito que diz que ninguém pode se beneficiar de sua própria ilicitude. Assim, o assassino não recebeu sua herança. 31 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes. 2002 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 37 Com esse exemplo podemos concluir que a jusfilosofia de Ronald Dworkin, dentre outras coisas, pretende argumentar que regras e princípios são normas com características distintas e em certos casos os princípios poderão justificar de forma mais razoável a decisão judicial, pois a tornam também moralmente aceitável TEMA COBRADO NOS EXAMES XIII E XXVI DA OAB/FGV. 8.2. ROBERT ALEXY Um dos mais influentes filósofos do Direito alemão contemporâneo, desenvolveu uma concepção sobre os princípios dentro do Direito, em constante discussão com a obra de Dworkin. Em sua obra “Sistema Jurídico”32, Alexy afirma que princípios são mandados de otimização que ordenam que algo seja concretizado de modo ótimo, da melhor forma possível, com o máximo grau e na maior medida do possível. Sendo o Direito necessariamente moral, quando discutimos princípios, discutimos questões de moralidade. Assim é, pois, os princípios têm conteúdo moral. Eles expressam concepções filosófico-morais. Em razão desse conteúdo moral dos princípios, não será possível que o Direito se mantenha alheio a isso. Com isso, é desmantelada a ideia de separação entre moral e direito. Em alguns momentos, surgem situações onde há a necessidade de se apurar qual é o ponto máximo que o fato permite implementar os princípios. Entretanto, na decisão de questões que envolvam princípios, deve-se decidir por meio de um juízo de ponderação, que consiste na adoção da decisão mais razoável, mais adequada e mais prudente ao caso concreto, sabendo até onde ir. Por ponderação entende-se a restrição de um princípio que se justifica, no caso concreto, se a importância do outro (preponderante) for maior. Enfim, a ponderação tem relação com os reflexos das medidas adotadas, sendo prudente a adoção do princípio quando não se distancia da realidade, permitindo que seja verificada a causa da contenda e os resultados da solução eleita. A ponderação implica em uma série de regras para se analisar no caso concreto. Alexy acredita na possibilidade de uma razão prática, aproximando-se, neste aspecto de Kant, ou da phronesis aristotélica. Segundo Aristóteles, a sabedoria ou razão prática “versa sobre as coisas humanas, e coisas que podem ser objeto de deliberação; pois dizemos que essa é acima de tudo a obra do homem dotado de sabedoria prática: deliberar bem”33 TEMA COBRADO NO XI EXAME DA OAB/FGV. 8.3. HERBERT HART Herbert Lionel Adolphus Hart (18/07/1907–19/12/1992), era um professor britânico considerado um dos mais importantes filósofos do direito e uma das principais figuras do estudo da moral e da filosofia política. Hart aproximou a filosofia da linguagem do Direito, sendo um dos principais filósofos vinculados ao positivismo jurídico. Tamanha foi a contribuição e a relevância de sua obra “O Conceito de Direito”34 que Hart acabou por influenciar uma geração de juristas, como Ronald Dworkin, Neil MacCormick e Joseph Raz. 32 ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica. Doxa. 1988 33 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Nova Cultural. 1996 34 HART, Harbert L.A. O Conceito de Direito. 2. ed. Oxfor: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA BN A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 38 Hart substitui o modelo simples de Direito até então adotado por um modelo complexo. Neste passo, tratando-se o Direito de um fato social complexo, a sua compreensão depende da análise de seus elementos e, principalmente, do seu mecanismo de funcionamento. Para tanto, Hart destaca o papel central por ele atribuído à linguagem do Direito, revelando sua preocupação com o significado das expressões que povoam o universo jurídico. Hart apresenta a ideia de que há uma textura aberta da linguagem jurídica, fundamentando, assim, a existência de uma textura aberta do próprio Direito. Em sua obra o Conceito de Direito, o jusfilósofo defende que o Direito deve ser compreendido como um sistema aberto e retroalimentável. Por conta dessa textura aberta o Direito não consegue se expressar por meio de enunciados não ambíguos, gerando a necessidade de interpretação e complementação de termos não claros, por meio de instrumentos existentes dentro desse mesmo sistema. Hart admite um grau de indeterminação nos padrões de comportamento previstos na legislação e nos precedentes judiciais. Para o filósofo “em todos os campos da experiência, e não só no das regras, há um limite, inerente à natureza da linguagem, quanto à orientação que a linguagem geral pode oferecer”. É exatamente o limite da linguagem que determina a sua chamada textura aberta, na medida em que há um grau de indeterminação da linguagem que não pode ser eliminado. Sempre existirão imprecisões a respeito de um determinado conceito cuja terminologia ainda não foi delimitada. Por esse motivo, Hart afirma que “seja qual for o processo escolhido, precedente ou legislação, para a comunicação de padrões de comportamentos, estes, não obstante a facilidade com que atuam sobre a grande massa de casos correntes, revelar-se-ão como indeterminados em certo ponto em que a sua aplicação esteja em questão” TEMA COBRADO NO XII EXAME DA OAB/FGV. [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica. Doxa. 1988 • ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Nova Cultural: 1996 • ____________. Obras. 2. ed. Madeira. 1973 • BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Nova Cultura, 1989 • BOBBIO, Norberto. CLASEN, Jaime A. Jusnaturalismo e Positivismo Jurídico. UNESP. 2016 • ____________. O positivismo jurídico: Lições da filosofia do direito. Ícone, 1995 • ____________. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Editora Universidade de Brasília, 1997 • DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes. 2002 • FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. Atlas. 1994. • HART, Harbert L.A. O Conceito de Direito. 2. ed. Oxfor: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994 • HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Editora Vozes, 2015 • HOBBES, Thomas. O Leviatã. Martin Claret. 2008 • IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Editora Revista dos Tribunais. 1998 • LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Fundação Calouste Gulbekian, 1997 • LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Martin Claret, 2006 • KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8˚ ed. Martins Fontes, 2009 • MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Editora Nova Cultural, 1997 • PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. 1ª ed. Martins Fontes, 2000 • RADBRUCH, Gustav. Cinco minutos da Filosofia do Direito. In: Filosofia do Direito. 5ª ed. Armênio Amado, Editor. 1974 • REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. Saraiva, 2002 [V an ja d e L im a A le n ca r] [ va n ja lim aa le n ca r@ g m ai l.c o m ] OA B N A M ED ID A | F IL OS OF IA D O DI RE IT O 40 • ____________. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed. Editora Saraiva. 2003 • ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Do Contrato Social”. Faculdades Integradas do Brasil. 2007