Buscar

Morte encefálica

Prévia do material em texto

Morte encefálica 
 
Ana Clara Vargas C. Almeida 
Contexto 
• A morte encefálica sempre foi um tema 
assombroso – medo de ser enterrado vivo 
• Foi inicialmente descrita como coma depasée 
por Mollaret e Goudon, em 1959 
• Os tipos de determinação de morte mudaram 
com o tempo – respiratória → cardiovascular 
→ cerebral 
• “A maioria das pessoas entende a ausência de 
incursões ventilatórias pulmonares ou de 
batimentos cardíacos, de forma cartesiana, como 
a iminência da morte. Porém, o que nos faz 
humanos é a atividade vigorosa e incessante de 
trilhões de neurônios localizados no encéfalo. 
Logicamente, a cessação irreversível dessa 
atividade encefálica determina a morte humana.” 
• Conceito de morte encefálica não existia até os 
anos 50 → avanços da ventilação mecânica 
permitiram a manutenção do funcionamento dos 
órgãos → avaliação de vida e morte se tornou 
papel do médico 
No mundo 
• Análise dos critérios de morte encefálica em 91 
países – legislação para determinação em 70% 
dos países 
• Critérios específicos para as crianças – 56% dos 
países 
• Existência de grandes diferenças entre o tempo 
de observação entre os exames, no teste de 
apneia e nos exames complementares 
Processo ou evento? 
• Importância da definição de morte para a 
sociedade – necessidade de uma linha clara de 
distinção entre sair vivo ou morto 
 Definir a real situação do paciente – vivo 
ou morto 
 Quando uma pessoa pode ser enterrada 
ou cremada 
 Quando seu testamento pode ser 
executado 
 Estabelecimento de linha sucessória 
 Quando chamar uma esposa de viúva 
 Quando um crime é homicídio 
 Informar familiares adequadamente, 
restringir tratamentos fúteis (não tratar 
cadáver) 
 Racionalizar custos e utilização de leitos 
e unidades de terapia intensiva 
 Quando se pode doar os órgãos 
 Recurso jurídico 
▪ Definição de maioridade penal 
Espectro biológico da consciência 
• Cérebro sem lesão → estado de consciência 
mínima (intermitente) → estado vegetativo 
permanente (inconsciência irreversível) → 
morte encefálica (inconsciência irreversível + 
apneia) → cérebro necrótico liquefeito (ausência 
de função) 
• Antes – morte no último estágio (cérebro 
necrótico) 
• Hoje – morta = morte encefálica 
Conceito 
• Cessação irreversível de tidas as funções 
geradas no SNC acima do forame magno 
• O termo morte cerebral não deve ser usado, 
porque cérebro compreende o telencéfalo e o 
diencéfalo, não englobando o tronco encefálico 
Fisiopatologia 
• Traumatismo CE ou outra lesão → aumento da 
PIC → diminuição do fluxo sanguíneo cerebral 
→ hipóxia → perda das conexões vitais 
(disfuncional) 
Causas 
• Traumatismo CE 
• AVC (isquêmico ou hemorrágico) 
• Ferimento por arma de fogo 
• Neoplasia intracraniana 
• Encefalopatia anóxico-isquêmica 
Legislação 
• Começou a ser regulamentada em 1991 
• 1997 – Lei nº 9434/9719 – retirada post mortem 
de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano 
destinados a transplante ou tratamento deverá 
ser precedida de diagnóstico de morte 
Morte encefálica 
 
Ana Clara Vargas C. Almeida 
encefálica, constatada e registrada por dois 
médicos não participantes das equipes de 
remoção e transplante, mediante a utilização de 
critérios clínicos e tecnológicos definidos por 
resolução do conselho federal de medicina 
• Determinação do diagnóstico de ME não era 
obrigatória e existindo entendimento de que 
deveria ser realizada somente em potenciais 
doadores 
Nova resolução 
• 2017 – Nova resolução com novos critérios do 
CFM – nº 2.173/17 
• Se tornou obrigatória a determinação da ME em 
todos os pacientes que apresentassem coma 
não perceptivo e apneia persistente 
• Questionamentos para conduta 
1. Temperatura corporal mínima 
2. Segurança do teste de apneia 
3. Hipernatremia 
4. Uso de drogas depressoras do SNC 
5. Lesões congênitas ou adquiridas que 
prejudiquem parte do exame 
6. Experiencia e incorporação de novas 
tecnologias – intervalo mínimo de 
tempo para a determinação de ME 
diminuiu, mantendo a segurança 
• Estabelece critérios para capacitação dos 
médicos responsáveis pela realização de testes 
clínicos e exames complementares 
Pré-requisitos 
1- Presença de lesão encefálica de causa conhecida 
e irreversível 
 O paciente deve estar identificado, seus 
exames conferidos e a família avisada do 
início do protocolo 
 A causa do coma deve ser conhecida e 
demonstrável por exames de imagem 
ou pelo exame do líquor 
 A irreversibilidade do processo causador 
do coma deve ter sido constatada e 
descrita no prontuário médico 
2- Ausência de fatores tratáveis que possam 
confundir o diagnóstico – hipernatremia, drogas 
 Pesquisar uso de bloqueador 
neuromuscular, drogas psicotrópicas, 
agentes anestésicos e barbitúricos. 
 Aguardar 48 ou 24 horas para o 
paciente que usou barbitúrico ou as 
demais drogas, respectivamente 
3- Tratamento e observação no hospital no 
período mínimo de 6h 
4- Temperatura corporal superior a 35 graus 
 A hipotermia pode levar ao coma sem 
resposta e à abolição completa dos 
reflexos do TE. 
5- Saturação arterial de acordo com critérios 
estabelecidos pela resolução 
 Excluir causas metabólicas 
Procedimentos para o diagnóstico 
• Presença de pré-condições (Glasgow 3, total 
entrega a ventilação mecânica e lesão estrutural 
encefálica irreversível documentada) + 
segurança que causas reversíveis de um tronco 
não funcionante foram excluídas + testes que 
demonstrem ausência de reflexo de tronco e 
apneia e viabilidade encefálica (2 exames clínicos 
+ teste de apneia + exame complementar) 
• Além do exame clínico ainda realizado por dois 
médicos – reduz o intervalo entre os testes para 
no mínimo 1h entre a primeira e a segunda 
bateria de testes 
• É necessário apenas um teste de apneia e um 
exame complementar 
• Podem fazer os exames: médicos neurologistas, 
neurocirurgiões, intensivistas e emergencistas 
que tenham experiencia 
• Exames complementares – arteriografia 
cerebral, EEG, doppler transcraniano e 
cintilografia cerebral 
• O laudo deve ser assinado pelo profissional com 
comprovada experiencia e capacitação 
Exame clínico neurológico 
Glasgow 
• Escala de coma de Glasgow = 3 ou escala de 
FOUR 
• Ausência de resposta aos estímulos dolorosos 
Morte encefálica 
 
Ana Clara Vargas C. Almeida 
 Testar 5 extremidades (dois braços, 
duas pernas e região supraorbitária) 
 O estímulo doloroso na face permite 
testar a via aferente do trigêmeo; se 
houver qualquer reação motora, é sinal 
que o tronco encefálico não está 
completamente comprometido. 
 O estímulo doloroso sobre as unhas 
utilizando o cabo do martelo de reflexo 
pode ser utilizado observando se ocorre 
alteração da mímica facial. 
Reflexo pupilar fotomotor 
• Via aferente – nervo óptico – tálamo 
• Via eferente – nervo oculomotor – mesencéfalo 
• As pupilas devem estar com dilatação média ou 
• completa (3 a 9 mm) e na linha média. 
• A forma pupilar não é importante para o 
diagnóstico da ME. 
• Não devem apresentar qualquer resposta 
(contração) à estimulação luminosa por 10 
segundos e o reflexo consensual deve estar 
ausente. 
• Atenção: história de cirurgia oftálmica, midriáticos 
tópicos, atropina venosa e trauma ocular ou na 
face 
Reflexo córneo-palpebral 
• Via aferente – nervo trigêmeo – ponte 
• Via eferente – nervo facial – ponte 
• A estimulação da córnea com a ponta de uma 
gaze ou algodão não produz resposta de defesa 
ou fechamento ocular 
Reflexo óculo-cefálico 
• Via aferente – nervo vestíbulo-coclear – ponte 
• Via eferente – nervo oculomotor, abducente e 
troclear – fascículo longitudinal medial – 
mesencéfalo/ponte 
• A cabeça é movimentada em rotação lateral, 
para ambos os lados, ou fletida e estendida, 
enquanto se observa o surgimento de qualquer 
movimento ocular. 
• Ausência de movimentos oculares 
• Atenção para trauma raquimedular– risco de 
lesão grave 
 
Reflexo óculo-vestibular / vestíbulo calórico 
• Via aferente – nervo vestíbulo-coclear (VIII) – 
ponte 
• Via eferente – nervo culomotor, abducente, 
troclear (III, IV, VI) – fascículo longitudinal medial – 
mesencéfalo/ponte. 
• Deve ser certificada ausência de obstrução do 
canal auditivo e a cabeceira da cama deve estar 
elevada a 30º, sem fletir o pescoço. 
• Infundir (lentamente) 50 mL de NaCl 0,9% a 0ºC 
através de uma sonda fina, introduzida 
delicadamente no canal auditivo. 
• Os olhos devem ser mantidos abertos, sob 
vigilância contínua por um a dois minutos para 
surpreender qualquer movimento ou desvio 
ocular. 
• Deve-se esperar até 5 min antes de testar o 
outro lado → Resposta = ausência de 
movimentos oculares 
• Se for água quente – resposta ao contrário 
 
Reflexo da tosse 
• Via aferente – nervo glossofaríngeo – bulbo 
• Via eferente – nervo vago 
• Não ocorre qualquer reação de tosse, náusea, 
sucção, movimentação facial ou deglutição ao 
introduzir uma sonda de aspiração além do tubo 
traqueal que estimula a traqueia (na região da 
carina) 
Teste da apneia 
Morte encefálica 
 
Ana Clara Vargas C. Almeida 
• Possui valor preditivo positivo próximo de 100%, 
entretanto, ressalta-se a possibilidade de efeitos 
deletérios para o paciente. Por isso deve ser o 
último teste a ser realizado e abortado quando 
surgirem sinais de hipóxia ou isquemia (PIA < 90 
mmHg ou Sat O2 < 75%). 
• Estimular receptores do bulbo e tronco 
carotídeo 
1. Oxigenar o paciente com FiO2 100% por 
10 min 
2. Coletar gasometria inicial (Pco2 entre 35 
e 45 mmHg) 
3. Desconectar o ventilador e inserir um 
cateter de O2 com fluxo de 6-81/min 
(traqueia – carina) 
4. Observar a presença de movimentos 
respiratórios por 10 min ou até que a 
PaCO2 esteja acima de 55 mmHg. 
5. Coletar gasometria arterial final (Pco2 = 
ou > 55mmHg) 
6. Reconectar o paciente a ventilação 
mecânica 
 Positivo na ausência de movimentos 
respiratórios – ME 
Achados que não excluem o diagnóstico de 
morte encefálica 
• Movimentos involuntários (desencadeados por 
estímulos ou espontâneos = reflexos espinhais) 
 O paciente com suspeita de ME 
apresenta injúria neurológica, que 
frequentemente lesa o diencéfalo e o 
tronco cerebral, impedindo que vias 
inibitórias originárias do telencéfalo e do 
tronco possam atuar na medula. 
 Consequentemente, os reflexos de 
origem medular são comuns nesses 
pacientes 
 Após o diagnóstico de ME, quanto mais 
longo for o tempo em que se mantém 
o suporte, mais possibilidades há de 
surgirem reflexos medulares 
 Sinal de Lazaro – se movimentar muito 
a cervical ou ocorrer hipoxemia na 
medula, gera movimentos bruscos – 
flexão dos braços com ou sem 
apreensão 
 Reflexos tendíneos, abdominais, 
cremastéreo ou sinal de babinski 
persistentes, movimentos ondulares 
dos dedos dos pés, contrações faciais 
(caretas) 
 Atenção para síndrome de 
encarceramento e para Guillain-Barré 
acometendo nervos periféricos 
cranianos 
Tempo para repetição do exame clínico 
neurológico 
• 7 dias a 2 meses incompletos – 24h 
• 2 meses a 2 anos – 12h 
• >2 anos – 1 h 
Exames complementares 
Eletroencefalograma 
• Ausência de atividade elétrica cerebral – silêncio 
isoelétrico 
• Vantagens – avalia atividade elétrica cerebral e 
é de fácil execução a beira leito 
• Desvantagens – avalia mal o trecho subcortical 
e o tronco cerebral, sensível a drogas 
depressoras do SNC, sensível a hipotermia e 
integridade do sistema de registro e técnica 
• Em caso de atividade elétrica ou dúvidas quanto 
à qualidade técnica, é prudente aguardar seis 
horas para a realização de novo EEG 
Potencial evocado (PEV/PEA/PESS) 
• Ausência de atividade elétrica no tronco 
cerebral – potencial evocado multimodal 
• Avalia vias aferentes e eferentes 
• Complementar o EEG (tronco encefálico e 
subcortical) 
• Desvantagens – tempo prolongado de avaliação 
e limitações em lesões traumáticas dos nervos 
ópticos (PEV), lesões dos nervos auditivos (PEA) 
e nas lesões da medula cervical (PESS) – falso 
positivo 
Doppler transcraniano 
• Utiliza-se um transdutor de 2 Hz pulsátil com 
insonação das artérias carótidas intra e 
extracranianas e da basilar. 
Morte encefálica 
 
Ana Clara Vargas C. Almeida 
• Em 10% dos pacientes o exame é impossível de 
ser realizado devido a janela óssea incompatível. 
• ME – ausência de perfusão sanguínea 
• Vantagens – valia hemodinâmica cerebral, análise 
rápida a beira leito e não invasivo, sem 
necessidade de uso de drogas ou de equipe 
técnica 
• Desvantagens – depende de um operador 
especializado, presença de craniectomias 
descompressivas, derivações ventriculares, 
perdas intermitentes de tecido poderiam 
permitir preservação de perfusão cerebral na 
ME 
Arteriografia cerebral das carótidas e 
vertebrais 
• É considerada o “padrão ouro” entre os exames 
complementares na ME e demonstra ausência 
de perfusão encefálica 
• A parada do fluxo de contraste deve ser 
documentada na região do forame magno e na 
porção petrosa da carótida interna, 
bilateralmente 
• Cuidado com o contraste – função renal 
 
SPECT cerebral 
• Ausência de atividade metabólica cerebral – 
SPECT e PET (tomografia por emissão de 
pósitrons) 
• Vermelho/amarelo – metabolismo acelerado 
• Hipoperfusão (diminuição do metabolismo 
celular) ou hiperperfusão (hiperatividade 
metabólica) 
• Ausência do radiofármaco na zona da lesão = 
morte celular 
*Caso um primeiro exame não seja compatível, está 
indicada a repetição apís 24-48h sem inviabilização do 
protocolo → Realiza-se o mesmo exame 
Conduta 
• Resolução de outubro de 2007 
 É legal e ética a suspensão dos 
procedimentos de suportes 
terapêuticos quando determinada a 
morte encefálica em não doador de 
órgãos, tecidos e partes do corpo para 
fins de transplante, nos termos do 
disposto na resolução CFM n° 1480 
• Estabelecer esse tipo de diagnóstico: 
▪ Evita prolongar terapêutica 
sem qualquer benefício – 
elevando custos 
▪ Não desviar ou dividir recursos, 
que poderiam ser usados em 
pacientes com melhor 
prognostico 
▪ Não aumentar 
desnecessariamente o período 
de ansiedade e expectativa 
dos familiares 
▪ Possibilidade de transplante de 
órgãos

Continue navegando