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Covid-19, o conceito de ‘dano físico’ e a cobertura securitária para lucros cessantes Ilan Goldberg* Introdução. 1. Força maior, aleatoriedade e contratos de seguro. Se lhes seriam aplicáveis os “remédios sinalagmáticos”? 2. Questões alusivas à conceituação de ‘dano físico’ nas apólices vis à vis a cobertura para lucros cessantes. 3. Conclusões propositivas. Referências.** Introdução Os dados são alarmantes. “Nunca na história deste País” ou mundo afora uma “gripezinha” foi capaz de causar tantas mortes e problemas econômicos. É voz corrente que a crise experimentada atualmente, como consequência da pandemia, é a pior desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ou, ainda, desde a crise da bolsa dos Estados Unidos da América, de 1929.1 A primeira onda que, como se pôde observar, por primeiro assolou a Europa, designadamente Itália e Espanha, levou algo como que duas ou três semanas para chegar à América Latina e, com uma força própria de um tsunami devastador, vem provocando mortes e retração brutal da atividade econômica. * Ilan Goldberg é advogado e parecerista. Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade Cândido Mendes – Ucam. Pós- Graduado em Direito Empresarial LLM pelo Ibmec. Professor convidado da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) e da Escola Nacional de Seguros (ENS-Funenseg). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo – RDCC. Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados. e-mail: ilan@cgvadvogados.com.br ** O autor agradece pela colaboração dos caros amigos, Renato Chalfin e Thiago Junqueira, com as pesquisas e revisão da versão primitiva, bem como pela valiosa troca de ideias havida com o amigo, professor Pedro Marcos Nunes Barbosa, no tocante à propriedade intelectual. 1 “O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma queda de 3% da economia global este ano diante da pandemia de COVID-19, na maior recessão mundial desde a Grande Depressão de 1929. A previsão divulgada na terça-feira (14) reflete o impacto da pandemia, forçando uma revisão das estimativas publicadas em janeiro, quando estava previsto um crescimento de 3,3%. Para o FMI, políticas já adotadas por muitos governos “têm sido a salvação para famílias e empresas.” Esse apoio deve continuar durante toda a fase de contenção para minimizar danos como a perda de empregos.” (Fonte. https://nacoesunidas.org/fmi-preve-para-este-ano-maior-recessao-global-desde-1929/, visitado em 5.5.2020). mailto:ilan@cgvadvogados.com.br https://nacoesunidas.org/fmi-preve-para-este-ano-maior-recessao-global-desde-1929/ Do ponto de vista jurídico, a crise provocada pela Covid-19 vem ocasionando consequências as mais diversas nos mais variados ramos do Direito. A título meramente exemplificativo, pode-se referir às questões de ordem trabalhista, previdenciária, tributária, concursal (falência e recuperação judicial), contratual e obrigacional, locatícia etc. A produção acadêmica, como consequência da crise retumbante, é também intensa. Numa despretensiosa busca por Covid-19 e Judiciário ou contratos, o ‘google’ divulga impressionantes 237.000.000 resultados.2 Sem dúvida, fatos sem precedentes na história recente, com impactos contundentes na arena jurídica. Para o mercado de seguros, a primeira onda, mais concentrada na temática afeta à saúde dos cidadãos, já se apresentou bastante desafiadora. O primeiro ramo a sentir os seus impactos foi o do seguro-saúde que, inicialmente, não cobria nem mesmo o exame de diagnóstico da moléstia para, a partir da Resolução Normativa nº. 453, de 12.3.2020, passar a cobri-lo. É claro que todos os custos de atendimento aos enfermos internados na rede privada de saúde também vêm onerando esses contratos, com elevação da sinistralidade apurada. Ainda quanto ao ramo da saúde suplementar, vale lembrar de discussões que se encontram em andamento entre o Estado e a iniciativa privada com o objetivo de que aquele possa usar os leitos administrados por esta, o que é consequência da escassez e da necessidade do tratamento mais eficaz dos quadros mais graves da doença, por meio da utilização de respiradores. Esta questão já se apresenta bem delicada, considerando a inexistência de ferramentas de custeio para tanto e, além disso, à privação de uso desses leitos para consumidores privados que pagam prêmio com vistas à sua utilização. A seguir ou, concomitantemente, o ramo do seguro de vida, que, como a imprensa noticiou, foi objeto de severa pressão institucional liderada pela Federação dos Corretores de Seguros (Fenacor), a fim de, nada obstante a expressa exclusão do risco para pandemias, convencer as seguradoras a proverem cobertura para o risco morte, disponibilizando os capitais segurados aos beneficiários. Pode-se intuir que diante da baixa letalidade do vírus e do número de contratantes do seguro de vida em meio aos falecidos, a decisão tomada pelas seguradoras que optaram pela cobertura não carregou, excessivamente, a sinistralidade do ramo.3 2 Há textos os mais diversos e curiosos: por exemplo, ‘Contrato de namoro em tempos de Covid-19’ - https://topview.com.br/self/contrato-de-namoro-em-tempos-de-covid-19/, visitado em 5.5.2020. 3 A propósito do impacto da Covid-19 no seguro de vida, remete-se ao minucioso artigo de Thiago Junqueira: ‘Dilemas contemporâneos: seguros privados e coberturas de pandemias. In Revista Jurídica da CNSeg. v. 11. No prelo. https://topview.com.br/self/contrato-de-namoro-em-tempos-de-covid-19/ A segunda onda, como referem os economistas, já pode ser observada através dos dados econômicos divulgados pelo Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. De maneira uniforme, as economias dos países sofrerão retração intensa decorrente da paralização de suas atividades, trazendo, a reboque, desemprego, restrições de crédito, desinvestimento, em uma palavra: recessão.4 E a recessão, no que interessa à elaboração do presente artigo, toca, diretamente, na perda de receitas do empresariado brasileiro amplamente considerado. Ressalvadas algumas pouquíssimas exceções (e.g., o empresário que vende máscaras de proteção respiratória, o que vende alimentos ou remédios), os demais sofrerão demais como consequência da brutal crise econômica. Assim, metodologicamente, opta-se por, no presente artigo, fazer algumas considerações específicas à cobertura securitária para lucros cessantes com o objetivo de, ao menos neste particular, buscar alguma profundidade. Assim, o desenvolvimento do artigo será conduzido através de dois principais eixos temáticos, a saber: (i) o que se deve entender por força maior com o olhar dirigido aos contratos de seguro e, ainda quanto a este ponto, investigar se o atributo aleatório desses contratos os priva de instrumentos voltados ao seu reequilíbrio, uma vez detectadas circunstâncias capazes de desequilibrá-los; (ii) o conceito de ‘dano físico’ presente na generalidade dos clausulados examinados. À conclusão, anotam-se algumas medidas que, ao nosso sentir, revelam-se prospectivas no sentido de buscar soluções à gravíssima crise experimentada. Sem mais delongas, passa-se ao primeiro eixo temático. 1. Força maior, aleatoriedade e contratos de seguro. Se lhes seriam aplicáveis os “remédios sinalagmáticos”? O Código Civil não conceitua a força maior. No art. 393,5 o caput apenas define que o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes da mesma, a não ser que, 4 Reproduz-se apenas uma pequena passagem que dá o tom: “No mato sem cachorro. Professora titular da Faculdade de Economia da Pontifícia da Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosa Maria Marques avalia que a crise “não tem paradeiro” enquanto não se descobriruma vacina para a covid-19, será um contínuo “abrir e fechar” de atividades da economia mundial. Ela citou dados divulgados ainda nesta quarta, apontando queda de 6,6% na economia francesa no primeiro trimestre e previsão de retração de 4,2% na Alemanha neste ano. “Avassaladores”, resumiu.”. (Fonte. https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/economia-mundial-crise-efeitos-imprevisiveis- estado-prese/, visitado em 5.5.2020). 5 Código Civil. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/economia-mundial-crise-efeitos-imprevisiveis-estado-prese/ https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/economia-mundial-crise-efeitos-imprevisiveis-estado-prese/ expressamente, tenha se obrigado a tanto. O parágrafo único apresenta o que seria um ‘início’ de definição, esclarecendo que a força maior se verifica no “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.” O devedor libera-se do cumprimento de sua obrigação porque a força maior o impede, nada obstante sejam empregados todos os meios possíveis para cumpri-la. Trata- se de um fato que independe de seu fazer que, justamente por isso, rompe o nexo causal necessário ao surgimento da obrigação de indenizar.6 A afirmação de que a Covid-19 se qualifica como força maior e, portanto, excludente da obrigação de cumprir o contratado, não pode ser veiculada de maneira genérica. Há que, em atenção à espécie negocial concreta, verificar se, de fato, as circunstâncias realmente impedem o devedor de adimplir.7 Tomem-se, a título de exemplo, os contratos de locação. Para o locatário que se encontra no interior de um shopping center que foi fechado por determinação do Poder Público, há clareza quanto à impossibilidade de cumprimento do contrato. A força maior é evidente. Por outro lado, suponha-se locatário que explore o segmento de alimentos e bebidas e que, em meio à pandemia, tenha organizado um excelente serviço de entregas em domicílio. Por mais que tenha ocorrido perda de clientela presencial, possivelmente houve aumento da clientela à distância, afigurando-se difícil afirmar que a força maior, nesta hipótese, produzirá os mesmos efeitos que na anterior. A aplicação do instituto da força maior ao contrato de seguro detém nuances próprias porque, como se sabe, este contrato possui uma marcante carga de aleatoriedade, decorrente do fato de que, prima facie, a seguradora não sabe quando será chamada a arcar com o pagamento da indenização ou soma segurada. 6 Na presente elaboração, força maior e caso fortuito serão tratados como sinônimos. Há, na doutrina, aqueles que os distinguem a partir de sua origem, derivada de agir humano ou de fatos da natureza. A distinção, para este artigo, não é importante. Para um apanhado geral de definições de força maior as mais variadas mundo afora, remete-se ao interessante estudo elaborado pelo escritório de advocacia Baker McKenzie, trazendo definições distintas em mais de vinte jurisdições. (Fonte. https://www.bakermckenzie.com/-/media/files/insight/publications/2020/04/force-majeure-comparative- table-april-2020_v32004.pdf, visitado em 3.5.2020). 7 “Tem-se, nessa hipótese, a impossibilidade objetiva no cumprimento de determinada obrigação. Seria o caso do pianista contratado para se apresentar na Sala São Paulo no mês de abril de 2020, em que todas as atividades no local foram proibidas pelo poder público em razão da pandemia. Assim também, o fechamento de creches configura evento de força maior, a impossibilitar totalmente a prestação de serviços. A qualificação de determinada situação como caso fortuito ou força maior, portanto, depende da verificação da objetiva possibilidade de adimplemento da prestação, seja por impossibilidade do seu objeto (a prestação não pode ser cumprida por evento externo inevitável), seja do sujeito (acometido por doença que o incapacita de efetuar a prestação).” (Gustavo Tepedino, Milena Donato Oliva e Antônio Pedro Dias. Contratos, força maior, excessiva onerosidade e desequilíbrio patrimonial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-20/opiniao-efeitos-pandemia-covid-19-relacoes-patrimoniais, visitado em 5.5.2020. p. 1) https://www.bakermckenzie.com/-/media/files/insight/publications/2020/04/force-majeure-comparative-table-april-2020_v32004.pdf https://www.bakermckenzie.com/-/media/files/insight/publications/2020/04/force-majeure-comparative-table-april-2020_v32004.pdf https://www.conjur.com.br/2020-abr-20/opiniao-efeitos-pandemia-covid-19-relacoes-patrimoniais Esta assertiva remete à discussão doutrinária acerca da qualificação do contrato de seguro, se aleatório ou comutativo, o que, para parte da doutrina, teria sido superado com o advento do Código Civil de 2002 ao instituir a chamada ‘obrigação de garantia’, prevista no art. 757.8 Por mais que a construção das bases mutualísticas desse contrato por meio de atividade empresarial tenha o efeito de amenizar ou diluir a incerteza que, individualmente, continua a, ao menos sob a ótica do segurado, caracterizar esse arranjo, parece-nos exagerado afirmar que o contrato de seguro não continue a manter a sua áurea aleatória. O mecanismo sabiamente adotado pela ‘indústria’ do seguro, coletivamente, não desnatura a aleatoriedade que, individualmente, continua a se manifestar.9 É o que o segurado, ao concluir a contratação, efetivamente não sabe quando e se o sinistro se materializará. Estatisticamente, a seguradora dispõe de dados confiáveis provenientes do exame do coletivo, mas, repita-se, individualmente, não sabe se o automóvel colidirá, se a residência será incendida ou furtada, ou se o administrador será demandado por minoritários. Segundo a civilística, o principal atributo do contrato aleatório é observado no desconhecimento de uma ou das duas partes a respeito das prestações que serão obrigadas a cumprir no futuro.10 O adquirente de uma safra pode não saber, de antemão, a 8 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Para um exame detalhado das duas posições doutrinárias, que defendem a comutatividade ou a aleatoriedade do contrato de seguro, permita-se referir ao nosso GOLDBERG, Ilan. Reflexões sobre o contrato de seguro. In CARVALHOSA, Modesto. KUYVEN, Fernando. Tratado de Direito Empresarial. 2 ed. v. IV. Contratos mercantis. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. 9 É mandatória aqui a referência a ASCARELLI, Tullio. O conceito unitário do contrato de seguro. In Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 36(3), 388-437. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65945, visitado em 11.4.2020. A propósito da ‘teoria da empresa’, de Cesare Vivante, Ascarelli a critica justamente motivado pela confusão existente entre a ‘indústria’ do seguro e os contratos que, segundo o autor, devem ser examinados individualmente. “Prescindindo dos casos, raros mas não raríssimos, de contratos de seguro concluídos para riscos que têm um caráter de unicidade e escapam à possibilidade de previsão com assento em cálculo de probabilidade, é evidente que a teoria vivanteana não alcança um caráter "jurídico" do contrato de seguro, mas indica um pressuposto técnico da indústria seguradora e da sua função econômica. Pressuposto não constitui um característico tão somente de seguro, nem pode assumir a característica necessária do contrato. Do primeiro ponto de vista é efetivamente fácil observar que este pressuposto se encontra também em uma outra serie de operações e de contratos: os bancários.(p. 400) [....] Resumindo, poder-se-ia dizer que a tese de Vivante, como a da doutrina francesa, indica a base técnica da indústria seguradora, mas não a característica jurídica do contrato.” (p. 401). 10 A propósito de contratos reconhecidamente aleatórios, Clóvis Beviláqua conceitua o jogo como “o contrato aleatório, em que duas ou mais pessoas prometem certa soma àquela, dentre as contraentes, a quem for favorável certo azar” e aposta como “contrato, igualmente aleatório, em que duas ou mais pessoas, de opinião diferente, sobre qualquer assunto, concordam em perder certa soma em favor daquela, dentre as contraentes, cuja opinião se verificar ser a verdadeira”. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das obrigações. 9. ed. atual. por Achilles Beviláqua e Isaías Beviláqua. Rio de Janeiro: ed. Paulo de Azevedo, 1957. p. 319). Segundo Orlando Gomes, podem-se reunir o jogo e a aposta “na categoria genérica dos qualidade/quantidade dos frutos que serão colhidos, o apostador não sabe se o animal escolhido vencerá a corrida, assim como a seguradora não sabe se o condutor sofrerá um acidente de trânsito. Para o adquirente da safra, o apostador e a seguradora, as consequências, o porvir, constituem o risco dos seus negócios, riscos que integram o componente sinalagmático desses contratos. Entre o adquirente da safra e o agricultor, o apostador e a casa de apostas e segurado e seguradora, há obrigações correspectivas, muito embora as prestações de cada qual não sejam proporcionais, aritmeticamente considerando. Agora, por mais que os contratos aleatórios sejam preenchidos por uma carga de álea, isto é, de incerteza (a contrario sensu, toma-se como exemplo a compra e venda de um apartamento, na qual credor e devedor não têm qualquer incerteza quanto ao objeto do negócio jurídico), é preciso ter em mente que também há equilíbrio entre as prestações e contraprestações dos contraentes. Como diz o sempre atual ditado de Milton Friedman, “there is no such a thing as a free lunch”. E não há “almoço grátis” porque, se um fato extraordinário (não previsto no contrato) suceder, o equilíbrio dos contratos aleatórios poderá ser seriamente prejudicado e, assim, ensejar a aplicação dos chamados remédios sinalagmáticos tais como, e.g., exceção do contrato não cumprido, exceção de inseguridade, a revisão e, no limite, a resolução por onerosidade excessiva. 11 Quando se comparam os contratos aleatórios e os não aleatórios, é como se naqueles o nível de elasticidade fosse maior, muito mais aberto, porém jamais ilimitado. contratos de sorte, nos quais duas pessoas se obrigam a pagar certa quantia ou entregar determinado bem, uma à outra, conforme o resultado incerto de um acontecimento, quer consista este em atividade a ser exercida pelos contratantes, quer por outras pessoas, ou em fatos existentes ou a existir”. São contratos aleatórios, onde “a incerteza do acontecimento é a própria razão de ser de sua estipulação”. (GOMES, Orlando. Contratos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 523). 11 Em comentário específico acerca da aplicabilidade da teoria da imprevisão nos contratos aleatórios, Nelson Borges explica, com fundamentação fincada, inclusive, no contrato de seguro, que é preciso examinar, detidamente, as três áleas que compõem esses contratos. O autor esclarece que a primeira estaria relacionada à sua essência, isto é, à ocorrência ou não dos riscos predeterminados (no seguro, o sinistro, no jogo, a vitória ou a derrota; na safra, a colheita boa ou ruim); a segunda seria própria de todo e qualquer contrato, isto é, não apenas dos comutativos, relativa aos riscos ordinários de descumprimento de cláusulas contratuais, impontualidade etc. (seja na compra e venda ou no seguro, há risco de o devedor deixar de pagar, por exemplo) e a terceira, esta sim relevante à aplicabilidade da teoria da imprevisão, identificável na medida em que as circunstâncias ocorridas alterem significativamente a base de sustentação do contrato, nada tendo que ver com aqueles riscos predeterminados, referentes à primeira álea. É com os olhos voltados para esta terceira espécie de álea que, conforme referido, não guarda relação alguma com os riscos ordinários dos contratos aleatórios, que se defende a aplicabilidade da teoria da imprevisão também a esta categoria contratual. (BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão e os contratos aleatórios. In RT 782/78, dez. 2000. p. 767-771). O agricultor convive com determinadas oscilações do clima, com certas condições de mercado para compra de insumos, o que lhe permite estabelecer um padrão com vistas à estruturação dos seus contratos. A casa de apostas, por seu turno, sabe, exatamente, quanto pagará ao vencedor, mas, que não se tenha dúvida, acabará deixando de cumprir com as suas obrigações se, de inopino, não mais puder realizar as corridas em seu estabelecimento. ‘Jogando’ com as palavras, a força maior lhe impedirá de organizar as corridas e, assim, de arrecadas as apostas para poder pagar os prêmios. As seguradoras, entenda-se bem a assertiva, encontram-se preparadas para lidar com a álea contratada, que, justamente, nutre o contrato, constitui a sua base econômico- financeira. A afirmação de que não haveria força maior em contratos de seguro apenas porque se tratam de contratos aleatórios é claramente equivocada. Como se afirmou no início da construção, não é permitido fazer afirmações genéricas. É preciso examinar o contrato concreto e, à luz dos fatos, da sua base econômico-financeira, aferir se, de fato, houve força maior. Para que se possa dimensionar corretamente os impactos da Covid-19 no mercado de seguros, especialmente às apólices empresariais, vale remeter às constatações já elaboradas pelo Lloyd’s, de Londres, centro de referência mundial para coberturas de resseguro, e pela Chubb, maior seguradora do mundo nos ramos empresariais. Segundo o CEO do Lloyd’s, John Neal, as perdas provocadas por esta pandemia serão consideravelmente maiores do que aquelas provocadas anteriormente pelo furacão Katrina ou os ataques terroristas de setembro de 2011, estimando-se algo em torno de US$ 50 bilhões. Segundo Evan Greenberg, CEO da Chubb, as perdas serão surreais e catastróficas.12 A referência aos números não deve servir de parâmetro à análise jurídica. Se os riscos em questão compusessem a aleatoriedade ordinária, isto é, aquela sobre a qual a base econômico-financeira dos contratos foi construída, não haveria que se falar em força maior. O problema, contudo, decorre da constatação de que jamais houve previsão seja contratual, seja atuarial/estatística, para absorver riscos dessa natureza. Concluindo este primeiro eixo temático, deseja-se provocar uma reflexão que nos pareceu pertinente. As apólices empresariais (P & C, property and casualty), muito comumente, excluem os riscos relacionados à guerra, hostilidade ou operações bélicas, 12 Fonte. https://www.theinsurer.com/news/john-neal-covid-19-largest-insurance-challenge-industry-has- ever-faced/8225.article, visitado em 3.5.2020. https://www.theinsurer.com/news/john-neal-covid-19-largest-insurance-challenge-industry-has-ever-faced/8225.article https://www.theinsurer.com/news/john-neal-covid-19-largest-insurance-challenge-industry-has-ever-faced/8225.article guerra civil etc.13 E por que os excluem? Algumas razões podem ser ventiladas: (i) ausência de base atuarial confiável. Quantas guerras preexistentes poderão ser consultadas para formar uma base confiável e, assim, subsidiar o cálculo da taxa a ser corretamente aplicada pelas seguradoras? (ii) a severidade do risco que, financeiramente, não interessa à seguradora que, amparada pela autonomia privada, não só pode como deve delimitar os riscos que deseja contratar, designadamente em relação entre empresas ou, business to business; (iii) a contratação de riscos dessa natureza influenciaria negativamentea precificação dos demais riscos cobertos, causando um aumento dos prêmios de maneira a compensar a espécie de risco cuja ocorrência é, praticamente, inexistente. Da mesma maneira que o risco para guerra é excluído, entende-se que os riscos relacionados à pandemia também podem ser. Esta questão conduz ao segundo eixo temático que será examinado à continuação, afeto ao conceito de dano físico usualmente observado nas apólices examinadas. 2. Questões alusivas à conceituação de ‘dano físico’ nas apólices vis à vis a cobertura para lucros cessantes. Uma ‘preliminar’ é essencial à reflexão que será apresentada à continuação, qual seja, a forma por meio da qual o contrato de seguro terá sido contratado, isto é, se através de ‘riscos nomeados’ ou ‘all risks’ – no vernáculo, todos os riscos. Iniciando pelos ‘riscos nomeados’, as normas extraídas dos artigos 757 c/c 760 do Código Civil facilitam a sua compreensão.14 Por riscos nomeados, deve-se entender que a cobertura será eficaz para os riscos especificamente contratados. E.g., no seguro automóvel, a seguradora, expressamente, cobre os riscos para o casco, acidentes com passageiros e furto. Ora, se esses correspondem aos riscos nomeados, não há que se falar em cobertura para roubo, por mais que esta espécie não conste na seção das exclusões. 13 Ilustrativamente, tome-se a seguinte redação: “A) Guerra, invasão, ato de inimigo estrangeiro, hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião, revolução, conspiração ou ato de autoridade militar ou usurpadores de autoridade ou atos de qualquer pessoa que esteja agindo por parte de ou em ligação com qualquer organização cujas atividades visem à derrubada, pela força, do governo “de jure” ou “de facto” ou a instigar a queda do mesmo, por meio de atos de terrorismo, sabotagem ou subversão e suas consequências;”. 14 Código Civil. Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. O art. 757 foi reproduzido na nota de rodapé nº. 8. Em síntese, nos riscos nomeados deve-se, em primeiro lugar, examinar a relação dos riscos cobertos. A inexistência de exclusão expressa não gera automática inclusão.15 Como ‘cara e coroa’, a contratação na modalidade ‘all risks’ tem funcionalidade distinta. Ao invés de examinar em primeiro lugar as coberturas especificamente contratadas, deve-se observar as exclusões. Intuitivamente, aquilo que não estiver expressamente excluído, estará incluído. Compreendida a funcionalidade das duas formas de contratação, é importante ter em mente que não se deve aplicar uma forma quando a outra tiver sido escolhida e vice-versa. Noutras palavras, se o seguro for contratado na modalidade ‘riscos nomeados’, o fato de algum risco não se encontrar expressamente excluído não importará na automática inclusão. Por mais redundante que esta construção possa parecer – pelo que, respeitosamente, pede-se escusas ao leitor – o olhar, nesta modalidade de contratação, deve concentrar-se nas inclusões, nas coberturas. Se não estiver incluído, não estará coberto. As exclusões operam como uma espécie de filtro, no sentido de depurar as coberturas disponibilizadas. Por outro lado, ao observar contratação ‘all risks’, o vetor será representado pelas exclusões, permitindo-se avançar para a seguinte conclusão: se o risco não estiver expressamente excluído, automaticamente incluído estará. Atualmente, a generalidade das apólices empresariais no Brasil é contratada por meio da estrutura dos riscos nomeados. Há, nas condições gerais, uma espécie de padrão dos riscos cobertos em conformidade com o ramo de seguros em questão, padrão que, por determinação legal, vincula-se às determinações do órgão regulador do setor. Em segundo lugar apresentam-se as chamadas condições especiais que, frente às gerais, especificam, recortam melhor, por assim dizer, os riscos cobertos. Em terceiro e último plano se apresentam as condições particulares que, face às especiais e às gerais, representam alguma margem de manobra que as partes têm para customizar a contratação que desejam, sempre em observância às determinações da SUSEP. Dito isso, oportuno referir a uma constatação: as apólices empresariais no Brasil, de maneira uniforme, costumam trazer a cobertura para lucros cessantes, mas, como pressuposto para tanto, requerem, antecipadamente, que o segurado sofra ‘danos físicos’. 15 “Em matéria de seguro vigora pois o princípio da tipicidade na definição do risco”. (COMPARATO, Fábio Konder. O seguro de crédito. São Paulo: RT, 1968. p. 56). No mesmo sentido: PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. 2 ed. T. 46. Rio de Janeiro: Borsói, 1966. p. 69 e DONATI, Antigono. Trattato del diritto delle assicurazioni private. T. III. Milano: Giuffrè, 1952. p. 301. No jargão comumente empregado pelas apólices, é preciso que o segurado sofra ‘danos físicos’ para, somente então, fazer jus à cobertura para lucros cessantes. Construindo a assertiva acima sob a influência do direito das obrigações, a cobertura para lucros cessantes é considerada condicional: somente poderá ser empregada se houver ‘danos físicos’.16 Mas, no que consiste o referido ‘dano físico’? Seria, no direito civil, o dano emergente, uma vez que a cobertura para paralisação dos negócios é representada pelos lucros cessantes? Pode-se assumir que o ‘dano físico’ e o ‘dano emergente’ seriam sinônimos? A resposta é negativa. Com efeito, o jargão securitário não é idêntico ao jargão jurídico e o fato de o contrato de seguro ser densamente imbricado por temas de ordem jurídica acaba por gerar dificuldades de interpretação. Para evitar dúvida, recorre-se, e.g., ao conceito de ‘dano físico’ extraído do glossário das condições gerais da apólice ‘xyz’: Qualquer dano físico à propriedade tangível, inclusive todas as perdas materiais relacionadas com o uso dessa propriedade. Observa-se, claramente, que o dano físico consiste em lesão ao patrimônio material do segurado, um dano emergente que lhe causa um decréscimo de seu ativo tangível, o que, no contrato de seguro, é representando pelo interesse legítimo sobre um determinado bem da vida. Noutras palavras, a caracterização do ‘dano físico’ requer uma alteração visual, passível de ser concretamente observada. Exemplificando, as instalações da loja de um empresário são destruídas por um incêndio; ou, um desabamento provoca a destruição de parte de seu parque industrial; ou, ainda, um terremoto provoca a destruição de lojas, infraestrutura de transmissão de energia elétrica etc. Os três exemplos detêm uma característica em comum: a aferição, em concreto, do ‘dano físico’ que, aqui, de fato quer significar o mesmo que o dano emergente à disciplina do dano na responsabilidade civil. Porém, imagine-se que, ao invés de ‘dano físico’, tenha-se uma bactéria ou vírus que, como sói ocorrer, é imperceptível ao olho humano e, consequentemente, não o acarrete? Dito vírus ou bactéria pode ser limpo em poucos dias, não implicando, portanto, ao menos de maneira direta e imediata, a paralisação dos negócios dos referidos 16 Código Civil. Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. empresários. No entanto, nada obstante esta característica aparentemente pouco ofensiva, a moléstia detém um potencial de contágio assustador, e, consequentemente, o Estado acaba por determinar a interdição do comércio por prazo indeterminado, o que se alonga por meses a fio. A hipótese, lamentavelmente, é a mais dura realidade vivida pela sociedade recentemente e os danos, na mesma direção, são incalculáveis.Como, à luz do conceito de ‘dano físico’ previsto no clausulado referido, resolver o problema? Há remédio para tanto ou a vacina, como estudam os especialistas, deverá ser empregada para problemas futuros? Antes de avançar, entende-se importante abrir um pequeno parêntese para ressalvar que, ao nosso sentir, o tema em referência deve ser analisado sob a ótica da delimitação vis à vis exclusão dos riscos e não do instituto do agravamento do risco. É que o agravamento do risco, como o art. 768 do Código Civil dispõe, requer a conduta deliberada do segurado, como pressuposto para que incida a sanção, qual seja, a perda do direito à garantia.17 A questão tratada neste artigo não revela nem mesmo a conduta do segurado, quiçá uma conduta qualificada (deliberada), com o objetivo de, agravar o risco coberto.18 A casuística revela que, da noite para o dia, milhões de empresários mundo afora tiveram as suas atividades interrompidas por decisões governamentais locais, respaldadas por deliberação da Organização Mundial da Saúde. Nesse sentido, se nem mesmo há conduta dos segurados, não há que se falar em agravamento de risco. Entenda-se bem o ponto: os riscos para as seguradoras, a depender dos segmentos em que operam, podem, realmente, ter sido seriamente agravados, mas falta o nexo causal entre o aumento e a conduta dos segurados, o que impossibilita a aplicação da norma contida no já referido art. 768. Fechado o parêntese, retoma-se a análise a partir da delimitação do risco coberto. Sob a perspectiva do direito civil, o vocábulo ‘dano’ compreende muitíssimo mais do que os chamados danos físicos. Pode-se pensar, apenas para começar este exercício, em danos materiais e imateriais. ‘Abrindo’ um pouco mais o exame, danos emergentes e lucros cessantes, danos morais, danos sociais, danos pela privação do tempo útil, perda da chance etc. A verdade é que se torna difícil enumerar todos os danos existentes, face a 17 Código Civil. Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. 18 Nossa assertiva desconsidera condutas de segurados que, deliberadamente, resolvam infringir as determinações governamentais no sentido de manter os seus estabelecimentos fechados. Ora, se a abertura potencializar os danos, então o instituto do agravamento do risco poderá ter vez. hipercomplexidade das relações sociais em pleno século XXI. Ainda para fins de enriquecer este exercício, faça-se uma breve incursão nos domínios da propriedade intelectual nas quais os danos, em sua grande maioria, são quase sempre ‘não físicos’, já que uma patente ou uma marca não comportam destruição pelo fogo, por exemplo. Nesta arena, quase todos os danos serão ‘não físicos’, de vez que a propriedade intelectual tutela o corpus mysticum, predominantemente, ainda que haja algum efeito sobre ativos tangíveis. Ilustrativamente, quando um concorrente faz uma publicidade paga atacando o seu adversário e mencionando de modo pejorativo a sua marca, o dano, preponderantemente, é ao corpus mysticum (reputação/ativo intangível), não ao corpo mecânico de qualquer bem que estampe o signo. Pode-se refletir, como consequência da lesão pretérita, a uma possível queda no volume de vendas, isto é, danos emergentes, mas, como se vê, a matriz do problema remete ao ativo intangível. Prosseguindo, quando um concorrente vende um bem cujo signo distintivo é uma usurpação ao signo do concorrente mais famoso, afetando-lhe a unicidade mercantil, há danos patrimoniais – aviamento –, é possível se cogitar uma busca e apreensão do material contrafeito – físico -, mas os danos, mesmo, são imateriais.19 Nada obstante a amplitude do vocábulo dano, como se observa nas lições de propriedade intelectual, a questão, para o domínio dos seguros, decorre da redação empregada pelas apólices para delimitar o escopo da cobertura, lembrando do que se expôs na primeira parte do artigo a respeito da base econômico-financeira que, mesmo os contratos aleatórios, têm. A partir da redação das apólices, tome-se o exemplo proveniente do Reino Unido a partir de determinada terminologia de apólice que, independentemente do pressuposto referido – ‘dano físico’ – oferecia cobertura para lucros cessantes. A seguradora resistiu, ao argumento de que, na realidade, esta jamais teria sido a intenção das partes por ocasião da concepção das apólices, mas, intenções à parte, uma ação coletiva vem ganhando força 19 “A oposição corpus mysticum e corpus mechanicum. Uma vez que se distinguem o bem intangível, ou incorpóreo, dos bens tangíveis perante os quais reagem os sentidos, é necessário reencontrar essa distinção no livro de papel ou pergaminho e a poesia, elocução ou imagem visual que nele se encerra. O bem incorpóreo subsiste, muitas vezes, além de qualquer suporte, mas pode habitar o livro, máquina ou planta. Tal distinção entre o corpóreo (a que se dá o nome de corpus mechanicum) e o bem imaterial (a que se dá o nome de corpus mysticum) tem enormes conseqüências para o direito.” (BARBOSA, Denis Borges. Do bem incorpóreo à propriedade intelectual. Disponível em http://denisbarbosa.addr.com/teoria.pdf, visitado em 5.5.2020. p. 11). http://denisbarbosa.addr.com/teoria.pdf naquele país por meio da qual milhares de segurados acabarão demandando perante o Poder Judiciário.20 Na França, fervilha discussão no meio acadêmico decorrente de uma construção singela e, ao mesmo tempo, dramática: o crescimento exponencial de “perdas sem danos” ou, no original, « pertes sans dommage ». Lá, assim como no Brasil, as apólices empresariais são construídas com a já referida obrigação condicional, isto é, os lucros cessantes apenas são devidos se, antes, houver ‘danos físicos’. Por isso, alude-se às perdas, semanticamente mais amplas e compreensivas, sem danos, referindo aos ‘danos físicos’, que, no rigor léxico, de fato inexistem.21 Antes da eclosão da pandemia do coronavírus, a França já havia enfrentado situação similar no tocante à problemática das ‘perdas sem danos’ por ocasião do incêndio da Catedral de Notre-Dame. Por decisão do Estado, muitos comerciantes instalados na região da igreja tiveram que fechar as suas portas por ocasião da execução das obras de restauração. Veja-se que não houve ‘dano físico’ de qualquer espécie às suas instalações, mas seríssimas perdas financeiras.22 É importante notar que o mercado de seguros disponibiliza coberturas especialmente concebidas para lucros cessantes, independentemente da ocorrência de ‘danos físicos’ pretéritos, o quê, naturalmente, apresenta cálculo atuarial, risco e prêmio distintos. 20 A redação empregada pela apólice é: “What is covered. We will insure you for your financial losses and other items specified in the schedule resulting solely and directly from an interruption to your business caused by: Public authority. 7. Your inability to use the venue due to restrictions imposed by a public authority during the period of insurance following: b. an occurrence of a notifiable human disease.”. Há uma profusão de noticias a respeito, em sites os mais variados. Exemplificativamente: https://www.postonline.co.uk/claims/7528571/blog-coronavirus-business-interruption-insurance-devil-is- in-the-detail-for-hiscox-and-others, visitado em 5.5.2020. 21 A propósito da distinção entre perdas e danos no direito francês, Luc Mayaux afirma: « En droit, c’est l’occasion de rappeler que, même si les articles L. 113-1 et L. 121-2 du Code des assurances évoquent, dans une même expression, les « pertes et dommages », les deux notions ont un contenu différent. La perte est quelque chose de moins (par rapport à ce qu’on a ou à ce qu’on attendait : par exemple une perte de recettes) alors que le dommage se définit comme une atteinte, une altération. Il y a en lui quelque chose de tangible alors que la perte (sauf celled’un bien qui aurait disparu ou aurait été volé) est plus immatérielle et, du même coup, difficile à apprécier. » (MAYAUX, Luc. Coronavirus et assurances des entreprises : la question des pertes sans dommage. Fonte. https://www.leclubdesjuristes.com/blog-du-coronavirus/que-dit- le-droit/assurance-et-coronavirus-le-drame-des-pertes-sans-dommage/, visitado em 3.5.2020. p. 1) 22 « Le problème vient du fait, non seulement qu’une entreprise sur deux (et bien plus chez les plus petites) n’est assurée que pour ses pertes directes et non pour ses pertes d’exploitation, mais surtout que, dans l’immense majorité des cas, les pertes d’exploitation ne sont pas couvertes quand il n’y a pas de dommage « en amont ». En France, cette non-garantie des « pertes sans dommage » est apparue crument à l’occasion de l’incendie de Notre-Dame de Paris. Les commerçants riverains de la cathédrale qui ont dû fermer leur commerce sur injonction administrative ou qui ont perdu leur clientèle par disparition des touristes n’ont pu faire jouer leur contrat dès lors que leur local n’avait subi aucun dommage d’incendie ou de dégâts des eaux. » MAYAUX, Luc. Ibid. p. 1. https://www.postonline.co.uk/claims/7528571/blog-coronavirus-business-interruption-insurance-devil-is-in-the-detail-for-hiscox-and-others https://www.postonline.co.uk/claims/7528571/blog-coronavirus-business-interruption-insurance-devil-is-in-the-detail-for-hiscox-and-others https://www.leclubdesjuristes.com/blog-du-coronavirus/que-dit-le-droit/assurance-et-coronavirus-le-drame-des-pertes-sans-dommage/ https://www.leclubdesjuristes.com/blog-du-coronavirus/que-dit-le-droit/assurance-et-coronavirus-le-drame-des-pertes-sans-dommage/ Quando a cobertura para lucros cessantes é ‘conectada’ aos ‘danos físicos’ anteriores, não há dúvida de que, dessa maneira, a seguradora acaba por se proteger na exata medida em que não é qualquer paralisação de negócios que será merecedora de tutela. Para que haja cobertura, requer-se, prima facie, que o segurado sofra um ‘dano físico’. O incêndio, o desmoronamento etc., funcionam como um filtro, um anteparo à cobertura para lucros cessantes. A cobertura autônoma para lucros cessantes, por outro lado, justamente porque não possui quaisquer condicionantes, gera exposição maior à seguradora e, consequentemente, prêmio mais elevado. Entendida a funcionalidade das duas coberturas (com e sem condicionantes), é preciso enfatizar que as suas contratações, contanto que bem feitas, isto é, providas de informação adequada, clara, não detém qualquer traço de abusividade. Não frustram expectativa legítima do segurado, não são contrárias à boa-fé negocial (art. 422)23 e tampouco implicam em renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio (art. 424).24 Essas assertivas partem da premissa de que o segurado, desde a concepção da apólice, sabia exatamente o que estava contratando. O negócio jurídico foi concluído em atenção a essa premissa, de sorte que pensar ou executar o contrário, isto é, o oferecimento da cobertura para lucros cessantes autônoma, importaria em enriquecimento sem causa do segurado (art. 884)25, o recebimento de um ‘presente’, para o qual não teria havido contraprestação. Não há, com efeito, nada de contrário à boa-fé em executar o contrato dessa forma. Por fim, quanto à renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, tutelada pelo art. 424 do Código Civil, entende-se que este enunciado normativo deve ser interpretado cum grano salis. É comum observar em apólices com cobertura para furto qualificado a exclusão do risco relativo ao furto simples, porque aquele requer um qualificante a mais à sua conclusão. Entende-se que cobrir o furto simples implicaria num aumento significativo da exposição da seguradora, a justificar a 23 Código Civil. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 24 Código Civil. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. 25 Código Civil. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. delimitação do risco dessa maneira. Ora, de maneira simplista, aos olhos do segurado, se se cobre o furto qualificado também deve-se cobrir o furto simples, porque este seria um “direito resultante da natureza do negócio”. Também, como se observou na primeira parte deste artigo, a delimitação do risco tal como concebida por segurado e seguradora deve ser interpretada restritivamente, isto é, não se pode ampliar, desenvolver interpretações elásticas, sob pena de, como se observou, gerar obrigação à seguradora despida de contraprestação. Portanto, ‘direitos resultados da natureza do negócio’ concluído devem ser vistos com razoabilidade, com zelo pela mutualidade, sob pena de malferir o fundo gerido pela seguradora. Prosseguindo na análise do que se deve entender por ‘dano físico’, convém observar o que já se pode classificar como um movimento proveniente de alguns julgados proferidos nos Estados Unidos da América que, a propósito do conceito de ‘dano físico’ como sendo uma alteração visível no patrimônio material do segurado, vêm promovendo a sua releitura para, ampliando-o sensivelmente, entender por sua caracterização e, a reboque, pelo deferimento de pedidos de lucros cessantes. Um caso, em particular, vem sendo reiteradamente mencionado em variados artigos publicados a respeito desse tema.26 Trata-se de Gregory Packaging, Inc. contra Travelers Property Casualty Company of America.27 A autora trata-se de indústria estabelecida em Nova Jérsei, dedicada à fabricação de sucos em caixa. Com o objetivo de transferir os riscos financeiros relacionados à sua operação, contratou uma apólice empresarial com a seguradora Travelers. Naquilo que diretamente importa à discussão de fundo do presente artigo, a cobertura para lucros cessantes prevista na apólice requer, como antecedente, que tenham ocorridos ‘danos físicos’ às instalações do segurado. Em julho de 2010, por ocasião do início das atividades em uma de suas instalações, teria ocorrido o vazamento de amônia do sistema de refrigeração de uma máquina, causando queimaduras a um funcionário que se encontrava próximo ao local do vazamento. Em virtude da toxicidade da amônia, as instalações foram interditadas para que pudessem ser desintoxicadas, o que foi executado por uma empresa contratada pelo 26 E.g. O’MALLEY, Shannon. Commercial Property Insurance Coverage and Coronavirus. Disponível em https://www.zelle.com/Commercial_Property_Insurance_Coverage_and_Coronavirus, visitado em 29.4.2020. SCHIFFER, Larry. Does the novel coronavírus cause direct physical loss or damage to property? Disponível em https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=18c775d9-92bd-4f90-bd46- ce3b2e2ce3d6, visitado em 5.5.2020. 27 Fonte. Civ. No. 2:12-cv-04418 (WHW) (CLW). https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=18c775d9-92bd-4f90-bd46-ce3b2e2ce3d6 https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=18c775d9-92bd-4f90-bd46-ce3b2e2ce3d6 segurado. As partes controvertem quanto à causa para o vazamento: o segurado afirma que teria decorrido de uma explosão do sistema de refrigeração da máquina, ao passo que a seguradora argumenta que não teria ocorrido qualquer explosão. O referido funcionário, vítima de queimaduras, teria tentado reparar um vazamento e, assim, provocado o evento. A controvérsia posta em juízo decorre das versões daspartes para o fato mencionado. O segurado pondera que a explosão teria prejudicado o funcionamento daquela fábrica e, assim, ocasionado ‘danos físicos’ e prejuízos à sua propriedade; 28 a seguradora, por sua vez, contesta o argumento, frisando que ‘danos físicos’ requerem alterações visuais na propriedade material do segurado, o que não ocorreu no caso concreto. Ao revés, o que se observa é a inabilidade do segurado quanto ao uso de suas instalações.29 Em sua fundamentação, a Corte de Nova Jérsei respaldou-se em diversas decisões relacionadas à definição do que sejam ‘danos físicos à propriedade’, apresentando construções tais como “[...] in ordinary parlance and widely accepted definition, physical damage to property means ‘a distinct, demonstrable, and physical alteration’ of its structure.”30 Interpretando esta afirmação, a decisão vai além para formular que: “While structural alteration provides the most obvious sign of physical damage, both New Jersey courts and the Third Circuit have also found that property can sustain physical loss or damage without experiencing structural alteration.”.31 Prosseguindo, a Corte referiu ao caso Wakefern Food Corp. v. Liberty Mut. Fire Ins. Co.32, no qual a discussão central tratou da caracterização de danos físicos a uma rede elétrica por consequência de uma pane elétrica (blackout). Nada obstante a aparente normalidade da rede após a ocorrência do evento, houve múltiplos incidentes que lhe abalaram a funcionalidade plena, o que motivou conclusão no sentido de que: “there was disputed evidence that the grid had experienced structural damage to “assorted individual pieces” of equipment, but explicitly rested its decision on “the loss of function of the system as a whole.””33 28 Do acórdão: “Gregory Packaging argues that “the explosion made the ammonia refrigeration system inoperable and rendered the Georgia Plant uninhabitable,” thus inflicting direct physical loss of and damage to its property. (p. 4). 29 Também do acórdão: “Travelers asserts that “physical loss or damage” necessarily involves “a physical change or alteration to insured property requiring its repair or replacement.” Id. at 18. Travelers emphasizes that Gregory Packaging’s “inability to use the plant . . . as it might have hoped or expected” does not constitute direct physical loss or damage.” (p. 4) 30 Fonte. Port Authority of N.Y. and N.J. v. Affiliated FM Ins. Co., 311 F.3d 226, 235 (3d Cir. 2002). 31 Ibid. p. 9. 32 Fonte. Wakefern Food Corp. v. Liberty Mut. Ins., 968 A.2d 724 (N.J. Super. Ct. App. Div. 2010) 33 Ibid. p. 9. A decisão anterior, no tocante à percepção do tribunal quanto à funcionalidade do sistema, foi inspirada em outro precedente, desta vez da Corte do Colorado que, explicitamente, associou o conceito de ‘danos físicos’ à perda de funcionalidade de determinada propriedade. Segundo os termos da decisão, o fato de não se verificar alteração visual, tangível, na propriedade, seria de somenos importância; a verificação da perda de funcionalidade bastaria à demonstração do ‘dano físico’.34 Inspirada, ainda, por outros julgados igualmente alusivos à mesma temática,35 a corte de Nova Jérsei concluiu que o vazamento de amônia causou ‘danos físicos’ diretos à propriedade do segurado, porque a substância impediu o seu por um determinado período de tempo. As decisões acima referidas, vale esclarecer, não revelam um posicionamento uníssono na jurisprudência norte-americana. Há julgados em sentido contrário, que refutam a caracterização de ‘danos físicos’ segundo as circunstâncias referidas. Um caso notável nessa direção, também reiteradas vezes lembrado por articulistas, é o Source Food Technology, Inc. contra United States Fidelity & Guaranty Co.36 Neste caso, o segurado tratava-se de indústria alimentícia que, entre outros gêneros, cuidava do processamento de carne bovina. Como consequência do ‘mal da vaca louca’, o segurado teve suas mercadorias impedidas de atravessar a fronteira do Canadá para os Estados Unidos, por questões de ordem sanitária. Nesse sentido, argumenta ter experimentado perdas diretas (danos físicos) à sua propriedade, muito embora, as mesmas não fossem visíveis. O Oitavo Circuito da Corte de Apelações dos Estados Unidos da América entendeu que o fechamento da fronteira não implicou em perdas diretas à propriedade da segurada. “Although Source Food's beef product in the truck could not be transported to 34 Do original: “The Wakefern court supported its holding by looking to the Colorado Supreme Court’s decision in Western Fire Ins. Co. v. First Presbyterian Church, 437 P.2d 52 (Colo. 1968), which held that a church building’s saturation with gasoline vapors constituted a “direct physical loss” when the building could no longer be occupied or used. Wakefern, 968 A.2d at 735-36. The Wakefern court also relied on other cases which it described as “likewise accept[ing] the view that ‘damage’ includes loss of function or value.” Wakefern, 968 A.2d at 735-36 (citing cases). The Wakefern decision indicates that property’s temporary and non-structural loss of function is recognized as direct physical loss or damage under New Jersey law.” (Ibid. p. 9-10). 35 Fonte. Motorists Mutual Ins. Co. v. Hardinger. “the Third Circuit found that the bacteria contamination of a home’s water supply constituted a “direct physical loss” when it rendered the home uninhabitable.”. 131 Fed.Appx. 823, 825-27 (3d Cir. 2005); Essex v. BloomSouth Flooring Corp., 562 F.3d 399, 406 (1st Cir. 2009) (finding that, under Massachusetts law, an unpleasant odor rendering property unusable constituted physical injury to the property); TRAVCO Ins. Co. v. Ward, 715 F.Supp.2d 699, 709 (E.D.Va. 2010), aff’d, 504 F. App’x. 251 (4th Cir. 2013) (finding “direct physical loss” where “home was rendered uninhabitable by the toxic gases” released by defective drywall). 36 Fonte. United States Court of Appeals, Eighth Circuit Oct 13, 2006. 465 F.3d 834 (8th Cir. 2006) the United States due to the closing of the border to Canadian beef products, the beef product on the truck was not — as Source Foods concedes — physically contaminated or damaged in any manner.” A análise dos precedentes oriundos dos Estados Unidos da América revela que o conceito de ‘dano físico’ vem sendo objeto de uma releitura que, como se observou, relativiza a necessidade de que haja alteração visível no ativo tangível do segurado como condição à utilização da cobertura para lucros cessantes. Segundo essas decisões, o prejuízo ao direito de uso da propriedade como efeito de bactérias, vírus e/ou substâncias tóxicas é o quanto basta para caracterizar o ‘dano físico’ e, assim, permitir o uso da cobertura para lucros cessantes. No direito brasileiro, a envergadura do conceito de dano é realmente amplíssima, comportando as mais variadas facetas. Caio Mário da Silva Pereira ensina que a "noção de dano supõe, como esclarecem Marty e Raynald, que a vítima seja atingida em 'uma situação de que ela se beneficiava, lesada em uma vantagem que possuía’".37 Ora, a situação de que a vítima se beneficiava, ou a vantagem que possuía, podem compreender direitos das mais variadas espécies. Direitos materiais e imateriais, danos emergentes e lucros cessantes, danos morais etc. A responsabilidade civil detém a amplitude do dano vis à vis o patrimônio lesado. Quanto maior o dano, maior a necessidade de reparação, na exata medida das perdas havidas. O que é muito importante enfatizar a essa altura é que o contrato de seguro pode não equivaler, do ponto de vista da envergadura (para empregar aqui a mesma palavra), a tudo aquilo que a responsabilidade civil compreende. Se as apólices no Brasil definem ‘danos físicos’ como alteração visual em ativo tangível do segurado, e que estes operam como condicionante à utilização da cobertura paralucros cessantes, entende-se que, nada obstante a criatividade das decisões norte- americanas, não é juridicamente possível, em se de direito brasileiro, interpretar ampliativamente o conceito de ‘dano físico’ para reescrevê-lo. Se este for o interesse do segurado, então que requeira a adequação da cobertura à sua necessidade, mas que não queira empregar à apólice uma finalidade que, muito claramente, não foi desejada pelas partes. 37 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 42. 3. Conclusões propositivas: A OCDE publicou um interessante estudo a respeito da Covid-19 e seu impacto no mercado de seguros em nível global.38 Sem embargo das milhares de vidas que serão perdidas, a conclusão é de que os maiores prejudicados serão as empresas, seus sócios e empregados, e a solução, muito embora realmente conte com a atuação do mercado de seguros, requer muito mais do que isso.39 A afirmação da organização deve ser interpretada com cautela. Não convém comparar a perda de vidas humanas com quaisquer outros dados, por mais relevantes que sejam. Mas, refletindo, é preciso extrair a mensagem que se deseja exteriorizar. O mercado de seguros, por mais pujante que seja, com suas estruturas de pulverização de risco em cosseguro, resseguro, retrocessão, securitização etc., tem as suas limitações. O que a OCDE enfatiza, e, neste particular, concordamos, é que a solução para as perdas causados pela pandemia passa, essencialmente, pela iniciativa do Estado. As apólices, para o futuro, poderão ser customizadas de maneira a efetivamente cobrir os riscos decorrentes da Covid-19, mas, sem dúvida, é preciso enfrentar o presente, traduzido em perdas que se revelam gigantescas. Pode-se, a título exemplificativo, lembrar da iniciativa já adotada na França, pioneira no estabelecimento e administração de fundos públicos com o objetivo de fazer frente a perdas que tocam nos seus cidadãos. A Federação Francesa de Seguradoras anunciou a contribuição com 200 milhões de euros para o fundo recém criado pelo governo com o propósito de amparar as vítimas da pandemia. 40 Também no âmbito governamental, o departamento de serviços financeiros do Estado de Nova Iorque requereu às seguradoras que, expressamente, esclareçam quanto ao alcance das coberturas e exclusões para o coronavírus. Concluindo os dois principais temas abordados neste artigo, entende-se que a aleatoriedade dos contratos de seguro não significa dizer que eles estariam imunes à 38 Fonte. Initial assessment of insurance coverage and gaps for tackling COVID-19 impacts. Disponível em | www.oecd.org/finance/insurance, vistiado em 20.4.2020. 39 “The most significant losses will be incurred by businesses and their employees as a result of business closures and supply chain disruptions – and many of these losses are likely to be uninsured. There will be a need for government involvement to address this protection gap.” (Ibid. p. 2). 40 In France, the government has encouraged the insurance industry to contribute to the (generally uninsured) business interruption losses related to COVID-19. The Fédération française de l’assurance announced that the industry would contribute EUR 200 million to a solidarity fund established by the government for this purpose (Insurance Journal, 2020[40]). (Ibid. p. 7) http://www.oecd.org/finance/insurance ocorrência de fatos externos, capazes de comprometer a sua base econômico-financeira e, assim, suscitar o emprego de remédios típicos dos contratos sinalagmáticos. Em uma linha, há, a depender do fato examinado, possibilidade de arguir força maior também em contratos aleatórios. No tocante ao conceito de ‘dano físico’ como condicionante à utilização da cobertura para lucros cessantes, entende-se que a maneira por meio da qual a generalidade das apólices empresariais brasileiras encontra-se estruturada não é abusiva. Observando a experiência jurisprudencial norte-americana, que vem reescrevendo e ampliando o conceito de ‘dano físico’, conclui-se que, no direito brasileiro, dito experimento não se afigura juridicamente viável. Referências ASCARELLI, Tullio. O conceito unitário do contrato de seguro. In Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 36(3), 388-437. 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