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RACHEL DINIZ rachel_diniz O ser humano tem uma capacidade intrínseca de compreender os fatos do momento sem recorrer, obrigatoriamente, à sua racionalidade. Dentro dessa perspectiva, intuição poderia ser definida, no âmbito psicológico, como um tipo de conhecimento ao qual se tem acesso por uma via não racional, onde não se consegue explicar ou verbalizar: apenas sente- se. Intuição é definida, portanto, como capacidade para entender, identificar ou pressupor coisas que não dependem de um conhecimento empírico, ou de conceitos racionais; sem uma avaliação mais específica e auxílio do raciocínio Comer intuitivo (CI), ou intuitive eating, é um conceito criado por duas nutricionistas americanas Evelyn Tribole e Elyse Resch que publicaram também um livro homônimo. É uma abordagem baseada em evidências que ensina as pessoas a terem uma relação saudável com a comida e se tornarem experts dos seus próprios corpos. A proposta é que as pessoas aprendam a confiar na sua habilidade de distinguir suas sensações físicas e emocionais e desenvolvam uma “sabedoria corporal” para atender suas várias necessidades. O CI propõe que o indivíduo mantenha uma sintonia com a comida, a mente e o corpo. Para tanto, baseia-se em três pilares: Permissão incondicional para comer; Comer para atender necessidades fisiológicas e não emocionais, Apoiar-se nos sinais internos de fome e saciedade para determinar o que, quanto e quando comer. O desafio no CI é atingir uma sintonia entre os sistemas internos e externos. por isso, seus princípios incidem principalmente sobre o sistema interno proposto pelo modelo de sintonia. A conexão com o sistema interno envolve: os pensamentos (rejeitar a mentalidade de dieta, fazer as pazes com a comida, desafiar o policial alimentar e respeitar o corpo); os sentimentos (honrar as emoções sem usar a comida); e o fisiológico (honrar a fome, respeitar a saciedade, descobrir a satisfação, exercitar-se, honrar a saúde por meio de uma nutrição gentil). Uma tarefa para o terapeuta nutricional (TN) trabalhar com o CI deve ser identificar e reconhecer, junto a seu paciente, quais são os limites dele, e concentrar-se, inicialmente, em ajudá-lo a se sintonizar com seu mundo interno. Em um segundo momento – quando adquirir mais confiança e sintonia – escolher com o paciente o que do mundo externo deverá ser integrado ao processo de saúde. ESTILOS DE COMEDOR O “comedor cuidadoso” é aquele consciente sobre nutrição. Sabe muito sobre nutrição e fitness – características admiradas e reforçadas pela sociedade. Seu estilo alimentar é monitorar a quantidade de alimentos e comer menos do que o necessário, pois considera essa uma medida “saudável”. Pode ser uma pessoa genuinamente interessada em saúde, ou aquele que come com “fins corporais” – suprir nutrientes; investiga as informações dos rótulos, interroga garçons nos restaurantes sobre os ingredientes das preparações, pesquisa em sites, blogs e perfis em redes sociais voltados para alimentação e fitness e alega sempre um grande interesse e preocupação em saber “tudo” o que está comendo. O “profissional em dieta” é aquele que já testou e continua testando todas as dietas comerciais e programas de perda de peso. Está sempre em uma nova dieta porque considera que a anterior falhou ou não “funciona” mais – então é facilmente seduzido pela dieta “do momento”. O “comedor inconsciente” é aquele que come e faz outras atividades ao mesmo tempo. É comum comerem mesmo sem estar com fome, ou, por outro lado, não perceber a fome e ficar muitas horas sem comer. Nos dois casos podem ocorrer exageros. O “comedor intuitivo”, por sua vez, se comporta de acordo com seus sinais internos de fome e come o que escolhe, sem sentir culpa, sem julgamentos e sem viver um problema ético. Ao longo da vida, somos ensinados a comer de acordo com as “regras” alimentares, de quantidade, qualidade e horários – e vamos nos distanciando da nossa capacidade interna de atender aos sinais de fome e saciedade. Na prática, o que se sabe é que quanto maior o controle, maior será também o descontrole. PRINCÍPIOS DO COMER INTUITIVO O modelo CI tem dez princípios básicos que objetivam conduzir um indivíduo a normalizar sua relação com a comida. Estão apresentados a seguir. 1. Rejeitar a mentalidade de dieta: 2. Honrar a fome: Para honrar a fome, é preciso ter horários padronizados e perceber os sinais de fome (perda de energia, desatenção, dor de cabeça, “ronco na barriga”). É importante evitar ficar faminto, pois os sinais físicos neste momento estão tão intensos que haverá dificuldade em identificar o que se quer comer e/ou quando está saciado. De qualquer forma, as pessoas são diferentes em suas sensações, por isso recomendações de horários não devem ser “exatas” ou “rígidas. Deve-se estar aberto e sem julgamento para perceber e sentir que os sinais do corpo não são sempre iguais É essencial se preparar para honrar a fome: não adianta ter fome e não ter como supri-la, ou seja, o acesso à comida tem que ser possível para atender à fome. Nesse sentido, o TN pode ajudar a programar como fazer para honrar a fome no trabalho ou na escola, por exemplo, levar lanches, deixar alguns snacks na gaveta ou na mochila, marcar um horário ou se organizar no intervalo para ir até uma lanchonete. 3. Fazer as pazes com a comida: um dos pilares centrais e um passo essencial do CI é a permissão incondicional para comer, algo muitas vezes mal compreendido, pelos indivíduos e também pelos profissionais da área da saúde. Permitir- se comer de maneira incondicional não quer dizer que a pessoa deve comer o que quiser, em qualquer momento e sem nenhum critério para fazer suas escolhas. Mas que se deva incentivar perguntas como: “eu realmente quero comer macarrão?”; “eu vou curtir uma torta de morango ou uma salada de frutas agora?”; “você se sente seguro para comer sem culpa e comer pela experiência e ver como se sente fisicamente?”. Nesse sentido, a permissão incondicional para comer deve considerar o que realmente a pessoa gosta de comer. 4. Desafiar o policial alimentar: Esse princípio sugere que algumas pessoas possuem dentro de suas mentes uma “delegacia de polícia”. Ou seja, funcionam como se houvesse sempre um policial de plantão avaliando se as “regras” determinadas pela mentalidade de dieta estão ou não sendo cumpridas. A partir disso, as sensações de estar “roubando” ou “mentindo” geram um sentimento de culpa. Uma maneira de desafiar o policial alimentar é aprender a identificar as diferentes “vozes da comida” que atrapalham o processo, como o “informante nutricional” (usado para manter a pessoa em dieta, pois calcula mentalmente as calorias, gramas de gordura, índice glicêmico etc.), e o “revoltado” (geralmente “mandando” comer em excesso e sabotando o processo), e transformá-las em aliados: o informante nutricional pode ajudar a fazer escolhas saudáveis, porém sem culpa; e a voz do revoltado pode se tornar um aliado para ajudar a manter os limites dos excessos em equilíbrio. 5. Sentir a saciedade: Sentir a saciedade envolve aprender a escutar os sinais internos do corpo de que a fome já foi atendida e entender o que é estar confortavelmente saciado. Muitas pessoas consideram o que seria um sentimento agradável de saciedade como algo anormal; e o percebem como sendo um exagero. Além disso, se querem emagrecer, consideram que não podem se sentir satisfeitas, já que a ideia de “emagrecimento” associada a sofrimento e “passar fome” é senso comum na mentalidade de dieta. Para tanto, é bom saber que é permitido deixar comida no prato quando se está satisfeito, ou quando a comida não está prazerosa – e que não é preciso parar só quando o pacote ou o prato acaba,construindo um processo de aprendizagem da escolha. 6. Descobrir o fator de satisfação: Satisfação é o prazer que advém da realização do que se espera. Ao propor o “fator satisfação”, o CI foca em duas questões: 1) alguns alimentos nos deixam satisfeitos por mais tempo (demoramos mais a sentir fome e pensar em comida) é preciso aprender a encontrar também satisfação por meio da comida – não apenas usá-la para “matar” a fome e se nutrir. 7. Lidar com as emoções sem usar comida: A conexão entre comida, emoções e comportamentos é, em geral, muito forte e complexa. É fácil concluir isso quando se observa que: preparar comida para alguém é uma maneira de demonstrar amor; receber comida nos faz sentir amados; dar e receber comida está relacionado a rituais e celebrações; alguns alimentos – como doces – são usados como recompensas; deixar de comer os alimentos preferidos causa uma sensação de privação. Não somos imunes às emoções em nosso jeito de comer – nem devemos! Todos comemos de forma diferente se muito felizes ou muito tristes, ou vivenciando emoções intensas. Uma relação de desequilíbrio ocorre quando a comida é usada para “tapar buracos” emocionais, ou lidar com problemas que nada têm a ver com ela. 8. Respeitar seu corpo: Infelizmente, o que predomina hoje é a insatisfação corporal, considerada uma questão praticamente unânime – sobretudo entre as mulheres. A insatisfação é considerada um distúrbio de imagem corporal; isso não acontece apenas quando a pessoa se vê maior ou menor do que ela de fato é (distorção). Juntamente à depreciação corporal, a evitação corporal, a preocupação e a valorização extremas do corpo, a insatisfação corporal é muito prevalente e amplificada por uma cultura que prega a modificação dos corpos a um padrão específico – que não valoriza a biodiversidade e diferenças naturais de cada pessoa. Respeitar o corpo começa com o fato de aceitar a genética e aprender a abandonar a ideia de que o corpo é maleável. 9. Exercitar-se – sentindo a diferença: O CI postula que o foco do exercício físico deve ser como fonte de bem-estar corporal e não para queimar calorias. Para isso, é preciso buscar atividades prazerosas, incluindo as formais e também as não formais (como parar o carro mais longe, subir escada, fazer faxina etc.). 10. Honrar a saúde – praticar uma “nutrição gentil”: Os conceitos, diretrizes e necessidades nutricionais não deixam de estar contemplados no CI. No entanto, a proposta é que as escolhas sejam feitas de forma a honrar a saúde e o paladar, fazendo com que as pessoas se sintam bem. Isso é o que as autoras chamam de “nutrição gentil”.
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