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Diabetes Mellitus Introdução “Diabetes melito” se refere especificamente à doença na qual a metabolização da glicose está comprometida, seja devido à incapacidade do pâncreas de produzir insulina ou à resistência dos tecidos à ação da insulina. Existem dois tipos comuns de diabetes melito. Diabetes Mellitus tipo 1 Também chamado de diabetes melito dependente de insulina (IDDM, de insulin-dependent diabetes mellitus), é causado por um ataque autoimune às células b pancreáticas produtoras de insulina. As pessoas com IDDM devem usar insulina injetável ou por inalação para compensar a perda das células b. O IDDM se desenvolve na infância ou na adolescência; um nome mais antigo da doença é diabetes juvenil. Diabetes Mellitus tipo 2 Também chamado de diabetes melito não dependente de insulina (NIDDM, de non-insulin-dependent diabetes mellitus), se desenvolve em adultos com mais de 40 anos. É muito mais comum do que o IDDM, e sua ocorrência na população está fortemente relacionada com a obesidade. Em indivíduos com diabetes melito não tratado, a falta de insulina, ou a insensibilidade à insulina (dependendo do tipo de diabetes), interrompe a captação de glicose do sangue para dentro dos tecidos e força os tecidos a armazenar ácidos graxos como combustível principal. A dependência dos ácidos graxos resulta no acúmulo de altas concentrações de dois ácidos carboxílicos, o ácido b-hidroxibutírico e o ácido acetoacético (nível de 90 mg/100 mL no plasma sanguíneo, comparada com , 3 mg/100 mL nos indivíduos saudáveis; excreção urinária de 5 g/24 h, comparada com , 125 mg/24 h nos controles saudáveis). A dissociação desses ácidos diminui o pH do plasma sanguíneo para valores de menos de 7,35, causando acidose. Acidose grave leva a sintomas como dor de cabeça, vômitos e diarreia, seguido de estupor, convulsões e coma, provavelmente porque, no valor de pH mais baixo, algumas enzimas não funcionam da melhor forma. Condições normais do organismo VERSUS diabetes mellitus Quando a ingestão de uma refeição rica em carboidratos gera uma concentração de glicose sanguínea excedente àquela comum entre as refeições (cerca de 5 mM), o excesso de glicose é captado pelos miócitos dos músculos cardíaco e esquelético (que a armazenam como glicogênio) e pelos adipócitos (que a convertem em triacilgliceróis). A captação de glicose pelos miócitos e adipócitos é mediada pelo transportador de glicose GLUT4. Entre as refeições, alguns GLUT4 estão presentes na membrana plasmática, mas a maioria encontra-se sequestrada nas membranas de pequenas vesículas intracelulares (Figura Q-1). A insulina, liberada pelo pâncreas em resposta à alta concentração de glicose sanguínea, desencadeia o movimento dessas vesículas intracelulares à membrana plasmática, com a qual elas se fundem, levando as moléculas de GLUT4 para a membrana plasmática. Com mais moléculas de GLUT4 em ação, a taxa de captação de glicose aumenta em 15 vezes ou mais. Quando os níveis de glicose sanguínea retornam ao normal, a liberação de insulina torna-se lenta, e a maioria das moléculas de GLUT4 é removida da membrana plasmática e armazenada em vesículas. No diabetes melito do tipo I (dependente de insulina), a inserção de GLUT4 nas membranas, assim como outros processos normalmente estimulados por insulina, estão inibidos. A deficiência de insulina impede a captação de glicose por GLUT4; como consequência, as células são privadas de glicose, enquanto ela está elevada na corrente sanguínea. Sem glicose para o suprimento de energia, os adipócitos degradam triacilgliceróis estocados em gotas de gordura e fornecem os ácidos graxos resultantes para outros tecidos para a produção mitocondrial de ATP. Dois subprodutos da oxidação dos ácidos graxos acumulam-se no fígado (acetoacetato e b-hidroxibutirato) e são liberados na corrente sanguínea, fornecendo combustível para o cérebro, mas também diminuindo o pH do sangue, causando cetoacidose. A mesma sequência de eventos ocorre no músculo, exceto que os miócitos não estocam triacilgliceróis, mas captam os ácidos graxos que são liberados na corrente sanguínea pelos adipócitos. A captação da glicose é deficiente no diabetes melito tipo 1 O principal transportador de glicose nas células do músculo esquelético, músculo cardíaco e tecido adiposo (GLUT4) está armazenado em pequenas vesículas intracelulares e se desloca para a membrana plasmática apenas em resposta a um sinal de insulina. No músculo esquelético, coração e tecido adiposo, a captação e o metabolismo da glicose dependem da liberação normal de insulina pelas células b pancreáticas em resposta à quantidade elevada de glicose no sangue. Os indivíduos com diabetes melito tipo 1 (também chamado de diabetes dependente de insulina) têm pouquíssimas células β e são incapazes de liberar insulina suficiente para desencadear a captação de glicose pelas células do músculo esquelético, do coração ou do tecido adiposo. Assim, após uma refeição contendo carboidratos, a glicose se acumula a níveis anormalmente altos no sangue, condição conhecida como hiperglicemia. Incapazes de captar glicose, o músculo e o tecido adiposo utilizam os ácidos graxos armazenados nos triacilgliceróis como seu principal combustível. No fígado, a acetil-CoA derivada da degradação desses ácidos graxos é convertida a “corpos cetônicos” – acetoacetato e b-hidroxibutirato – que são exportados e levados a outros tecidos para serem utilizados como combustível. Esses compostos são especialmente críticos para o cérebro, que utiliza os corpos cetônicos como combustível alternativo quando glicose está indisponível. Os ácidos graxos, porém, não conseguem atravessar a barreira hematoencefálica e, por isso, não servem de combustível para os neurônios do cérebro. Em pacientes com diabetes tipo 1 não tratados, a superprodução de acetoacetato e b-hidroxibutirato leva a seu acúmulo no sangue, e a consequente redução do pH sanguíneo leva à cetoacidose, uma condição potencialmente letal. A administração de insulina reverte esta sequência de eventos: GLUT4 se desloca para a membrana plasmática dos hepatócitos e adipócitos, a glicose é captada e fosforilada por essas células, e o nível de glicose no sangue decresce, reduzindo potencialmente a produção de corpos cetônicos. Corpos cetônicos No diabetes não tratado, quando o nível de insulina é insuficiente, os tecidos extra-hepáticos não podem captar a glicose do sangue de maneira eficiente, para combustível ou para conservação como gordura. Nessas condições, os níveis de malonil-CoA (o material de início para a síntese de ácidos graxos) caem, a inibição da carnitina-aciltransferase I é aliviada, e os ácidos graxos entram na mitocôndria para ser degradado a acetil-CoA – que não pode passar pelo ciclo do ácido cítrico, já que os intermediários do ciclo foram drenados para uso como substrato na gliconeogênese. O acúmulo resultante de acetil-CoA acelera a formação de corpos cetônicos além da capacidade de oxidação dos tecidos extra-hepáticos. O aumento dos níveis sanguíneos de acetoacetato e D-b-hidroxibutirato diminui o pH do sangue, causando a condição conhecida como acidose. A acidose grave leva a sintomas como dor de cabeça, vômitos e diarreia, seguido de estupor, convulsões e coma, provavelmente porque, no valor de pH mais baixo, algumas enzimas não funcionam da melhor forma. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de indivíduos com diabetes não tratado pode alcançar níveis extraordinários – uma concentração sanguínea de 90 mg/mL (comparado com o nível normal de , 3 mg/100 mL) e excreção urinária de 5.000 mg/24h (comparado com uma taxa normal de 125 mg/24h). Essa condição é chamada cetose. Sintomas e Diagnóstico Quando um paciente apresenta alta glicose no sangue, baixo pH plasmático e altos níveis de ácido b-hidroxibutírico e ácido acetoacético na urina e no sangue, o diabetes melito é o diagnóstico provável. Pessoas com diabetes melito grave, devido à falha na secreção ou na ação da insulina, além de não serem capazes de utilizar glicose de modo apropriado,falham também em sintetizar ácidos graxos a partir de carboidratos ou aminoácidos. Se o diabetes não é tratado, essas pessoas apresentam velocidade aumentada na oxidação de gorduras e na formação de corpos cetônicos e, portanto, perdem peso. A descoberta da insulina Milhões de pessoas com diabetes melito tipo 1 injetam diariamente em si mesmas insulina pura, para compensar a falta de produção deste hormônio essencial por suas próprias células b pancreáticas. A injeção de insulina não é a cura para o diabetes, mas permite uma vida longa e produtiva a pessoas que, de outra forma, morreriam jovens. A descoberta da insulina, que começou com uma observação acidental, ilustra a combinação de serendipidade e experimentação cuidadosa que levou à descoberta de muitos hormônios. Em 1889, Oskar Minkowski, jovem assistente na Faculdade de Medicina de Estrasburgo, e Josef von Mering, do Instituto Hoppe-Seyler, também em Estrasburgo, tiveram uma discussão amigável sobre a importância do pâncreas, conhecido por conter lipases, na digestão de gorduras em cães. Para resolver a questão, eles começaram um experimento sobre a digestão das gorduras. Removeram cirurgicamente o pâncreas de um cão, mas antes que o experimento prosseguisse, Minkowski observou que o cão agora estava produzindo muito mais urina do que em condições normais (sintoma comum do diabetes não tratado). Além disso, a urina continha níveis de glicose acima do normal (outro sintoma de diabetes). Esses resultados sugeriram que a falta de algum produto pancreático causaria o diabetes. Minkowski tentou, sem sucesso, preparar um extrato de pâncreas de cão que pudesse reverter o efeito da remoção do órgão – isto é, baixar os níveis de glicose no sangue e na urina. Hoje sabe-se que a insulina é uma proteína, e que o pâncreas é muito rico em proteases (tripsina e quimotripsina), normalmente liberadas no intestino delgado para auxiliar na digestão. Sem dúvida essas proteases degradavam a insulina nos extratos pancreáticos dos experimentos de Minkowski. Apesar de esforços consideráveis, nenhum progresso significativo foi obtido no isolamento ou na caracterização do “fator antidiabético” até o verão de 1921, quando Frederick G. Banting, jovem cientista trabalhando no laboratório de J. J. R. MacLeod, na Universidade de Toronto, e um estudante assistente, Charles Best, dedicaram-se ao problema. Nessa época, várias evidências apontavam para um grupo de células especializadas no pâncreas (as ilhotas de Langerhans) como a fonte do fator antidiabético, o qual viria a ser chamado de insulina (do latim insula, “ilha”). Tomando precauções para impedir a proteólise, Banting e Best (mais tarde auxiliados pelo bioquímico J. B. Collip) conseguiram, em dezembro de 1921, preparar um extrato pancreático purificado que curava os sintomas do diabetes experimental em cães. Em 25 de janeiro de 1922 (somente um mês mais tarde!), sua preparação de insulina foi injetada em Leonard Thompson, um menino de 14 anos gravemente doente com diabetes melito. Em poucos dias, os níveis de corpos cetônicos e de glicose na urina de Thompson diminuíram drasticamente; o extrato salvou sua vida e a vida de um grande número de crianças seriamente doentes que também receberam essas preparações.
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