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Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez Formação e maturação do sistema Imune fetal DESENVOLVIMENTO DE LINFÓCITOS E REARRANJO DOS GENES DOS RECEPTORES HEMATOPOESE: Nas primeiras semanas de gestação, o saco vitelino é o principal local de hematopoese. De 6 a 7 meses de vida fetal, o fígado e o baço são os principais órgãos envolvidos e continuam a produzir os elementos figurados do sangue até cerca de 2 semanas após o nascimento. A medula óssea dos ossos chatos é o local mais importante a partir de 6 a 7 meses de vida fetal e, durante a infância e a vida adulta, é a única fonte de novos elementos figurados. As células em desenvolvimento estão situadas fora dos seios da medula óssea, enquanto as maduras são liberadas nos espaços sinusais e na microcirculação medular e, a partir daí, na circulação geral. No período de lactação toda a medula óssea é hematopoiética, mas durante a infância há substituição progressiva da medula por gordura nos ossos longos, de modo que a medula hemato no adulto é confinada ao esqueleto central e ás extremidades proximais do fêmur e do úmero. Mesmo nessas regiões hemato, aproximadamente 50% da medula é gordura. A medula óssea gordurosa é capaz de reverter a hematopoiese e, em muitas doenças, também há a expansão dela nos ossos longos. Além disso, o fígado baço pode retomar seu papel hematop fetal ORIGEM DO SISTEMA LINFOIDE: O sistema imune humano surge no embrião associado ao intestino. As células- tronco pluripotenciais hematopoiéticas aparecem primeiramente no saco vitelínico com 2,5 e 3 semanas de gestação e migram para o fígado fetal na quinta semana gestacional; mais tarde, passam a residir na medula óssea, onde permanecem por toda vida. O desenvolvimento dos órgãos linfoides primários (timo e medula óssea) inicia-se na metade do primeiro trimestre da gestação e prossegue rapidamente; logo após, ocorre o desenvolvimento os órgãos linfoides secundários (baço, linfonodos, amígdalas, placas de Peyer e lâmina própria). O rudimento primitivo do timo forma-se do ectoderma do terceiro arco branquial e do endoderma da terceira bolsa branquial com 4 semanas de gestação. A partir de 7-8 semanas, os Rudimentos direto e esquerdo migram em direção caudal e fundem-se na linha média. Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez O tecido linfoide é proporcionalmente menos desenvolvido ao nascimento e sofre rápida maturação no período pós-natal. O timo é maior com relação ao tamanho do corpo durante a vida fetal e, ao nascimento, corresponde a aproximadamente dois terços de seu peso maduro, que é alcançado durante o primeiro ano de vida. Entretanto o timo atinge sua maior massa antes da puberdade e, a seguir, sofre involução gradual. Com 1 ano de idade, todos as estruturas linfoides estão histologicamente maduras. As contagens absolutas de linfócitos no sangue periférico também atingem um valor máximo durante o primeiro ano de vida. O tecido linfoide periférico aumenta rapidamente no lactente e início da segunda infância. Atinge o tamanho do adulto aproximadamente aos 6 anos de idade , excede essas dimensões do adulto nos anos pré-puberais e, a seguir, sofre involução à época puberal. Todavia, o baço aumenta gradualmente durante a maturação e só atinge seu peso total na idade adulta. O número médio de placas de Peyes ao nascimento corresponde à metade do número observado no adulto, então aumenta gradualmente até ultrapassar, na adolescência, o número médio do adulto. Linfopoese= As células-tronco linfoides desenvolvem-se das células pluripotentes hematopoiéticas e diferenciam-se em células T, B ou NK, de acordo com os órgãos ou tecidos para os quais as células primordiais migram. Os órgãos linfoides secundários continuam a ser locais de diferenciação de linfócitos T, B e células NK a partir de células-tronco durante toda a vida. ➔ Células T A partir da sétima semana de vida intrauterina a linfopoese pode ser observada no fígado fetal e nos plexos linfáticos; entre a sétima e a décima semana a produção se faz no interior do timo e nos linfáticos da parede intestinal. Os precursores das células T transportados pelo sangue pelo sangue do fígado fetal começam a colonizar o mesênquima peritímico com 8 semanas de gestação. Essas células precursoras pró-T são identificadas por proteínas na superfície e denominadas CD7 e CD34. Com 8 semanas e 8,5 semanas, as células CD7+ são encontradas no interior do timo, enquanto algumas células também expressam concomitantes CD4 (proteína presente na superfície das células T auxiliares maturas (TH) e CD8 (proteínas encontrada nas células citotóxicas maturas e células NK), mas nenhuma ainda possui receptor complexo da célula T. Quando os timócitos corticais imaturos começam a expressar o receptor da célula T (TCR), ocorrem processos de seleção clonal positiva e negativa. A seleção positiva ocorre por meio da interação de timócitos imaturos, os quais apresentam baixos níveis de TCR, com antígenos do complexo de histocompatibilidade (MHC) presentes nas células epiteliais do timo. Em consequência, os timócitos com TCR capazes de interagir com antígenos Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez estranhos apresentados em HLA (Antígeno Leucocitário Humano) próprio são ativados e sofrem maturação. Os timócitos maturos que sobrevivem ao processo de seleção expressam CD4 e são restritos a antígenos HLA classe II ou expressam CD8 e são restritos a antígenos HLA classe I, quando interagem com antígenos estranhos apresentados por essas moléculas MHC. A seleção negativa ocorre em seguida e é mediada pela interação dos timócitos sobreviventes, que têm altos níveis de expressão de TCR, com peptídios do hospedeiro apresentados por antígenos classe I ou II do HLA presentes em macrófagos tímicos derivados da medula óssea, células dendríticas e, possivelmente, células B. Esta interação medeia a apoptose (morte celular programada), desses timócitos auto-reativos. Os timócitos corticais do feto estão entre as células de divisão mais rápida do organismo, à medida que essas células amadurecem sofrem lise. As funções das células T são adquiridas concomitamente com o desenvolvimento de linfócitos positivos, entretanto, seu desenvolvimento só se torna completo quando as células emigram para o timo. As células T começama emigrar do timo para o baço, os linfonodos e apêndice com 11 e 12 semanas de vida embrionária e para as amígfalas com 14 a 15 semanas. Estas células saem do timo pela corrente sanguínea e distribuem-se por todo organismo, sendo as maiores concentrações encontradas nas áreas paracorticais do linfonodos, nas áreas periarteriolares do baço e no ducto torácico. A orientação dos linfócitos para os órgãos linfóides periféricos é determinada pela interação de uma molécula de adesão de superfície de linfócitos (L-selectina). Com 12 semanas de gestação as células T já são capazes de proliferar em resposta a lectinas vegetais e também em resposta às células alogênicas. Na 20 semana de gestação já são encontradas células T ligadas a antígenos. Os corpúsculos de Hassall são observados pela primeira vez na medula tímica com 16 a 18 semanas da vida embrionária. Embora a percentagem de células T CD3 no sangue do cordão umbilical seja ligeiramente menor que a observada no sangue periférico de crianças e adultos, as células T estão presentes, na realidade, em maior quantidade devido a um número maior de linfócitos em todo os lactentes normais. As células T do sangue do cordão umbilical têm capacidade de desenvolver respostas normais aos mitógenos de células T e são capazes de desenvolver uma resposta leucocitária mista normal.Os precursores das células T são identificados no fígado fetal na sétima semana de gravidez, mas ainda não expressam CD3 em sua superfície. Migram para o timo, onde completam sua proliferação. Entre 18 e 24 semanas,os linfócitos T já se encontram em número semelhante ao do adulto. É no timo que ocorre a formação do receptor de célula T, conferindo a essas células especificidade e capacidade de reconhecimento do que lhes é próprio (self). Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez Embora apresente número maior de células T na circulação ao nascimento que os adultos, a maioria são células imaturas e poucas são células de memória, fato explicado pela pequena exposição intraútero a antígenos. A imunidade celular é exercida pelos linfócitos T com seus subtipos T helper (CD3+ e CD4+) e T citotóxicos (CD3+ e CD8+). Os linfócitos T helper apresentam ainda dois subtipos, conforme seu padrão de produçãode citocinas: Th1, que modula a imunidade celular, e Th2, que estimula a imunidade humoral. ➔ Células B Paralelamente à diferenciação das células T, antes de sete semanas de gestação, inicia-se o desenvolvimento das células B no fígado fetal. A células pró-B é a primeira célula descendente da célula-tronco pluripotencial destinada ao desenvolvimento da linhagem B, que é detectada pela presença de CD34 e CD10 em sua superfície. O próximo estágio é o de células pré-pré-B, durante qual ocorre o rearranjo dos genes das imunoglobulinas. O estágio seguinte é o da célula pré-B. A seguir, surge o estágio da célula B imatura, durante o qual ocorre expressão da IgM, mas não há IgD. O último estágio é o da célula B matura ou virgem (naïve), que co-expressa IgM e IgD. As células pré-B podem ser encontradas no fígado fetal com sete semanas de gestação; as células B IgM e IgG são observadas com 7 a 11 semanas, e as células B IgD e IgA com 12 a 13 semanas. Com 14 semanas de vida embrionária, a percentagem de linfócitos circulantes que exibem IgM e IgD é a mesma que a do sangue do cordão umbilical, mas ligeiramente maior que a observada nos adultos. Os linfócitos B estão presentes no sangue do cordão umbilical em percentagem ligeiramente maior, porém em números consideravelmente mais elevados que no sangue de crianças e adultos, refletindo o maior número absoluto de linfócitos observado em todos os lactentes normais. Os recém-nascidos têm maior suscetibilidade a infecções por microrganismos Gram-negativos, pois não receberam anticorpos IgM, não atravessam a placenta. Os anticorpos IgG de origem materna atuam adequadamente como opsoninas contra a maioria das bactérias Gram- positivas, e os anticorpos IgG contra vírus também proporcionam uma adequada proteção contra esses agentes. Os neonatos começam a sintetizar os anticorpos da classe IgM em menor taxa maior pouco tempo depois do nascimento, em resposta à enorme estimulação antigênica de seu novo ambiente. Os precursores dos linfócitos B estão no fígado com oito semanas, onde já iniciam sua diferenciação. Após o nascimento, a maturação das células B se verifica na medula óssea. A produção de imunoglobulinas fetais já se inicia desde a 10ª semana de gestação, atingindo pico com 26 semanas. A Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez partir de então, cai drasticamente até o nascimento. Isso ocorre devido à baixa exposição intrauterina a antígenos e aos altos níveis de imunoglobulinas maternas transferidas passivamente ao feto. Dessa forma, ao nascimento a criança apresenta baixos níveis de imunoglobulinas (IgM, IgA e IgE), sendo a grande maioria da IgG de origem materna. Após o nascimento, inicia-se a produção própria de imunoglobulinas em resposta a antígenos alimentares e ambientais. O período compreendido entre a queda dos anticorpos maternos e a produção sustentada de anticorpos próprios é chamado hipogamaglobulinemia transitória ou fisiológica. Ocorre entre o terceiro e o quinto meses de vida, com resolução completa entre dois e cinco anos. ➔ Células NK Observou-se atividade das células NK em células hepáticas de um feto humano com 8 a 11 semanas dde gestação. Os linfócitos NK também se originam de precursores da medula óssea. O processamento tímico não é necessário para o desenvolvimento das células NK, embora estas células tenham sido encontradas no timo. Ao contrário das células T e B, as células NK não apresentam rearranjo de genes receptores antigênicos durante o seu desenvolvimento, mas são definidas por sua capacidade funcional de mediar citotoxidade antígeno- não -específica. As células NK também posuem receptores inibidores de destruição (KIRS) que reconhecem certos antígenos do MHC e inibem a destruição de células alogênicas normais em quatro padrões específicos de reatividade. Como as células NK compartilham antígenos de superfície com células T e as células mielóides, a relação está bem esclarecida. A percentagem de células NK encontrada no sangue do cordão umbilical costuma ser menor que a do sangue de crianças e adultos, porém, a contagem absoluta é aproximadamente a mesma, devido à maior contagem de linfócitos. No sangue do cordão umbilical, a capacidade das células NK de mediar a lise de células-alvo em ensaios de células NK corresponde cerca de dois terços da capacidade de adultos. ➔ Sistema Fagocitário O processo de maturação intramedular dos granulócitos envolve alterações na configuração nuclear e acúmulo de grânulos intracito plasmáticos específicos. A proliferação de células mielóides, consistindo em aproximadamente cinco divisões, se dá durante os três primeiros estágios de desenvolvimento dos neutrófilos (mieloblasto, promielócito e mielócito). Após o estágio de mielócito, as células diferenciam-se terminalmente em metamielócitos, bastonetes e neutrófilos. Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez Neutrófilos = Os fatores de crescimento não apenas estimulam a divisão celular, mas também proporcionam a síntese de muitos componentes citoplasmaticos de neutrófilos, como a expressão de fatores de transcrição necessárias para diferenciação mielóide e a biossíntese de proteínas de grânulos neutrofílicos. A maturação dos neutrófilos está associada a alterações do núcleo e à produção de grânulos azurófilos e de grânulos específicos ou secundários. O mieloblasto é uma célula relativamente indiferenciada com um núcleo grande e oval, vários nucléolos e poucos grânulos. Os promielócitos adquirem grânulos azurófilos peroxidase-positivos e os mielócitos adquirem grânulos específicos. A condensação da cromatina, a perda de nucléolos e as alterações da forma do núcleo resultam na característica do neutrófilo segmentado. Os neutrófilos são as últimas células a aparecerem no feto e somente são produzidos em grande número após o nascimento. No recém-nascido estão reduzidos em número e efetividade. Sua concentração aumenta dramaticamente entre 12 e 24 horas após o nascimento. Observa-se nos recém-nascidos prejuízo na quimiotaxia, rolamento, adesão e migração até o sítio de infecção e também redução de sua atividade oxidativa, que é o seu mecanismo de citotoxicidade. O recém-nascido está menos capacitado a elevar o número de neutrófilos circulantes em resposta a um estímulo. Dessa forma, acredita-se que a incapacidade em mobilizar o pool medular durante um estresse associa-se a quadros sépticos nessa idade. Monócitos e Macrofágos = Precursorescirculantes de macrófagos teciduais, desenvolvem-se mais rapidamente na medula óssea e permanedem mais tempo na circulação do que os neutrófilos. O primeiro precursor monócitico reconhecível é o monoblasto, seguido de promonócito (célula um pouco maior com grânulos citoplasmáticos e um núcleo chanfrado contendo cromatina finalmente dividida) e por fim o monócito plenamente diferenciado. O monócito maduro é maior do que o neutrófilo e possui um citoplasma repleto de grânulos, cujo conteúdo inclui enzimas hidrolíticas. A transição de monoblasto para monócito circulante maduro exige cerca de 6 dias. A transição de monoblasto para monócito circulante maduro exige cerca de 6 dias. Os monócitos conservam uma capacidade limitada de dividir-se, sofrendo uam diferenciação adicional considerável após entrarem nos tecidos, onde sobrevivem semanas a meses. A migração dos monócitos para o interior de diferentes tecidos parece ocorrer aleatoriamente na ausência de inflamação localizada. Uma vez nos tecidos, os monócitos transformam-se em macrófagos teciduais com Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez propriedades morfológicas e, às vezes, funcionais que são típicas dos tecidos onde se localizam. Eosinófilo= Diferenciam-se das células-tronco precursores na medula óssea sob controle de IL-3, fator de colônias de granulócitos-macrófagos e principalmente IL-5, derivados de células T. IMUNIDADE FETAL E NEONATAL Neonatos mamíferos são protegidos contra a infecção por anticorpos produzidos pela mãe que atravessam a placenta, sendo transportados para a circulação fetal, e pelos anticorpos ingeridos no leite e transportados através do epitélio intestinal de recém-nascidos por um processo especializado conhecido como transcitose. Os recém-nascidos não têm a capacidade de montar respostas imunes eficazes contra microrganismos e, durante vários meses após o nascimento, sua principal defesa contra a infecção é a imunidade passiva fornecida pelos anticorpos maternos. A IgG materna é transportada através da placenta, e a IgA e IgG presentes no leite materno são ingeridas pelo lactente. O transporte transepitelial de IgA materna para o leite depende do receptor de poli-Ig. As moléculas de IgA e IgG ingeridas podem neutralizar organismos patogênicos que tentam colonizar o intestino do bebê, e os anticorpos IgG ingeridos também são transportados através do epitélio intestinal para a circulação do neonato. Assim, um recém-nascido possui, essencialmente, os mesmos anticorpos IgG que sua mãe. O transporte da IgG materna através da placenta e do epitélio intestinal neonatal é mediado por um receptor de Fc específico para IgG denominado receptor de Fc neonatal (FcRn). O FcRn é único entre os receptores de Fc em que se assemelha a uma molécula do complexo de histocompatibilidade principal de classe I (MHC) contendo uma cadeia pesada transmembrânica que é não covalentemente associada a β2- microglobulina. No entanto, a interação de IgG com o FcRn não envolve a porção da molécula que é análoga à fenda de ligação do peptídeo usado pela moléculas de MHC de classe I para apresentar os peptídeos para o reconhecimento pelas células T. Placenta : A IgG materna é transportada através da placenta diretamente à corrente sanguínea do feto durante a vida intrauterina; ao nascimento, os bebês humanos apresentam níveis plasmáticos de IgG tão elevados quanto os de sua mãe, e com a mesma gama de especificidades. Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez O transporte seletivo de IgG da mãe para o feto é realizado por uma proteína transportadora de IgG na placenta, o FcRn (receptor Fc neonatal), que é intimamente relacionada em estrutura às moléculas do MHC de classe I. Apesar dessa semelhança, o FcRn liga-se à IgG de modo bastante diferente da ligação do peptídeo às moléculas do MHC de classe I, pois sua fenda de ligação peptídica é ocluída. Ele liga-se à porção Fc das moléculas de IgG. Duas moléculas de FcRn ligam-se a uma molécula de IgG, transportando- a através da placenta. TOLERÂNCIA ENTRE A MÃE E O FETO PARA OCORRER EVOLUÇÃO DA GRAVIDEZ Em relação ao sistema imunológico, o período de gestação só é possível porque uma intrincada rede imunorregulatória é disparada com o objetivo de desenvolver um estado de tolerância materno-fetal e permitir a implantação e manutenção do concepto até que haja condições de sobrevivência fora da cavidade uterina. Entre os fatores envolvidos nessa complexa rede imunológica para a tolerância e regulação do desenvolvimento fetal e formação da placenta, destacam-se: a influência hormonal sobre o sistema imune materno, o reconhecimento das moléculas do Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC) paterno que estão carreadas pelo embrião, as citocinas liberadas no meio, o controle da citoxicidade direta das células Natural Killer uterinas e atividade das células T regulatórias. O produto gestacional contém metade do seu material genético de origem materna e a outra metade de origem paterna, sendo então considerado estranho para o sistema imunológico materno. O que é importante é que de alguma forma o embrião passa a ser reconhecido pelo sistema imune da mãe sem que ocorra uma resposta contra a sua permanência e desenvolvimento no ambiente uterino como ocorreria com qualquer material genético estranho, como no caso de transplantes. Para compreender a sobrevivência do feto é necessário conhecer como o sistema imunológico materno, inato e adaptativo funcionam. O embrião em desenvolvimento fica isolado num ambiente semi-permeável onde são selecionadas as substâncias que podem chegar até o embrião. A ausência de moléculas clássicas de MHC na superfície do trofoblasto, e o Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez reconhecimento de moléculas não clássicas de HLA-G por receptores KIR nas células uterinas NK constituem exemplos de tolerância celular na interface materno-fetal, com consequências benéficas para o feto. A evolução saudável da gravidez depende de equilíbrio do sistema imunológico materno, muitos princípios imunes já foram estudados mas ainda existem muitos aspectos não compreendidos. Existem vários fenômenos que explicam a tolerância imunológica entre mãe-feto. São eles: 1- Separação anatômica entre o feto e a mãe; 2 - Imaturidade antigênica do feto; 3 – Útero como local imunologicamente privilegiado; 4 - Estado de imunossupressão fisiológica da gestante. O feto possui antígenos provenientes do pai, no entanto não há rejeição por parte do sistema imunológico materno, a não ser em casos como eritroblastose, que é causada por incompatibilidade dos grupos sangüíneos da mãe e da criança. Depende do extravasamento de hemácias fetais para a circulação materna e, por vez, da passagem transplacentária de anticorpos maternos para o feto. É um exemplo da hipersensibilidade tipo II. A aceitação materna do feto resulta do isolamento do embrião num ambiente semi-permeável, deste modo, a resposta imune materna é modulada, permitindo esse reconhecimento, e tornando-se compatível com o desenvolvimento de uma gravidez bem sucedida. A interface materno-fetal caracteriza-se igualmente pela atividade única das proteínas reguladoras do complemento, células Natural Killer (NK) uterinas, macrófagos, células T com diversos fenótipos e citocinas do meio ambiente local. O trofoplasto é a camada de células que reveste o blastocisto e contribui para a formação da placenta. As células desta camada têm características imunológicas bastante especificas e não expressam moléculas de MHC podendo ser uma justificativa para a não rejeição do feto, o trofoblasto também possui célulascom receptores inibitórios das células NK (natural Killer), ou seja estas células também não são ativadas. As citocinas produzidas pela mãe podem funcionar como fatores de crescimento placentário, limitar a invasão do trofoblasto e contribuir para a remodelação tecidual. Estudos já comprovam que no útero existem células B e T, macrófagos, mastócitos e eosinófilos, contudo após a nidação do óvulo fertilizado as células B e T desaparecem, os mastócitos e eosinófilos tornam se raros. Macrófagos e células NK predominam no ambiente uterino após o início da gestação. Estas células NK de origem materna aumentam em número Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez e precedem a implantação durante a fase lútea, diferenciam-se durante a gravidez e diminuem em número, quase desaparecendo, no final da gravidez. O endométrio durante a gravidez possui em torno de 10 a 15% de macrófagos e os monócitos são ativados a partir de substâncias solúveis produzidas pela placenta. Durante a gravidez, o sistema imune materno é ativo e funcional. Existem diversos mecanismos subjacentes à tolerância materna do feto que permitem a implantação e a gestação bem sucedida como a expressão de moléculas de antígenos HLA-G, HLA-E e HLA-C nas células do trofoblasto, o controle da atividade citolítica NK através de receptores inibitórios, a expressão de proteínas reguladoras do complemento, a regulação do recrutamento de leucócitos e proliferação celular na interface materno-fetal e a supressão de linfócitos Th1 na decídua parecem contribuir para o fenômeno de tolerância imunológica que ocorre entre o feto e a mãe durante a gestação urante a gravidez, há uma maior susceptibilidade às infecções. A imunidade humoral se mantém em níveis normais: os níveis de imunoglobulinas permanecem inalterados, porém há uma supressão seletiva de alguns aspectos da imunidade celular, tanto que o organismo aceita o enxerto fetal. Assim, parece existir uma imunossupressão localizada na placenta e tecidos adjacentes. Estudos demonstram que eventos locais na interface materno-fetal previnem uma resposta imune efetiva e que numa placenta infectada não há resposta inflamatória mesmo na presença de grande número de bactérias. Há secreção de altos níveis de estrógeno e progesterona, o que pode ter um papel na inibição da resposta imune celular local. Secreção de β-HCG e α-feto-proteina a níveis fisiológicos podem deprimir a resposta proliferativa de linfócitos T. Há diminuição de células TCD4 e aumento de TCD8. A atividade citotóxica das células NK parece também estar diminuída. É importante observar que durante o período da gestação os eventos imunológicos sofrem alterações. Em doenças auto-imunes decorrentes de exacerbação de respostas inflamatórias (ex.: artrite reumatóide) são atenuadas ao iniciar-se a homeostase gestacional, enquanto doenças caracteristicamente dependentes da ação de auto-anticorpos são agravadas de forma importante nessa circunstância, como exemplo o lúpus eritematoso sistêmico. ➔ As alterações hormonais durante a gestação O trato reprodutivo da mulher sofre alterações durante o período de ovulação e fertilização, a mucosa torna-se mais irritada e processos imuno-inflamatórios ocorrem naturalmente. A modulação das atividades das células apresentadoras de antígenos é induzida pela ação dos hormônios esteróides. Na decídua, anexo embrionário dos seres placentários, os leucócitos predominam, estando presente macrófagos, células T e células NK. Estas células são atuantes durante o período gestacional. Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez A progesterona é o hormônio feminino ativo sobre o sistema imune da mãe- feto, ela é capaz de suprimir a função efetora das células T e modula os canais de potássio e de íons-cálcio da membrana celular. A progesterona também regula os linfócitos T quando se liga aos seus receptores, a alta concentração do hormônio provoca a síntese de uma proteína imunomodulatória chamada de fator bloqueador induzido pela progesterona, reduzindo por conseqüência a ação dos linfócitos T. O fator bloqueador inibe a atividade das células NK, a liberação de ácido aracdônico e altera a ação das citocinas. A ação conjunta sobre todos estes fatores diminui a resposta imune ao enxerto fetal, facultando a sua permanência no útero materno. A progesterona tem sido utilizada, em alguns casos, como tratamento para que a gestação chegue a termo. Em muitos casos de gestação patologicamente comprometida observou-se baixos níveis deste hormônio, levando à conclusão de que sua presença é de extrema importância no processo gestacional (MIC). ➔ HLA-G e anticorpos Bloqueadores As moléculas que conferem a identidade a cada indivíduo são conhecidas por HLA e são encontradas na superfície da grande maioria das células de organismo humano. Os antígenos HLA são formados por dois grupos: moléculas HLA classe I e moléculas HLA classe II. Moléculas HLA classe I podem ser clássicas (HLA-A, HLA-B e HLA-C) ou não-clássicas (HLA-G, HLA- E). Moléculas HLA classe II são: HLA DP, DQ e DR. O primeiro contato mais intenso entre embrião e a mãe ocorre na cavidade uterina, cerca de seis dias depois da fecundação. Esse contato se realiza entre a superfície fetal (sincício) e a superfície materna denominada decídua. A partir da nidação ou implantação, além da expressão diferenciada de moléculas HLA, responsáveis pela identificação do que é “próprio” e “não-próprio” no organismo de cada indivíduo, estas células têm um potencial peculiar de resposta às citocinas presentes no meio, ocorrendo a tolerância imunológica ao feto. O citotrofoblasto extraviloso expressa um tipo de molécula HLA de classe I, chamado HLA-G, esta molécula têm papel imunorregulatório inibido a lise mediada por células NK, alteram também o reconhecimento das células T maternas.Estes efeitos podem ser mediados através do killer inhibitory receptors (KIR). Resumindo, as células trofoblásticas não expressão moléculas de HLA de classe I ou II, desta forma não respondem a ações de células citotóxicas mediadas por células T durante a gestação normal. Outro fator que contribui para a gestação normal é a presença de anticorpos bloqueadores, estes são anticorpos maternos que se ligam às moléculas HLA paternas presentes nos tecidos embrionários, funcionam como proteção à resposta citotóxica materna Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez contra o embrião. Estes anticorpos não têm a capacidade de ativar complemento localmente e por isso não desencadeiam uma resposta imune efetiva no sentido de fagocitose. ➔ Linfócito T e Citocinas Os leucócitos presentes na decídua podem contribuir pela expressão de receptores que proporcionam o reconhecimento do trofoblasto fetal, a invasão trofoblástica e a produção de citocinas que regulam e modulam a resposta imune materna e a função vascular. As citocinas, por sua vez, atuam diretamente sobre a modulação da resposta imune, funcionam como mediadores responsáveis pelo comportamento individual e pela interação dos diferentes tipos celulares na interface materno-fetal. Podem ser produzidas por macrófagos, linfócitos, células NK e pelas próprias células trofoblásticas e agem através de vias complexas de feedback positivo ou negativo Os linfócitos T dividem-se em diferentes subpopulações, produzem diferentes citocinas que serão responsáveis pela evolução normal ou interrupção da gestação.A resposta imune sofre uma transformação de modo a reduzir a atividade inflamatória, com alteração do pólo de células Th1 para Th2. Esta transformação do predomínio da resposta imune Th1 para Th2 é caracterizada pela diminuição da produção de citocinas, como IL-2 e interferon gama (INFγ) e pelo aumento de IL-4. Há, assim, alterações nas células T helper e supressoras de modo a permitir a aceitação do feto e a manutenção da gravidez. No entanto, as célulasTh1 têm um papel essencial para a implantação e o desenvolvimento placentário. Parece assim ser fundamental o equilíbrio entre células Th1 e Th2, e que esta dicotomia Th1/Th2 pode auxiliar na compreensão dos microambientes de citocinas subjacentes a uma implantação bem-sucedida. ➔ Células NK São células citotóxicas,que fazem a defesa celular, pertencem ao sistema imune inato, são portadoras de antígenos de superfície que as caracterizam: CD16 e CD56. As células NK possuem receptores para IgG o que produz sua citotoxicidade, podem se diferenciar em dois grupos: CD56dim e CD56bright. As células CD56dim são altamente citotóxicas, enquanto as células CD56bright são pouco citotóxicas, porém são também produtoras de citocinas imunorregulatórias como IFNg e TNFa . A ativação da célula NK depende de seus diferentes receptores, elas possuem receptores para ativação ou para inibição. Quando a gestação ocorre em processo normal, a liberação de IL-4 e IL-7 estimula os linfócitos Th2 que induzem ao aumento de receptores das células NK da decídua, estas ações mantém as células NK desativadas. Já as citocinas induzidas por Th1 são abortivas porque ativam as células NK do tecido uterino, a ação citotóxica pode Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez levar ao aborto. Células NK com esse fenótipo perpetuam o ambiente rico em IL-2, TNF e IFNg, com perfil Th1 pró-inflamatório e pró-trombótico. Concluindo: o aborto espontâneo estaria condicionado diretamente ao comportamento das células NK, a ativação ou inibição destas depende da cascata de outros eventos imunológicos que ocorrem quando efetiva-se a gestação. As citocinas liberadas são as mediadoras das alterações das células NK. O fator de necrose tumoral (TNF) é liberado pelas células natural killer uterinas (uNK) no começo da gestação. Observou-se seu papel na gestação em camundongos e sua relação com: 1 – proteção da mãe contra as células anormais fetais; 2 – restrição do trofoblasto à invasão da decídua materna; 3 – facilitação da remodelação do tecido requerido para acomodação do embrião; 4 – proteção contra transmissão de microrganismos da mãe para o feto. A presença de IFN-γ secretados também pelas uNK é necessária para a manutenção da decidua em humanos, remodelação dos vasos da decídua induzidos pela gravidez, necessário para celularidade e integridade decidual. Além disso, receptores para IFN-γ estão expressos em várias células que estão presentes nos locais de implantação. Na interface materno-fetal as citocinas do tipo Th2, que são secretadas não somente pelas células imunocompetentes, mas também por células da decídua e da placenta, parecem ser as responsáveis pelo sucesso na manutenção da gravidez. Isso foi embasado na observação de que IL-4, IL-10 e IL-3 foram detectadas em níveis aumentados durante a gravidez normal em humanos e animais. Além disso, a administração de citocinas Th2 poderia prevenir o aborto em camundongos. Ao contrário, a produção excessiva de citocinas Th1 foi associada com perda gestacional, especialmente citocinas como IFN-γ, TNF, IL-1 e IL-2. O TGF-ß1 e TNF também estão envolvidas no crescimento e diferenciação do trofoblasto, na produção de outras citocinas com a IL-6 e IL-8, na expressão de moléculas de adesão, e na biogênese das metaloproteinases de matriz extracelular. Essas ações podem estar envolvidas no processo de trabalho de parto. A oxitocina, progesterona e hidrocortisona podem influenciar significativamente na expressão do mRNA e liberação tecidual de TGF-ß1 e TNF pelas membranas fetais na gestação a termo. O TGF-ß1 é uma citocina imunossupressora que inibe a proliferação das células T e B, a atividade citotóxica NK e a citotoxicidade das células T. É secretado pelos linfócitos que sofrem apoptose e pelos macrófagos que fazem a fagocitose dos corpos apoptóticos. Estudos têm revelado o papel do TGF-ß1 na proteção da autoimunidade, documentando seus efeitos, em vários modelos experimentais de doenças autoimunes, no desenvolvimento embrionário e na regulação imunológica da gravidez, inibição da produção de citocinas do tipo Th1 e promoção da diferenciação Th2. A regulação imune da gestação é complexa, estando envolvidos vários fatores hormonais na indução do estado Th2 da Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez gravidez. O papel de TGF-β é ainda mais amplo, incluindo atuação na indução de células T reguladoras (CD4+CD25+) e Th17. A subpopulação celular Th17 caracteriza-se pela produção de IL-6 e IL17 e por sua participação na mediação da angiogênese e da inflamação. A progesterona, de forma particular, contribui para a imunomodulação associada à gravidez. Os efeitos imunológicos dela são mediados parcialmente, por uma fração de 34 kDa, denominada fator bloqueador induzido pela progesterona (PIBF). Este fator, produzido pelas células T ativadas expostas à progesterona, afeta os macrófagos e as células NK placentárias e, também, as células circulantes. O PIBF é dotado de propriedades imunomoduladoras, tais como a capacidade de regular a expressão de perforinas pelas células NK. Também afeta o balanço Th1/Th2 através do aumento da produção de IL-3, IL-4 e IL-10 e da diminuição da produção de IL-12 nos linfócitos e macrófagos. Os estrogênios têm um efeito similar no balanço Th1/Th2. A progesterona, através da sua capacidade de estimular a síntese de citocinas Th2, promove a produção de HCG no trofoblasto. O HCG, subsequentemente, estimula a formação de progesterona, criando, assim, um mecanismo de feedback positivo. Todos estes mecanismos contribuem para a promoção Th2, com aumento significativo da produção de IL-12 e de TNF-α no terceiro trimestre da gravidez. No período pós-parto as alterações imunes associadas à regulação diferencial das respostas Th1 e Th2 favorecem a resposta Th1, que está associada à recidiva de várias doenças auto-imunes. Outro mecanismo descrito na tolerância maternofetal é o catabolismo do triptofano por células dendríticas (DCs). Processo realizado pela enzima indoleamina 2,3 dioxigenase (IDO) leva à supressão de respostas de células T. Embora os estudos em seres humanos sejam limitados, IDO foi detectada em macrófagos deciduais humanos e em explantes vilosos placentários demonstrando ser capaz de inibir as respostas das células T. Curiosamente, a expressão de IDO também pode ser influenciada pelo antígeno 4 do linfócito T citotóxico (CTLA- 4), uma molécula expressa por células T regulatórias (Treg). Estudos têm demonstrado que a CTLA-4 solúvel ou Treg expressando CTLA-4 pode estimular o aumento da regulação da IDO e o catabolismo do triptofano. Observa-se aumento rápido de células Treg circulantes durante o início da gravidez, com um pico durante o segundo trimestre, quando a invasão trofoblástica da decídua materna é máxima. O declínio de células Treg pós- parto também é consistente com a retirada do estímulo imunológico do enxerto. Esta população de células CD25+ pode inibir a indução de proliferação de linfócitos e o contato célula-célula é necessário para que as Tregs medeiem a imunossupressão. Os mecanismos pelos quais as Tregs possam modular as respostas imunológicas durante a gravidez ainda devem ser mais estudados. No entanto, estudos recentes em ratos demonstraram que a tolerância a aloantígenos é essencial para o sucesso da gravidez. ➔Antígenos de Histocompatibilidade Menor Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez Fazem parte dos antígenos fetais. São proteínas funcionais que podem desencadear uma resposta imunológica por diferença alélica entre pessoas, e dentre suas variantes, podendo ser um polimorfismo de um único nucleotídeo (SNP), ou até estar presente no cromossomo Y. A participação dos mHAgs na gravidez foi considerada por vários pesquisadores como o motivo para rejeição de enxertos, após observarem que doadoras sem gravidez prévia ou doadoresdo sexo masculino são menos susceptíveis a provocar rejeição de enxerto pelo paciente transplantado do que doadoras que são mães. Os mHAgs são reconhecidos por células T através de sua apresentação pelo MHC de classe I ou II. Acredita-se que esse reconhecimento ocorra durante a liberação dos restos placentários da mãe contendo mHAgs fetais na corrente sanguínea materna, onde seriam processados e fagocitados por células dendríticas e apresentados para células T CD8+, gerando uma resposta imunológica materna para o feto. Existem vários tipos de mHAgs , e o antígeno de histocompatibilidade 1 (HA-1) é um dos mais estudados, podendo ser encontrado em células de Hofbauer (localizadas no estroma das vilosidades coriônicas que secretam citocinas para o crescimento e diferenciação do trofoblasto), e no trofoblasto, na placenta humana. O peptídeo antigênico do HA-1 resulta de uma única diferença nucleotídica entre o peptídeo não imunogênico e o peptídeo imunogênico que aumenta a afinidade de ligação do peptídeo HA-1 a um peptídeo específico HLA-A*0201 ligado em células apresentadoras de antígeno (APC), podendo levar a um reconhecimento por células T específicas para HLA-A*0201. O reconhecimento do antígeno HA-1 pode ocorrer em situações como em casos de rejeição de enxerto ou em casos de gravidez. No caso da gravidez, a presença de células T específicas para HA-1 no sangue materno após a gravidez indica que essas células T maternas podem reconhecer o HA-1 imunogênico fetal. O contato entre o sinciciotrofoblasto e o fornecimento de sangue materno na superfície da placenta pode gerar uma resposta imune materna para mHAgs fetais. Nestes casos, as células T específicas ao antígeno são provenientes de um indivíduo sem o alelo HA-1 imunogênico. A probabilidade de que dois indivíduos possuirão HA-1 diferentes, e que o indivíduo com o HA-1 não imunogênico terá o MHC para apresentar o peptídeo imunogênico e gerar uma resposta imune, é de cerca de 12%. Foi demonstrado, através de estudos em camundongos, que outro tipo de mHAg, o antígeno fetal endógeno (H-Y), pode induzir células TCD4+ e TCD8+ a desenvolverem uma resposta imune. Outros estudos em camundongos demonstram que antígenos paternos podem ser encontrados no sêmen. Sendo assim, a apresentação de antígenos fetais para células T maternas pode começar durante a relação sexual entre os progenitores. Recentemente, um estudo demonstrou que durante a gravidez humana com um feto do sexo masculino pode-se encontrar células TCD8+ específicas para H-Y no sangue materno. Evidências epidemiológicas sugerem que o reconhecimento de mHAgs fetais pode estar relacionado ao aborto recorrente secundário, principalmente se no primeiro aborto o feto for do sexo masculino Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez ● O Sinciciotrofoblasto Forma uma camada contínua em torno das vilosidades coriônicas da placenta humana, e representa uma grande área de tecido fetal em contato com o sangue materno. As células do sinciciotrofoblasto não expressam moléculas de HLA e são responsáveis tanto pela nutrição do embrião, quanto pela produção de HCG e progesterona. Anticorpos maternos ligam-se às moléculas de HLA paternas presentes nos tecidos embrionários, funcionando como proteção à resposta citotóxica materna contra o embrião. Estes anticorpos não ativam o complemento localmente e por isso não desencadeiam uma resposta imune efetiva para a eliminação dos antígenos. Isto ocorre, pois há uma glicosilação de uma das regiões Fab da molécula do anticorpo IgG, resultando em conformação assimétrica. Acredita-se que a finalidade destes anticorpos seja recobrir a interface maternofetal via HLA-G e com isso bloquear a citotoxicidade local. Anticorpos anti-HLA classe I, classe II e anti-HLA-G podem ser identificados com maior frequência em multíparas. Existem evidências de que estes anticorpos favoreçam a gestação, protegendo as células fetais da ação de células citotóxicas maternas. Desta forma, as moléculas HLA-G atuam como o estímulo paterno para a produção de anticorpos bloqueadores que protegerão o embrião e permitirão o desenvolvimento dos tecidos placentários. ● Anticorpos e Perda Gestacional Uma das complicações mais frequentes da gestação, e ocorre principalmente durante o primeiro trimestre. Dentre as diversas causas da perda gestacional está a produção de auto anticorpos, produzidos sumariamente por uma falha na tolerância imunológica aos antígenos próprios (principalmente maternos), alterando a relação materno-fetal. Os principais anticorpos relacionados à perda gestacional são os anticorpos antifosfolípides, presentes em cerca de 10% das mulheres com perda fetal de repetição. A síndrome de anticorpos antifosfolípides (SAF) se caracteriza pela presença de auto anticorpos que reagem contra fosfolipídios de membrana carregados negativamente, levando a episódios de anemia hemolítica, tromboses arteriais e venosas, e trombocitopenia. Os principais anticorpos antifosfolípides são o anticoagulante lúpico (LAC) e o anticorpo anticardiolipina (ACA). A ação desses anticorpos se dá contra antígenos endoteliais, podendo levar à vasculite decidual. Esta vasculite, associada ao mecanismo de hipercoagulabilidade promovido pelos anticorpos antifosfolípides, pode desencadear alterações na vascularização para placenta e feto . Existem ainda outros anticorpos dirigidos contra a fosfatidilserina, fosfatidiletanolamina, fosfatidilinositol, fosfatidilglicerol, fosfatidilcolina e ácido fosfórico, porém a frequência com que ocorrem é bastante inferior. Há também a produção de anticorpos antiespermatozoides (AAE), que podem influenciar no desenvolvimento dos gametas e na fertilização. O aparecimento destes anticorpos aparenta estar associado à Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez diminuição de fertilidade em ambos os sexos, pois há indicações de que estes anticorpos afetem a maturação do espermatozoide e a qualidade do sêmen. ●TGF-ß Representa uma superfamília de proteínas envolvidas no controle da proliferação e diferenciação celular, imunorregulação, angiogênese e regulação da matriz extracelular, além de possuir a capacidade de induzir apoptose em diversos tipos de células. Em mamíferos há a presença de três membros da superfamília do TGF- ß: TGF-ß1, TGF-ß2 e TGF-ß3. Quando produzida pelas células NK, o TGF-ß inibe a proliferação e diferenciação do trofoblasto. Esta citocina também é produzida por macrófagos, juntamente com TNF-α e fatores estimuladores de colônia, constituindo importante papel na invasão do trofoblasto e implantação, e consequente sucesso da gravidez. O papel de regulador negativo do TGF-ß é importante na gestação, uma vez que contribui com efeitos imunossupressores na mãe, auxiliando na não rejeição do feto. Durante a gestação o TGF-ß atua inibindo a proliferação e diferenciação de linfócitos e controlando a ativação de outros leucócitos. MECANISMOS QUE FAZEM ADEQUAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE DO RECÉM NASCIDO – desenvolvimento da microbiota e relação com o canal do parto A pele do RN : É importantes para conferir proteção contra micro-organismos na fase inicial de transição do ambiente intrauterino para o meio externo, período no qual ocorre a colonização pela microbiota normal. A pele neonatal é frágil e pequenas lesões podem afetar sua integridade, tornando-se acessível à invasão por microrganismos. No caso de fetos e recém-nascidos pré-termo, a pele apresenta maior imaturidade quando comparada aos recém-nascidos a termo. Além disso, tem permeabilidade aumentada causada, em parte, pela produção de ácidos graxos livres e pelo pH alcalino. Desta forma, há risco aumentado de infecção devido à incapacidade da epiderme em realizar bloqueio adequado de micro-organismos. O completo desenvolvimento funcional da pele ocorre apenas 2 a 3 semanasapós o parto. O verniz caseoso presente ao nascimento é secretado pelas glândulas sebáceas fetais e tem atividade microbicida e neutralizante de toxinas bacterianas. Esta atividade é devido a proteínas e peptídeos antimicrobianos, os quais têm expressão aumentada no recém-nascido quando se compara às crianças maiores e aos adultos. Contato com o Canal Vaginal e o Meio Externo : A colonização do trato gastrintestinal ocorre imediatamente após o parto e atua no desenvolvimento de tolerância e homeostase imunológicas necessárias para as interações comensais com a microbiota saprófita. A tolerância aos antígenos alimentares é um processo ativo que se inicia na vida Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez intrauterina e continua após o nascimento, especialmente nos dois primeiros anos de vida. A mucosa intestinal é caracterizada por um constante equilíbrio entre ativação e supressão da resposta imune. Estudos indicam que as células epiteliais desempenham um papel importante na resposta imune das mucosas, através da produção de citocinas, fatores de crescimento e proteínas de membrana que propiciam interação e ativação das células dendríticas. O sistema imune inato é a maneira imediata de defesa pulmonar. Durante a gestação, o ambiente uterino é estéril e o recém-nascido passa a ser colonizado ainda no canal vaginal materno, durante o parto normal. Crianças nascidas de parto cesáreo passam a ser colonizadas logo após o nascimento, por microrganismos maternos, do ambiente local e da equipe médica que o manipula. Recentemente foi publicado um estudo com evidências de colonização intrauterina por bactérias simbiontes da microbiota materna, porém, ainda não há dados que expliquem o mecanismo de translocação destas bactérias para o útero materno, nem a passagem dos mesmos pela barreira placentária. Com poucos dias de vida, o recém-nascido já se encontra totalmente colonizado, porém, o tempo que a microbiota residente leva para se estabelecer pode variar, levando até dois anos para se estabilizar, como é o caso da microbiota intestinal. A evolução da instalação da microbiota ainda não é totalmente conhecida, porém, sabe-se que alguns fatores são fundamentais na primeira infância da criança, como por exemplo, condições socioeconômicas, sanitárias, alimentares interferência medicamentosa. Algumas diferenças são observadas na composição e no processo de colonização da microbiota dependendo do tipo de parto. A microbiota da criança que nasce por parto vaginal é derivada inicialmente da microbiota fecal materna que contamina o canal de parto. Mais tarde a criança adquire bactérias presentes nos alimentos e no meio ambiente. Na criança que nasce por meio de parto cesáreo, não há participação da microbiota fecal materna, e o estabelecimento da microbiota intestinal normal é mais tardio. As crianças amamentadas com leite materno têm mais bifidobactérias e estafilococos na microbiota intestinal, em relação às que tomam mamadeira que têm maior número de enterococos e clostrídeos. O leite materno favorece o crescimento de alguns grupos bacterianos de importância para a saúde do hospedeiro como as bifidobacterias cujo crescimento é favorecido pelos fatores bifidi. A baixa capacidade tamponante do leite humano permite também uma melhor atuação das bactérias produtoras de ácido lático pela redução do valor do pH intestinal desfavorável ao crescimento de vários microrganismos patogênicos. As crianças amamentadas ao seio, quando comparadas com as alimentadas Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez artificialmente, são menos colonizadas por enterobactérias,como E. coli e Klebsiella, sendo ainda menor o número de sorotipos de E. coli enteropatogênicos. Quando o desmame inicia, as crianças são expostas, pela primeira vez, a muitos carboidratos, diferentes e complexos. Uma quantidade significativa destes carboidratos vai escapar da digestão no intestino delgado e chegar ao cólon, assim como toda fonte de fibra dietética. Sabe-se que esses produtos servem de substratos alimentares para as bactérias colônicas e, possivelmente, influenciariam a composição da microbiota intestinal das crianças neste período de vida. Segundo estudos experimentais, o impacto da introdução de alimentos não lácteos, provavelmente persistirá até a vida adulta.O uso de antibiótico pode afetar o padrão de colonização do TGI na criança. Os agentes antimicrobianos têm efeitosespecíficos em componentes individuais da microbiota ao invés de uma supressão geral e não específica e o perfil microbiano resultante influencia a população que emerge após a parada do tratamento. Amamentação:O leite da mãe é o alimento perfeito para o recém-nascido, através deste o bebê recebe imunoglobulinas: IgA principalmente, G, M, D, E, Linfócitos (B e T), macrófagos, neutrófilos, ácidos graxos essenciais, fator bifidus, interferon gama e lactoferina, entre outros. O primeiro leite (colostro) que o recém-nascido recebe, é uma vacina natural para o bebê, neste são encontrados inúmeros fatores imunológicos que irão conferir uma imunidade passiva e estimular o desenvolvimento do sistema imune. A IgA transferida pelo colostro tem a função de bloquear a adesão de agentes patogênicos no intestino, impede que estes colonizem as paredes intestinais e facilita a fagocitose através de macrófagos ou linfócitos B e T. As células de defesa desenvolvem-se nos órgãos linfóides primários (timo e medula óssea). O linfócito B é a célula em maior quantidade e é a responsável pela produção dos anticorpos específicos contra cada tipo de agente conferindo imunidade adaptativa. Nos três primeiros dias de vida do neonato o colostro ingerido contendo IgA efetuará proteção contra Escherichia coli, Salmonella sp, Vibrio cholarae, Haemophilus influenzae, Streptococus pneumoniae, rotavirus, protegendo também contra possíveis doenças alérgicas nos primeiros anos de vida da criança. Os linfócitos T efetuam a defesa celular eliminando células infectadas e participam de outros tipos de defesa emitindo mensagens químicas. A enzima lisozima, presente no leite materno, tem as funções bactericida e de degradar parede de bactérias gram-positivas, funcionando como um eficiente auxiliar do sistema imune do neonato. Mód. Imunologia – Anne Caroline Maltez No leite humano é encontrada uma glicoproteína denominada lactoferrina, que tem por função eliminar bactérias, combater vírus e desencadear ação antiinflamatória. E, além disso, ela torna o ferro indisponível para os micro- organismos que necessitam dele para sua proliferação. O fator bifidus também presente no leite humano, é um oligossacarídeo que permite o crescimento de Lactobacilos bifudus, uma bactéria que não prejudica o bebê, pois faz parte da flora intestinal normal. Este lactobacilo tem por função limitar o crescimento de flora patogênica no intestino do neonato. Outras substâncias encontradas no leite humano são o cortisol, insulina, tiroxina e prolactina, são hormônios que estimulam a maturação e a proliferação das células epiteliais e o desenvolvimento do trato digestivo do recém-nascido. Também o interferon gama produzido pelos linfócitos são importantes potencializadores da ação antimicrobiana das células de defesa. Estão presentes também outros componentes como caseína, caseomorfinas, lipídeos e ácidos graxos essenciais, todos possuem função antimicrobiana, somados à carboidratos, vitaminas e minerais formam um composto perfeito, o leite, com função de nutrição e proteção imunológica imediata.
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