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1. Conceito É um processo infeccioso que acomete o endocárdio, podendo envolver a superfície valvular. Pode ocorrer no endocárdio que reveste a comunicação interatrial (CIA) ou a comunicação interventricular (CIV). Além disso, pode acometer corda tendínea ou endocárdio mural. 2. Epidemiologia No Brasil, apesar dos dados serem imprecisos, temos que a incidência é de 3 a 10 para cada 100.000 pessoas no ano. Alguns indivíduos possuem alguns fatores de risco associado e maior chance de desenvolvimento da endocardite infecciosa. Caso a infecção tenha sido desenvolvida pelo S. aureus (intra- hospitalar) a mortalidade é de 50%, se não estiver associada a esse microrganismo é de 10 a 30% • 70 a 80 anos – 14,5/100.000 pessoas por ano • Homens/mulheres – 2:1 • Usuários de drogas injetáveis – 11,6/100.000 pessoas por ano • Próteses – 1,5 a 3%/1º anos e 3 a 6%/5 anos Ao longo do tempo houve mudança no perfil epidemiológico, antes a predominância era de jovens com valvulopatias reumáticas, com média de 35 anos, devido à maior expectativa de vida e maior incidência de doenças reumáticas em jovens. . Atualmente, a predominância é em doenças reumatológicas infantil e idosa (55 anos), devido ao aumento da longevidade dos pacientes com doenças cardíacas ou reumatológicas. 3. Fatores de risco • Alto risco ✓ Prótese cardíaca valvar ✓ Endocardite prévia de valva nativa ✓ Doença cardíaca congênita cianótica ✓ Shunts pulmonares sistêmicos realizados cirurgicamente • Risco moderado ✓ Outras malformações congênitas ✓ Disfunção valvar adquirida ✓ Doença reumática ✓ Cardiomiopatia hipertrófica ✓ Prolapso de válvula mitral com valvular regurgitação ou espessamento do folheto ✓ Fatores ligados a procedimentos odontológicos ✓ Procedimento invasivos como cirurgias cardíacas abertas, cateteres vasculares de uso prolongado 4. Etiologia • Bacteriana • Fúngica Agente Incidência História clínica Staphylococcos aureus 30% comunidade 46% hospitais Cateteres venosos Staphylococcos coagulase negativa 5% válvulas nativas Vasectomia, angiografia, hemodiálise Streptococcos viridans Até 58% Tratamento dental, pobre higiene oral Streptococcos gallotycus Até 12% Neoplasias GI, válvulas anormais, idosos HACEK 3% Tratamento dental, UDIV, infecção respiratória Fungos Até 10% UDIV, prótese valvular, imunossupressão, cateteres IV de longa data Enterococcus spp Até 10% Cateteres urinários, neoplasias gastrintestinais, DIU Bucella spp 4% Áreas endêmicas, leite contaminado, animais infectados Bartonella spp Até 3% Desabrigados, alcoolismo, exposição a gatos Bartonella spp 3-5% Roedores domésticos, leite cru, valvulopatia prévia Bartonella spp <1% Surtis/instituições, pneumonia Bartonella spp Não conhecida Pneumonia Bartonella spp ? Doença de Whipple 5. Origem do paciente • Comunitária • Hospitalar 6. Classificação • EVN – endocardite de valva nativa • EDA – endocardite em usuário de drogas injetáveis • EPV – endocardite de prótese valvar (mecânicas ou bioproteses) são mais graves ✓ EPP – endocardite precoce em prótese valvar até 1 ano ✓ ETP endocardite tardia em prótese valvar após 1 ano 7. Fisiopatologia O endotélio é naturalmente resistente à colonização de microrganismos, para que a EI ocorra, na maioria das vezes, deve haver uma lesão prévia advinda de: impacto de fluxo de alta velocidade, estresse mecânico pelo turbilhonamento de sangue – mais intenso no lado de baixa pressão de shunts arteriovenosos, presença de corpos estranhos que produzem lesão por trauma físico. Com a lesão, a exposição dos tecidos subendoteliais estimula a produção de um tampão composto por plaquetas e fibrinas, que é denominado vegetação ou Endocardite Trombótica Não Endocardite infecciosa Doenças Infecciosas e Parasitárias – aula 6 Nicole Sarmento Queiroga Figura 1. Histologia do coração. Bacteriana (ETNB), em que alguns microrganismos podem colonizar e dar início ao processo de endocardite infecciosa. A ETNB pode persistir estéril ao longo de muitos períodos de tempo. Alguns microrganismos como S. aureus e Candida, no entanto, conseguem aderir ao endotélio mesmo que não haja lesão previa, formando vegetações infectantes desde o início, sua ação geralmente está associada à presença de cateteres infecionados. As células endoteliais fagocitam os patógenos, que se multiplicam e lesam a célula, promovendo a ruptura da superfície endotelial, resultando em deposição de plaquetas, fibrina e colágeno subendotelial. Os microrganismos estão metabolicamente inativos na vegetação, por isso o tratamento é prolongado. A vegetação, com a invasão de microrganismos, tende a aumentar de tamanho e acaba por se fragmentar, levando à embolização sistêmica. Êmbolo provenientes do coração esquerdo se manifestam com infartos isquêmicos em órgãos à distancia (fígado, baço, rim, cérebro) e promovendo alterações cutâneas – manchas de Janeway. Êmbolos sépticos provenientes do coração direito se manifestam como infiltrados pulmonares e difusos e se transformam em abscessos. 8. Doença valvar • Válvulas naturais • Válvulas protéticas 9. Evolução clínica • Aguda (2 semanas) • Subaguda (2 ou mais semanas) 10. Manifestações clínicas • Febre, 80-85% ✓ Manifestação aguda: acima de 39,4ºC ✓ Manifestação subaguda: baixa e intermitente ✓ Se a febre, após duas semanas de tratamento com antibioticoterapia não cessar, está relacionada a presença de complicações. • Calafrios, 42-75% - manifestação subaguda • Cefaleia, 25% • Sudorese noturna – manifestação subaguda • Náusea ou vômito, 15-20% - manifestação subaguda • Anorexia, 25-55% • Mialgia ou artralgia, 15-30% • Emagrecimento, 30% - manifestação subaguda • Dor torácica, 8-35% • Mal-estar, 25-40% • Dor abdominal, 5-15% • Dispneia, 25% • Dor em dorso, 7-10% • Confusão, 10-20% • Sopro cardíaco, 85% - manifestação aguda • Complicações embólicas, 25% • Lesões cutâneas (embolização ou vasculite por imunocomplexo) – hemorragias pequenas e lineares em leitos subungueais, manchas hemorrágicas palo plantares de 1 a 4mm (Janeway), petequeias na conjuntiva e boca, nódulos de Osler (depósitos de complexo imune, pequenos e dolorosos, nos dedos), manchas de Roth (ovais, centro pálido, localização retiniana) • Manifestações pulmonares (decorrência de embolia pulmonar, pneumonia, abscessos) – tosse produtiva, dor torácica e hemoptise • Infartos decorrentes de embolismo em cérebro (A. cerebral média, aneurismas micóticos), baço e rim • Esplenomegalia, 30% • Glomerulonefrite, meningite asséptica, poliartrite, decorrentes da reação imune • Quadros neurológicos decorrentes do infarto, semelhante a meningite (convulsões e alterações e consciência) 11. Diagnóstico História clínica variável de acordo com o microrganismo causador, presença de doença cardíaca pré-existente, presença de válvulas protéticas ou dispositivos cardíacos e modo de apresentação. Podem ir a diversos especialistas, devido às manifestações clínicas inespecíficas. Laboratorial Alguns exames são inespecíficos, podendo ter apresentação de anemia normocrômica e normocítica no hemograma, leucocitose com neutrofilia aguda por S. aureus, podendo ser encontrado desvio à esquerda no leucograma, VHS aumentado, hematúria microscópica, proteinúria e menos frequente a leucocitúria no sumário de urina. • Hemocultura Colhidas nas primeiras 12 a 24 horas antes do inicio dos antimicrobianos, coletadas 3 amostras de, no mínimo, 10mL Figura 2. Lesões de Janeway. Figura 3. Nódulos de Osler. Figura 4. Manchas de Roth. em sítios diferentes com intervalos de 1 hora. Nos pacientes com uso prévio de antibiótico é recomendado, se possível, esperar 3 a7 dias para a coleta. Nesses pacientes, a cultura pode demorar 6 a 7 dias para positivar. • Sorologia Importante para diagnostico de organismos de difícil cultivo, como Bartonella spp, Coxiella spp, Chlamydia, Mycoplasma, Legionella, entre outros. Baseado na concentração de anticorpos. Se IgM nas duas a três primeiras semanas podem indicar infecção recente primaria. Pode ser verificado aumento da titulação de IgG de 4x entre fase aguda e convalescente. • Exame patológico valvar No caso de troca, a amostra é enviada para estudo histopatológico e cultura. • Reação de cadeia polimerase (PCR) Não é tão usado, porque precisa de mais estudos para identificar o microrganismo • Exames de imagem – ECO Caso de intervenção cirúrgica, ICC, lesões obstrutivas, avaliação pós-operatório. O ECO transtorácico pode identificar vegetações de 5mm e o transesofágico, de 1mm. Outros exames podem ser complementares, como TC, ressonância nuclear magnética, entre outros. • Critérios de Ducke CRITÉRIOS MAIORES Hemoculturas positivas 1. Organismos típicos cultivados em 2 hemoculturas diferentes: S. do grupo viridans, S. aureus, HACEK, S. bovis, enterococos adquiridos, etc. 2. Hemocultura persistentemente positivas com outros organismos, 2 com mais de 12 horas de intervalo ou positividade em 3 3. Cultura, teste de biologia molecular ou sorologia IgG fase 1 > 1:800 para Coxiella burnetti. Evidencias de envolvimento endocárdico 1. ECO demonstrando massa intracárdica oscilante sem outra explicação ou abscesso, deiscência parcial de valva ou nova regurgitação CRITÉRIOS MENORES Predisposição a endocardite 1. EI prévia 2. Uso de droga injetável 3. Valva cardíaca protética 4. Lesão cardíaca com fluxo turbulento Febre acima de 38ºC Fenômeno vascular 1. Embolismo arterial, infarto pulmonar 2. Aneurisma micótico, hemorragia intracraniana 3. Lesões de Jaeway Fenômeno imunológico 1. Glomerulonefrite 2. Nódulos de Osler 3. Manchas de Roth 4. Fator reumático positivo Achados microbiológicos que não preenchem critérios maiores Logo, elementos que levam a um grau alto de suspeita clínica são novas lesões valvares ou novo sopro regurgitante, evento embólico desconhecido, sepse de origem desconhecida, hematúria, glomerulonefrite e suspeita de infarto renal. Além de febre associada à prótese intracardíaca, condições cardíacas predisponentes, arritmias ventriculares por distúrbios de condução, primeira manifestação de ICC, manifestações cutâneas, velamento pulmonar múltiplo (EI de coração direito), abscessos periféricos, procedimento intervencionista diagnóstico ou terapêuticos que predisponham ou resultem em bacteremia significativa. O baixo grau de suspeita clínica é febre sem nenhuma condição anterior. ✓ Endocardite definitiva Dois critérios maiores, um critério maior e três menores ou 5 critérios menores. Vegetação ou abscesso intracardíaco com evidencia histológica de endocardite ativa ou demonstração direta de microrganismo em vegetação, êmbolo ou abscesso. ✓ Endocardite provável Um critério maior e um menor ou três critérios menores. ✓ Afastado diagnóstico de endocardite Resolução das manifestações em 4 dias de antibioticoterapia ou ausência de achados patológicos em cirurgias de autopsia após 4 dias de tratamento. 12. Tratamento Consiste na erradicação dos microrganismos, tratamento de complicações e procedimentos cirúrgicos em caso de necessidade, como vegetações de grande tamanho. • Empírico Analisar se o paciente recebeu tratamento prévio com antibiótico, se a infecção afeta válvula natural ou protética (quando foi realizada a cirurgia – precoce ou tardia). Analisar a epidemiologia local (resistência dos microrganismos, especialmente os de difícil cultivo). Além do uso de antibioticoterapia é indicado o uso de anticoagulantes, mas se há risco do infarto embólico se converter ao infarto hemorrágico, a medicação deve ser suspensa. Em pacientes com EI de prótese valvular o maior tempo sem anticoagulantes oferece maior risco de embolia ou disfunção valvar. Na fase Figura 5. Fluxograma do diagnóstico de endocardite. aguda não há indicação como forma de prevenir fenômenos embólicos. Característica da endocardite Terapia Válvula natural 1. Endocardite aguda comunitária S. aureus ou S. epidermis Oxacilina (4-6 semanas) + gentamicina (3-5 dias) Enterococos, S. aureus ou S epidermis Oxacilina (4-6 semanas) + penicilina cristalina (4-6 semanas) + gentamicina (3-5 dias) Estafilococos resistentes a oxacilina (CA-MARSA) Vancomicina (4-6 semanas) + gentamicina (3-5 dias) 2. Endocardite subaguda S. viridans Penicilina cristalina (4-6 semanas) + gentamicina (3-5 dias) Enterococos Ampicilina (4-6 semanas) + gentamicina (3-5 dias) Válvula protética S. aureus ou S. epidermis MRSA Vancomicina + gentamicina (4-6 semanas) Tratamento para EI ocasionada S. viridans e grupo D Não alérgicos a penicilina Alérgicos a penicilina Duração Válvula natural não complicada Penicilina cristalina ou ampicilina ou ceftriaxona +/- gentamicina Vancomicina ou teicoplamina +/- gentamicina 2 semanas combinadas ou 4 semanas de beta- lactâmico isolado. Glicopeptídeo 4 semanas. Valvula complicada ou protética Penicilina cristalina ou ampicilina ou ceftriaxona +/- gentamicina Vancomicina ou teicoplamina +/- gentamicina 2 semanas combinadas ou 4 semanas de beta- lactâmico isolado. Glicopeptídeo 4 semanas Dependendo a situação de resistência a duração pode ser 2 semanas combinadas + 2/4 semanas de beta-lactâmico somente. Glicopeptídeo 4 semanas. Tratamento para EI ocasionada por estafilococos Condição Não alérgico a penicilina Alérgico a penicilina Duração Válvula natural S. aureus sensível a oxa Oxacilina 2g 4/4h +/- gentamicina 1mg/kg 8/8h IV Vancomicina + gentamicina 4-6 semanas 5 dias combinada S. aureus resistente a oxa Vancomicina 15mg/kg 12/12h IV +/- gentamicina1mg/kg 8/8h IV Vancomicina + gentamicina 4-6 semanas 5 dias combinada Válvula protética S. aureus sensível a oxacilina Oxacilina + gentamicina + rifampicina Vancomicina+ gentamicina + rifampicina 4-6 semanas 5 dias combinada S. aureus resistente a oxa e sensível Vancomicina+ gentamicina + rifampicina Vancomicina ou teicoplamina+ gentamicina >6 semanas. Gentamicina no máximo 2 semanas S. aureus resistente a oxa e genta Vancomicina+ rifampicina + antiestafilococica Vancomicina+ rifampicina + antiestafilococica >6 semanas combinadas Terapia empírica em casos de hemocultura negativa Situação Antibioticoterapia Duração Valva nativa ou prótese implantada há mais de 12 meses Pecinicilina cristalina 4 UM dia (ou ceftriaxona 2g/dia) + Oxacilina 2g, 6x/dia + Gentaminicina 1mg/kg, 3 a 4x/dia 6 semanas 6 semanas 2 semanas Prótese valvar implantada há mais de 12 meses Vancomicina 15mg/kg/dia Rifampicina 300mg, 3x/dia Gentamicina 1mg/kg/dia 6 semanas 6 semanas 2 semanas Terapia em infecções por HACEK Ceftriaxona IV 2g 24/24 por quatro semanas Ampilicina + Sulbactam IV 3g 6/6h por quatro semanas • Cirúrgico (dias) ✓ Urgência I. Endocardite de valva nativa ou de prótese valvar com sinais de ICC persistentes, sinais de irritabilidade hemodinâmica ou abscesso. II. Endocardite de valva por estafilococos ou bactérias gram- negativas III. Vegetação >10mm com evento embólico ou outros preditores de evolução complicada (IC, abscesso) IV. Vegetação muito grande, <15mm V. Grande abscesso ou envolvimento perianular com infecção descontrolada 13. Profilaxia Condições cardíacas subjacentes em que a profilaxiaantibiótica é recomendada • EI anteriores • Prótese de válvula • Doença cardíaca congênita cianótica não reparada, incluindo shutns paliativos • Cardiopatias congênitas reparadas com defeitos residuais ao lado ou adjacente ao local do reparo da prótese • Receptores de transplantes que desenvolvem valvulopatia cardíaca • Valvulopatia reumática crônica com refluxo à ecocardiografia Profilaxia para procedimentos odontológicos Situação Agente Dose (30-60’antes) Via oral Amoxicilina 2g 1h antes Incapazes de tomar VO Ampicilina ou Cefazolina ou ceftriaxona 2g IM ou IV 1g IM ou IV 1h antes Alérgicos a penicilina ou ampicilina Cefalexina ou Clindamicina ou Azitromicina ou claritromicina 2g 600mg 500m1g 1h antes Alérgicos a penicilina ou ampicilina e incapazes de tomar VO Cefazolina ou ceftriaxona ou Claritromicina 1g IM ou IV 30min antes 1g IM ou IV 600mg IM ou IV 1h antes
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