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GOLDBERG, Ilan Covid-19, o conceito de dano físico e a cobertura securitária para lucros cessantes_

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Covid-19, o conceito de ‘dano físico’ e a cobertura securitária para lucros 
cessantes 
 
 
Ilan Goldberg* 
 
Introdução. 1. Força maior, aleatoriedade e contratos de seguro. Se lhes seriam 
aplicáveis os “remédios sinalagmáticos”? 2. Questões alusivas à conceituação de 
‘dano físico’ nas apólices vis à vis a cobertura para lucros cessantes. 3. Conclusões 
propositivas. Referências.** 
 
 
 
 Introdução 
 
 Os dados são alarmantes. “Nunca na história deste País” ou mundo afora uma 
“gripezinha” foi capaz de causar tantas mortes e problemas econômicos. É voz corrente 
que a crise experimentada atualmente, como consequência da pandemia, é a pior desde a 
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ou, ainda, desde a crise da bolsa dos Estados 
Unidos da América, de 1929.1 
 A primeira onda que, como se pôde observar, por primeiro assolou a Europa, 
designadamente Itália e Espanha, levou algo como que duas ou três semanas para chegar 
à América Latina e, com uma força própria de um tsunami devastador, vem provocando 
mortes e retração brutal da atividade econômica. 
 
*
 Ilan Goldberg é advogado e parecerista. Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro – UERJ. Mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade Cândido Mendes – Ucam. Pós-
Graduado em Direito Empresarial LLM pelo Ibmec. Professor convidado da Escola de Magistratura do 
Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) e da Escola 
Nacional de Seguros (ENS-Funenseg). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil 
Contemporâneo – RDCC. Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados. e-mail: 
ilan@cgvadvogados.com.br 
** O autor agradece pela colaboração dos caros amigos, Renato Chalfin e Thiago Junqueira, com as 
pesquisas e revisão da versão primitiva, bem como pela valiosa troca de ideias havida com o amigo, 
professor Pedro Marcos Nunes Barbosa, no tocante à propriedade intelectual. 
1 “O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma queda de 3% da economia global este ano diante da 
pandemia de COVID-19, na maior recessão mundial desde a Grande Depressão de 1929. A previsão 
divulgada na terça-feira (14) reflete o impacto da pandemia, forçando uma revisão das estimativas 
publicadas em janeiro, quando estava previsto um crescimento de 3,3%. Para o FMI, políticas já adotadas 
por muitos governos “têm sido a salvação para famílias e empresas.” Esse apoio deve continuar durante 
toda a fase de contenção para minimizar danos como a perda de empregos.” (Fonte. 
https://nacoesunidas.org/fmi-preve-para-este-ano-maior-recessao-global-desde-1929/, visitado em 
5.5.2020). 
mailto:ilan@cgvadvogados.com.br
https://nacoesunidas.org/fmi-preve-para-este-ano-maior-recessao-global-desde-1929/
 Do ponto de vista jurídico, a crise provocada pela Covid-19 vem ocasionando 
consequências as mais diversas nos mais variados ramos do Direito. A título meramente 
exemplificativo, pode-se referir às questões de ordem trabalhista, previdenciária, 
tributária, concursal (falência e recuperação judicial), contratual e obrigacional, locatícia 
etc. A produção acadêmica, como consequência da crise retumbante, é também intensa. 
Numa despretensiosa busca por Covid-19 e Judiciário ou contratos, o ‘google’ divulga 
impressionantes 237.000.000 resultados.2 Sem dúvida, fatos sem precedentes na história 
recente, com impactos contundentes na arena jurídica. 
 Para o mercado de seguros, a primeira onda, mais concentrada na temática afeta à 
saúde dos cidadãos, já se apresentou bastante desafiadora. O primeiro ramo a sentir os 
seus impactos foi o do seguro-saúde que, inicialmente, não cobria nem mesmo o exame 
de diagnóstico da moléstia para, a partir da Resolução Normativa nº. 453, de 12.3.2020, 
passar a cobri-lo. É claro que todos os custos de atendimento aos enfermos internados na 
rede privada de saúde também vêm onerando esses contratos, com elevação da 
sinistralidade apurada. 
 Ainda quanto ao ramo da saúde suplementar, vale lembrar de discussões que se 
encontram em andamento entre o Estado e a iniciativa privada com o objetivo de que 
aquele possa usar os leitos administrados por esta, o que é consequência da escassez e da 
necessidade do tratamento mais eficaz dos quadros mais graves da doença, por meio da 
utilização de respiradores. Esta questão já se apresenta bem delicada, considerando a 
inexistência de ferramentas de custeio para tanto e, além disso, à privação de uso desses 
leitos para consumidores privados que pagam prêmio com vistas à sua utilização. 
 A seguir ou, concomitantemente, o ramo do seguro de vida, que, como a imprensa 
noticiou, foi objeto de severa pressão institucional liderada pela Federação dos Corretores 
de Seguros (Fenacor), a fim de, nada obstante a expressa exclusão do risco para 
pandemias, convencer as seguradoras a proverem cobertura para o risco morte, 
disponibilizando os capitais segurados aos beneficiários. Pode-se intuir que diante da 
baixa letalidade do vírus e do número de contratantes do seguro de vida em meio aos 
falecidos, a decisão tomada pelas seguradoras que optaram pela cobertura não carregou, 
excessivamente, a sinistralidade do ramo.3 
 
2 Há textos os mais diversos e curiosos: por exemplo, ‘Contrato de namoro em tempos de Covid-19’ - 
https://topview.com.br/self/contrato-de-namoro-em-tempos-de-covid-19/, visitado em 5.5.2020. 
3 A propósito do impacto da Covid-19 no seguro de vida, remete-se ao minucioso artigo de Thiago 
Junqueira: ‘Dilemas contemporâneos: seguros privados e coberturas de pandemias. In Revista Jurídica da 
CNSeg. v. 11. No prelo. 
https://topview.com.br/self/contrato-de-namoro-em-tempos-de-covid-19/
 A segunda onda, como referem os economistas, já pode ser observada através dos 
dados econômicos divulgados pelo Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. 
De maneira uniforme, as economias dos países sofrerão retração intensa decorrente da 
paralização de suas atividades, trazendo, a reboque, desemprego, restrições de crédito, 
desinvestimento, em uma palavra: recessão.4 
 E a recessão, no que interessa à elaboração do presente artigo, toca, diretamente, 
na perda de receitas do empresariado brasileiro amplamente considerado. Ressalvadas 
algumas pouquíssimas exceções (e.g., o empresário que vende máscaras de proteção 
respiratória, o que vende alimentos ou remédios), os demais sofrerão demais como 
consequência da brutal crise econômica. Assim, metodologicamente, opta-se por, no 
presente artigo, fazer algumas considerações específicas à cobertura securitária para 
lucros cessantes com o objetivo de, ao menos neste particular, buscar alguma 
profundidade. 
 Assim, o desenvolvimento do artigo será conduzido através de dois principais 
eixos temáticos, a saber: (i) o que se deve entender por força maior com o olhar dirigido 
aos contratos de seguro e, ainda quanto a este ponto, investigar se o atributo aleatório 
desses contratos os priva de instrumentos voltados ao seu reequilíbrio, uma vez detectadas 
circunstâncias capazes de desequilibrá-los; (ii) o conceito de ‘dano físico’ presente na 
generalidade dos clausulados examinados. À conclusão, anotam-se algumas medidas que, 
ao nosso sentir, revelam-se prospectivas no sentido de buscar soluções à gravíssima crise 
experimentada. Sem mais delongas, passa-se ao primeiro eixo temático. 
 
1. Força maior, aleatoriedade e contratos de seguro. Se lhes seriam aplicáveis 
os “remédios sinalagmáticos”? 
 
 O Código Civil não conceitua a força maior. No art. 393,5 o caput apenas define 
que o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes da mesma, a não ser que, 
 
4 Reproduz-se apenas uma pequena passagem que dá o tom: “No mato sem cachorro. Professora titular da 
Faculdade de Economia da Pontifícia da Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosa Maria 
Marques avalia que a crise “não tem paradeiro” enquanto não se descobriruma vacina para a covid-19, será 
um contínuo “abrir e fechar” de atividades da economia mundial. Ela citou dados divulgados ainda nesta 
quarta, apontando queda de 6,6% na economia francesa no primeiro trimestre e previsão de retração de 
4,2% na Alemanha neste ano. “Avassaladores”, resumiu.”. (Fonte. 
https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/economia-mundial-crise-efeitos-imprevisiveis-
estado-prese/, visitado em 5.5.2020). 
5 Código Civil. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força 
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de 
força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 
https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/economia-mundial-crise-efeitos-imprevisiveis-estado-prese/
https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/economia-mundial-crise-efeitos-imprevisiveis-estado-prese/
expressamente, tenha se obrigado a tanto. O parágrafo único apresenta o que seria um 
‘início’ de definição, esclarecendo que a força maior se verifica no “fato necessário, cujos 
efeitos não era possível evitar ou impedir.” 
 O devedor libera-se do cumprimento de sua obrigação porque a força maior o 
impede, nada obstante sejam empregados todos os meios possíveis para cumpri-la. Trata-
se de um fato que independe de seu fazer que, justamente por isso, rompe o nexo causal 
necessário ao surgimento da obrigação de indenizar.6 
 A afirmação de que a Covid-19 se qualifica como força maior e, portanto, 
excludente da obrigação de cumprir o contratado, não pode ser veiculada de maneira 
genérica. Há que, em atenção à espécie negocial concreta, verificar se, de fato, as 
circunstâncias realmente impedem o devedor de adimplir.7 Tomem-se, a título de 
exemplo, os contratos de locação. Para o locatário que se encontra no interior de um 
shopping center que foi fechado por determinação do Poder Público, há clareza quanto à 
impossibilidade de cumprimento do contrato. A força maior é evidente. Por outro lado, 
suponha-se locatário que explore o segmento de alimentos e bebidas e que, em meio à 
pandemia, tenha organizado um excelente serviço de entregas em domicílio. Por mais que 
tenha ocorrido perda de clientela presencial, possivelmente houve aumento da clientela à 
distância, afigurando-se difícil afirmar que a força maior, nesta hipótese, produzirá os 
mesmos efeitos que na anterior. 
 A aplicação do instituto da força maior ao contrato de seguro detém nuances 
próprias porque, como se sabe, este contrato possui uma marcante carga de aleatoriedade, 
decorrente do fato de que, prima facie, a seguradora não sabe quando será chamada a 
arcar com o pagamento da indenização ou soma segurada. 
 
6 Na presente elaboração, força maior e caso fortuito serão tratados como sinônimos. Há, na doutrina, 
aqueles que os distinguem a partir de sua origem, derivada de agir humano ou de fatos da natureza. A 
distinção, para este artigo, não é importante. Para um apanhado geral de definições de força maior as mais 
variadas mundo afora, remete-se ao interessante estudo elaborado pelo escritório de advocacia Baker 
McKenzie, trazendo definições distintas em mais de vinte jurisdições. (Fonte. 
https://www.bakermckenzie.com/-/media/files/insight/publications/2020/04/force-majeure-comparative-
table-april-2020_v32004.pdf, visitado em 3.5.2020). 
7 “Tem-se, nessa hipótese, a impossibilidade objetiva no cumprimento de determinada obrigação. Seria o 
caso do pianista contratado para se apresentar na Sala São Paulo no mês de abril de 2020, em que todas as 
atividades no local foram proibidas pelo poder público em razão da pandemia. Assim também, o 
fechamento de creches configura evento de força maior, a impossibilitar totalmente a prestação de serviços. 
A qualificação de determinada situação como caso fortuito ou força maior, portanto, depende da verificação 
da objetiva possibilidade de adimplemento da prestação, seja por impossibilidade do seu objeto (a prestação 
não pode ser cumprida por evento externo inevitável), seja do sujeito (acometido por doença que o 
incapacita de efetuar a prestação).” (Gustavo Tepedino, Milena Donato Oliva e Antônio Pedro Dias. 
Contratos, força maior, excessiva onerosidade e desequilíbrio patrimonial. Disponível em 
https://www.conjur.com.br/2020-abr-20/opiniao-efeitos-pandemia-covid-19-relacoes-patrimoniais, 
visitado em 5.5.2020. p. 1) 
https://www.bakermckenzie.com/-/media/files/insight/publications/2020/04/force-majeure-comparative-table-april-2020_v32004.pdf
https://www.bakermckenzie.com/-/media/files/insight/publications/2020/04/force-majeure-comparative-table-april-2020_v32004.pdf
https://www.conjur.com.br/2020-abr-20/opiniao-efeitos-pandemia-covid-19-relacoes-patrimoniais
 Esta assertiva remete à discussão doutrinária acerca da qualificação do contrato 
de seguro, se aleatório ou comutativo, o que, para parte da doutrina, teria sido superado 
com o advento do Código Civil de 2002 ao instituir a chamada ‘obrigação de garantia’, 
prevista no art. 757.8 
 Por mais que a construção das bases mutualísticas desse contrato por meio de 
atividade empresarial tenha o efeito de amenizar ou diluir a incerteza que, 
individualmente, continua a, ao menos sob a ótica do segurado, caracterizar esse arranjo, 
parece-nos exagerado afirmar que o contrato de seguro não continue a manter a sua áurea 
aleatória. O mecanismo sabiamente adotado pela ‘indústria’ do seguro, coletivamente, 
não desnatura a aleatoriedade que, individualmente, continua a se manifestar.9 É o que o 
segurado, ao concluir a contratação, efetivamente não sabe quando e se o sinistro se 
materializará. Estatisticamente, a seguradora dispõe de dados confiáveis provenientes do 
exame do coletivo, mas, repita-se, individualmente, não sabe se o automóvel colidirá, se 
a residência será incendida ou furtada, ou se o administrador será demandado por 
minoritários. 
 Segundo a civilística, o principal atributo do contrato aleatório é observado no 
desconhecimento de uma ou das duas partes a respeito das prestações que serão obrigadas 
a cumprir no futuro.10 O adquirente de uma safra pode não saber, de antemão, a 
 
8 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir 
interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Para um exame 
detalhado das duas posições doutrinárias, que defendem a comutatividade ou a aleatoriedade do contrato 
de seguro, permita-se referir ao nosso GOLDBERG, Ilan. Reflexões sobre o contrato de seguro. In 
CARVALHOSA, Modesto. KUYVEN, Fernando. Tratado de Direito Empresarial. 2 ed. v. IV. Contratos 
mercantis. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. 
9 É mandatória aqui a referência a ASCARELLI, Tullio. O conceito unitário do contrato de seguro. In 
Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 36(3), 388-437. Recuperado de 
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/65945, visitado em 11.4.2020. A propósito da ‘teoria da 
empresa’, de Cesare Vivante, Ascarelli a critica justamente motivado pela confusão existente entre a 
‘indústria’ do seguro e os contratos que, segundo o autor, devem ser examinados individualmente. 
“Prescindindo dos casos, raros mas não raríssimos, de contratos de seguro concluídos para riscos que têm 
um caráter de unicidade e escapam à possibilidade de previsão com assento em cálculo de probabilidade, 
é evidente que a teoria vivanteana não alcança um caráter "jurídico" do contrato de seguro, mas indica um 
pressuposto técnico da indústria seguradora e da sua função econômica. Pressuposto não constitui um 
característico tão somente de seguro, nem pode assumir a característica necessária do contrato. Do 
primeiro ponto de vista é efetivamente fácil observar que este pressuposto se encontra também em uma 
outra serie de operações e de contratos: os bancários.(p. 400) [....] Resumindo, poder-se-ia dizer que a 
tese de Vivante, como a da doutrina francesa, indica a base técnica da indústria seguradora, mas não a 
característica jurídica do contrato.” (p. 401). 
10 A propósito de contratos reconhecidamente aleatórios, Clóvis Beviláqua conceitua o jogo como “o 
contrato aleatório, em que duas ou mais pessoas prometem certa soma àquela, dentre as contraentes, a 
quem for favorável certo azar” e aposta como “contrato, igualmente aleatório, em que duas ou mais 
pessoas, de opinião diferente, sobre qualquer assunto, concordam em perder certa soma em favor daquela, 
dentre as contraentes, cuja opinião se verificar ser a verdadeira”. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das 
obrigações. 9. ed. atual. por Achilles Beviláqua e Isaías Beviláqua. Rio de Janeiro: ed. Paulo de Azevedo, 
1957. p. 319). Segundo Orlando Gomes, podem-se reunir o jogo e a aposta “na categoria genérica dos 
qualidade/quantidade dos frutos que serão colhidos, o apostador não sabe se o animal 
escolhido vencerá a corrida, assim como a seguradora não sabe se o condutor sofrerá um 
acidente de trânsito. 
 Para o adquirente da safra, o apostador e a seguradora, as consequências, o porvir, 
constituem o risco dos seus negócios, riscos que integram o componente sinalagmático 
desses contratos. Entre o adquirente da safra e o agricultor, o apostador e a casa de apostas 
e segurado e seguradora, há obrigações correspectivas, muito embora as prestações de 
cada qual não sejam proporcionais, aritmeticamente considerando. 
 Agora, por mais que os contratos aleatórios sejam preenchidos por uma carga de 
álea, isto é, de incerteza (a contrario sensu, toma-se como exemplo a compra e venda de 
um apartamento, na qual credor e devedor não têm qualquer incerteza quanto ao objeto 
do negócio jurídico), é preciso ter em mente que também há equilíbrio entre as prestações 
e contraprestações dos contraentes. Como diz o sempre atual ditado de Milton Friedman, 
“there is no such a thing as a free lunch”. 
 E não há “almoço grátis” porque, se um fato extraordinário (não previsto no 
contrato) suceder, o equilíbrio dos contratos aleatórios poderá ser seriamente prejudicado 
e, assim, ensejar a aplicação dos chamados remédios sinalagmáticos tais como, e.g., 
exceção do contrato não cumprido, exceção de inseguridade, a revisão e, no limite, a 
resolução por onerosidade excessiva. 11 
 
 Quando se comparam os contratos aleatórios e os não aleatórios, é como se 
naqueles o nível de elasticidade fosse maior, muito mais aberto, porém jamais ilimitado. 
 
contratos de sorte, nos quais duas pessoas se obrigam a pagar certa quantia ou entregar determinado bem, 
uma à outra, conforme o resultado incerto de um acontecimento, quer consista este em atividade a ser 
exercida pelos contratantes, quer por outras pessoas, ou em fatos existentes ou a existir”. São contratos 
aleatórios, onde “a incerteza do acontecimento é a própria razão de ser de sua estipulação”. (GOMES, 
Orlando. Contratos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 523). 
11 Em comentário específico acerca da aplicabilidade da teoria da imprevisão nos contratos aleatórios, 
Nelson Borges explica, com fundamentação fincada, inclusive, no contrato de seguro, que é preciso 
examinar, detidamente, as três áleas que compõem esses contratos. O autor esclarece que a primeira estaria 
relacionada à sua essência, isto é, à ocorrência ou não dos riscos predeterminados (no seguro, o sinistro, no 
jogo, a vitória ou a derrota; na safra, a colheita boa ou ruim); a segunda seria própria de todo e qualquer 
contrato, isto é, não apenas dos comutativos, relativa aos riscos ordinários de descumprimento de cláusulas 
contratuais, impontualidade etc. (seja na compra e venda ou no seguro, há risco de o devedor deixar de 
pagar, por exemplo) e a terceira, esta sim relevante à aplicabilidade da teoria da imprevisão, identificável 
na medida em que as circunstâncias ocorridas alterem significativamente a base de sustentação do contrato, 
nada tendo que ver com aqueles riscos predeterminados, referentes à primeira álea. É com os olhos voltados 
para esta terceira espécie de álea que, conforme referido, não guarda relação alguma com os riscos 
ordinários dos contratos aleatórios, que se defende a aplicabilidade da teoria da imprevisão também a esta 
categoria contratual. (BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão e os contratos aleatórios. In RT 782/78, 
dez. 2000. p. 767-771). 
O agricultor convive com determinadas oscilações do clima, com certas condições de 
mercado para compra de insumos, o que lhe permite estabelecer um padrão com vistas à 
estruturação dos seus contratos. A casa de apostas, por seu turno, sabe, exatamente, 
quanto pagará ao vencedor, mas, que não se tenha dúvida, acabará deixando de cumprir 
com as suas obrigações se, de inopino, não mais puder realizar as corridas em seu 
estabelecimento. ‘Jogando’ com as palavras, a força maior lhe impedirá de organizar as 
corridas e, assim, de arrecadas as apostas para poder pagar os prêmios. 
 As seguradoras, entenda-se bem a assertiva, encontram-se preparadas para lidar 
com a álea contratada, que, justamente, nutre o contrato, constitui a sua base econômico-
financeira. A afirmação de que não haveria força maior em contratos de seguro apenas 
porque se tratam de contratos aleatórios é claramente equivocada. Como se afirmou no 
início da construção, não é permitido fazer afirmações genéricas. É preciso examinar o 
contrato concreto e, à luz dos fatos, da sua base econômico-financeira, aferir se, de fato, 
houve força maior. 
 Para que se possa dimensionar corretamente os impactos da Covid-19 no mercado 
de seguros, especialmente às apólices empresariais, vale remeter às constatações já 
elaboradas pelo Lloyd’s, de Londres, centro de referência mundial para coberturas de 
resseguro, e pela Chubb, maior seguradora do mundo nos ramos empresariais. Segundo 
o CEO do Lloyd’s, John Neal, as perdas provocadas por esta pandemia serão 
consideravelmente maiores do que aquelas provocadas anteriormente pelo furacão 
Katrina ou os ataques terroristas de setembro de 2011, estimando-se algo em torno de 
US$ 50 bilhões. Segundo Evan Greenberg, CEO da Chubb, as perdas serão surreais e 
catastróficas.12 
 A referência aos números não deve servir de parâmetro à análise jurídica. Se os 
riscos em questão compusessem a aleatoriedade ordinária, isto é, aquela sobre a qual a 
base econômico-financeira dos contratos foi construída, não haveria que se falar em força 
maior. O problema, contudo, decorre da constatação de que jamais houve previsão seja 
contratual, seja atuarial/estatística, para absorver riscos dessa natureza. 
 Concluindo este primeiro eixo temático, deseja-se provocar uma reflexão que nos 
pareceu pertinente. As apólices empresariais (P & C, property and casualty), muito 
comumente, excluem os riscos relacionados à guerra, hostilidade ou operações bélicas, 
 
12 Fonte. https://www.theinsurer.com/news/john-neal-covid-19-largest-insurance-challenge-industry-has-
ever-faced/8225.article, visitado em 3.5.2020. 
https://www.theinsurer.com/news/john-neal-covid-19-largest-insurance-challenge-industry-has-ever-faced/8225.article
https://www.theinsurer.com/news/john-neal-covid-19-largest-insurance-challenge-industry-has-ever-faced/8225.article
guerra civil etc.13 E por que os excluem? Algumas razões podem ser ventiladas: (i) 
ausência de base atuarial confiável. Quantas guerras preexistentes poderão ser 
consultadas para formar uma base confiável e, assim, subsidiar o cálculo da taxa a ser 
corretamente aplicada pelas seguradoras? (ii) a severidade do risco que, financeiramente, 
não interessa à seguradora que, amparada pela autonomia privada, não só pode como deve 
delimitar os riscos que deseja contratar, designadamente em relação entre empresas ou, 
business to business; (iii) a contratação de riscos dessa natureza influenciaria 
negativamentea precificação dos demais riscos cobertos, causando um aumento dos 
prêmios de maneira a compensar a espécie de risco cuja ocorrência é, praticamente, 
inexistente. 
 Da mesma maneira que o risco para guerra é excluído, entende-se que os riscos 
relacionados à pandemia também podem ser. Esta questão conduz ao segundo eixo 
temático que será examinado à continuação, afeto ao conceito de dano físico usualmente 
observado nas apólices examinadas. 
 
2. Questões alusivas à conceituação de ‘dano físico’ nas apólices vis à vis a 
cobertura para lucros cessantes. 
 
 Uma ‘preliminar’ é essencial à reflexão que será apresentada à continuação, qual 
seja, a forma por meio da qual o contrato de seguro terá sido contratado, isto é, se através 
de ‘riscos nomeados’ ou ‘all risks’ – no vernáculo, todos os riscos. 
 Iniciando pelos ‘riscos nomeados’, as normas extraídas dos artigos 757 c/c 760 do 
Código Civil facilitam a sua compreensão.14 Por riscos nomeados, deve-se entender que 
a cobertura será eficaz para os riscos especificamente contratados. E.g., no seguro 
automóvel, a seguradora, expressamente, cobre os riscos para o casco, acidentes com 
passageiros e furto. Ora, se esses correspondem aos riscos nomeados, não há que se falar 
em cobertura para roubo, por mais que esta espécie não conste na seção das exclusões. 
 
13 Ilustrativamente, tome-se a seguinte redação: “A) Guerra, invasão, ato de inimigo estrangeiro, 
hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião, revolução, conspiração ou ato de 
autoridade militar ou usurpadores de autoridade ou atos de qualquer pessoa que esteja agindo por parte de 
ou em ligação com qualquer organização cujas atividades visem à derrubada, pela força, do governo “de 
jure” ou “de facto” ou a instigar a queda do mesmo, por meio de atos de terrorismo, sabotagem ou subversão 
e suas consequências;”. 
14 Código Civil. Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e 
mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, 
e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. O art. 757 foi reproduzido na nota de rodapé 
nº. 8. 
Em síntese, nos riscos nomeados deve-se, em primeiro lugar, examinar a relação dos 
riscos cobertos. A inexistência de exclusão expressa não gera automática inclusão.15 
 Como ‘cara e coroa’, a contratação na modalidade ‘all risks’ tem funcionalidade 
distinta. Ao invés de examinar em primeiro lugar as coberturas especificamente 
contratadas, deve-se observar as exclusões. Intuitivamente, aquilo que não estiver 
expressamente excluído, estará incluído. Compreendida a funcionalidade das duas formas 
de contratação, é importante ter em mente que não se deve aplicar uma forma quando a 
outra tiver sido escolhida e vice-versa. 
 Noutras palavras, se o seguro for contratado na modalidade ‘riscos nomeados’, o 
fato de algum risco não se encontrar expressamente excluído não importará na automática 
inclusão. Por mais redundante que esta construção possa parecer – pelo que, 
respeitosamente, pede-se escusas ao leitor – o olhar, nesta modalidade de contratação, 
deve concentrar-se nas inclusões, nas coberturas. Se não estiver incluído, não estará 
coberto. As exclusões operam como uma espécie de filtro, no sentido de depurar as 
coberturas disponibilizadas. 
 Por outro lado, ao observar contratação ‘all risks’, o vetor será representado pelas 
exclusões, permitindo-se avançar para a seguinte conclusão: se o risco não estiver 
expressamente excluído, automaticamente incluído estará. 
 Atualmente, a generalidade das apólices empresariais no Brasil é contratada por 
meio da estrutura dos riscos nomeados. Há, nas condições gerais, uma espécie de padrão 
dos riscos cobertos em conformidade com o ramo de seguros em questão, padrão que, por 
determinação legal, vincula-se às determinações do órgão regulador do setor. 
 Em segundo lugar apresentam-se as chamadas condições especiais que, frente às 
gerais, especificam, recortam melhor, por assim dizer, os riscos cobertos. Em terceiro e 
último plano se apresentam as condições particulares que, face às especiais e às gerais, 
representam alguma margem de manobra que as partes têm para customizar a contratação 
que desejam, sempre em observância às determinações da SUSEP. 
 Dito isso, oportuno referir a uma constatação: as apólices empresariais no Brasil, 
de maneira uniforme, costumam trazer a cobertura para lucros cessantes, mas, como 
pressuposto para tanto, requerem, antecipadamente, que o segurado sofra ‘danos físicos’. 
 
15 “Em matéria de seguro vigora pois o princípio da tipicidade na definição do risco”. (COMPARATO, 
Fábio Konder. O seguro de crédito. São Paulo: RT, 1968. p. 56). No mesmo sentido: PONTES DE 
MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. 2 ed. T. 46. Rio de Janeiro: Borsói, 1966. p. 69 e DONATI, 
Antigono. Trattato del diritto delle assicurazioni private. T. III. Milano: Giuffrè, 1952. p. 301. 
No jargão comumente empregado pelas apólices, é preciso que o segurado sofra ‘danos 
físicos’ para, somente então, fazer jus à cobertura para lucros cessantes. 
 Construindo a assertiva acima sob a influência do direito das obrigações, a 
cobertura para lucros cessantes é considerada condicional: somente poderá ser empregada 
se houver ‘danos físicos’.16 
 Mas, no que consiste o referido ‘dano físico’? Seria, no direito civil, o dano 
emergente, uma vez que a cobertura para paralisação dos negócios é representada pelos 
lucros cessantes? Pode-se assumir que o ‘dano físico’ e o ‘dano emergente’ seriam 
sinônimos? 
 A resposta é negativa. Com efeito, o jargão securitário não é idêntico ao jargão 
jurídico e o fato de o contrato de seguro ser densamente imbricado por temas de ordem 
jurídica acaba por gerar dificuldades de interpretação. Para evitar dúvida, recorre-se, e.g., 
ao conceito de ‘dano físico’ extraído do glossário das condições gerais da apólice ‘xyz’: 
 
Qualquer dano físico à propriedade tangível, inclusive todas as perdas 
materiais relacionadas com o uso dessa propriedade. 
 
 Observa-se, claramente, que o dano físico consiste em lesão ao patrimônio 
material do segurado, um dano emergente que lhe causa um decréscimo de seu ativo 
tangível, o que, no contrato de seguro, é representando pelo interesse legítimo sobre um 
determinado bem da vida. Noutras palavras, a caracterização do ‘dano físico’ requer uma 
alteração visual, passível de ser concretamente observada. 
 Exemplificando, as instalações da loja de um empresário são destruídas por um 
incêndio; ou, um desabamento provoca a destruição de parte de seu parque industrial; ou, 
ainda, um terremoto provoca a destruição de lojas, infraestrutura de transmissão de 
energia elétrica etc. Os três exemplos detêm uma característica em comum: a aferição, 
em concreto, do ‘dano físico’ que, aqui, de fato quer significar o mesmo que o dano 
emergente à disciplina do dano na responsabilidade civil. 
 Porém, imagine-se que, ao invés de ‘dano físico’, tenha-se uma bactéria ou vírus 
que, como sói ocorrer, é imperceptível ao olho humano e, consequentemente, não o 
acarrete? Dito vírus ou bactéria pode ser limpo em poucos dias, não implicando, portanto, 
ao menos de maneira direta e imediata, a paralisação dos negócios dos referidos 
 
16 Código Civil. Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das 
partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. 
 
empresários. No entanto, nada obstante esta característica aparentemente pouco ofensiva, 
a moléstia detém um potencial de contágio assustador, e, consequentemente, o Estado 
acaba por determinar a interdição do comércio por prazo indeterminado, o que se alonga 
por meses a fio. A hipótese, lamentavelmente, é a mais dura realidade vivida pela 
sociedade recentemente e os danos, na mesma direção, são incalculáveis.Como, à luz do conceito de ‘dano físico’ previsto no clausulado referido, resolver 
o problema? Há remédio para tanto ou a vacina, como estudam os especialistas, deverá 
ser empregada para problemas futuros? 
 Antes de avançar, entende-se importante abrir um pequeno parêntese para 
ressalvar que, ao nosso sentir, o tema em referência deve ser analisado sob a ótica da 
delimitação vis à vis exclusão dos riscos e não do instituto do agravamento do risco. 
 É que o agravamento do risco, como o art. 768 do Código Civil dispõe, requer a 
conduta deliberada do segurado, como pressuposto para que incida a sanção, qual seja, a 
perda do direito à garantia.17 A questão tratada neste artigo não revela nem mesmo a 
conduta do segurado, quiçá uma conduta qualificada (deliberada), com o objetivo de, 
agravar o risco coberto.18 
 A casuística revela que, da noite para o dia, milhões de empresários mundo afora 
tiveram as suas atividades interrompidas por decisões governamentais locais, respaldadas 
por deliberação da Organização Mundial da Saúde. 
 Nesse sentido, se nem mesmo há conduta dos segurados, não há que se falar em 
agravamento de risco. Entenda-se bem o ponto: os riscos para as seguradoras, a depender 
dos segmentos em que operam, podem, realmente, ter sido seriamente agravados, mas 
falta o nexo causal entre o aumento e a conduta dos segurados, o que impossibilita a 
aplicação da norma contida no já referido art. 768. 
 Fechado o parêntese, retoma-se a análise a partir da delimitação do risco coberto. 
Sob a perspectiva do direito civil, o vocábulo ‘dano’ compreende muitíssimo mais do que 
os chamados danos físicos. Pode-se pensar, apenas para começar este exercício, em danos 
materiais e imateriais. ‘Abrindo’ um pouco mais o exame, danos emergentes e lucros 
cessantes, danos morais, danos sociais, danos pela privação do tempo útil, perda da 
chance etc. A verdade é que se torna difícil enumerar todos os danos existentes, face a 
 
17 Código Civil. Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto 
do contrato. 
18 Nossa assertiva desconsidera condutas de segurados que, deliberadamente, resolvam infringir as 
determinações governamentais no sentido de manter os seus estabelecimentos fechados. Ora, se a abertura 
potencializar os danos, então o instituto do agravamento do risco poderá ter vez. 
hipercomplexidade das relações sociais em pleno século XXI. Ainda para fins de 
enriquecer este exercício, faça-se uma breve incursão nos domínios da propriedade 
intelectual nas quais os danos, em sua grande maioria, são quase sempre ‘não físicos’, já 
que uma patente ou uma marca não comportam destruição pelo fogo, por exemplo. 
 Nesta arena, quase todos os danos serão ‘não físicos’, de vez que a propriedade 
intelectual tutela o corpus mysticum, predominantemente, ainda que haja algum efeito 
sobre ativos tangíveis. Ilustrativamente, quando um concorrente faz uma publicidade 
paga atacando o seu adversário e mencionando de modo pejorativo a sua marca, o dano, 
preponderantemente, é ao corpus mysticum (reputação/ativo intangível), não ao corpo 
mecânico de qualquer bem que estampe o signo. Pode-se refletir, como consequência da 
lesão pretérita, a uma possível queda no volume de vendas, isto é, danos emergentes, mas, 
como se vê, a matriz do problema remete ao ativo intangível. Prosseguindo, quando um 
concorrente vende um bem cujo signo distintivo é uma usurpação ao signo do concorrente 
mais famoso, afetando-lhe a unicidade mercantil, há danos patrimoniais – aviamento –, é 
possível se cogitar uma busca e apreensão do material contrafeito – físico -, mas os danos, 
mesmo, são imateriais.19 
 Nada obstante a amplitude do vocábulo dano, como se observa nas lições de 
propriedade intelectual, a questão, para o domínio dos seguros, decorre da redação 
empregada pelas apólices para delimitar o escopo da cobertura, lembrando do que se 
expôs na primeira parte do artigo a respeito da base econômico-financeira que, mesmo os 
contratos aleatórios, têm. 
 A partir da redação das apólices, tome-se o exemplo proveniente do Reino Unido 
a partir de determinada terminologia de apólice que, independentemente do pressuposto 
referido – ‘dano físico’ – oferecia cobertura para lucros cessantes. A seguradora resistiu, 
ao argumento de que, na realidade, esta jamais teria sido a intenção das partes por ocasião 
da concepção das apólices, mas, intenções à parte, uma ação coletiva vem ganhando força 
 
19 “A oposição corpus mysticum e corpus mechanicum. Uma vez que se distinguem o bem intangível, ou 
incorpóreo, dos bens tangíveis perante os quais reagem os sentidos, é necessário reencontrar essa distinção 
no livro de papel ou pergaminho e a poesia, elocução ou imagem visual que nele se encerra. O bem 
incorpóreo subsiste, muitas vezes, além de qualquer suporte, mas pode habitar o livro, máquina ou planta. 
Tal distinção entre o corpóreo (a que se dá o nome de corpus mechanicum) e o bem imaterial (a que se dá 
o nome de corpus mysticum) tem enormes conseqüências para o direito.” (BARBOSA, Denis Borges. Do 
bem incorpóreo à propriedade intelectual. Disponível em http://denisbarbosa.addr.com/teoria.pdf, visitado 
em 5.5.2020. p. 11). 
http://denisbarbosa.addr.com/teoria.pdf
naquele país por meio da qual milhares de segurados acabarão demandando perante o 
Poder Judiciário.20 
 Na França, fervilha discussão no meio acadêmico decorrente de uma construção 
singela e, ao mesmo tempo, dramática: o crescimento exponencial de “perdas sem danos” 
ou, no original, « pertes sans dommage ». Lá, assim como no Brasil, as apólices 
empresariais são construídas com a já referida obrigação condicional, isto é, os lucros 
cessantes apenas são devidos se, antes, houver ‘danos físicos’. Por isso, alude-se às 
perdas, semanticamente mais amplas e compreensivas, sem danos, referindo aos ‘danos 
físicos’, que, no rigor léxico, de fato inexistem.21 
 Antes da eclosão da pandemia do coronavírus, a França já havia enfrentado 
situação similar no tocante à problemática das ‘perdas sem danos’ por ocasião do incêndio 
da Catedral de Notre-Dame. Por decisão do Estado, muitos comerciantes instalados na 
região da igreja tiveram que fechar as suas portas por ocasião da execução das obras de 
restauração. Veja-se que não houve ‘dano físico’ de qualquer espécie às suas instalações, 
mas seríssimas perdas financeiras.22 
 É importante notar que o mercado de seguros disponibiliza coberturas 
especialmente concebidas para lucros cessantes, independentemente da ocorrência de 
‘danos físicos’ pretéritos, o quê, naturalmente, apresenta cálculo atuarial, risco e prêmio 
distintos. 
 
20 A redação empregada pela apólice é: “What is covered. We will insure you for your financial losses and 
other items specified in the schedule resulting solely and directly from an interruption to your business 
caused by: Public authority. 7. Your inability to use the venue due to restrictions imposed by a public 
authority during the period of insurance following: b. an occurrence of a notifiable human disease.”. Há 
uma profusão de noticias a respeito, em sites os mais variados. Exemplificativamente: 
https://www.postonline.co.uk/claims/7528571/blog-coronavirus-business-interruption-insurance-devil-is-
in-the-detail-for-hiscox-and-others, visitado em 5.5.2020. 
21 A propósito da distinção entre perdas e danos no direito francês, Luc Mayaux afirma: « En droit, c’est 
l’occasion de rappeler que, même si les articles L. 113-1 et L. 121-2 du Code des assurances évoquent, dans 
une même expression, les « pertes et dommages », les deux notions ont un contenu différent. La perte est 
quelque chose de moins (par rapport à ce qu’on a ou à ce qu’on attendait : par exemple une perte de recettes) 
alors que le dommage se définit comme une atteinte, une altération. Il y a en lui quelque chose de tangible 
alors que la perte (sauf celled’un bien qui aurait disparu ou aurait été volé) est plus immatérielle et, du 
même coup, difficile à apprécier. » (MAYAUX, Luc. Coronavirus et assurances des entreprises : la 
question des pertes sans dommage. Fonte. https://www.leclubdesjuristes.com/blog-du-coronavirus/que-dit-
le-droit/assurance-et-coronavirus-le-drame-des-pertes-sans-dommage/, visitado em 3.5.2020. p. 1) 
22 « Le problème vient du fait, non seulement qu’une entreprise sur deux (et bien plus chez les plus petites) 
n’est assurée que pour ses pertes directes et non pour ses pertes d’exploitation, mais surtout que, dans 
l’immense majorité des cas, les pertes d’exploitation ne sont pas couvertes quand il n’y a pas de dommage 
« en amont ». En France, cette non-garantie des « pertes sans dommage » est apparue crument à l’occasion 
de l’incendie de Notre-Dame de Paris. Les commerçants riverains de la cathédrale qui ont dû fermer leur 
commerce sur injonction administrative ou qui ont perdu leur clientèle par disparition des touristes n’ont 
pu faire jouer leur contrat dès lors que leur local n’avait subi aucun dommage d’incendie ou de dégâts des 
eaux. » MAYAUX, Luc. Ibid. p. 1. 
https://www.postonline.co.uk/claims/7528571/blog-coronavirus-business-interruption-insurance-devil-is-in-the-detail-for-hiscox-and-others
https://www.postonline.co.uk/claims/7528571/blog-coronavirus-business-interruption-insurance-devil-is-in-the-detail-for-hiscox-and-others
https://www.leclubdesjuristes.com/blog-du-coronavirus/que-dit-le-droit/assurance-et-coronavirus-le-drame-des-pertes-sans-dommage/
https://www.leclubdesjuristes.com/blog-du-coronavirus/que-dit-le-droit/assurance-et-coronavirus-le-drame-des-pertes-sans-dommage/
 Quando a cobertura para lucros cessantes é ‘conectada’ aos ‘danos físicos’ 
anteriores, não há dúvida de que, dessa maneira, a seguradora acaba por se proteger na 
exata medida em que não é qualquer paralisação de negócios que será merecedora de 
tutela. Para que haja cobertura, requer-se, prima facie, que o segurado sofra um ‘dano 
físico’. O incêndio, o desmoronamento etc., funcionam como um filtro, um anteparo à 
cobertura para lucros cessantes. 
 A cobertura autônoma para lucros cessantes, por outro lado, justamente porque 
não possui quaisquer condicionantes, gera exposição maior à seguradora e, 
consequentemente, prêmio mais elevado. 
 Entendida a funcionalidade das duas coberturas (com e sem condicionantes), é 
preciso enfatizar que as suas contratações, contanto que bem feitas, isto é, providas de 
informação adequada, clara, não detém qualquer traço de abusividade. Não frustram 
expectativa legítima do segurado, não são contrárias à boa-fé negocial (art. 422)23 e 
tampouco implicam em renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza 
do negócio (art. 424).24 
 Essas assertivas partem da premissa de que o segurado, desde a concepção da 
apólice, sabia exatamente o que estava contratando. O negócio jurídico foi concluído em 
atenção a essa premissa, de sorte que pensar ou executar o contrário, isto é, o oferecimento 
da cobertura para lucros cessantes autônoma, importaria em enriquecimento sem causa 
do segurado (art. 884)25, o recebimento de um ‘presente’, para o qual não teria havido 
contraprestação. Não há, com efeito, nada de contrário à boa-fé em executar o contrato 
dessa forma. 
 Por fim, quanto à renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza 
do negócio, tutelada pelo art. 424 do Código Civil, entende-se que este enunciado 
normativo deve ser interpretado cum grano salis. É comum observar em apólices com 
cobertura para furto qualificado a exclusão do risco relativo ao furto simples, porque 
aquele requer um qualificante a mais à sua conclusão. Entende-se que cobrir o furto 
simples implicaria num aumento significativo da exposição da seguradora, a justificar a 
 
23 Código Civil. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como 
em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 
24 Código Civil. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia 
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. 
25 Código Civil. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a 
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o 
enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa 
não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. 
delimitação do risco dessa maneira. Ora, de maneira simplista, aos olhos do segurado, se 
se cobre o furto qualificado também deve-se cobrir o furto simples, porque este seria um 
“direito resultante da natureza do negócio”. 
 Também, como se observou na primeira parte deste artigo, a delimitação do risco 
tal como concebida por segurado e seguradora deve ser interpretada restritivamente, isto 
é, não se pode ampliar, desenvolver interpretações elásticas, sob pena de, como se 
observou, gerar obrigação à seguradora despida de contraprestação. Portanto, ‘direitos 
resultados da natureza do negócio’ concluído devem ser vistos com razoabilidade, com 
zelo pela mutualidade, sob pena de malferir o fundo gerido pela seguradora. 
 Prosseguindo na análise do que se deve entender por ‘dano físico’, convém 
observar o que já se pode classificar como um movimento proveniente de alguns julgados 
proferidos nos Estados Unidos da América que, a propósito do conceito de ‘dano físico’ 
como sendo uma alteração visível no patrimônio material do segurado, vêm promovendo 
a sua releitura para, ampliando-o sensivelmente, entender por sua caracterização e, a 
reboque, pelo deferimento de pedidos de lucros cessantes. 
 Um caso, em particular, vem sendo reiteradamente mencionado em variados 
artigos publicados a respeito desse tema.26 Trata-se de Gregory Packaging, Inc. contra 
Travelers Property Casualty Company of America.27 A autora trata-se de indústria 
estabelecida em Nova Jérsei, dedicada à fabricação de sucos em caixa. Com o objetivo 
de transferir os riscos financeiros relacionados à sua operação, contratou uma apólice 
empresarial com a seguradora Travelers. Naquilo que diretamente importa à discussão de 
fundo do presente artigo, a cobertura para lucros cessantes prevista na apólice requer, 
como antecedente, que tenham ocorridos ‘danos físicos’ às instalações do segurado. 
 Em julho de 2010, por ocasião do início das atividades em uma de suas 
instalações, teria ocorrido o vazamento de amônia do sistema de refrigeração de uma 
máquina, causando queimaduras a um funcionário que se encontrava próximo ao local do 
vazamento. 
 Em virtude da toxicidade da amônia, as instalações foram interditadas para que 
pudessem ser desintoxicadas, o que foi executado por uma empresa contratada pelo 
 
26 E.g. O’MALLEY, Shannon. Commercial Property Insurance Coverage and Coronavirus. Disponível 
em https://www.zelle.com/Commercial_Property_Insurance_Coverage_and_Coronavirus, visitado em 
29.4.2020. SCHIFFER, Larry. Does the novel coronavírus cause direct physical loss or damage to 
property? Disponível em https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=18c775d9-92bd-4f90-bd46-
ce3b2e2ce3d6, visitado em 5.5.2020. 
27 Fonte. Civ. No. 2:12-cv-04418 (WHW) (CLW). 
https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=18c775d9-92bd-4f90-bd46-ce3b2e2ce3d6
https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=18c775d9-92bd-4f90-bd46-ce3b2e2ce3d6
segurado. As partes controvertem quanto à causa para o vazamento: o segurado afirma 
que teria decorrido de uma explosão do sistema de refrigeração da máquina, ao passo que 
a seguradora argumenta que não teria ocorrido qualquer explosão. O referido funcionário, 
vítima de queimaduras, teria tentado reparar um vazamento e, assim, provocado o evento. 
 A controvérsia posta em juízo decorre das versões daspartes para o fato 
mencionado. O segurado pondera que a explosão teria prejudicado o funcionamento 
daquela fábrica e, assim, ocasionado ‘danos físicos’ e prejuízos à sua propriedade; 28 a 
seguradora, por sua vez, contesta o argumento, frisando que ‘danos físicos’ requerem 
alterações visuais na propriedade material do segurado, o que não ocorreu no caso 
concreto. Ao revés, o que se observa é a inabilidade do segurado quanto ao uso de suas 
instalações.29 
 Em sua fundamentação, a Corte de Nova Jérsei respaldou-se em diversas decisões 
relacionadas à definição do que sejam ‘danos físicos à propriedade’, apresentando 
construções tais como “[...] in ordinary parlance and widely accepted definition, physical 
damage to property means ‘a distinct, demonstrable, and physical alteration’ of its 
structure.”30 Interpretando esta afirmação, a decisão vai além para formular que: “While 
structural alteration provides the most obvious sign of physical damage, both New Jersey 
courts and the Third Circuit have also found that property can sustain physical loss or 
damage without experiencing structural alteration.”.31 
 Prosseguindo, a Corte referiu ao caso Wakefern Food Corp. v. Liberty Mut. Fire 
Ins. Co.32, no qual a discussão central tratou da caracterização de danos físicos a uma rede 
elétrica por consequência de uma pane elétrica (blackout). Nada obstante a aparente 
normalidade da rede após a ocorrência do evento, houve múltiplos incidentes que lhe 
abalaram a funcionalidade plena, o que motivou conclusão no sentido de que: “there was 
disputed evidence that the grid had experienced structural damage to “assorted 
individual pieces” of equipment, but explicitly rested its decision on “the loss of function 
of the system as a whole.””33 
 
28 Do acórdão: “Gregory Packaging argues that “the explosion made the ammonia refrigeration system 
inoperable and rendered the Georgia Plant uninhabitable,” thus inflicting direct physical loss of and damage 
to its property. (p. 4). 
29 Também do acórdão: “Travelers asserts that “physical loss or damage” necessarily involves “a physical 
change or alteration to insured property requiring its repair or replacement.” Id. at 18. Travelers emphasizes 
that Gregory Packaging’s “inability to use the plant . . . as it might have hoped or expected” does not 
constitute direct physical loss or damage.” (p. 4) 
30 Fonte. Port Authority of N.Y. and N.J. v. Affiliated FM Ins. Co., 311 F.3d 226, 235 (3d Cir. 2002). 
31 Ibid. p. 9. 
32 Fonte. Wakefern Food Corp. v. Liberty Mut. Ins., 968 A.2d 724 (N.J. Super. Ct. App. Div. 2010) 
33 Ibid. p. 9. 
 A decisão anterior, no tocante à percepção do tribunal quanto à funcionalidade do 
sistema, foi inspirada em outro precedente, desta vez da Corte do Colorado que, 
explicitamente, associou o conceito de ‘danos físicos’ à perda de funcionalidade de 
determinada propriedade. Segundo os termos da decisão, o fato de não se verificar 
alteração visual, tangível, na propriedade, seria de somenos importância; a verificação da 
perda de funcionalidade bastaria à demonstração do ‘dano físico’.34 
 Inspirada, ainda, por outros julgados igualmente alusivos à mesma temática,35 a 
corte de Nova Jérsei concluiu que o vazamento de amônia causou ‘danos físicos’ diretos 
à propriedade do segurado, porque a substância impediu o seu por um determinado 
período de tempo. 
 As decisões acima referidas, vale esclarecer, não revelam um posicionamento 
uníssono na jurisprudência norte-americana. Há julgados em sentido contrário, que 
refutam a caracterização de ‘danos físicos’ segundo as circunstâncias referidas. Um caso 
notável nessa direção, também reiteradas vezes lembrado por articulistas, é o Source Food 
Technology, Inc. contra United States Fidelity & Guaranty Co.36 
 Neste caso, o segurado tratava-se de indústria alimentícia que, entre outros 
gêneros, cuidava do processamento de carne bovina. Como consequência do ‘mal da vaca 
louca’, o segurado teve suas mercadorias impedidas de atravessar a fronteira do Canadá 
para os Estados Unidos, por questões de ordem sanitária. Nesse sentido, argumenta ter 
experimentado perdas diretas (danos físicos) à sua propriedade, muito embora, as mesmas 
não fossem visíveis. 
 O Oitavo Circuito da Corte de Apelações dos Estados Unidos da América 
entendeu que o fechamento da fronteira não implicou em perdas diretas à propriedade da 
segurada. “Although Source Food's beef product in the truck could not be transported to 
 
34 Do original: “The Wakefern court supported its holding by looking to the Colorado Supreme Court’s 
decision in Western Fire Ins. Co. v. First Presbyterian Church, 437 P.2d 52 (Colo. 1968), which held that 
a church building’s saturation with gasoline vapors constituted a “direct physical loss” when the building 
could no longer be occupied or used. Wakefern, 968 A.2d at 735-36. The Wakefern court also relied on 
other cases which it described as “likewise accept[ing] the view that ‘damage’ includes loss of function or 
value.” Wakefern, 968 A.2d at 735-36 (citing cases). The Wakefern decision indicates that property’s 
temporary and non-structural loss of function is recognized as direct physical loss or damage under New 
Jersey law.” (Ibid. p. 9-10). 
35 Fonte. Motorists Mutual Ins. Co. v. Hardinger. “the Third Circuit found that the bacteria contamination 
of a home’s water supply constituted a “direct physical loss” when it rendered the home uninhabitable.”. 
131 Fed.Appx. 823, 825-27 (3d Cir. 2005); Essex v. BloomSouth Flooring Corp., 562 F.3d 399, 406 (1st 
Cir. 2009) (finding that, under Massachusetts law, an unpleasant odor rendering property unusable 
constituted physical injury to the property); TRAVCO Ins. Co. v. Ward, 715 F.Supp.2d 699, 709 (E.D.Va. 
2010), aff’d, 504 F. App’x. 251 (4th Cir. 2013) (finding “direct physical loss” where “home was 
rendered uninhabitable by the toxic gases” released by defective drywall). 
36 Fonte. United States Court of Appeals, Eighth Circuit Oct 13, 2006. 465 F.3d 834 (8th Cir. 2006) 
the United States due to the closing of the border to Canadian beef products, the beef 
product on the truck was not — as Source Foods concedes — physically contaminated or 
damaged in any manner.” 
 A análise dos precedentes oriundos dos Estados Unidos da América revela que o 
conceito de ‘dano físico’ vem sendo objeto de uma releitura que, como se observou, 
relativiza a necessidade de que haja alteração visível no ativo tangível do segurado como 
condição à utilização da cobertura para lucros cessantes. 
 Segundo essas decisões, o prejuízo ao direito de uso da propriedade como efeito 
de bactérias, vírus e/ou substâncias tóxicas é o quanto basta para caracterizar o ‘dano 
físico’ e, assim, permitir o uso da cobertura para lucros cessantes. 
 No direito brasileiro, a envergadura do conceito de dano é realmente amplíssima, 
comportando as mais variadas facetas. Caio Mário da Silva Pereira ensina que a "noção 
de dano supõe, como esclarecem Marty e Raynald, que a vítima seja atingida em 'uma 
situação de que ela se beneficiava, lesada em uma vantagem que possuía’".37 
 Ora, a situação de que a vítima se beneficiava, ou a vantagem que possuía, podem 
compreender direitos das mais variadas espécies. Direitos materiais e imateriais, danos 
emergentes e lucros cessantes, danos morais etc. 
 A responsabilidade civil detém a amplitude do dano vis à vis o patrimônio lesado. 
Quanto maior o dano, maior a necessidade de reparação, na exata medida das perdas 
havidas. O que é muito importante enfatizar a essa altura é que o contrato de seguro pode 
não equivaler, do ponto de vista da envergadura (para empregar aqui a mesma palavra), 
a tudo aquilo que a responsabilidade civil compreende. 
 Se as apólices no Brasil definem ‘danos físicos’ como alteração visual em ativo 
tangível do segurado, e que estes operam como condicionante à utilização da cobertura 
paralucros cessantes, entende-se que, nada obstante a criatividade das decisões norte-
americanas, não é juridicamente possível, em se de direito brasileiro, interpretar 
ampliativamente o conceito de ‘dano físico’ para reescrevê-lo. Se este for o interesse do 
segurado, então que requeira a adequação da cobertura à sua necessidade, mas que não 
queira empregar à apólice uma finalidade que, muito claramente, não foi desejada pelas 
partes. 
 
 
37 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 42. 
 
3. Conclusões propositivas: 
 
 A OCDE publicou um interessante estudo a respeito da Covid-19 e seu impacto 
no mercado de seguros em nível global.38 Sem embargo das milhares de vidas que serão 
perdidas, a conclusão é de que os maiores prejudicados serão as empresas, seus sócios e 
empregados, e a solução, muito embora realmente conte com a atuação do mercado de 
seguros, requer muito mais do que isso.39 
 A afirmação da organização deve ser interpretada com cautela. Não convém 
comparar a perda de vidas humanas com quaisquer outros dados, por mais relevantes que 
sejam. Mas, refletindo, é preciso extrair a mensagem que se deseja exteriorizar. 
 O mercado de seguros, por mais pujante que seja, com suas estruturas de 
pulverização de risco em cosseguro, resseguro, retrocessão, securitização etc., tem as suas 
limitações. O que a OCDE enfatiza, e, neste particular, concordamos, é que a solução 
para as perdas causados pela pandemia passa, essencialmente, pela iniciativa do Estado. 
 As apólices, para o futuro, poderão ser customizadas de maneira a efetivamente 
cobrir os riscos decorrentes da Covid-19, mas, sem dúvida, é preciso enfrentar o presente, 
traduzido em perdas que se revelam gigantescas. 
 Pode-se, a título exemplificativo, lembrar da iniciativa já adotada na França, 
pioneira no estabelecimento e administração de fundos públicos com o objetivo de fazer 
frente a perdas que tocam nos seus cidadãos. A Federação Francesa de Seguradoras 
anunciou a contribuição com 200 milhões de euros para o fundo recém criado pelo 
governo com o propósito de amparar as vítimas da pandemia. 40 
 Também no âmbito governamental, o departamento de serviços financeiros do 
Estado de Nova Iorque requereu às seguradoras que, expressamente, esclareçam quanto 
ao alcance das coberturas e exclusões para o coronavírus. 
 Concluindo os dois principais temas abordados neste artigo, entende-se que a 
aleatoriedade dos contratos de seguro não significa dizer que eles estariam imunes à 
 
38 Fonte. Initial assessment of insurance coverage and gaps for tackling COVID-19 impacts. Disponível 
em | www.oecd.org/finance/insurance, vistiado em 20.4.2020. 
39 “The most significant losses will be incurred by businesses and their employees as a result of business 
closures and supply chain disruptions – and many of these losses are likely to be uninsured. There will be 
a need for government involvement to address this protection gap.” (Ibid. p. 2). 
 
40 In France, the government has encouraged the insurance industry to contribute to the (generally 
uninsured) business interruption losses related to COVID-19. The Fédération française de l’assurance 
announced that the industry would contribute EUR 200 million to a solidarity fund established by the 
government for this purpose (Insurance Journal, 2020[40]). (Ibid. p. 7) 
http://www.oecd.org/finance/insurance
ocorrência de fatos externos, capazes de comprometer a sua base econômico-financeira 
e, assim, suscitar o emprego de remédios típicos dos contratos sinalagmáticos. Em uma 
linha, há, a depender do fato examinado, possibilidade de arguir força maior também em 
contratos aleatórios. 
 No tocante ao conceito de ‘dano físico’ como condicionante à utilização da 
cobertura para lucros cessantes, entende-se que a maneira por meio da qual a generalidade 
das apólices empresariais brasileiras encontra-se estruturada não é abusiva. Observando 
a experiência jurisprudencial norte-americana, que vem reescrevendo e ampliando o 
conceito de ‘dano físico’, conclui-se que, no direito brasileiro, dito experimento não se 
afigura juridicamente viável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Jurisprudência: 
 
Gregory Packaging, Inc. contra Travelers Property Casualty Company of America. Civ. 
No. 2:12-cv-04418 (WHW) (CLW). 
 
Port Authority of N.Y. and N.J. v. Affiliated FM Ins. Co., 311 F.3d 226, 235 (3d Cir. 
2002). 
1 Ibid. p. 9. 
 
Wakefern Food Corp. v. Liberty Mut. Ins., 968 A.2d 724 (N.J. Super. Ct. App. Div. 2010) 
 
Motorists Mutual Ins. Co. v. Hardinger. 131 Fed.Appx. 823, 825-27 (3d Cir. 2005); 
 
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Essex v. BloomSouth Flooring Corp., 562 F.3d 399, 406 (1st Cir. 2009) 
 
TRAVCO Ins. Co. v. Ward, 715 F.Supp.2d 699, 709 (E.D.Va. 2010), aff’d, 504 F. App’x. 
251 (4th Cir. 2013) 
 
 
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