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Geovana Sanches, TXXIV ENDOCARDITE INFECCIOSA CONCEITOS A endocardite infecciosa é uma infecção microbiana do endocárdio ou endotélio vascular (principalmente nos grandes vasos), com formação de lesão característica, em forma de vegetação. A incidência e mortalidade não diminuíram nos últimos 30 anos e, pelo contrário, atualmente são diagnosticados muito mais casos do que há 10 ou 20 anos atrás, tendo em vista a criação de métodos diagnósticos mais modernos, como o ecocardiograma transesofágico, capaz de identificar vegetações menores do que 5mm. A doença possui um amplo espectro de apresentações clínicas. Tipicamente, trata-se de uma febre de longa data (2 a 3 semanas), cansaço aos médios e grandes esforços, hepatomegalia, esplenomegalia e sopro cardíaco. Nos últimos anos, entretanto, as manifestações estão variando muito, de forma que o paciente pode ter, por exemplo, sintomas neurológicos (AVC ocasionado por um pedaço da vegetação que se soltou e atua como um trombo, causando acidente cerebral trombótico), podendo ser confundida com uma arteriosclerose. Em idosos, pode se apresentar como astenia, sendo facilmente confundida com hipotireoidismo ou estados depressivos. Esses diversos diagnósticos errôneos provocam retardo no diagnóstico da endocardite, de forma que quando este se dá, há já lesões muito extensas, com perda de função das valvas e possível insuficiência cardíaca. Em decorrência da baixa incidência, temos apenas diretrizes por consenso de especialistas acerta da doença, não havendo estudos randomizados e poucas metanálises. EPIDEMIOLOGIA • Incidência geral: 3 a 10 casos / 100.000 pessoas ao ano o 70 a 80 anos: 14,5 / 100.000 pessoas/ano • Homens/mulheres (2:1) • Drogaditos: 11,6 / 100.000 pessoas/ano • Próteses: o 1,5 a 3% / 1 ano o 3 a 6% / 5 anos • Mudança do perfil epidemiológico o Antes: jovens com valvopatias reumáticas o Hoje: idosos submetidos a procedimentos invasivos (como biopsia prostática por exemplo), próteses, PVM (prolapso de valva mitral), valvopatias degenerativas e usuários de drogas intravenosas Condição Incidência (por 100.000 ao ano) População geral não cardiopata 5 Prótese valvar por EI 2.160 PVM sem sopro 4,6 PVM com sopro IM 52 E. aórtica congênita 271 CIV 145 Cardiopatia reumática 388 - 440 Endocardite prévia 740 CLASSIFICAÇÃO ATUAL DAS ENDOCARDITES • EVN: Endocardite de valva nativa o Indivíduos que não possuem próteses • EDA: Endocardite em Drogaditos o Pacientes que utilizam drogas intravenosas • EPP: Endocardite precoce em prótese valvar (até 1 ano) • ETP: Endocardite tardia em prótese valvar (após 1 ano) ETIOLOGIA (%) Agente EVN EDA EPP ETP Estreptococo 65 15 - 20 5 35 S. viridans 35 5 – 10 < 5 25 S. bovis 15 < 5 < 5 25 S. faecalis 10 8 < 5 < 5 Outros < 5 < 5 < 5 < 5 Estafilococos 25 50 50 30 Coagulase + 23 50 20 10 Coagulase - < 5 < 5 30 20 Fungos < 5 5 10 5 Polimicrobiana < 1 1 - 5 5 5 Outras < 5 5 5 < 5 Geovana Sanches, TXXIV Cultura negativa 5 - 10 < 5 < 5 < 5 A etiologia das endocardites varia basicamente entre dois agentes: Streptococcus e Staphylococcus. Os estreptococos são causadores principalmente das endocardites de valva nativa, havendo diminuição significativa no número de casos nas outras classificações. Apresentam evolução mais lenta. Os estafilococos (C+ à S. aureus; C- à S. epidermidis e S. haemophilus), por sua vez, são mais comuns nas endocardites em drogaditos e nas precoces em prótese valvar. Apresentam evolução muito rápida, que varia entre 1 semana a 15 dias. Com isso, gera destruição valvar muito importante, de forma que é comum a necessidade de instalação de prótese valvar ainda durante o tratamento. Dentre os fungos, o principal são os do gênero Candida sp. Outras bactérias incluem as não fermentadoras e fastigiosas, cujo diagnóstico é indireto, ou seja, não há identificação do microrganismo no meio de cultura, mas sim através de exames sorológicos. Quando a cultura é negativa, todo o tratamento será empírico, com menor chance de efetividade. PATOGÊNESE • O endotélio vasvular normal é estéril. • Rotura causa endocardite trombótica não bacteriana, a qual depois sofre colonização • Inflamação endotelial libera integrina ß1, a qual adere a fibronectina da bactéria o O sistema imunológico deve ser rápido no processo de reparo da lesão endotelial. Caso contrário, a fibronectina se liga a integrina e a bactéria permanece como parte do reparo. o Junção plaqueta – fibroblasto – bactéria forma a vegetação • Bacteremia o Escovação até 100 UFC/mL sangue por < 10 minutos o A bacteremia associada a lesão do endotélio vascular é responsável pela formação da vegetação • Aderência bacteriana depende de fatores do hospedeiro e do patógeno Risco alto de endocardite infecciosa ou desfecho adverso Para os pacientes que apresentam alguma das condições citadas abaixo, deve-se ter cuidado especial no diagnóstico e tratamento da endocardite infecciosa. 1. Próteses valvares 2. Endocardite infecciosa prévia 3. Cardiopatias congênitas a. Cianóticas não corrigidas, incluindo “shunts” e condutos paliativos b. Com correção completa, através de prótese ou dispositivo por cirurgia ou cateterismo, durante 6 meses após, até endotelização c. Corrigida com defeitos residuais no local ou adjacentes a retalhos ou dispositivos prostéticos (que inibem a endotelização) 4. Receptores de transplante cardíaco com valvopatias (AHA) Localização da Vegetação (%) A classificação da endocardite por localização da vegetação é antiga, sendo utilizada até a década de 90 aproximadamente. Devido a alta complexidade, foi abandonada. A maioria das endocardites localizavam-se ao lado esquerdo, acometendo as valvas aórtica ou mitral, de forma sub-aguda (estreptococos) ou aguda (estagilococos). A exceção se dava nos drogaditos, os quais apresentam mais lesões na porção direita. QUADRO CLÍNICO A maioria das manifestações e achados de exame físico é inespecífica. Eles se originam de 3 aspectos: (1) infecção sistêmica (citocinas); (2) lesão estrutural cardíaca ou valvar; (3) manifestações imunológicas. Também podem se originar predominantemente das complicações. Considera-se como a tríade da encodardite uma febre há mais de 3 semanas, associada a sopro cardíaco e explenomegalia. Todavia, uma série de sinais e sintomas podem ser identificados durante anmnese e exame físico. Geovana Sanches, TXXIV Sintomas Prevalência (%) Febre 80 – 85 Calafrios 42 - 75 Sudorese 25 Anorexia 25 – 55 Emagrecimento 30 Mal-estar 25 – 40 Dispneia 25 Confusão 10 - 20 AVC 13 – 20 Cefaleia 15 - 40 Náusea / Vômito 15 – 20 Mialgia / Artralgia 15 – 30 Dor torácica (EDA) 8 – 35 Dor abdominal 5 – 15 Dor em dorso 7 - 10 Sinais Prevalência (%) Febre 80 – 90 Sopro 80 – 85 Sopro novo / diferente 10 – 40 Alt. Neurológicas 30 – 40 Embolizações 20 – 40 Esplenomegalia 15 – 50 Baqueteamento 10 – 20 N. Osler 7 – 10 H. sub-ungueias 5 – 15 Petéquias 10 – 40 L. Janeway 6 – 10 M. Roth 4 - 10 • Alterações neurológicas: déficit motor, afasia, ataxia, entre outros • Hemorragias sub-ungueais • Nódulos de Osler: são nodulações avermelhadas nas pontas dos dedos • Lesões ou manchas de roth: são manchas em alvo, ou seja, apresentam um alo vermelho e porção central esbranquiçada. Estão relacionadas a microembolias no interior da retina do paciente. Suspeita clínica • Sopro regurgitante novo • Eventos embólicos de origem desconhecida o Indivíduos de 30 anos com AVC, por exemplo, sem história familiar ou outroas fatores de risco • Sepse de origem desconhecida • Febre de longa data, associada a prótese, EI prévia, cardiopatia congênita, imunodepressão, uso de drogas IV, procedimento invasivo recente, fenômenos vasculares, sinais neurológicos focais, TEP, abscessos periféricosde causa desconhecida, hemocultura positivda para germe compatível DIAGNÓSTICO O diagnóstico pode ser realizada através de critérios clínicos – critérios de Duke modificados; critérios laboratoriais (hemoculturas); e/ou critérios radiológicos (ecocardiograma transtorácico ou ecocardiograma transesofágico). Critérios de Duke Critérios maioires: caso ambos estejam positivos, o diagnóstico está confirmado • Hemocultura positiva o Agentes típicos de endocardites em duas amostras diferentes na ausência de um foco infeccioso a distância o Hemoculturas persistentemente positivas para qualquer agente • Achados ecocardiográficos positivos o Massa intracardíaca móvel o Abscesso o Nova deiscência de valva prostética o Nova regurgitação valvar Critérios menores: necessário associação entre 1 critério maior + 2 menores para confirmação do diagnóstico • Doença cardíaca predisponente ou uso de drogas EV • Febre > 38º Geovana Sanches, TXXIV • Fenômenos vasculares: embolização arterial, infartos pulmonares, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, lesões de Janeway • Ecocardiograma consistente com endocardite, mas não compatível com achados maiores • Hemocultura positiva única • Evidência sorológica de infecção por agente causador de endocardite bacteriana Ecocardiograma Diante da suspeita clínica de endocardite infecciosa, deve-se realizar ETT (ecocardiograma transtorácico). Caso ela esteja normal, realizar o ETE (ecocardiograma transesofágico). Caso este também esteja normal, porém a suspeita clínica seja forte, deve-se repetir os exames após 1 semana. Após o diagnóstico, caso haja suspeita de complicação estrutural ou a fim de monitorar o tamanho da vegetação, ambos os exames podem ser repetidos. Ao fim do tratamento, isso também deve ser feito: a lesão inicial deve ter diminuído ao menos em 90% comparada a primeira avaliação ecocardiográfica. A formação da vegetação é lenta, por isso que o paciente normalmente chega com semanas de história clínica. COMPLICAÇÕES • Insuficiência cardíaca • Embolização • Pertubações da condução • Neurológicas o Isquêmicas o Hemorrágicas o Reação meníngea o Como sintoma inicial • Aneurismas micóticos TRATAMENTO Objetivos • Erradicar o microrganismo • Indicação cirúrgica adequada o Muitas vezes a vegetação pode destruir a valva e causar uma insuficiência cardíaca • Tratar as eventuais complicações Princípios • Antibiótico bactericida / parenteral o É necessária antibioticoterapia que elimine as bactérias e não apenas breque a sua multiplicação. o A via de preferencial é a intravenosa. • Tempo de tratamento prolongado o Bactérias: 4 a 6 semanas o Fungos: 8 a 10 semanas o O tratamento precisa ser longo pois o sangue que circula em volta da vegetação não penetra em seu interior. Dessa forma, a medicação chega à vegetação apenas através da microcirculação cardíaca, ou seja, via artérias coronárias • Combinações sinérgicas de antibióticos (organismos atípicos) o Tem como objetivo exercer efeito mais intenso sobre a bactéria Bactérias comunitárias • Streptococcus o Penicilina cristalina 24 a 30 milhões UI/dia EV o Pacientes alérgicos à penicilina: § Cefalosporina de 1ª geração § Clindamicina EV • Staphylococcus aureus / epidermidis o Oxacilina 12 a 16 g/dia EV + aminoglicosídeo (por 14 dias) o Alérgicos a betalactâmicos § Clindamicina 900 mg EV 8/8h Geovana Sanches, TXXIV Bactérias hospitalares • Não são sensíveis à penicilina • Staphylococcus aureus / epidermidis o Vancomicina 2g/dia EV + aminoglicosídeo (por 14 dias) o Linezolida 600 mg EV 12/12h o Alérgicos a vancomicina § Linezolida 600 mg EV 12/12h § Teicoplanina 400 mg EV 12/12h + aminoglicosídeo • Gram negativos hospitalares o Cefepime 2g EV 8/8h o Imipenem 500 mg EV 6/6h Endocardite infeciciosa pelo grupo HACEK • Diagnóstico por teste sorológico, visto que não crescem em meio de cultura o Haemophilus o Actinobacillus o Cardiobacterium o Eikenella o Kingella • Ceftriaxona x 4 semanas OU • Ampicilina 12g/dL x semanas em infusão contínua OU dividida em doses a cada 4 horas associada a Gentamicina x 4 semanas. Indicações de cirurgia Algumas situações relacionadas a endocardite infecciosa necessitam de cirurgia, o que normalmente consiste na retirada da valva doente e substituição por uma valva metálica. • IC por regurgitação mitral/aórtica aguda o É ocasionada pela destruição da valva, sendo necessária a troca da mesma • Infecção não controlada após 8 dias de tratamento o Retirada da vegetação ou de abcessos que se formam na parede do coração • Vegetações > 10 mm ou aumentando • “Kissing vegetations” na valva mitral o Diversas vegetações juntas • Agentes muito destrutivos ou pouco responsivos ao tratamento • EPP (< 12 meses da cirurgia) • EPT com escape, obstrução, perturbações da condução, abcessos, hemoculturas positivas persistentes PROFILAXIA Procedimentos dentários • Manipulação peri apical dos dentes • Tratamento de canal • Procedimento cirúrgico de gengiva (manipulação de gengivas) • Exodontia • Perfuração de mucosas • Utilizar o Amoxicilina 2g VO ½ a 1 hora antes do procedimento dentário § Crianças 50mg/kg o Alérgicos e/ou incapazes de deglutir: Clindamicina 600mg VO, IM ou IV § Crianças 20 mg/kg • Não é indicada em anestesia em tecido não infectado, colocação, ajuste ou retirada de próteses e dispositivos ortodônticos, perda da 1ª dentição ou trauma nos lábios e mucosa oral Outras Indicações • Classe IIa – evidencia C • Próteses valvares ou reparos com material prostético • Endocardite infecciosa prévia • Cardiopatias congênitas o Cianóticas não corrigidas, incluindo “shunts” e condutos paliativos o Com correção completa, através de prótese ou dispositivo por cirurgia ou cateterismo, durante 6 meses após, até endotelização o Corrigida com defeitos residuais no local ou adjacentes a retalhos ou dispositivos prostéticos (que inibem a endotelização) • Receptores de transplante cardíaco com regurgitações valvares por alterações estruturais • Outras indicações o Colocação de Duplo J o Biópsia de próstata transretal § Ciprofloxacina 500 mg na noite anterior, antes do procedimento e 12h após o mesmo o Entre outros procedimentos invasivos Profilaxia para EI não indicada • Estenose aórtica Geovana Sanches, TXXIV • Estenose mitral • Prolapso de valva mitral, sintomático ou assintomático • Valvopatias nativas em adolescentes e adultos jovens • Estenose pulmonar com valvotomia por balão Estimativa de risco Risco de EI para um procedimento dentário: • População geral 1; 14.000.000 • Prolapso de valva mitral 1: 1.100.000 • Cardiopatia congênita 1: 475.000 • Endocardite prévia 1: 95.000 • Cardiopatia reumática 1: 142.000 • Prótese 1: 114.000 • Mesmo que a eficácia dos antibióticos profiláticos fosse 100%, o número de EI prevenidas seria muito baixo
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