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A05_SaibaMais_A reinvenção do jornalismo

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A reinvenção do jornalismo.
(Spoiler: é hora de abaixar o topete,
mas de levantar a cabeça.)
Leandro Beguoci ­ 13 de maio de 2015
Leandro Beguoci: "como transformar o jornalismo num item de
primeira necessidade? Como convencer pessoas, organizações e
empresas a dar seu tempo e seu dinheiro para quem se dedica a
produzir jornalismo profissionalmente?" (Foto: Pedro Burgos)
 
Por Leandro Beguoci
(Leandro produziu este inspirado Longform – 32 000 caracteres –
diretamente de Nova York, exclusivamente para o Draft. Leandro está
em Nova York desde janeiro, para um período de 5 meses, estudando
novos modelos de negócio em jornalismo no Tow­Knight Center in
Entrepreneurial Journalism, na City University of New York.)
 
John Cheever é um dos escritores que mais entenderam a vida da classe
média americana. Seus contos são relatos precisos sobre o que significa ter
muitas expectativas e somente algumas realizações. Se você gosta de TV,
vale dizer que Cheever foi exaustivamente lido pela equipe que criou Mad
Men, uma das séries mais aclamadas pela crítica nos últimos anos. Ele
tinha uma enorme capacidade para captar pequenos movimentos de
grande significado.
Cheever também é um dos escritores americanos que mais entenderam a
mídia – até porque mídia é central para uma vida de classe média. Um dos
meus contos favoritos dele se chama The Enormous Radio. Cheever
descreve, de forma magnética, a vida de um homem e de uma mulher
diante daquele aparelho de metal e madeira. É impressionante ler sobre o
poder do rádio dentro de um apartamento americano nos anos 50. Aquele
som cheio de ranhuras conectava a casa ao mundo.
Esse conto é uma excelente reflexão sobre a mídia porque mostra, de uma
maneira simples e poderosa, o valor que os veículos tradicionais
trouxeram para a nossa vida. Jornais, revistas, rádios e TVs nos
informaram sobre os grandes assuntos que têm impactos gigantescos em
nossas vidas. Eles nos aproximaram da realidade de pessoas que vivem
tão perto de nós – apesar de serem tão diferentes. Eles foram as primeiras
janelas para o mundo e concentraram atenção proporcional a essa
relevância.
O mundo em telas
Com a passagem do tempo, a oferta de mídia aumentou e, ao mesmo
tempo, se fragmentou. Há mais veículos de mídia e mais plataformas para
consumir essa mídia. Porém, a informação não vem mais em um pacote
fechado. Quando você comprava um jornal ou uma revista, a mesma
empresa controlava a produção da notícia, a impressão e a distribuição.
No caso de rádio e TV, elas controlavam a produção e a distribuição do
conteúdo – você só precisava escolher o aparelho. Era um mundo de
atenção concentrada, que produziu grandes empresas. Elas tinham
oligopólios de atenção.
Hoje, as pessoas continuam procurando informação, mas muitas
reportagens simplesmente chegam até elas por canais que não produzem
conteúdo – mas que têm a atenção dos seus usuários. O Google, o
Facebook, o Twitter, o YouTube não produzem conteúdo – são
plataformas que servem para encontrar e distribuir conteúdo, e
representam novos oligopólios de atenção.
Apesar de algumas pesquisas apresentarem dados desencontrados, já dá
para dizer que boa parte das pessoas usa plataformas digitais, incluindo as
redes sociais, como primeira fonte para encontrar conteúdo. O Facebook é
o rádio de John Cheever. É o jornal lido exaustivamente no trem. É a TV
na sala de uma família dos anos 50.
A atenção migrou das plataformas
integradas de produção e distribuição para
as plataformas de distribuição e interação.
A gráfica e o caminhão, a antena e a mesa
de centro agora são sociais – e estão
ficando móveis. Nós, jornalistas, não temos
mais o controle da atenção das pessoas.
Os dados mostram isso. Em boa parte do mundo, a circulação de jornais e
revistas vem caindo drasticamente. No Brasil, os dados indicam
estagnação, com tendência de queda. A TV ainda é poderosa, mas alguns
dos seus principais programas já não têm os números gloriosos do
passado. Faça um exercício e olhe ao seu redor. Quantas pessoas estão
usando o Whatsapp, o Facebook ou publicando no Instagram ao seu
redor? O tempo das pessoas não é infinito. Se elas estão fazendo algumas
coisas, estão deixando de fazer outras. Os joguinhos de celular, hoje,
competem com o radinho de pilha. O Twitter compete com os editoriais
impressos em papel jornal.
Isso traz um grande impacto econômico. Veículos de comunicação sempre
pagaram boa parte das suas contas com dinheiro de publicidade. As
empresas precisavam falar com as pessoas. Então, fazia todo sentido
gastar dinheiro com quem concentrava atenção. Quando a atenção se
fragmentou e migrou para outros lugares, o dinheiro seguiu o movimento.
Apesar de alguns números não serem públicos nem precisos, já é aceito
que Google e Facebook concentram boa parte da verba publicitária do
planeta.
E o resultado é esse que estamos vendo no Brasil nas últimas semanas:
As empresas de tecnologia contratam cada
vez mais gente (inclusive jornalistas). As
empresas de jornalismo demitem cada vez
mais gente (e não apenas jornalistas). Em
parte porque as novas fontes de receita não
são suficientes para tapar o buraco na
velha mídia.
Os paywalls, a cobrança por conteúdo implementada por vários jornais ao
redor do mundo, ainda são experimentos. Não há dados muito precisos,
mas estima­se que apenas 1% da audiência online de veículos de
comunicação pague assinaturas digitais. Boa parte das pessoas nunca
chega no limite de artigos. É uma evidência de que o valor dos bons
produtores de conteúdo não é tão percebido assim pelas pessoas,
infelizmente. Não conseguimos fazer com que muitas pessoas cliquem em
10, 20 links nossos por mês e sintam vontade de pagar pelo que fazemos.
E aí fica a questão: o jornalismo vai sobreviver nesse cenário de queda?
Essa é a questão número um, hoje. Durante muito tempo, eu também me
fazia essa pergunta, dessa forma. Ela parte da premissa de que o
jornalismo precisa encontrar um novo modelo de negócios para continuar
vivo e exercer sua função pública. É uma ideia que continua viva e válida.
Mas eu acho que chegou a hora de a gente se fazer novas perguntas.
Aprendi com meus professores na faculdade que uma boa reportagem
nasce de uma mudança de ângulo. Novos ângulos levam a novas
perguntas. E novas perguntas nos fazem pensar em novas abordagens, que
levam a novos textos, áudios e vídeos. Acho que esse é o nosso momento.
Uma crise, como diz o economista Paul Romer, é uma oportunidade
grande demais para desperdiçar.
Da abstração ao valor concreto
Eu acredito firmemente que o jornalismo é essencial para sociedades
livres, democráticas e estáveis. Porém, a frase “o jornalismo é essencial
para sociedades livres, democráticas e estáveis” é uma abstração. É um
credo no qual botamos fé, mas que é difícil de mensurar, de mostrar e de
defender.
Quando nós concentrávamos a atenção das pessoas, não precisávamos nos
preocupar muito em ir da abstração à prática. A abstração, sempre é bom
dizer, continua relevante porque ela fortalece o pensamento. Ninguém
pode se abster de pensar. Porém, a abstração não basta por si mesma. É
preciso trazer o pensamento para a mesa de jantar, para o banco do
metrô, para a calçada.
Como a gente mede o impacto do jornalismo na promoção de sociedades
livres? Como a gente mostra, na prática, que o jornalismo fortalece a
democracia? Como a gente defende que o jornalismo torna a sociedade
mais estável ao deixá­la mais bem informada sobre o que acontece? Nós
passamos décadas sem ter de justificar o que fazemos.
Nesse caminho, também perdemos a noção sobre o valor do que fazemos.
Se você não se preocupa com o valor que cria, você também não mede o
valor do que está entregando. Como você pede o tempo e o dinheiro das
pessoas se não consegue justificar quanto vale aquilo que você faz?
Hoje, nós temos um desafio bem concreto.
Como a gente transforma o jornalismo num
item de primeira necessidade? Como a
gente convence pessoas, organizações e
empresas a dar seu tempo e seu dinheiro
para quem se dedica a produzir jornalismo
profissionalmente?O jornalismo não concorre apenas dentro do seu próprio mundo. O
jornalismo concorre com o tempo e com o dinheiro que as pessoas
dedicam a tudo o que é importante para elas. Nós precisamos ter uma
proposta de valor mais clara em vez de ficar lamentando que as pessoas
não nos dão valor. Nós precisamos entrar na lista das coisas mais
importantes da vida das pessoas.
Caso contrário, vamos cair no paradoxo da Kodak – a morte dos
vencedores. A Kodak foi uma das líderes do mercado de filme fotográfico,
enquanto esse mercado existiu. Ao atrelar seu futuro a um único jeito de
ver a fotografia, com o processo máquina/filme/revelação, a Kodak
afundou junto com ele.
A mesma coisa pode acontecer com os veículos de comunicação. As
pessoas não vão se adaptar à forma como nós vemos o mundo, muito
menos com a forma como nos preparamos para estar no mercado. Nós
precisamos pensar em novas formas de concretizar o valor do jornalismo.
E esse valor não está atrelado a papel, tela, ondas de rádio. Ele está na
disposição das pessoas em usá­lo, recomendá­lo, pagar por ele,
compartilhar com os amigos. Ou seja: ao lado da questão meramente
tecnológica, há uma questão de utilidade e valor intrínseco. Em vez de
pensar no que o mundo pode fazer pelo jornalismo, precisamos pensar, de
uma forma absolutamente concreta, no que o jornalismo pode fazer pelo
mundo.
Leandro, da F451 e da OrbitaLAB, no New York Times.
A volta ao passado
O jornalismo tem um grande passado pela frente – e isso não é
necessariamente ruim. Costumo usar essa frase para instituições que não
http://projetodraft.com/draft/wp-content/uploads/2015/04/Leandro1.jpg
conseguem se reinventar e só olham para trás, como se a tradição fosse o
bastante para construir o futuro. Mas, no caso do jornalismo, isso não é
negativo. De fato, o jornalismo do século 21 pode aprender muito com o
jornalismo do século 19.
Alguns dos primeiros jornais nasceram de necessidades muito claras. As
ideias não circulavam. Elas ficavam presas em alguns círculos
privilegiados e davam muito poder para quem as detinha. Queria saber o
preço do café nos Estados Unidos? Que pena, só algumas pessoas sabiam
e podiam lucrar com isso. Quem era o político mais forte no Senado?
Infelizmente, vai ficar para a próxima. Quais são os escritores com as
ideias mais interessantes? Desculpa, mas isso não é para você. Vai ficar
aqui, no nosso salão de chá.
O jornalismo foi uma força poderosa. Ele
quebrou o monopólio que governos e
corporações detinham sobre uma série de
informações que, hoje, circulam com
abundância. E ele foi além. O jornalismo
também deu voz a quem tinha o que dizer,
mas não tinha como chegar a esses grupos
poderosos. O comerciante injustiçado por
uma lei bizarra, o operário detonado por
uma jornada de trabalho exaustiva, o
intelectual incomodado por um ditador de
plantão. Todos eles puderam usar o
jornalismo como uma nova possibilidade de
serem ouvidos.
O jornalismo criou comunidades e as defendeu. No começo do século 20,
o segundo maior jornal de São Paulo era o Fanfulla, da comunidade
italiana. Era um veículo tão poderoso que ajudou até a mediar a primeira
grande greve do Brasil, em 1917. Já que muitos dos operários eram
italianos, então nada melhor do que colocar o jornal deles (e feito para
eles) como mediador de conflitos. O jornalismo organizava várias vozes, as
articulava e as representava.
O desenvolvimento do jornalismo ao longo do século 20 foi um
desdobramento dessas necessidades e dessa presença. Nosso papel era
revelar tudo que pudesse ser revelado para que as pessoas pudessem
pegar essa informação e fazer com ela o que quisessem. E, no meio do
caminho, criar identidade, afinidade e senso de comunidade.
Essa missão original foi se perdendo ao longo do século 20 na medida em
que a atenção foi ficando cada vez mais concentrada e as empresas
jornalísticas se tornaram cada vez maiores. A concentração de audiência
foi boa para o modelo de negócios baseado em muita publicidade, mas
afastou os veículos das reais necessidades das pessoas. Nós resumimos
nossa relação com as pessoas a um “gosta ou não gosta?” – e a algumas
regras sobre quando ignorar o que elas gostam ou não gostam.
Em vez de pensar sobre o que as pessoas poderiam descobrir e como elas
poderiam fazer isso, em vez de entender a melhor forma de conversar com
as pessoas sobre assuntos relevantes, nós nos conformamos com a mera
identificação de gostos.
E, claro, com um discurso abstrato sobre imparcialidade, verdade, que
muitas vezes é outra conversa muito difícil de ser sustentada na prática.
Nós paramos de surpreender as pessoas. Na indústria da mídia, em vez de
oferecer computadores, continuamos entregando máquinas de escrever.
E, verdade seja dita, era muito difícil resistir a essa tentação. Peter Thiel,
fundador do sistema de pagamentos PayPal e obcecado com inovação,
costuma dizer que monopólios e oligopólios não precisam se preocupar
muito com modelos de negócio ou em entender as pessoas. Monopólios e
oligopólios são excelentes modelos de negócio por si – até a chegada de
uma onda que os quebra.
O jornalismo não precisa ser populista e
fazer apenas o que as pessoas querem. Mas
o jornalismo precisa entender como falar
sobre coisas que as pessoas precisam, de
uma forma que as pessoas desejem.
Nós vamos continuar precisando de pesquisas de opinião, mas também
vamos precisar cada vez mais de antropólogos que nos digam como as
pessoas consomem e usam informação. Vamos precisar de programadores
e designers que nos ajudem a pensar nas melhores formas de entregar
informações relevantes. Vamos precisar de pessoas, de profissões e
formações ainda indefinidas, que nos ajudem a pensar em como aumentar
drasticamente o impacto daquilo que produzimos.
É um desafio muito maior do que decidir se vamos ou não colocar
paywalls ou cobrar por acesso a vídeos digitais. É como transformar
“defesa da democracia” em algo concreto. Isso é grande.
A empresa jornalística
Maria Popova faz o site de uma pessoa só – e vive bem com ele. O site
dela, o Brain Pickings, cobre literatura e arte. O volume de visitas não é
gigantesco, mas é bom o suficiente para manter uma comunidade fiel e ser
notado pelas empresas de comércio eletrônico. Algumas delas perceberam
que as pessoas que vinham do site de Popova fatalmente compravam os
livros indicados. Era uma taxa de conversão absurda, muito maior e
melhor do que qualquer anúncio.
Até então, Popova sempre vivera das doações e assinaturas que as pessoas
faziam no seu blog. Ela foi uma das primeiras pessoas a conseguir se
manter apenas com o dinheiro que pedia à sua audiência.
Até que uma das empresas de comércio eletrônico quis colocar banners no
site dela. Popova demorou uns dias, mas recusou o dinheiro. Publicidade
vem e publicidade vai, ela disse, mas meus leitores vão ficar sempre
comigo e eles podem não gostar dos anúncios.
Foi um choque. Uma empresa tradicional de jornalismo não pensaria duas
http://www.brainpickings.org/
vezes em aceitar o que Maria negou – inclusive as empresas digitais.
Banners estão na ampla maioria dos sites jornalísticos do mundo.
Alguns dias depois, a empresa voltou à Popova. Dessa vez, sem banners. O
acordo era simples. Ela poderia escrever o que quisesse, sobre quem
quisesse. Mas, sempre que colocasse link de um livro e enviasse alguém
para essa companhia de comércio eletrônico, ela receberia uma comissão
generosa pelas vendas. Ela escreveria o que quisesse, sobre o que quisesse.
Mas, como as métricas de Popova eram claras e funcionais, conseguiu um
belo acordo.
O Brain Pickings continua no ar até hoje. Eu sou um leitor fiel do blog,
dou minha contribuição mensal a ela e não me sinto nem um pouco
incomodado com os links identificados, que permitem que eu compre algo
e repasse parte para ela. Pelo contrário: fico feliz de financiar alguém que
encontrou um modelo baseado num relacionamento claro e honesto com
uma comunidade de pessoas.
Hoje, um dos maiores desafios é definir o tipo de empresa que produz
jornalismo. O Brain Pickings é um exemplo,e seu caso não pode ser
generalizado. Mas ele mostra que, sim, existem outras formas de manter
um bom veículo além do jeito consagrado que conhecemos e hoje
naufraga.
Para o bem e para o mal, as estruturas
jornalísticas geradas ao longo do século 20
são grandes e caras. Elas são o resultado de
um modelo de fazer e de manter empresas
produtoras de conteúdo que foi depurado
por décadas antes da revolução digital. E
cujo modelo não serve mais.
Segundo a Harvard Business Review, a redação do The New York Times,
com mais de mil jornalistas, responde por apenas 15% do custo da
empresa, praticamente a mesma porcentagem consumida pelo
departamento comercial. O resto está espalhado nos custos da operação –
gráfica, distribuição, administrativo. Esse custo todo, que é indireto em
relação à produção do jornalismo, é muito alto, mas se justificava.
Afinal, essa estrutura era pensada num cenário em que 75% das receitas
vinham da publicidade. Você tinha uma estrutura de despesas ajustada ao
tipo de receitas com que contava. Porém, essa conta não fecha mais – e
talvez nunca mais volte a fechar. Os veículos de comunicação não
conseguem mais viver de distribuir publicidade – em qualquer formato.
Marcus Brauchli, ex­editor executivo do Washington Post e atualmente
diretor da North Base Media, uma companhia que investe em novas
empresas de mídia, costuma dizer que a era das grandes empresas e das
marcas jornalísticas acabou. Ele não está sozinho nessa. Brauchli vocaliza
uma tendência.
Para muita gente, muitas empresas pequenas e médias vão ocupar os
espaços deixados pelo fim de grandes empresas. Mais enxutas, focadas em
necessidades e públicos mais específicos, essas novas companhias podem
ser mais sustentáveis ao longo do tempo porque vão ter contas muito
menores para pagar.
É como se o jornalismo tivesse nascido
como uma profissão de pequenos artesãos,
se transformado numa gigantesca fábrica
de porcelana industrial e, agora, estivesse
se transformando num ofício organizado
em empresas de pequeno e médio porte,
altamente especializadas.
Algumas dessas empresas estão pensando em formas novas de fazer e
distribuir conteúdo. Há sites que se mantém com doações de leitores e
pequenas assinaturas. Há outros que estão vivos com dinheiro de
fundações, como a ProPublica, nos Estados Unidos. Nenhuma delas é ou
sonha ser um conglomerado.
Claro que isso deixa muitas questões em aberto. Uma delas, bem concreta:
quem paga os custos judiciais de uma empresa jornalística média que fez
uma investigação rigorosa e descobriu os problemas de uma corporação
ou de um indivíduo poderoso?
Outra questão é pensar no peso das instituições. O tamanho das empresas
jornalísticas lhes deu força para se contrapor a governos e empresas ao
longo dos anos. Como isso acontecerá num cenário de pequenas e médias
empresas, com menos fôlego para continuar “publicando aquilo que
alguém não quer ver publicado”? Essa rede será suficiente para impor
medo a um prefeito corrupto ou a uma corporação que devasta?
Tem mais. O tamanho colocou as empresas numa posição de escrutínio
público e de responsabilidade. Por mais críticas que a gente tenha aos
veículos tradicionais, eles não podem flertar com o delírio. O custo do
descrédito é grande demais.
Num cenário extremamente fragmentado, o preço para espalhar boatos e
imprecisões é relativamente mais baixo. Eu fico surpreso quando alguns
amigos, inteligentes, críticos, compartilham textos e vídeos de fontes
duvidosas. Nas eleições, amigos queridos compartilharam coisas absurdas
por WhatsApp.
Fomos bem rápido de um cenário altamente concentrado para um mundo
altamente fragmentado. E aí a gente acaba colocando no mesmo balde
veículos e pessoas bastante diferentes. Ainda não conseguimos criar os
canais de confiança necessários. Estamos na era do “vi na internet”, e isso
basta, como se a internet fosse uma instituição de produção jornalística.
Não é.
O Facebook, que se confunde com a internet para muita gente, é um filtro
social, e não um filtro de confiança. Porém, muita gente toma filtro social
como filtro de confiança. É uma tecnologia poderosa e admirável de
distribuição, mas ele não está no negócio da verificação de informação. É
http://www.propublica.org/
um problema que ainda não resolvemos.
O mundo novo do jornalismo provavelmente vai ter menos poder
concentrado nos veículos, e talvez mais concentrado nas plataformas de
distribuição. Talvez muitos desses veículos médios e pequenos tenham de
se unir, em algumas situações específicas, para fazer acordos com Google
e Facebook. Talvez eles ainda possam se unir para fazer coberturas
específicas e caras, como recentemente alguns jornais brasileiros fizeram
para reportar problemas em universidades públicas. Muitos,
especialmente em áreas sensíveis, vão precisar unir forças para pagar
advogados e se defender de processos.
Vivemos uma era de relação e
interdependência. As iniciativas
jornalísticas não funcionam mais como
silos corporativos, mas como um sistema
integrado de empresas atuando,
produzindo e colaborando pontualmente –
e não porque são hippies, mas porque o
modelo de negócios requer essa
colaboração. Nenhum editor mais pode ser
uma ilha.
A gente caminha para um mundo de empresas menores, mais focadas e
mais leves, talvez com algumas grandes empresas em alguns setores
específicos, especialmente, creio eu, na área de vídeo. Essa transição pode
garantir mais empregos, aumentar diversidade, mas pode ter custos que
não somos capazes de predizer hoje. Essa análise vai requerer pesquisa e
reflexão. O século 19 nos inspira, mas ele não pode ser transposto ao
século 21 ingenuamente.
Leandro, na foto oficial do Tow­Knight Center for
Entrepreneurial Journalism, onde estuda novos
modelos de negócio em jornalismo.
O conteúdo é só o começo
http://projetodraft.com/draft/wp-content/uploads/2015/04/Leandro2.jpg
Nesse cenário de mudança e transição, ainda há uma nebulosa que brilha
diante de nós e que não nos permite ver com clareza o que está ali na
frente. Cada vez fica mais claro que jornalistas, além de escrever, filmar ou
narrar, vão ter de conversar com os leitores.
Esse papo começa na área de comentários, mas pode continuar num
evento pago em que as pessoas vão para entender um problema muito
complexo. Um grupo de jornalistas que cobre o Poder Legislativo, por
exemplo, poderia explicar a lei da terceirização em uma série de artigos,
continuar com a conversa nos comentários e nas redes sociais e, durante
um ou dois dias, participar de um evento pago para aprofundar o debate.
O tempo não será mais apenas dedicado a produzir uma série de
reportagens, muitas delas sem muito valor percebido. O tempo de
trabalho também será dedicado a criar relações – e os profissionais
também serão remunerados por isso.
Não é algo novo no planeta. Bandas e escritores já sabem que o disco ou o
livro são apenas o começo de uma série de relações econômicas que
estabelecem com o mercado. Mas, acima de tudo, eles sabem que
precisam fazer sentido e entregar valor.
Ninguém paga ingresso para ver um show
porque quer incentivar a música em geral,
mas porque gosta daquela banda em
particular. Jornalismo não é música, mas
podemos aprender uma ou duas coisas com
profissionais que passaram por essa
avalanche de mudanças antes de nós.
A The Economist sabe que há uma escassez de informação para uma elite
global. Além da revista, ela tem um núcleo de inteligência e consultoria
que abastece as pessoas mais ricas e poderosas do mundo com análises
que fazem diferença nas carreiras e nos negócios delas. O conteúdo é um
serviço independente, que fortalece os serviços de outras áreas da
empresa.
Em alguns casos, o trabalho jornalístico pode ser mantido por fundações
que veem impacto público no que o jornalismo faz. Elas não financiam o
conteúdo, mas o que esse conteúdo é capaz de fazer: abrir uma
investigação sobre corrupção, mobilizar as pessoas para uma causa,
impulsionar a criação de uma lei.
O Marshall Project, que cobre Justiça nos Estados Unidos, e a ProPublica,
referênciaem jornalismo investigativo, são dois exemplos internacionais
desse modelo. Eles se preocupam em produzir reportagens de impacto,
que depois são distribuídas por vários canais, incluindo os veículos
tradicionais. São novas alianças e novas formas de entender a produção
jornalística.
Nesse cenário, fundações financiam impacto e jornais são instituições que
ampliam esse impacto. O New York Times não precisa pagar a
investigação toda porque ela já foi feita e paga por um grupo especializado
e respeitado. Esse é um modelo bem interessante, nesse momento de
transição, porque cria alianças, testa modelos e constrói valor. Não à toa,
a Knight Foundation, nos Estados Unidos, é uma das organizações que
mais vem colocando dinheiro nessas novas iniciativas.
Outra forma de gerar valor é lançar mão desse ambiente de abundância de
informação:
Na era dos boatos, o jornalismo prova que,
sim, ainda é necessário e continuará sendo
necessário separar boato de fato. O bom
senso continua sendo escasso – e isso tem
valor.
O jornalismo bem feito pode suprir essa mercadoria raríssima no mercado
http://www.knightfoundation.org/
https://www.themarshallproject.org/
de informação. Ele pode fazer a diferença entre disseminar loucura em um
mundo atolado por informação desencontrada ou entregar esclarecimento
por meio de uma história bem contada, que se desdobra numa série de
impactos reais positivos em nossas vidas. É mais fácil pedir dinheiro ou
apoio quando você prova o impacto concreto daquilo que você faz.
Há diversas outras formas de enxergar o conteúdo como o começo de uma
rede de valor. Há quem diga que são 76, exatamente, como David Plotz,
ex­editor da revista digital Slate.
De qualquer forma, essas formas de financiamento que veem o conteúdo
como o começo de uma entrega maior, e não como o fim de uma relação
com as pessoas, continuam crescendo. Uma delas pode estar exatamente…
na relação com as empresas de tecnologia.
Se o conteúdo jornalístico cria valor para os usuários do Facebook, como o
Facebook pode manter a criação desse valor dividindo receitas com quem
produz conteúdo confiável e de qualidade?
Não é simplesmente bater na porta do Facebook e pedir parte da receita
publicitária usando argumentos que já foram rebatidos. Quando os
veículos batem lá, ou no Google, pedindo receita pelo conteúdo que circula
nessas plataformas, as empresas de tecnologia devolvem dizendo que elas
criam audiência – e valor – para esse conteúdo. Sem audiência, o
conteúdo não tem valor. Enfim: essa porta está cerrada, esse jogo está
perdido.
Por isso, é preciso colocar a questão em outros termos:
É preciso mostrar para o Facebook, com
evidências, que seu negócio também
correrá riscos, a médio e longo prazo, caso
se transforme apenas numa plataforma de
boatos, conspirações e gatinhos fofos.
http://www.slate.com/blogs/moneybox/2014/08/29/_76_ways_to_make_money_in_digital_media_a_list_from_slate_s_former_editor.html
Até porque, com o tempo, vai ser cada vez mais difícil para o Facebook
sustentar a versão de que é apenas uma plataforma que não tem nenhuma
responsabilidade sobre o que é publicado lá.
Agenda perdida, agenda encontrada
Discussões sobre futuro e presente do jornalismo misturam várias
agendas. É natural. É um campo disputado, controverso, com um baita
impacto na vida das pessoas. Às vezes a discussão sobre jornalismo vai
para o campo da política partidária e volta pior do que começou. Às vezes
tudo parece bizarramente anacrônico.
No passado, no Brasil, empresas jornalísticas não podiam ter capital
estrangeiro. O objetivo era evitar que o um governo estrangeiro
influenciasse o que os brasileiros pensavam. Era um pensamento pós­
guerra, em que veículos de comunicação eram vistos como peças do
xadrez de poder global.
No começo dos anos 2000, uma nova lei permitiu que empresas
estrangeiras tivessem uma fatia do capital. Essa discussão, hoje, parece
muito estranha. Veículos de comunicação podem publicar em português
de qualquer lugar do mundo e ter uma grande audiência local. Há canais
brasileiros e populares no YouTube feitos de fora do país. Como você
regula isso? Essa é uma regulamentação que ainda faz sentido ou deve
cair? Não tenho a resposta.
Também há a discussão sobre a regulamentação econômica da mídia no
Brasil. Em vários países, a mesma empresa de mídia não pode controlar
jornal, rádio e TV na mesma área. O objetivo é evitar concentração de
poder. É um objetivo justo, mas hoje a vida é mais complicada. Algumas
empresas podem ter concentração de propriedades de mídia, mas não ter
atenção correspondente à extensão dessas propriedades. OK, você pode
dizer que algumas empresas continuam recebendo verba publicitária
desproporcional à atenção que recebem. Mas como você faz essa
desconcentração de dinheiro? Como você balanceia esses recursos sem
transferir poder demais para o Estado?
E tem mais: Facebook e Google estariam sujeitos a essas leis de
concentração de audiência? Na União Europeia, o Google vem sofrendo
com processos. Ele é investigado por direcionar as buscas para os seus
próprios produtos, prejudicando a concorrência.
As relações de poder mudam, e mudam muito rápido. Já houve um tempo
em que os jornais quiseram competir com a TV aberta. Abriram seu
conteúdo na internet para aumentar o alcance e disputar os anúncios que
iam para as emissoras. No meio do caminho, foram atropelados pelas
empresas de tecnologia.
O Google já foi visto como aliado dos jornalistas. Nenhuma redação passa
um dia sem fazer uma busca. Hoje, é inimigo das empresas jornalísticas.
As fundações que apoiam o jornalismo podem ter uma agenda que não
conhecemos. São novos terrenos, com questões que ainda não nos
fizemos.
O jornalismo é uma profissão que só pode ser exercida em liberdade, mas
as forças que influenciam e limitam essa liberdade são muito mais
complexas do que as que estavam presentes no passado. As agendas não
são tão simples. Regular muito o mercado jornalístico pode diminuir a
diversidade de vozes no mercado – fica mais difícil para empresas
independentes prosperarem.
Permitir a ampla, geral e irrestrita entrada de capital estrangeiro em
empresas de mídia pode aumentar a diversidade de vozes – e dificultar
ainda mais a vida das grandes empresas que disputam atenção. É como se
os sinais tivessem trocado de lugar. A agenda política da mídia não é a
mesma de 30 anos atrás.
E agora?
As discussões sobre o futuro do jornalismo, das mais concretas às mais
abstratas, precisam ser reformuladas. Nós necessitamos, urgentemente,
de novas perguntas. São elas que vão nos guiar pelos desafios do presente.
No final das contas, é por isso que escrevi esse texto. Não tenho a
pretensão de esgotar a discussão sobre o futuro do jornalismo. Esse texto
é mais um convite a novas perguntas e contestações do que um caderno de
teses. Afinal, grandes ideias nascem do debate e da discordância (da
discordância elegante, é bom frisar, porque a violência argumentativa
perdeu o charme na era dos trolls).
De qualquer forma, precisamos medir e entender o nosso impacto. Não
basta dizer que você apoia a democracia – é preciso mostrar, por exemplo,
quanto das suas reportagens ajudaram a promover leis melhores ou a
amenizar um problema grave.
Não basta contar histórias, é preciso se
preocupar, constantemente, em mostrar o
impacto que elas têm. Não basta só
produzir para a audiência, é preciso se
relacionar com ela – conteúdo ela já tem de
sobra.
Não basta contar quantas pessoas veem o que você faz, mas quanto tempo
elas de fato dedicam a ler, ver ou ouvir o que você faz. Nós estamos no
negócio da atenção e do impacto.
Só assim, entendendo o que fazemos, mensurando o valor do que fazemos,
nos relacionando com o mundo para muito além das redações, é que será
possível pedir dinheiro para pessoas, empresas e organizações. O conceito
de crowdfunding para jornalismo, apesar de alguns problemas, vai nessa
linha. Você prova seu valor e as pessoas decidem se vão lhe apoiar ou não.
Portanto, a pergunta não é mais se o jornalismo vai sobreviver. Elevai. As
pessoas vão continuar consumindo conteúdo, em diversas formas. A
questão é como o jornalismo vai viver e estar no mundo.
Precisamos pensar no valor que produzimos e em modelos que ampliem e
sustentem esse valor. Não é simples. Só que também nunca foi simples
apurar uma reportagem longa, editar um especial, coordenar as operações
de gráficas ou as antenas das afiliadas. Nós nunca estivemos no jogo da
facilidade. Só que, agora, esse jogo difícil se estende para muito além de
um prazo estourado ou de um fechamento complicado. Bem­vindo ao
jogo.
 
Leandro Beguoci, 32, é editor­chefe da F451, empresa de mídia que
publica o Gizmodo Brasil e a Trivela, além de desenvolver conteúdo para
marcas e agências. Trabalhou na Folha de S.Paulo, na Editora Abril, iG e
News Corp, onde criou o departamento online do grupo FOX no Brasil.
Também faz parte da OrbitaLAB, uma laboratório de inovação em
jornalismo e mídia. Tem mestrado pela London School of Economics e é
fellow na Tow­Knight Center for Entrepreneurial Journalism, na City
University of New York.

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