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Cu rr íc ul os e P ro gr am as M ar ia d e Lo ur de s M az za d e Fa ria s C u rr íc u lo s e P ro g ra m a s Maria de Lourdes Mazza de Farias Currículos e Programas Maria de Lourdes Mazza de Farias Curitiba 2010 apresentação FACULDADE EDUCACIONAL DA LAPA Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Diretor Administrativo-Financeiro Cássio da Silveira Carneiro Diretor de Expansão e Qualidade Acadêmica Alfredo Angelo Pires Diretor de Expansão em EaD Alex Rosenbrock Teixeira Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Vívian de Camargo Bastos Secretária Geral Dirlei Werle Fávaro SISTEMA EDUCACIONAL EADCON Diretor Executivo Julián Rizo Diretores Administrativo-Financeiros Ademilson Vitorino Júlio César Algeri Diretora de Operações Cristiane Andrea Strenske Diretora de Marketing Ana Cristina Gomes Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado EDITORA FAEL Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Lisiane Marcele dos Santos Revisão Jaqueline Nascimento Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Diagramação Kátia Cristina Oliveira dos Santos Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB9/1022 Farias, Maria de Lourdes Mazza de F224c Currículos e programas / Maria de Lourdes Mazza de Farias. – Curitiba: Editora Fael, 2010. 96 p. ISBN 978-85-64224-02-5 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Currículos. I. Título. CDD 375 Direitos desta edição reservados à Faculdade Educacional da Lapa – Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. apresentação A autora desta obra apresentou, em 2000, um projeto de pesquisa para realizar seu Doutorado em Educação na PUC-SP. Acolhi-o como orientador e acompanhei sua realização até a defesa da tese, em junho de 2004. Em sua trajetória de pesquisa ela revelou qualidades surpreendentes como pessoa, educadora e pesquisadora. Destaco, ao lado de sua respon- sabilidade acadêmica e científica para com a pesquisa, a sua sensibilidade e inteligência social e cultural. Estudando, em sua tese, os intrincados per- cursos pelos quais os adolescentes constroem sua identidade afetivo-sexual na escola pública, ela se deparou com um lamentável obstáculo: a enorme dificuldade dos próprios educadores (gestores e professores) em lidar com esse delicado processo de construção da identidade dos adolescentes, difi- culdade que termina custando a eles muito sofrimento psíquico e uma corro- siva atitude de desconfiança para com a escola. Tal achado permitiu a ela lan- çar uma nova luz, ainda que a partir do “avesso”, sobre aquilo que realmente interessa na ação escolar: como fazer com que a escola seja uma instituição positivamente contributiva na formação dos alunos e alunas como pessoas íntegras, além de profissionais competentes e cidadãos responsáveis. A autora volta a público trazendo oportuna e importante contribuição para a construção do currículo escolar para a Educação Infantil e o Ensi- no Fundamental: a obra Currículos e programas. A marcação histórica é referência primeira de todo o livro e a ela é dedicado o primeiro capítulo: apresentação sumário apresentação apresentação “História do currículo no Brasil”. O segundo movimento fecha o arco das referências fundamentais ao inserir os estudos sobre currículo no cam- po do conhecimento e da cultura, sob a dinâmica do “poder do saber”. A partir daí, o texto dirige-se aos dois objetos de sua atenção: a infân- cia e a puberdade na escola. São oferecidas aos professores preciosas indicações para a seleção de conteúdos e para suas práticas didático- pedagógicas pertinentes. O texto encerra sua trajetória crítica focando o que não poderia efetivamente faltar em tal projeto: a questão do planejamento e da ava- liação, dois temas que geram as práticas talvez mais vulneráveis em nossas escolas, devido à sua incontornável complexidade. A autora os enfrenta com clareza e praticidade, sem comprometer a percepção do pesado desafio que eles representam. Torço para que esta obra chegue a muitas mãos docentes, de pro- fessores e futuros educadores, como forma de subsidiar suas práticas escolares. Com isso, estou certo, muito valor pedagógico se agregará às nossas escolas, o que será uma força a mais para manter as instituições e os professores em um movimento em direção ao ponto de chegada complementar ao da tese de doutorado da autora: que a escola seja uma instituição positivamente contributiva para a formação dos alunos e alunas como profissionais competentes e cidadãos responsáveis, além de pessoas íntegras. Alípio Marcio Dias Casali* * É pós-doutor em Educação pela Universidade de Paris e professor titular do curso de pós-gra- duação em Educação/Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua na área de Educação, com ênfase em Epistemologia, Currículo, Cultura e Ética. sumário Prefácio.......................................................................................7 1 História do currículo no Brasil .................................................11 2 Considerações sobre conhecimento, cultura e poder no currículo .................................................................21 3 Currículo e infância ..................................................................31 4 Seleção e organização dos conteúdos curriculares na Educação Infantil ............................................37 5 Abordagem pedagógica dos conteúdos nas creches e nas pré-escolas .......................................................53 6 Seleção e organização dos conteúdos nos anos iniciais do Ensino Fundamental .......................................69 7 Planejamento e avaliação do currículo no Ensino Fundamental .................................................................81 Referências...............................................................................93 sumário Capítulo 7 prefácio prefácio O presente trabalho apresenta um panorama da história do Currículo no Brasil, do período que vai desde o descobrimento até os nossos dias. Nesse espaço de tempo, o ensino brasileiro sofreu de cisiva influência no modo de ver o processo educacional, que, na verdade, é um modo de ver o mundo com uma resposta educacional relacionada a essa visão. A questão central da discussão sobre Currículo perpassa o pro cesso de organização e seleção dos conteúdos trabalhados nas escolas. Ao debater as escolhas feitas pelos professores e professoras, não se discute apenas as opções, mas as concepções acerca de uma determi nada sociedade e de como se percebe seu desenvolvimento. O Currículo é uma construção social que está diretamente ligada a um momento histórico, a uma determinada sociedade e às relações que ela estabelece com o conhecimento. Assim, teremos, nas diversas realidades, uma pluralidade de objetivos acerca do que ensinarmos, no sentido de que os conteúdos propostos compõem um quadro bas tante diversificado e ao mesmo tempo peculiar. Dessa maneira, o Currículo é um processo histórico e estrutura do por meio do social, não sendo possível, de uma hora para outra, deixar para trás todas as experiências passadas. Ao percorrer o proces so histórico do ensino no Brasil, não se pode ignorar como os conteú dos eram trabalhados nos diversos momentos nem como eram sua organização e seleção, compreendendo, assim, como eles interferem na atual realidade. 8 prefácio prefácio No contexto específico das escolhas e referenciais que compõem o Currículo, a identidade do fazer pedagógico é tratada como algo que está em diversos lugares, mas com características diferentes entre si. A imagem inicialque uma criança apresenta de si mesma, na maio ria das vezes, é dada por meio da escola, das relações com os colegas, professores e professoras e nas relações intergrupais e interpessoais que se produzem no espaçoescola. Portanto, é nesse ambiente que, repeti damente, a representação do fracasso ou do sucesso é introjetada pela criança desde o maternal. Pensar sobre os diferentes espaços da infância permite redimensio nar nosso modo de ver as possibilidades físicas e ambientais que esta belecemos como as mais apropriadas para as crianças, esquecendonos, muitas vezes, que em outros espaços também acontecem encontros, de sencontros, descobertas e trocas. Nesse sentido, refletiremos se, de fato, os espaços construídos e planejados pelos adultos têm assegurado que as relações humanas sejam baseadas em sentimentos de respeito e solidarie dade pela diversidade e pluralidade da infância. Assim, os estudos curriculares se tornam um poderoso componente de observação, reflexão e intervenção no espaço e no tempo escolar. É dessa forma que a escola pode compreender e assimilar os vínculos entre o que se vive no ambiente escolar e a comunidade na qual ela está inserida. Então, a escola pode criar condições para romper os limites entre o que lhe é atribu ído como “próprio” e o que “pertence” ao conhecimento da sociedade. Em suma, quando analisamos a Educação Infantil e o Currículo, devemos tomar a criança como ponto de partida da proposta pedagógica, 9 prefácio prefácio prefácio compreendendo que, para conhecer o mundo, ela envolve o afeto, o prazer, o desprazer, a fantasia, o brincar, o movimento, a poesia, as ciências, as artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música e a ma temática de forma integrada, pois a vida é algo que se experimenta por inteiro. Para finalizar, gostaria de ressaltar que, na redação do texto, pro curei refletir sobre as questões referentes às relações de gênero, com o objetivo de aumentar o debate sobre o papel secundário do gêne ro feminino na nossa língua. Tratase, na verdade, de um convite às alunas e aos alunos a experimentarem aquilo que Peter McLaren se refere como o “atravessar de fronteiras simbólicas”. Portanto, vocês encontrarão sempre o masculino e o feminino. Espero que essa experiência nos ajude a colocar em discussão o quanto as mulheres têm sido silenciadas, evadidas e não referenciadas nos modos de representação verbal dominantes, construídos na nossa língua. Não seria diferente com o Currículo. Bom proveito! A autora.* * É doutora em Educação, na área de Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua como assessora técnica da Secretaria de Estado da Educação do Paraná e como coordenadora dos cursos de pós-graduação em Educação da Faculda- de Educacional da Lapa (FAEL). 11 O currículo, na sua versão mais tradicional, sempre significou um elenco de disciplinas a serem ministradas aos alunos e às alunas. Assim constituído, sua postura era claramente voltada para a distin ção entre as pessoas das classes altas e das classes baixas. Enquanto o povo tinha suas próprias formas de transmitir habilidades técnicas e artesanais necessárias para o trabalho, a nobreza dedicavase ao estudo das “artes liberais”, que era mais voltado para a transmissão do status hereditário do que para o exercício de profissões. História e teoria do currículo No período que vai desde o descobrimento até o início do século XX, o ensino brasileiro sofreu decisiva influência no modo de ver o processo educacional, que, na verdade, é um modo de ver o mundo com uma res posta educacional, relacionada a essa nova visão. Nossa educação colonial, herdeira do espírito da contrareforma, importado da metrópole, tinha uma postura marcada pelo obscurantismo místico, pela repulsa às ciências e às tecnologias e por qualquer ocupação que envolvesse habilidades ma nuais ou artesanais, ou seja, tarefas que lembrassem o trabalho escravo. Com o advento da Independência e da República, novas ativida des econômicas começaram a surgir, o que deu origem principalmente ao aparecimento de uma crescente classe média. Alguns grupos sociais passaram a pleitear uma estrutura educacional mais voltada à ciência, à tecnologia e às habilitações profissionalizantes. Após a Primeira Grande Guerra (19141918), a crise oriunda do debate de pensamentos entre as elites rurais e as classes intermediárias, História do currículo no Brasil 1 Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 12 traduziuse em um acirrado conflito de ideias educacionais. De um lado, os defensores do ensino voltado à erudição, à importação de va lores europeus e à cristalização das tradições. De outro, os defensores do ensino voltado à ciência e à tecnologia, favorecendo o desenvolvi mento industrial e a urbanização do país. O tipo de ser humano que a educação se propunha a formar a partir do modelo colonial estava em conflito com as aspirações dos novos grupos sociais em ascensão. O exemplo histórico nos leva a consolidar a convicção de que o subsistema educacional se insere, de maneira intensamente comprome tida, no sistema mais amplo que configura a sociedade de dado lugar e tempo, nos seus aspectos econômicos, na sua estrutura de poder e nos movimentos de mudança. A educação, portanto, é uma resposta das instituições escolares às exigências da sociedade; à expectativa de alunos e alunas, também de correntes das expectativas que seu meio social e familiar alimenta em relação a eles e elas; às disputas de posições dirigentes almejadas por di versos agrupamentos sociais; ao estágio do desenvolvimento produtivo de um povo, bem como ao tipo de sua organização econômica. Dessa forma, concluímos que qualquer postura educacional tem subjacente uma “visão de mundo”. O currículo é entendido como programa de ensino, conteúdos ou matriz curricular por muitos professores e professoras. Na realidade, existe uma pluralidade de definições e cada uma pressupõe valores e concepções implícitas. A palavra curriculum, de origem latina, significa o curso, a rota, o ca minho da vida ou das atividades de uma ou um grupo de pessoas. O cur rículo educacional representa a síntese dos conhecimentos e valores que caracterizam um processo social expresso pelo trabalho pedagógico desen volvido nas escolas. Para Goodson (1996), o currículo é definido como um percurso a ser seguido e como conteúdo apresentado para estudo. Os primeiros estudos, de origem norteamericana, no campo do currículo, foram influenciados pelo modelo tecnicista de natureza pres critiva, baseados nas categorias de controle e eficiência social. Nesse sentido, destacase Ralph Tyler (1949), o qual mostra preo cupação com o estabelecimento de objetivos educacionais e com a ava Capítulo 1 Currículos e Programas 13 liação. O currículo era visto como uma atividade neutra, instrumento de racionalização da atividade educativa e controle do planejamento. Segundo Tyler, para o desenvolvimento de um currículo existem quatro tarefas fundamentais: a definição e seleção dos objetivos; a seleção e criação das experiências de aprendizagem; a organização das experiências para alcançar o máximo efeito cumulativo; a avaliação do currículo com vistas ao seu contínuo aproveita mento (TYLER apud TABA, 1984). O pensamento de Tyler influenciou os estudos sobre currículo no Brasil e foi adotado como fundamento teórico na organização curricu lar do ensino na década de 1970. A nova sociologia da educação busca discutir os aspectos internos da escola e a relação entre a educação e as desigualdades sociais. O desvela mento das implicações do currículo com a estrutura de poder político e econômico na sociedade inseriu a problemática curricular no interior da discussão políticosociológica.Michael Apple, em Ideologia e Currículo (1982), colocou em destaque a relação entre a dominação econômica e cultural e o currículo escolar. Baseado na abordagem neomarxista, o autor trabalhou a noção de currículo oculto, buscando demonstrar como as escolas produzem e reproduzem a desigualdade social. A discussão socio lógica do currículo, a crítica ao reducionismo e estruturalismo tem sido feita por autores como Young (1989), Apple (1989) e Silva (1988). Além da teoria crítica do currículo de natureza sociológica, os es tudos nesse campo tiveram outros desdobramentos. Kemis (1996) tem assinalado a necessidade de uma reformulação da teoria do currículo com base na articulação teóricoprática. Stenhouse (1991) e Schwab (1983) sugerem o estudo do currículo em uma perspectiva processual e prática. Sacristán (1998) defende o modelo de interpretação que con cebe o currículo como algo construído no cruzamento de influências e campos de atividades diferenciadas e interrelacionadas, permitindo analisar o curso de objetivação e concretização do currículo em vários níveis, assinalando suas múltiplas transformações. Apple, (1982) utiliza o termo tradição seletiva “(...) a questão é a seletividade, a forma que, de todo um campo possível de passado Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 14 e presente, escolhemse como importantes (...) significados e práticas, (...) outros são negli genciados e excluídos”. Efetivamente, como assi nala Forquim (1992, p. 35), “aquilo que as escolas transmitem da cultura é sempre uma escolha de elementos considerados socialmente válidos e legítimos”. Estudos críticos do currículo apontam que a seleção cultural so fre determinações políticas, econômicas, sociais e culturais. Nesse sen tido, a seleção do conhecimento escolar não é um ato desinteressado e neutro, e sim resultado de lutas, conflitos e negociações. Assim, entendese que o currículo é culturalmente determinado, historica mente situado e não pode ser desvinculado da totalidade do social. Para Silva e Moreira (2000, p. 42) “... nas escolas não se aprendem apenas conteúdos sobre o mundo natural e social, adquirese também consciência, (...) que comanda relações e comportamentos sociais”. Os estudos que analisam os efeitos do currículo para além da aquisição de conhecimentos formais se voltam para a concepção de currículo oculto e apontam que, por meio dele, são transmitidas ideo logias, concepções de mundo pertencentes a determinados grupos he gemônicos na sociedade e que serve para reproduzir as desigualdades sociais. Para Silva (1995, p. 21), currículo oculto são (...) todos os efeitos de aprendizagem não intencionais que se dão como resultado de certos elementos presentes no am biente escolar. A relevância desse conceito está na explicação que ele oferece para a compreensão de muitos aspectos que ocorrem no universo escolar. Silva (2000, p. 27) também acrescenta currículo oculto como “conjunto de atitudes, valores e comportamentos que não fazem par te explícita do currículo, mas que são implicitamente ‘ensinados’ por meio das relações sociais, dos rituais, das práticas e da configuração espacial e temporal da escola”. No campo do currículo, a literatura crítica tem argumentado a favor de uma teoria que leve em consideração a sua dimensão prática. Tratase de uma perspectiva que busca compreender o currículo em ação, ou Entende-se por tradição seletiva um processo no qual “nos termos de uma cultura domi- nante efetiva, é sempre dissimulado com a tradição, o passado significativo”. Saiba mais Capítulo 1 Currículos e Programas 15 seja, os seus contextos de concre tização, desde a prescrição até a efetivação nas salas de aulas. Sacristán (1998) aponta para essa perspectiva quando foca a atenção para os condi cionantes administrativos, ins titucionais e pedagógicos que afetam o desenvolvimento do currículo nas escolas. A perspectiva teóricoprática ressalta as circunstâncias do traba lho docente com o conhecimento e com o processo de ensinoapren dizagem, contexto curricular com plexo e problemático. Nesse sentido, afirma Sacristán (1998, p. 63): “aos microespaços sociais de ação, às responsabilidades de deliberação dos pro fessores sobre seu próprio trabalho e a compreensão de como o currículo se converte em cultura real para professores e alunos”. A seleção e organização dos conteúdos curriculares A questão central da discussão sobre currículo perpassa o pro cesso de organização e seleção dos conteúdos trabalhados nas escolas. Ao se discutir as escolhas feitas pelos professores e professoras, dis cutese não só as opções, mas as concepções acerca de uma determi nada sociedade e de como se percebe seu desenvolvimento. Segundo Santos e Moreira (1996, p. 33), “em parte, por meio do currículo, diferentes sociedades procuram desenvolver os processos de conser vação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados”. Pensando na função do currículo, percebemos porque esse foco de discussão é tão significativo. A palavra currículo apre senta e aparece com dois sentidos claros no meio pedagógico: conhe cimento escolar ou experiência de aprendizagem. Mesmo com enfo ques diferentes, os dois sentidos estão presentes no currículo escolar, dessa forma, um completa o outro, visto que “todo currículo envolve O livro Documentos de identidade, de Tomaz Tadeu da Silva, apresenta uma síntese relevan- te das discussões sobre as teorias do currículo decorridas no século XX. O autor utiliza-se da classificação das teorias tradicionais, críticas e pós-críticas, centrando-se, na maior parte da obra, na análise das teorias pós-críticas. O estudo registra as preocupações das teorias críticas e pós-críticas com as conexões entre saber, identidade e poder. Essa é uma obra que traz a discussão de qual conhecimento da sociedade (e relações de poder) o currículo desenvolve por meio da educação, no contexto da pós-modernidade. Saiba mais Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 16 apresentação de conhecimentos e inclui um conjunto de experiências que visam a favorecer a assimilação e reconstrução desses conheci mentos” (SANTOS; MOREIRA, 1996, p. 35). Percebese que o currículo é uma construção social que está dire tamente ligada a um momento histórico, a uma determinada socieda de e às relações que ela estabelece com o conhecimento. Assim, tere mos, nas diversas realidades, uma pluralidade de objetivos acerca do que ensinarmos no sentido de que os conteúdos propostos compõem um quadro bastante diversificado e ao mesmo tempo peculiar. Dessa maneira, o currículo é um processo histórico e estruturado por meio do social, não sendo possível, de uma hora para outra, deixar para trás todas as experiências passadas. Ao percorrer o processo histórico do ensino no Brasil, não se pode ignorar que os conteúdos eram trabalha dos nos diversos momentos nem como eram sua organização e seleção, compreendendo, assim, como eles interferem na atual realidade. Para pensar na questão do conteúdo, apontase uma frase de Sacristán (1998, p. 52): “sem conteúdo não há ensino, qualquer proje to educativo acaba se concretizando na aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam”. Falar de conteúdo, um tempo atrás, parecia algo proibido. De certa maneira, até saiu do espaço escolar, devido aos movimentos progressistas das últimas décadas, que via nisso uma maneira de reproduzir a cultura dominante. Porém, é importante pensar nesse conteúdo para que se possa falar de sua seleção, organização e como a cultura pode ou não ser reproduzi da no cotidiano escolar. Para tanto, o conteúdo nos faz percorrer diver sos momentos da história, principalmente aquele tradicional,o qual era visto como algo estático, nunca como um elemento que pode ser ques tionado e transformado. Nesse sentido, as ideias de Popkewitz (1995, p. 39) são fundamentais para entender o conceito de conteúdo do en sino como uma construção social e não lhe dar um significado estático nem universal: “A escolaridade e o ensino não tiveram sempre os mes mos conteúdos, nem qualquer um deles – a linguagem, a ciência ou o conhecimento – foi entendido da mesma forma através dos tempos.” Assim, é possível compreender que os conteúdos não são sempre os mesmos e, historicamente, eles são transformados mediante a rea lidade em que se está vivendo. Em cada época e sociedade, a escola Capítulo 1 Currículos e Programas 17 assume funções sociais diferentes, refletindo, dessa maneira, um olhar acerca do conhecimento e de cultura diferenciada. O processo de sele ção e organização dos conteúdos é por si só um elemento de escolha e decisão, nenhuma dessas ações são neutras, pois elas regulam e distri buem o que se ensina. Para Sacristán (1998) é uma decisão política. No processo de seleção do que ensinar, podemos, segundo Santos e Moreira (1996), encontrar diversos estudos que discutem esse foco. De certa forma, todos apontam para a questão dos conflitos que per meiam esse processo, que se apresenta por meio de lutas e negociações. Esse processo de seleção envolve um comprometimento político que visa a garantir a hegemonia de determinados saberes, perpetuandose visões de mundo por meio de sua cultura. Sobre a organização, numa abordagem tradicional, está em questão o tipo de conhecimento, a sequência que pode ser ensinado e para quem pode. Para tal, levase em conta a estrutura lógica da disciplina e o nível de desenvolvimento cognitivo do aprendiz. Nesse sentido, todo conhe cimento possui uma lógica, que só traduzindo em uma linguagem mais simples pode ser acessível a alunos e alunas. Em função disso, discutese como o conhecimento se torna um con teúdo escolar, pensando nos mecanismos pelos quais a escola não ape nas transmite saberes, mas também os produz (SANTOS; MOREIRA, 1996). Parece que o conhecimento discutido na escola é diferente ou tem função diferenciada daquele utilizado, estruturado e aplicado no nosso cotidiano. É presente na escola a ideia de que é preciso um conteúdo an tes do outro, de maneira crescente. Assim, o saber da sociedade é diferen te do saber escolar, no qual eles são recontextualizados. Segundo Santos e Moreira (1996, p. 33), “podese dizer que a organização do conteúdo curricular está relacionada com a produção dos saberes escolares”. Todo esse processo é delicado para ser pensado de maneira tão am pla, visto que cada realidade tem suas características particulares, po rém nenhuma está isenta das relações que engendram nossa sociedade referente às lutas sociais nos mais diversos níveis. Nesse sentido, falar das escolhas dos professores e professoras, por meio dos processos de seleção e organização curricular, é buscar compreender um pouco desses caminhos pelos quais passam suas experiências e como elas se manifestam na realidade em que estão inseridas. Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 18 Pensando nas escolhas como elementos de identidade As escolhas dos profissionais da educação, ao desempenhar sua função, baseiamse nas experiências como alunos e profissionais e no universo em que historica e socialmente esse profissional está inserido. Pensando assim, o currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades, tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis (SANTOS; MOREIRA, 1996, p. 38). Ao pensarmos nesses valores, os profissionais trabalham a par tir do que acreditam ser importante para seus alunos aprenderem e experimentarem. Baseados em suas próprias experiências, o pro fissional da educação envolve seus alunos no que ele acredita ser o melhor para compor as aprendizagens na escola. Olhar para esses elementos tidos como pessoais pode até, de certa maneira, represen tar para o leitor como se eles dependessem unicamente do professor ou da professora. Alguns até dependem, porém esse profissional não está inserido em um espaço neutro, isento de lutas e disputas. Afinal, o currículo é uma prática social, é um elemento produzido e pro dutor de identidades. Segundo Silva (2001, p. 47), “um dos efeitos mais importantes das práticas culturais é o de produção das identi dades culturais”. Assim, buscamos compreender identidade como um fenômeno produzido e não acabado dentro das práticas sociais, que são vistas como comuns em um determinado grupo social. Para pensar na pos sibilidade de uma identidade no espaço escolar, partese do princípio de que as pessoas, na escola, constroem ideias e representações acerca das disciplinas e dos rituais que compõe esse universo. Uma definição de identidade: “relação de semelhança absoluta e completa entre duas coisas, possuindo as mesmas características essenciais”. Como afirma Silva (1999), se o currículo é documento de iden tidade, como pensar nas escolhas dos profissionais da escola deixando de lado essa questão? Pensar em identidade é pensar em dinamicida Capítulo 1 Currículos e Programas 19 de e, no contexto escolar, é perceber que ela pode ser um elemen to construído e estruturado em um grupo social com representa ções utilizadas para forjar sua identidade e identidades dos outros grupos sociais. No contexto específico das escolhas e referenciais que compõem o currículo, a identidade do fazer pedagógico é tratada como algo que está em diversos lugares, mas com características diferentes em cada lugar e, mesmo assim, diferentes entre si. Segundo Silva (2001, p. 48), “a identidade só faz sentido em uma cadeia discursiva de di ferenças: aquilo que ‘é’ é inteiramente dependente daquilo que não ‘é’. Em outras palavras, a identidade e a diferença são construídas na e pela representação, pois não existem fora dela”. Partindo dessa afirmação, a identidade é construída pelo próprio grupo, e não por um elemento que existe naturalmente. Para pensar na identidade em nossa realidade escolar, precisamos nos remeter às diversas realidades curriculares presentes nas escolas. Portanto, esse é um elemento inserido em um currículo escolar que está em constante transformação e dentro de uma guerra de forças na qual os sujeitos nem sempre percebem esse movimento ligado às relações estabelecidas de poder. Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Vimos que, no período que vai desde o descobrimento do Brasil até início do século XX, o ensino brasileiro sofreu decisiva influência no modo de ver o processo educacional, que, na verdade, é um modo de ver o mundo com uma resposta educacional relacionada a essa visão. Neste estudo, compreendemos que a educação, portanto, é uma resposta das instituições escolares: às exigências da sociedade; à expec tativa de alunos e alunas, também decorrentes das expectativas que seu meio social e familiar alimenta, em relação a eles e elas; às disputas de posições dirigentes almejadas por diversos agrupamentos sociais; ao estágio do desenvolvimento produtivo de um povo, bem como ao tipo de sua organização econômica. 21 Neste capítulo, estudaremos a ideia de que a diferença cultural nos currículos só pode ser compreendida numa perspectiva relacional que problematize os sistemas de representação em que a diferença é construída, de modo a promover uma reflexão sobre como, ideologi camente, são representados grupos dominantes e subordinados em di versos espaços culturais formais e informais, entre eles o currículo.A produção sobre currículo tem frequentemente mantido a centralidade da categoria conhecimento o que dificulta a percepção do currículo como espaçotempo de produção cultural. Currículo e cultura Os estudos acerca do currículo, na perspectiva cultural, apontam para discussões que nos proporcionam vislumbrar a compreensão das relações entre a cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar. Os estudos culturais se compõem em um campo que compreende a cultura como uma prática de significação, centrado na linguagem e no discurso da constituição social. Assim, “cultura é um campo de luta em torno da construção e da imposição de significados sobre o mundo social” (SILVA, 2001, p. 42). São significados que estão no interior das práticas sociais estruturadas e que na escola se constituem em cam pos de saber. Neles, os elementos ativos no processo escolar, isto é, os professores, professoras, alunos, alunas e estruturas educacionais, são importantes para compor os tempos e espaços escolares. Nesse sentido, alguns conhecimentos são tidos como o mais legítimos, como conhe cimento oficial. Considerações sobre conhecimento, cultura e poder no currículo 2 Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 22 Desse modo, para determi nado grupo, esse conhecimen to é tido como o ideal para ser trabalhado no espaço escolar, pois o conhecimento de outros grupos dificilmente chegará na escola. O currículo é visto como uma tradição seletiva (APPEL, 2000) de significações que en volvem a cultura e a identidade dos grupos sociais. Assim, podemos inserir na discussão o poder, que, a partir das análises pósestruturalistas inspiradas em Foucault, é concebido como descentralizado, horizontal e difuso. Utilizase essa definição, porque é a mais próxima das teorias que dão suporte à compreensão do currículo como um elemento no espaço escolar que não está isento das lutas que envolvem o poder nos mais diversos tempos e espaços. O currículo não é simplesmente uma montagem neutra de co nhecimentos. Ele é produzido pelos conflitos, tensões e compromis sos culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam um povo. A partir disso, podemos iniciar nossa relação com o poder e as definições curriculares presentes na escola, partindo dos elementos que culturalmente estruturam e identificam um grupo social. O poder como um elemento descentralizado e horizontal aponta para que as escolhas nem sempre sejam elementos de domínio único de professores e professoras, pois formas e conteúdos culturais funcionam como ele mentos distintivos de classe (APPEL, 2000). Ao ponderarmos sobre as questões educacionais, uma pergunta é inevitável; será que a escola é uma transmissora de conhecimentos ou de ideologias? A escola faz as duas coisas: tanto difunde os valores ideo lógicos da classe dominante como também tem a função de transmis são e socialização dos conhecimentos historicamente acumulados. Outras questões importantes são colocadas. Muitos pais pergun tam para nós, professoras e professores “por que o meu filho não con segue aprender nada na escola?” É comum os alunos estudarem muito para uma prova e acharem que internalizaram tudo, porém, se avaliar mos eles sobre o mesmo conteúdo algum tempo depois, provavelmen O poder na teorização neomarxista está centralizado nas instituições do Estado, tendo um status derivado relativamente das relações sociais de produção. Para Pierre Bourdieu, o poder está relacionado à luta pelas diversas modalidades de capital nos vários campos sociais (SILVA, 2000). Saiba mais Capítulo 2 Currículos e Programas 23 te, eles já terão esquecido tudo. Por exemplo, depois das férias, é sempre a mesma coisa, esquecem tudo o que “aprenderam no ano anterior”. Por que será que essas coisas acontecem? Essas perguntas poderão ser respondidas a partir do momento que analisamos a verdadeira função da escola. Afirmamos, no início, que a escola é ao mesmo tempo transmissora de conhecimentos e difusora de valores ideológicos. Vamos considerar que em uma sociedade dividida em classes há duas classes: a dos que trabalham, que é a maioria, e a dos que se apropriam do trabalho produzido por aqueles que trabalham. Assim, na sociedade capitalista, o trabalho está destinado às classes pro dutoras, às classes trabalhadoras. Quem se apropria desse trabalho é a burguesia. Da mesma forma, o conhecimento se produziu nas relações entre os seres humanos, nas relações sociais (de trabalho, familiar, cul tural etc.). Acontece que, nas sociedades típicas de exploração, como é o caso da sociedade capitalista, o produto do trabalho gerado pelos seres humanos nas suas relações mútuas é expropriado pela classe detentora do poder. Assim, o conhecimento é um meio de produção, visto que é apropriado pela classe dominante que o reelabora para transmitilo por meio de uma instituição adequada: a escola. Para as relações de exploração serem capazes de se perpetuar na sociedade, é indispensável que, ao transmitir o conhecimento elabo rado para a classe trabalhadora, a burguesia o faça de modo seletivo. Isso quer dizer que nem todos aqueles que frequentam a escola têm a possibilidade de se apropriar do conhecimento da mesma maneira e na mesma proporção. Na apresentação que se segue sobre o problema do ensino oficial, das relações da escola com a sociedade que se estende aos problemas da democracia e às liberdades escolares, há, também, um ensaio de resposta às questões colocadas inicialmente. A escola, por conseguinte, tem um norte ideológico e, por isso, a questão do conteúdo escolar é importantíssima: questões como a da metodologia, da sua orientação em relação às correntes pedagó gicas, entre outras. Se esses conteúdos são conservadores, irão inten sificar, naturalmente, as discriminações sociais, sexuais e raciais, a divisão do trabalho, a importância da autoridade do professor ou da professora. Se são inovadores, irão ampliar o respeito à identidade Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 24 de cada indivíduo, e a escola, seguramente, estará voltada para as necessidades dos alunos e alunas. Em uma sociedade dividida em classes como a nossa, ou seja, em que o trabalho é dividido fundamentalmente em manual e intelec tual, ou entre o campo e a cidade, o ensino também aparece dividido como dois termos oposto. A escola, enquanto destinada aos interesses das classes dominantes, deixa de existir para as demais classes. Apenas as classes detentoras têm o direito a essa instituição específica. Somen te há pouco tempo, no início da Revolução Industrial, começou a se converter em perspectiva, ou seja, em algo para toda a sociedade. As instituições para a formação do trabalhador só surgem com o aparecimento da Revolução Industrial. A particularidade desse proces so é que a estrutura educativa das classes privilegiadas, consolidada du rante muitos anos, estendeuse às classes subordinadas, levandolhes o seu tipo de organização, a sua tradição e os seus métodos. É, portanto, no interior da sociedade histórica que podemos iden tificar a emergência da ideologia. A ideologia se constitui em represen tações por meio das quais os agentes sociais e políticos pensam em si próprios, nas instituições, nas relações de poder e nas relações de do minação. Essas representações explicam as formas da desigualdade, dos conflitos, da exploração e da dominação como sendo “naturais”, isto é, gerais e inevitáveis. Distinguise o discurso ideológico exatamente pelo ocultamento da divisão, da diferença e da incoerência, na medida em que oferece a homens e mulheres a representação de uma sociedade homogênea, sem divisões e sem antagonismos, ainda que, de fato, encontrese to talmente dividida. As ideias e discursosdominantes de uma época, surgem no meio das classes privilegiadas desse período. A ideologia é a tentativa de conceber o universo do ponto de vista particular dessa classe. Essa forma de pensar tem por objetivo escamotear as divisões sociais, isto é, a divisão do traba lho, a divisão entre as raças, a divisão entre os sexos, a divisão política, a divisão do conhecimento, etc. Quando falamos da nossa escola, isto é, da escola brasileira, ela se modificou muito nas últimas décadas devido a vários elementos, entre Capítulo 2 Currículos e Programas 25 eles as misturas sociais. Hoje em dia podemos notar que nas escolas encontramos o filho ou a filha do operário, a classe média e o burguês. Isso pode até nos dar a ilusão de que todo mundo tem as mesmas chances e as mesmas oportunidades educacionais. No entanto, o que podemos verificar é que isso não é verdadeiramente real, e se deve, sobretudo, a mecanismos ideológicos que são produzidos no interior da escola, cujo objetivo é eternizar as desigualdades e as diferenças de classes existentes na sociedade. Um desses mecanismos é aquilo que chamamos de currículo oculto. A imagem inicial que uma criança apresenta de si mesma, na maio ria das vezes, lhe é dada por meio da escola, das relações com os colegas, professores e professoras e nas relações intergrupais e interpessoais que se produzem no espaçoescola. Portanto, é nesse ambiente que, repeti damente, a representação do fracasso ou do sucesso é introjetada pela criança desde o maternal. A maioria dos filhos dos trabalhadores não está preparada para ingressar e se desenvolver nessa escola tal qual ela é concebida. Entretanto, os filhos das elites, porque estão desde cedo, ainda no contexto familiar, já entraram, por exemplo, em relação com o conhecimento abstrato desvinculado da prática, e já aprenderam a privilegiar a linguagem verbal nas suas comunicações. As crianças de poder aquisitivo mais elevado já se habituaram a ser elogiadas toda vez que fazem um desenho bonito, cantam uma música ou dizem um ver sinho de maneira original, enquanto as crianças filhas de trabalhadores e trabalhadoras vivem em outra realidade e aprendem outras coisas. Assim sendo, quando essas crianças de procedência de classes diferentes entram no mundo da escola, encontram uma realidade que privilegia determinados valores como, por exemplo, a competição. A principal forma de trabalho na escola é a expressão da palavra na sua variante culta; em outras palavras, a forma de se expressar das elites. Essa forma trabalha os conteúdos de raciocínio abstrato total mente desligados da prática, da realidade de alunos e alunas etc. A criança da classe popular encontra nessa escola um professor ou pro fessora que valoriza apenas um determinado código de comunicação, de comportamento e de valores. Percebese logo que essa escola, que de início parecia tão democrática, na verdade, não é. Vamos verificar que muitas professoras e professores, logo de saída, já formam uma opinião dos seus alunos e alunas. Ou ele(a) é “bom” ou é “mau”. O que Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 26 nos preocupa é que raramente essa opinião muda ao longo do tempo. Sendo assim, as crianças que são mais valorizadas pela escola tendem a melhor se adequar e conseguir relativo sucesso, ao passo que as outras, que, aliás, são a maioria, acabam sendo eliminadas brutalmente e nada obtendo dessa escola. É desse modo que a marca do fracasso se mani festa de tal forma na maioria dessas crianças, fazendo elas passarem a se comportar de acordo com a expectativa que a instituição tem em relação a elas, ou seja, a de crianças “fracas”, mal resolvidas, com pro blemas, de péssimo rendimento e até mesmo incapazes. A escola, por conta disso, acaba reforçando para essas pessoas o mito de que são cul padas pelo seu próprio fracasso e, à medida que esses futuros trabalha dores ingressam no exército de mão de obra disponível na exploração capitalista, serão cada vez mais acomodados, achando que receberam da escola o que deveriam receber, pois são “inferiores” e “incapazes”. Professores e professoras, muitas vezes, formam um juízo nega tivo de seus alunos e alunas baseados nessas premissas que se ma nifestam de duas maneiras: objetiva e subjetivamente. De um lado, por meio das notas, conceitos e classificações e, de outro, por meio de comentários, mímicas de desagrado, impaciência, intransigência, desprezo e desrespeito que demonstram aos alunos e alunas. Não as piramos martirizar professores e professoras, mas tirar a culpa do sis tema educacional, como um todo, pelo fracasso da maioria das nossas crianças é um equívoco. O que estamos querendo demonstrar com essas argumentações é que o currículo oculto usa como critério ideológico o “esforço pessoal”, ajudando, portanto, a preparar os alunos e alunas para serem domi nados ou para serem dominantes no meio social em que vivemos. Por isso que, em uma sociedade cheia de competições como a nossa, a es cola também tem esse perfil, pois nela só se dão bem os considerados “melhores”, e é nesse tipo de escola que os filhos das classes privilegia das desvendaram muito cedo a sua “superioridade”, enquanto as outras classes descobriram sua “inferioridade”. Ao experimentar um método permanente de crítica e autocríti ca das práticas escolares (currículo real e oculto), poderemos viver os conflitos e as diferenças como forma de desenvolvimento individual e social, além de construir um espaço constante de participação na ela boração do currículo. Capítulo 2 Currículos e Programas 27 Os professores devem ficar atentos aos valores e conceitos que eles próprios incorporaram, pois eles determinam a seleção dos conteúdos, estratégias, a metodologia, as habilidades e as avaliações escolhidas. Às vezes, o próprio questionamento está impregnado de ideologia. Ainda sobre os currículos escolares, cabe enfatizar vários aspectos importantes na transmissão do currículo oculto: ● os professores e professoras não têm assegurado o pleno co nhecimento do novo currículo antes de sua implementação; ● muitos professores e professoras não têm uma posição crítica em relação ao currículo oculto; ● inúmeros professores e professoras não têm consciência dos direitos dos grupos oprimidos na sociedade; ● os currículos não são voltados para a transformação social, tendo em vista formar um cidadão consciente, crítico e participante; ● os currículos não são representantes dos grupos desprivilegia dos, pessoas de raças diferentes, mulheres, etc.; ● os currículos excluem os valores culturais e históricos presen tes no cotidiano; ● os currículos não ensinam os alunos e alunas a superar a situa ção de marginalidade, nem os conscientizam cultural e politi camente acerca desse assunto; ● a própria concepção dos currículos é ideológica, pois é frag mentária e desarticulada, não avançando, na prática, para uma verdadeira interdisciplinaridade e transdisciplinaridade; ● os currículos valorizam o supérfluo, contribuindo para am pliar a marginalidade do conhecimento das mulheres, dos trabalhadores e das pessoas de raças não brancas; ● os currículos são montados de forma a perpetuar e legitimar as desigualdades econômicas, as divisões de classe, gênero e raça, tanto nos empregos como nas riquezas; ● os textos didáticos falam sobre ideologia e não são, via de re gra, trabalhados criticamente por professores e especialistas. Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 28 Dessa maneira, a escola está fundamentalmente implicada no fra casso escolar, na conservação da classe baixa no mesmo nível social e na fabricação de trabalhadores submissos e conformistas. A educação serve para reforçar e reproduzir as divisões e injustiças sociais,não se revelan do, portanto, democrática, apesar de enfatizar (só em nível de discur so) a permanência e o êxito no sistema escolar. Posto isso, chegamos à conclusão de que a seleção do conhecimento escolar é arbitrária, por que exclui as tradições culturais de classes e grupos subordinados para priorizar as memórias culturais dos grupos e classes dominantes. Tanto o currículo real, oficial (explícito) e o oculto (implícito) têm competên cias socializadoras, pois certos aprendizados e rituais escolares moldam e fabricam consciências. A escola corrobora para a divisão social, racial e sexual do trabalho, uma vez que o conhecimento escolar é distribuído de forma desigual entre os diferentes grupos e classes sociais. A distribuição dos currículos ocultos também é diferenciada de acordo com a classe so cial, sexo, raça ou etnia. Assim, dependendo dos grupos e classes sociais, demonstramse diferentes atitudes e características de personalidade. O que queremos deixar evidente é que a escola efetivamente não tem desempenhado a sua função social, que é transmitir os conheci mentos historicamente construídos, habilidades e valores como os de solidariedade, tolerância e respeito às diferenças. A escola tem sido, nesse sentido, muito mais reprodutora da ideologia das elites do que produtora e difusora do conhecimento. Urge, portanto, uma mudança de atitude, primeiramente de caráter ideológico e, depois, de caráter pedagógico. Essa alteração implica uma modificação de postura que possa, efetivamente, encarar os filhos e as fi lhas de trabalhadores e trabalhadoras como um componente fundamen tal para o nosso desenvolvimento. É necessário que se reconheça o direito de adquirir conhecimentos e que o professor e a professora não tenham preconceito em relação a esses alunos e alunas e percebam que é fundamental para o processo de transformação da nossa sociedade que os filhos e as filhas de tra balhadores e trabalhadoras tenham acesso, de forma crítica, ao saber elaborado da escola. É imperativo que haja uma alteração quanto à forma de se transmitir os conteúdos tanto pedagógico quanto ideológico. O próprio conteúdo Capítulo 2 Currículos e Programas 29 deve mudar para atender às reais necessidades dos alunos e da sociedade na qual estão inseridos. O conteúdo transmitido não pode ser desligado da prática, mas sim partir da realidade, da vivência, da experiência dos educandos e das educandas. A escola deve ensinar, sobretudo, a pensar, ra ciocinar, desenvolver o juízo crítico, conhecer a realidade em que se vive e suas contradições. Aceitando que diferença não é inferioridade, uma nova pedagogia terá de ser formulada. Ela não sairá de gabinetes nem de cabe ças iluminadas, mas da diversidade de ideias, saberes e experiências. O professor e a professora são induzidos continuamente a optarem: contra ou a favor dos alunos e alunas. Essa opção não implica somente uma visão pedagógica, mas, sobretudo, uma visão ideológica diferente. A ideologia do currículo oculto é uma faca de dois gumes, pois tanto pode levar à passividade como também à revolta. A revolta individu al nós, professores e professoras, conhecemos bem: é aquele aluno ou aluna que depreda a escola, é antisocial, agressivo; frequentemente, a raiz desses comportamentos está na maneira como a escola trata esse indivíduo. Sabemos que essa revolta pode ser canalizada de uma forma positiva, desde que o aluno tenha uma consciência crítica dos seus pro blemas: por que a escola funciona assim? A que interesses serve? Qual o papel dos trabalhadores e trabalhadoras no contexto da escola e da sociedade? Que sociedade temos? Que sociedade queremos? Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Neste capítulo, tivemos a oportunidade de perceber que os estudos acerca do currículo, na perspectiva cultural, apontam para discussões que nos proporcionam vislumbrar a compreensão das relações entre a cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar. Sendo assim, buscamos compreender a identidade como um fenô meno produzido e não acabado dentro das práticas sociais, que são vis tas como comuns em um determinado grupo social. Para pensarmos na possibilidade de uma identidade no espaço escolar, partimos do prin cípio de que, na escola, as pessoas constroem ideias e representações acerca das disciplinas e dos rituais que compõe esse universo. 31 Neste capítulo, entenderemos por que as propostas curriculares precisam considerar a criança e sua heterogeneidade, de modo a criar espaços das crianças e não apenas para as crianças. Elas são sujeitos de direito e cultura. Essa ideia de direito à educação está vinculada à visão de que o desenvolvimento humano acontece a partir da interação com os outros e com o ambiente onde se vive. As crianças não são mais como antigamente Nas conversas sobre infância sempre surge o assunto: as crianças não são mais como antigamente. E não são mesmo! O papel que desem penham, as expectativas em relação a elas, sua maneira de brincar e de se relacionar com o mundo; tudo isso está em constante transformação. Na Idade Média, período demarcador e regulador dos valores e da moral, a organização da escola era multietária, pois a escola medieval era indiferente à distinção e separação das idades, uma vez que não se destinava a educar a infância. A Igreja Católica que ocupava um impor tante espaço nas relações de poder e estabeleceu o término da infância aos sete anos, pois se entendia que a partir desse período se iniciava a idade da razão. Na época, não existia uma preocupação com o tempo da infância, assim como não havia o conceito de adolescência nem o respeito às diferenças. A escola, no decorrer da história, legitima tal condição, uma vez que coloca a idade de sete anos como própria para a alfabetização. Ariès (1981) sugere que essas classificações das fases da vida têm certa correspondência com os fenômenos naturais e cósmicos: o número de planetas, os signos do zodíaco, as estações do ano, etc. Currículo e infância 3 Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 32 Atualmente, vários organismos delimitam as idades da infância. A Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, considera como criança “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu Artigo 2º, considera criança “a pessoa com até doze anos incompletos”. Ainda que seja fundamental reconhecermos a autoridade das convenções internacionais e nacionais, sem dúvida, é o mundo do trabalho e da escola que acaba, em última instância, dando legitimidade para as diferentes idades. Nos seus modos de representação, as crianças manifestam e se apro priam de expressões que referenciam o mundo dos adultos, por exemplo, “quando eu crescer”, “gente grande”, como se isso fosse referência para demarcar os tempos e os espaços escolares. No entanto, é bom lembrar que a organização dos diferentes tempos e espaços da infância não se restringem somente à forma pela qual os adultos constituem o mundo. A creche, a préescola, o jardim de infância, as escolas infantis, os espaços de lazer, todos são lugares destinados à trajetória de socialização da criança, considerando sua idade e o nível econômico e cultural dos pais. Pensar sobre os diferentes espaços da infância permite redimensio nar nosso modo de ver as possibilidades físicas e ambientais que esta belecemos como as mais apropriadas para as crianças, esquecendonos, muitas vezes, que em outros espaços também acontecem encontros, desencontros, descobertas e trocas. Nesse sentido, refletiremos se, de fato, os espaços construídos e planejados por nós adultos têm assegura do que as relações humanas sejam baseadas em sentimentos de respeitoe solidariedade pela diversidade e pelas pluralidades da infância. Sabemos que sozinha a escola não pode mudar o mundo, mas ela se movimenta com o mundo e pode ajudar a mudálo. Não é preciso ir lon ge para saber que as experiências escolares transformam as pessoas e, por isso, é importante entender que o currículo escolar deve se constituir em um campo fundamental de debates que incorpora os diversos “fazeres” e as diferentes formas de “pensar” que ressoam no interior da escola. Nesse sentido, os estudos curriculares se tornam um poderoso componente de observação, reflexão e intervenção no espaço e no tem po escolar. É dessa forma que a escola pode compreender e assimilar os vínculos entre o que se vive no ambiente escolar e a comunidade na Capítulo 3 Currículos e Programas 33 qual ela está inserida. Assim, a escola pode criar condições para romper os limites entre o que lhe é atribuído como “próprio” e aquilo que “per tence” ao conhecimento da sociedade. De um modo geral, o currículo tem sido pensado e constituído com os seguintes pontos: ● pressupostos e princípios da proposta educacional; ● objetivos; ● conteúdos; ● atividades e procedimentos de avaliação; ● espaço físico e recursos materiais. De forma didática, um currículo e seus elementos devem respon der às seguintes questões: ● o quê? ● para quê? ● com quem ? ● onde? ● como educar? ● a favor de quem se educa? Os educadores e as educadoras que trabalham nesses níveis de en sino têm a responsabilidade de orientar as propostas curriculares para uma educação inclusiva, que reconheça e valorize as diferenças de gêne ro, raça, etnia, competências físicas, mentais e as diferenças etárias, em permanente debate. A diferença etária na relação de professores e professoras com seus alunos e alunas se traduz na relação de adultocriança. É preciso lembrar que a escola acolhe crianças – que têm uma história pessoal, familiar, social, cultural –, e que são histórias diversas, assim como a sociedade brasileira. As propostas curriculares precisam considerar a criança e sua hete rogeneidade de modo a criar espaços das crianças e não apenas para as crianças. As crianças são sujeitos de direito e cultura. Essa ideia de direi to à educação está vinculada à visão de que o desenvolvimento humano acontece a partir da interação com os outros e o ambiente onde se vive. Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 34 Crescimento, desenvolvimento e afetividade Nessa fase da vida a dimensão corporal, se desenvolve intensamen te. O crescimento e o desenvolvimento ósseo, muscular, neurológico, acontecem por meio de uma escala crescente, e quanto mais oportu nidades a criança tiver de se movimentar e explorar suas muitas possi bilidades de ação, de preferência em contato com a natureza, melhor será seu desenvolvimento. No entanto, essa dimensão do corpo e da evolução da criança não se limita apenas a aspectos físicos e orgânicos. A afetividade também se entrelaça às experiências corporais das crianças e com quem elas se relacionam no seu universo social. Nas situações e nas relações cotidianas, aprendemos a reconhe cer nossos afetos e como expressálos. O modo como nossas mani festações de satisfação e frustração são acolhidas, nos ensinam sobre o lugar das emoções e dos afetos na sociedade em que vivemos, como também nos mostram nossa importância no mundo. As representações se estruturam na criança por meio de uma rela ção mediada pelo outro. A linguagem permite a comunicação, mas é também uma ferramenta de organização do pensamento e um impor tante canal de trocas afetivas, possibilitando a sua constituição enquan to sujeito. A dimensão cognitiva se estrutura via linguagem, sendo um processo sociocultural. A capacidade de pensar e operar com conceitos é um processo, no qual, em um primeiro momento, a criança pensa por meio dos chamados conceitos cotidianos. O desenvolvimento das capacidades cognitivas acontece por in termédio das relações estabelecidas pelas crianças com outras crianças e com os adultos, em situações de interação com os objetos do mundo físico, social e cultural. As linguagens verbais (oral e escrita) e não verbais (gesto, desenho, brincadeiras de construção e de faz de conta) têm grande importância no desenvolvimento do pensamento e na formação da própria subjeti vidade da pessoa. As linguagens integram um sistema de representação do real, do qual a criança se apropria e passa a elaborálo por meio de diversas atividades simbólicas, nas quais tudo está interligado, como o gesto, o desenho, a brincadeira e a escrita. Hoje, podemos dizer que existe um corpo de saberes e fazeres que possibilita tanto a construção social do conceito de infância como a cons Capítulo 3 Currículos e Programas 35 tituição de instituições de educação infantil e de pedagogias para educar e cuidar das crianças. É possível afirmar que os grandes temas em torno dos discursos políticos e técnicos sobre as pedagogias da Educação Infantil podem ser resumidamente definidos como: ● a existência de um discurso que institui um estatuto para a infância; ● a constituição e a organização de espaços sociais adequados para a educação e cuidado das crianças; ● a formação e o reconhecimento da necessidade de um profis sional para atuar na Educação Infantil; ● a definição de valores para a socialização das crianças resultan tes de algum tipo de compreensão sobre a educação; ● a criação de instrumentos de trabalho e alternativas de inter venções; ● a seleção de metodologias e de conteúdos; ● a produção de materiais didáticos e equipamentos educacionais; ● as decisões sobre a organização espacial; ● as discussões sobre os usos do tempo; ● a organização da vida cotidiana das instituições e das pessoas sob a forma de rotina. Ao longo dos séculos, vários discursos sobre vida, educação e infância vêm, pleiteando, na sociedade, o seu lugar como verdade absoluta, com a intenção de definir a natureza das crianças e a forma como elas devem ser cuidadas e educadas. Esta contradição pesa so bre a cabeça dos educadores e educadoras: por um lado, eles defen dem a concepção de que é preciso assumir o papel de exercer sobre as crianças a transmissão das ideias, dos usos e dos costumes que lhes permitam melhor se adaptarem à sociedade; por outro lado, temse a ideia de que é melhor desenvolver as potencialidades e as suas apti dões para que elas tenham sucesso no futuro, desenvolvendose pes soalmente e criativamente. Dessas concepções, irão surgir diferentes projetos pedagógicos. Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 36 Resumo Resumo Resumo ResumoResumo Resumo Resumo Resumo Neste capítulo, aprendemos que os educadores e as educadoras que trabalham nesses níveis de ensino têm a responsabilidade de orientar as propostas curriculares para uma educação inclusiva, que reconheça e valorize as diferenças de gênero, raça, etnia, competências físicas, men tais e diferenças etárias, em permanente debate. Vimos também que o desenvolvimento das capacidades cognitivas acontece por intermédio das relações estabelecidas pelas crianças com outras crianças e com os adultos, em situações de interação com os objetos do mundo físico, social e cultural. 37 Neste capítulo, estudaremos a Lei de Diretrizes e Bases da Edu cação Nacional (LDB n. 9.394/96), que trata da função da Educação Infantil e seu funcionamento; o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu cação Infantil (Resolução CEB 1/99), que orientam a organização das instituições que se dedicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes esta belecem exigências quanto às orientações curriculares e à elaboraçãodos projetos políticopedagógicos institucionais. As Diretrizes Curriculares e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil Vimos que a organização curricular expressa uma concepção de ser humano, de mundo, de ensino, de aprendizagem, de sociedade, de poder, de cultura, enfim, de vida e, em última instância, do pa pel da educação na sociedade. Nas propostas destinadas à Educação Infantil e aos primeiros anos do Ensino Fundamental, a organização curricular expressa, também, uma determinada visão de infância e o seu lugar no mundo. A Educação Infantil é dever e obrigação do Estado e respon sabilidade política e social da sociedade e não apenas daqueles que vivenciam a realidade escolar, utilizandose dos préstimos da escola ou exercendo nela suas funções profissionais. Cabe, portanto, ao Es tado, à família e à sociedade responderem pela Educação Infantil, resguardando suas especificidades manifestadas na indissociabilidade das ações de educar, cuidar e brincar. Seleção e organização dos conteúdos curriculares na Educação Infantil 4 Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 38 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/96) firma a função da Educação Infantil e o seu funcionamento. Posteriormente, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, p. 27) define o brincar ao lado do educar e do cuidar, considerando que “nas brincadeiras, as crianças transformam os conheci mentos que já possuem anteriormente em conceitos gerais com os quais brincam”. Em função dessas premissas, o Conselho Nacional de Educa ção (CNE), por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), definiu, em 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Re solução CEB 1/99), orientando a organização das instituições que se de dicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes estabelecem exigências quanto às orientações curriculares e elaboração dos projetos políticopedagógicos institucionais. Esse documento contempla os seguintes princípios: ● éticos: autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem comum; ● políticos: direitos e deveres do cidadão, exercício da critici dade e respeito à ordem democrática; ● estéticos: sensibilidade, criatividade, ludicidade e diversida de de manifestações artísticas e culturais. Ressaltamse também aspectos organizacionais, como a adoção de metodologia do planejamento participativo e a afirmação da autono mia das escolas na definição da abordagem curricular a ser adotada. Para garantir o direito à Educação Infantil, são explicitadas as cor responsabilidades entre as três esferas governamentais (federal, estadual, municipal) e a família, consonantes com a legislação atual: ● Constituição Federal de 1988, inciso IV do Art. 208; ● Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/90; ● Lei sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), n. 8.080/90; ● Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), n. 8.742/93; ● Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/96; ● Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI/99); Capítulo 4 Currículos e Programas 39 ● Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 10.172/01; ● Constituições Estaduais e Municipais; ● Planos Estaduais e Municipais de Educação; ● Política Nacional de Educação Infantil (2005). A legislação existente representa as conquistas da sociedade no sentido de assegurar os direitos da população infantil. No entanto, ga rantir os direitos das crianças é responsabilidade social. Sendo assim, a educação das crianças, além de direito social, constituise em direito humano, em condição de existência. Antes da LDB n. 9.394/96, a Constituição Federal havia defini do a Educação Infantil como sendo responsabilidade dos municípios, assim como a obrigatoriedade de aplicar 25% dos orçamentos em educação. Entretanto, não houve definições claras entre dependência administrativa e o financiamento dos níveis de ensino entre União, estados e municípios, gerando o que ficou conhecido como compe tências concorrentes. Educação Infantil na LDB Com um capítulo próprio, a Educação Infantil recebe tratamento igual ao do Ensino Fundamental e Médio e é definida como primeira etapa da Educação Básica. Sua finalidade é desenvolver integralmente a criança, nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Além disso, deve complementar a ação da família e da comunidade no desen volvimento da criança, sendo, portanto, necessária a integração escola famíliacomunidade. A avaliação da criança deve ser realizada sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental. A Educação Infantil é oferecida em: ● creches ou entidades equivalentes para crianças de zero a 3 anos; ● préescolas para crianças de 4 a 5 anos. A abertura para o atendimento em entidades equivalentes a creches se justifica pela necessidade de reconhecer a realidade preexistente da nova legislação, na qual esse atendimento tem sido oferecido de maneira Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 40 diversificada em entidades comunitárias, empresas públicas ou privadas, entidades filantrópicas ou confessionais e, ainda, em casas de família, como no caso das “mães crecheiras”. Os referenciais para a Educação Infantil foram feitos para orientar os projetos políticopedagógicos, subsidiando os diversos saberes e fazeres que circulam no dia a dia escolar. O documento instrui as ações educati vas dos profissionais da Educação Infantil e define que, para desenvolver essas atividades, é preciso intencionalidade, sistematização e comprome timento com a integridade e o desenvolvimento das crianças. Para a implementação do projeto políticopedagógico, os referen ciais indicam que os educadores e educadoras devem desenvolver uma intenção educativa, organizando o ambiente onde atuam e planejando as situações de aprendizagem, seja sozinho, com seus pares ou envol vendo a participação das crianças. Mais importante do que a definição de áreas de conhecimento está a compreensão acerca do mundo in fantil. Isso quer dizer que a criança deve ser o foco de todo o trabalho pedagógico para a tomada de decisões, planejamento, execução e ava liação das ações educativas desenvolvidas na escola. Os referenciais destacam, ainda, que a função das professoras e dos professores de Educação Infantil é mediar o processo de ensinoapren dizagem, propondo atividades e lançando desafios ajustados às carac terísticas, potencialidades, expectativas, desejos e necessidades infan tis. O referencial avaliativo adotado deve ser o da criança em relação a ela mesma, de modo que os professores e as professoras observem, registrem e reflitam continuamente, em caráter diagnóstico e proces sual, tudo o que ocorre com cada criança. Essa avaliação orientará as decisões pedagógicas, especialmente acerca de quais atividades pode rão favorecer uma aprendizagem mais prazerosa e significativa para o desenvolvimento infantil, em seus aspectos individuais e sociais, assim, reforçando as especificidades biológicas, afetivas, emocionais, sociais, culturais, linguísticas, lúdicas e cognitivas das crianças. Ainda segundo os Referenciais Curriculares para a Educação In fantil, o currículo abrange um âmbito de interações, nas quais se en trecruzam processos e agentes diversos que compõem um verdadeiro e complexo tecido social. São as relações estabelecidas nesse contexto que moldam o que se pode chamar de currículo real, ainda que um Capítulo 4 Currículos e Programas 41 currículo para a Educação Infantil necessite ter explícito em sua elabo ração e desenvolvimento a concepção de crianças reais e diversas, que interagem com o meio em que vivem e aprendem a resolverproblemas, especialmente em contato com outras crianças ou pelas informações que os adultos lhes oferecem. Os parâmetros de qualidade para a Educação Infantil especificam que as crianças, desde que nascem, são: ● cidadãos de direitos; ● indivíduos únicos, singulares; ● seres sociais e históricos; ● seres competentes e produtores de cultura; ● indivíduos humanos, parte da natureza animal, vegetal e mineral. E que, por sua vez, precisam ser cuidadas e educadas, o que implica: ● serem auxiliadas nas atividades que não puderem realizar sozinhas; ● serem atendidas em suas necessidades básicas físicas e psico lógicas; ● terem atenção especial do adulto em momentos peculiares de sua vida. Além disso, para que a sobrevivência das crianças estejam garanti das, seu crescimento e desenvolvimento sejam favorecidos e para que o cuidar/educar sejam efetivados, é necessário oferecer às crianças dessa faixa etária condições de usufruírem plenamente as possibilidades de apropriação e de produção dos significados no mundo, da natureza e da cultura. As crianças precisam ser apoiadas em suas iniciativas espon tâneas e incentivadas a: ● brincar; ● movimentarse em espaços amplos e ao ar livre; ● expressar sentimentos e pensamentos; ● desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de expressão; Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 42 ● ampliar permanentemente os conhecimentos a respeito do mundo da natureza e da cultura, apoiadas por estratégias pe dagógicas apropriadas; ● diversificar atividades, escolhas e companheiros de interação em creches, préescolas e centros de Educação Infantil. Os parâmetros apontam ainda que a criança tem direito a: ● dignidade e respeito; ● autonomia e participação; ● felicidade, prazer e alegria; ● individualidade, tempo livre e convívio social; ● diferença e semelhança; ● igualdade de oportunidades; ● conhecimento e educação; ● profissionais com formação específica; ● espaços, tempos e materiais específicos. Diferentemente do referencial, que se constitui apenas em um do cumento orientador do trabalho pedagógico, as diretrizes têm caráter mandatório para todos os sistemas municipais e/ou estaduais de edu cação. A resolução que instituiu essas diretrizes foi precedida por um parecer que trata de várias questões relativas à qualidade (Parecer CNE/ CEB n. 22/98, de 17 de dezembro de 1998). Na relação adultocriança, por exemplo, o parecer indica a proporção apresentada a seguir: ● 1 professor para 6 a 8 bebês de 0 a 2 anos; ● 1 professor para 15 crianças de 3 anos; ● 1 professor para 20 crianças de 4 a 5 anos. O Conselho Nacional de Educação (CNE) também se ocupou da questão da formação dos professores que atuam com crianças de 0 até 6 anos. Em 1999, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (Re solução CNE/CEB n. 2, de 19 de abril de 1999a), as quais se aplicam aos professores da Educação Infantil, das quatro primeiras séries do En Capítulo 4 Currículos e Programas 43 sino Fundamental, da Educação de Jovens e Adultos, da Educação nas Comunidades Indígenas e da Educação Especial. Considerando a di ficuldade de contemplar, no mesmo documento, uma orientação para os cursos de formação de professores e professoras que trabalham com alunos e alunas tão diferentes quanto à faixa etária, contextos sociais e modalidades de ensino que frequentam, o relatório que introduz esse documento traz uma concepção de formação atualizada, no que diz respeito aos fundamentos teóricos, abrangente quanto à visão de educa ção, e coerente com os princípios de cidadania definidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. No ano seguinte, foram aprovadas as Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil (Parecer CNE/CEB n. 04/00, de 16 de fevereiro de 2000), as quais deliberaram sobre a vinculação das instituições de Edu cação Infantil aos sistemas de ensino e sobre vários aspectos que afetam a qualidade do atendimento: proposta pedagógica, regimento escolar, formação de professores e outros profissionais, espaços físicos e recur sos materiais. Essas diretrizes definem, também, a responsabilidade de avaliar, supervisionar e autorizar com validade limitada as instituições de Educação Infantil. Para definir parâmetros de qualidade à Educação Infantil, não é suficiente consultar a legislação específica para essa etapa de ensino, especialmente quando se trata de contemplar temas referentes à diver sidade étnica, racial, de gênero ou as disparidades entre cidade e campo. As resoluções e os pareceres do CNE adquirem importância relevante ao tocarem em matérias ainda não suficientemente esclarecidas pela legislação anterior aplicáveis à educação das crianças de 0 até 5 anos. Em nível federal, cabe ao Ministério da Educação (MEC), vi sando definir e implementar a Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005a): ● articularse com secretarias estaduais e municipais, órgãos, or ganismos, organizações, áreas, programas, poderes Legislativo e Judiciário para propiciar uma gestão integrada e colabora tiva entre os três níveis de governo e entre os diversos setores das políticas sociais; ● participar com o Conselho Nacional de Educação (CNE) da elaboração de pareceres, normas e regulamentações que vise Currículos e Programas FAEL – Faculdade Educacional da Lapa 44 ao cumprimento da legislação e considerem as necessidades identificadas na área; ● estabelecer diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a área; ● divulgála por meio de distribuição de documento impresso e disponibilizála na internet; ● responsabilizarse, juntamente com os sistemas de ensino, pela qualidade da Educação Infantil; ● garantir o cuidado e a educação das crianças de 0 até 6 anos de idade e a promoção da qualidade nas instituições de Educação Infantil em âmbito nacional. Cabe ao Conselho Nacional de Educação, visando a garantir o cumprimento da legislação vigente no que diz respeito ao desenvol vimento da Educação Infantil em âmbito nacional e de acordo com a Lei n. 9.131/95: ● assessorar o Ministério da Educação no diagnóstico dos pro blemas relativos à Educação Infantil; ● deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de en sino, especialmente no que diz respeito à integração dos seus diferentes níveis e modalidades; ● emitir pareceres sobre assuntos relativos à Educação Infantil por iniciativa de seus conselheiros ou quando solicitado pelo ministro de Estado da Educação; ● manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos estados e do Distrito Federal; ● analisar e emitir pareceres sobre questões relativas à aplicação da legislação educacional no que diz respeito à Educação In fantil e à formação do professor para a área; ● examinar os problemas da Educação Infantil e da formação do professor que atua na área e oferecer sugestões para sua solução; ● analisar e emitir pareceres sobre os resultados dos processos de avaliação da Educação Infantil e dos cursos de formação do professor que atua na área; Capítulo 4 Currículos e Programas 45 ● deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Mi nistério da Educação; ● colaborar na preparação do Plano Nacional de Educação e acompanhar sua execução no âmbito de sua atuação; ● manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos estados e do Distrito Federal, acompanhando a execução dos respectivos Planos de Educação. Cabe às secretarias de educação dos estados e do Distrito Federal, visando a definir e a implementar a política estadual para a área, em consonância
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