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MATERIAL DIDÁTICO HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA EM SAÚDE CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.004 DO DIA 17/08/2017 0800 283 8380 www.faculdadeunica .com.br 2 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 UNIDADE 1 – HUMANISMO ............................. .......................................................... 6 UNIDADE 2 – O QUE É HUMANIZAÇÃO? .................. ............................................ 10 UNIDADE 3 – POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PNH – HUMANIZASUS) .................................................................................................................................. 18 3.1 Grupo de Trabalho de Humanização: GHT ......................................................... 21 UNIDADE 4 – COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE ..... ........................... 23 4.1 Vínculo terapêutico .............................................................................................. 23 4.2 Relações interpessoais e comunicação .............................................................. 26 4.3 Comunicação verbal ............................................................................................ 28 4.4 Comunicação não-verbal ..................................................................................... 29 UNIDADE 5 – DESPERSONALIZAÇÃO DO PACIENTE ......... ................................ 39 UNIDADE 6 – EMPATIA ............................... ............................................................ 43 UNIDADE 7 – AUTOESTIMA ............................ ....................................................... 47 UNIDADE 8 - HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR ................ ......................................... 51 8.1 História dos hospitais .......................................................................................... 52 8.2 Humanização das UTIs ....................................................................................... 54 8.3 Humanização dos setores pediátricos ................................................................. 57 8.4 Humanização da assistência nas maternidades ................................................. 63 UNIDADE 9 – TRABALHO EM EQUIPE .................... .............................................. 70 UNIDADE 10 – HUMANIZAÇÃO DAS INSTALAÇÕES DO HOSPITA L ................. 74 10.1 Ambiência .......................................................................................................... 74 10.2 Hotelaria hospitalar ........................................................................................... 75 10.3 Tecnologia e humanização ................................................................................ 76 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 78 3 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. INTRODUÇÃO Antes da leitura deste material, justificamos o uso de algumas citações de citações (apud), o que não é recomendado do ponto de vista da metodologia da pesquisa, porém, fez-se necessário em algumas situações devido ao fato de que muitos dos materiais pesquisados foram artigos científicos e nem sempre a pesquisa do original citado pelos autores se fez possível. Sugerimos que, na introdução, anotem as questões que mais despertaram sua curiosidade ou dúvidas e após o estudo da apostila revejam se as mesmas ficaram realmente claras. Os encontros são feitos das mais diversas químicas, às vezes construídos simplesmente a partir de um olhar, ou da soma de pequenas situações cotidianas, que mudam a direção de nossas vidas. Poucos podem ser medidos ou avaliados cientificamente. Só o contato com a reconstrução da nossa experiência de vida e um diálogo interno podem validar a sua importância (MASETTI, 1998, p.13). A humanização é arte dos encontros entre seres humanos. Falar em humanização da assistência em saúde parece estranho. Somos seres humanos, gente que cuida de gente, a humanização deveria ser algo intrínseco às relações que se estabelecem entre profissionais, pacientes e familiares. Entretanto, o que se observa não é isso, mas um movimento contrário, marcado pelo incremento à tecnologia, priorizando a doença ao invés do paciente como um todo. Humanizar é individualizar assistência frente às necessidades de cada um. Entendemos que humanização não é apenas uma questão de mudança das instalações físicas, mas, principalmente, representa uma mudança de comportamento e atitudes frente ao paciente e a seus familiares. As mudanças do ambiente físico são importantes, mas não podem ser consideradas o foco principal. A falta de recursos financeiros não deve ser uma desculpa para inexistência de um programa de humanização. Na realidade, os profissionais que assistem direta ou indiretamente os pacientes são os verdadeiros responsáveis pela humanização. (GUANAES; SOUZA, 2004, p.1) Como expresso na citação anterior, humanizar é individualizar a assistência a cada um, não apenas os pacientes, mas aos familiares e aos profissionais. A humanização é muito mais que um favor, um gesto de solidariedade frente ao outro que padece, é uma política de saúde ampla e estruturada que visa um atendimento humanizado no Brasil, seja no SUS ou nos setores privados. 4 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. A Política Nacional de Humanização é uma política pública de saúde que deixa expresso e evidente que a saúde e a humanização são um direito do paciente, o qual possui direito ao acesso às informações sobre o seu tratamento, deve ser protagonista de seu processo de saúde e adoecimento (ao invés de se colocar em uma posição passiva frente aos profissionais, que parecem permanecer num “pedestal”). Se os setores privados são marcados pela mercantilização dos serviços de saúde, nos setores públicos essa mentalidade não pode imperar. Nos primeiros, o acesso depende do pagamento dos serviços particulares ou da contratação de planos de saúde privados, já no último preza-se pelo acolhimento destinado àquele que busca prevenção ou o tratamento de doenças já instaladas. Além de ser um direito, a humanização é uma responsabilidade dos usuários, profissionais e gestores da saúde. Todos aprendem a partir das relações interpessoais que se estabelecem, as quais devem ser marcadas pelo estabelecimento de um vínculo saudável, o que pode ser terapêutico na relação profissional-paciente e, nas relações de trabalho, auxilia na promoção de um ambiente de trabalho mais saudável e cooperativo. A humanização requer aprendizagem, e aprender é modificar-se, olhar com olhar novo, perceber as informações visuais me cuidar da trilha da conversa. É sorrir para facilitar a interação e, ao mesmo tempo, encontrar- se, pois somente aquele que sabe quem é, aonde quer chegar e o que quer fazeré capaz de guiar o outro. (FEITOSA, 2001, p.16-17) Entende-se que a humanização deve acontecer em todos os setores de assistência à saúde, porém, em grande parte deste material, optamos por enfatizar a humanização hospitalar, já que o processo de hospitalização em si é suficiente para causar desajustes emocionais no paciente. Em determinados setores, a necessidade de humanização se faz ainda mais premente, por isso, buscamos reforçar ainda mais a necessidade de humanização como estratégia de garantir o cuidado biopsicossocial do paciente. A humanização está diretamente relacionada às relações que se estabelecem nesses ambientes, entretanto, não é só isso. Para que a humanização realmente aconteça, faz-se necessário que os profissionais sejam capacitados 5 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. tecnicamente e atualizados, capazes de oferecer um atendimento seguro e tranquilo. Além disso, os ambientes precisam estar adequados para oferecer condições de conforto para usuários e profissionais. Há muito o que ser refletido, não pretendemos esgotar as reflexões sobre a humanização neste material, o que seria impossível. Apenas nos propomos a selecionar determinados temas relacionados à humanização – enquanto política de saúde e estratégia de atendimento – e apresentá-los. Dentre esses temas, destacam-se a Política Nacional de Humanização (PNH), a empatia, a autoestima, a tecnologia, a equipe multiprofissional, a ambiência, a comunicação verbal e não verbal. Assim como a humanização em si, este material é voltado para profissionais que compõem a equipe multiprofissional em saúde e se preocupam em trabalhar nessa perspectiva. Por isso, não pretendemos voltar o foco para essa ou aquela profissão em particular, mas buscamos promover discussões de assuntos que sejam pertinentes para todos, de modo geral. Como o tema pede humanização, tentamos fazer uma apostila científica, porém, agradável de ser lida e estudada. Por isso, utilizamos figuras, tabelas e recursos que buscam tornar a leitura menos maçante e o aprendizado mais didático. Os principais documentos e autores pesquisados são Brasil (2004, 2013, 2001, 2005), BVS (2013), Weil (1996), Angerami-Camon (1995), AMIB (2004), dentre vários artigos científicos indexados em bases de dados. 6 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. UNIDADE 1 – HUMANISMO Ao início dessa seção poderia ser comum que o cursista pergunte a si mesmo: por que falar de história e filosofia numa pós-graduação voltada à área da saúde? Respondemos, inicialmente, que não pretendemos aqui esgotar o tema – o qual é amplo e profundo – nosso objetivo é apresentar de onde surgiu o termo “humanização” e os princípios fundamentais que justificaram a escolha do mesmo. A seção será bastante breve, mas essencial, pois torna-se mais fácil compreender aquilo que temos maior familiaridade com sua origem e real significado. A tendência da humanização da assistência na saúde é algo relativamente novo, entretanto, não há nada de recente no termo “humanização” – o qual descende das bases filosóficas do humanismo. Segundo Minayo (2008), num momento do contexto histórico, o homem passou a ser o centro da história, ao contrário de uma visão de mundo que tinha Deus como o centro. Isso será melhor explicitado a seguir. A filosofia renascentista tem seu humanismo redescoberto como um valor atribuído ao homem em seu sentido pleno, como um ser mundano histórico que intervém sobre a natureza e sobre seu destino, acionando a razão para fazer de sua presença finita uma presença que busca sua formação, autonomia e felicidade (ABBAGNANO, 2000 apud SOUZA; MOREIRA, 2008, p.329). Em complemento à definição de humanismo expressa na citação anterior, Minayo (2008) explicita a definição de humanismo a partir do cuidado à pessoa idosa: [...] resumidamente humanismo significa: (a) acreditar na intersubjetividade: quer dizer que estamos sempre em relação uns com os outros e todos somos semelhantes; (b) exercitar a compreensão: significa que, para atingir o mundo do vivido do outro, no caso do idoso, temos que entender a sua situação, as suas histórias e a sua realidade social como significativas; (c) aceitar a racionalidade e intencionalidade do outro: o mundo social do idoso é constituído por ações e interações que obedecem a usos, costumes e regras e dizem respeito a meios, fins e resultados (p.50). Segundo Souza e Moreira (2008), desse viés filosófico, torna-se possível refletir sobre o significado de humanização nas últimas décadas, o qual sofreu algumas modificações. Inicialmente, compreende-se que o homem é um “ser no 7 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. mundo”, ou seja, sujeito às paixões e inserido numa dimensão histórica. Porém, pela via da razão, cabe a ele fazer escolhas, lidar com as paixões e ter autonomia – ao contrário de outro momento histórico, onde o controle era exercido por instituições como a Igreja, o Feudalismo, dentre outras que acabavam por retirar do indivíduo sua autonomia. Além disso, o homem não se encontra acima do bem e do mal, tem autonomia para fazer escolhas, lidar com conflitos, negociar. A visão elucidada anteriormente mostra o homem com o seu lado verdadeiramente “humano”, conflituoso e autônomo, porém uma outra corrente apregoava a essência boa do ser humano. Os valores humanos influenciados pelo naturalismo da era pré-socrática inauguraram uma nova tendência filosófica, tendo o homem como o centro do universo, e o princípio humano se firmou como centro motor cultural e científico, denominado humanismo. Sob a influência do humanismo Hipócrates desenvolveu a arte de curar (tekné-latriké) numa época em que a relação médico-paciente fundamentava-se na philia (amizade) e na qual predominava a confiança do paciente na medicina e no médico. (GUANAES; SOUZA, 2004, p.2). Porém, num movimento contrário, o advento da sociedade industrial trouxe consigo a massificação, a valorização excessiva da ciência e da tecnologia em detrimento do homem e de seus valores. Essa mudança de paradigma, inverso ao humanismo, imperou em diversos setores, dentre eles o da saúde. Nas UTIs tornou- se mais evidente, já que é um local onde a tecnologia se faz necessária para a sobrevida do paciente. Preocupavam-se em curar a qualquer preço, porém, a preocupação com o cuidado do homem, do paciente, não aparecia em primeiro plano (GUANAES; SOUZA, 2004). A locução humanização remete, segundo alguns, a algo perdido ou abandonado e que, portanto, mereceria ser resgatado: a dimensão pessoal. E aqui o sentido do humano é o do adjetivo ao qual corresponde certa idealização de uma essência capaz de bondade, solidariedade, dedicação, coragem, força. Atributos que remetem, em certo sentido, a uma razão que controla os sentimentos negativos, permitindo ao homem suportar os desafios da doença, da morte e dos impasses subjetivos. Para tanto, a ciência ou o conhecimento desenvolvidospela interioridade subjetiva permitem ao homem o autoconhecimento – expressão máxima da capacidade de autocontrole (SOUZA; MOREIRA, 2008, p.330-331). 8 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. A humanização surge meio a uma sociedade desumanizada, uma verdadeira crise do humanismo. A humanização dos cuidados em saúde passa também pela humanização da sociedade, visa ampliar o foco do cuidado ao invés de voltar às ações apenas para a sobrevivência. Os profissionais de saúde não são os únicos responsáveis para que isso aconteça; profissionais e pacientes devem estar situados como sujeitos de sua própria história, sendo que os profissionais devem reconhecer os pacientes como indivíduos (PESSINI; BERTACHINI, 2004 apud SOUZA; MOREIRA, 2008). “Lideranças intensivistas, preocupadas e comprometidas com o bem-estar e a recuperação de pacientes graves e, sobretudo, com qualidade de vida e qualidade de morte se mobilizaram no sentido de modificar esse panorama” (GUANAES; SOUZA, 2004, p.2). Essa preocupação sinaliza uma reviravolta na mentalidade massificadora e tecnicista. Assim, observa-se claramente um retorno da preocupação com o ser humano, ou seja, com a humanização. Porém, não se pode deixar de se considerar que a ciência e a tecnologia trouxeram uma série de benefícios à área da saúde, como a cura de determinadas doenças, o aumento da expectativa de vida e novas formas de diagnósticos e tratamentos. O caminho é fazer com que a humanização e a tecnologia caminhem lado a lado. A citação a seguir conclui esta seção ao se fazer um paralelo entre o conceito de humanismo, que se deu ao longo do contexto histórico, e o que se espera da humanização nos dias atuais: A etapa pós-industrial do desenvolvimento capitalista trouxe novas questões para o sentido histórico do conceito de humanismo e de humanização. Hoje, as mudanças velozes em todas as áreas de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico que, concomitantemente, produzem transformações nos modos de vida e de pensamento, mostram que o grande problema do humanismo não é mais colocar o ser humano no centro em lugar das divindades e nem de entronizar a razão. Pelo contrário, os pensadores de hoje fazem uma crítica da modernidade mostrando que a radicalização dos conceitos iluministas levou ao antropocentrismo, ao absolutismo da ciência e da técnica e ao menosprezo da subjetividade e das emoções. A visão da ciência cindindo a realidade para dominá-la passou a influenciar a cultura e a vida social. Portanto, diferentemente das etapas históricas anteriores, o humanismo e a humanização que se deseja para o século XXI são os o que restituem o ser humano ao seu lugar solidário com a natureza e com outras relevâncias da vida como a harmonia entre a razão e os sentimentos (MINAYO, 2008, p.51-52). 9 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. A partir desse princípio de colocar o ser humano no centro das atenções, compreendemos o que vem a ser a humanização da assistência: a preocupação com o ser humano, único, individual, que apresenta necessidades biopsicossociais e espirituais a serem atendidas e que deve ser a prioridade de atenção da equipe de saúde. Nos referimos ao “homem”, pois humanização não apregoa a assistência apenas ao paciente, mas também aos familiares e a toda a equipe multidisciplinar de saúde, visando o bem-estar de todos. 10 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. UNIDADE 2 – O QUE É HUMANIZAÇÃO? Segundo Fortes (2004), o termo “humanização” vem aparecendo no contexto da saúde com variados significados e entendimentos. Inicialmente, a humanização relacionava-se com a questão dos direitos do usuário, com o passar dos anos, o conceito foi sofrendo reformulações e, atualmente, é atribuído a ele um significado mais abrangente, transformando-se em política pública de saúde, a partir dos princípios da Política Nacional de Humanização. Retomando aos princípios do humanismo, Martins (2001) associa os fundamentos da humanização à medicina de Hipócrates, que abordava o homem em sua totalidade; associava aspectos do temperamento do paciente às condições de adoecer; postulava que as intervenções terapêuticas deveriam abordar o homem em sua totalidade, não apenas sua patologia e, principalmente, enfatizava a relação terapêutica. Assim: Hipócrates, ao estabelecer os fundamentos da técnica e da arte médica, enfocou uma questão essencial em Medicina, qual seja, a relação médico- cliente, que deveria ser pautada pelo princípio Primum non nocere (antes de tudo, não prejudicar). (MARTINS, 2001, p.24). Alguns momentos marcantes do percurso histórico da humanização no Brasil serão elucidados a seguir. Convém ressaltar que o movimento de humanização não é privilégio brasileiro, essa tendência é encontrada em vários países, o que também influenciou essa visão no Brasil: Tabela 1 : Breve percurso histórico da humanização Ano Documento / Evento Pontos de Destaque 1948 Declaração Internacional dos Direitos do Humanos (ONU) Art. 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. 1972 Declaração dos Direitos dos Pacientes (Boston) Discussão e luta pelos direitos dos pacientes. 1978 Conferência Internacional Sobre Cuidados Primários em Saúde (Kazaquistão) A Declaração enfatizou que a obtenção do mais alto nível de saúde possível é o objetivo social mais importante a ser atingido pelos sistemas de saúde, sendo que as pessoas devem ter o direito e a obrigação de participar, individual e coletivamente, no planejamento e na implementação de seus cuidados com saúde. 1979 Carta do Doente Usuário de Hospital (Europa) Direito do paciente hospitalizado a: • autodeterminação; 11 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. • aceitar ou recusar os cuidados propostos pelos profissionais de saúde tanto para diagnóstico como para tratamento; • obrigatoriedade do fornecimento das informações referentes ao estado de saúde. 1984 Carta Europeia dos Direitos do Paciente (parlamento Europeu) • direito à informação sobre o tratamento e o prognóstico; • direito à consulta, pelo usuário, a seu prontuário médico; • direito de consentir ou de recusar ser submetido a tratamentos. 1990 Lei federal 8080/90, art. 7º, III, IV e V (Brasil) • preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; • igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; • direito à informação das pessoas assistidas sobre sua saúde 1990 Estatuto da Criançae do Adolescente (Brasil) • estabelecimentos de saúde devem proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente; • manter alojamento conjunto possibilitando ao neonato estar junto à sua mãe. 1995 Cartilha dos Direitos do Paciente (Conselho de Saúde do Estado de São Paulo) Direito dos usuários a: • ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso; • ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome; • não ser identificado ou tratado por números, códigos ou de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso; • sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública; • poder identificar as pessoas responsáveis, direta e indiretamente, por sua assistência; • receber informações claras sobre seu estado de saúde; • consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados; • acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico. 2001 Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) • necessidade de ocorrer uma transformação cultural no ambiente hospitalar, orientada pelo atendimento humanizado ao usuário, entendendo que resultaria em maior qualidade e eficácia das ações desenvolvidas; • preocupação com a valorização, a capacitação e o desenvolvimento dos trabalhadores do setor saúde, dos encarregados da tarefa do cuidar; • importância do trabalho em equipe multidisciplinar. 2003 Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão em Saúde no SUS – HumanizaSUS • caráter transversal, visando atingir a todos os níveis de atenção à saúde, entendendo humanização como uma transformação cultural da atenção aos usuários e da gestão de processos de trabalho que deve perpassar todas 12 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. ações e serviços de saúde; • resgatam-se princípios e diretrizes da construção do SUS, contidos nas leis e atos regulamentadores, tais como assistência integral, universalidade, hierarquização e regionalização de serviços, além do controle social. Fonte : Adaptado de Fortes (2004, p.32-33) Como frisamos na seção anterior, o humanismo apregoa que o homem deve ser o centro das atenções nos contexto de saúde, ou seja, não é a máquina que deve ocupar esse lugar de destaque, ou mesmo questões financeiras. Curar doenças é essencial e, para isso, a tecnologia e os investimentos financeiros são importantes aliados, porém, mais do que isso, cuidar de um ser que tem necessidades biopsicossociais e espirituais é sempre a prioridade maior. Já que compreendemos a primazia do homem na atenção à saúde, o que é bastante natural, as questões que nos levam a refletir são: Por que os espaços de atenção à saúde e as relações que se estabelecem nesse contexto tornaram-se desumanos se há gente cuidando de gente? Por que humanizar o que é humano? Antes de definirmos humanização precisamos compreender os fatores que favoreceram essa chamada desumanização, pois a proposta de humanização visa exatamente abordar essas questões e preencher as lacunas. Três aspectos estão diretamente relacionados à desumanização da saúde: fragmentação, desumanização do atendimento e total entrega do usuário ao profissional de saúde. A excessiva especialização que se observa atualmente nos setores de saúde pode se tornar desumana a partir do momento em que fragmenta o usuário, contribuindo para que o atendimento perca suas características humanas. A desumanização do atendimento – queixa frequente entre usuários de serviços de saúde públicos e privados – caracteriza-se por uma relação em que o profissional ocupa sempre posição de superioridade e o saber do usuário é sempre desvalorizado e menosprezado. Devido a essa relação ocorre uma total entrega do usuário ao profissional de saúde, o qual deixa de ser protagonista de sua vida, já que o saber médico ocupa esse papel. O usuário dos serviços de saúde passa a ser, então, o paciente (denominação muito usada em nossa apostila, mas não com um sentido pejorativo, visto que em ambiente hospitalar essa denominação continua 13 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. sendo usada), assim sua doença passa a ser valorizada em detrimento de sua integralidade, de sua pessoa (KUNKEL, 2002 apud SOUZA; MOREIRA, 2008). Normalmente, compreendemos que a pessoa hospitalizada e seus familiares (essa preocupação é ainda mais recente) precisam de um atendimento humanizado, porém, além deles, a equipe de saúde também necessita de humanização, já que trabalham junto a situações de crise, as quais podem ser maléficas para a sua saúde e, consequentemente, para o desenvolvimento de seu trabalho. A citação a seguir ilustra claramente a necessidade humanização também para os profissionais da saúde: O contato direto com seres humanos coloca o profissional de saúde diante de sua própria vida, saúde ou doença, dos próprios conflitos e frustrações. Se ele não tomar contato com esses fenômenos, correrá o risco de desenvolver mecanismos rígidos de defesa que podem prejudicá-lo tanto no âmbito profissional quanto no pessoal, como também este profissional da saúde, ao entrar em contato com os seres humanos, pode utilizar o distanciamento como mecanismo de defesa. Muitos profissionais de saúde submetem-se, em sua atividade, a tensões provenientes de várias fontes: contato direto com a dor e o sofrimento e com pacientes terminais, receio de cometer erros, relações com pacientes difíceis. Sendo assim, cuidar de quem cuida é condição suficiente para desenvolver projetos de ações em prol da humanização da assistência (MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.324). A humanização é essencial em todos os setores que prestam atendimento à saúde. Podemos afirmar que, mais que isso, a humanização se faz necessária em todos os locais onde pessoas lidam com pessoas – como, por exemplo, na indústria, no comércio, nas escolas, dentre outras instituições – mas como aqui, o nosso foco é a área da saúde, iremos restringir o nosso foco. Voltamos nossa atenção para os hospitais (alguns autores costumam delimitar ainda mais o foco para as UTIs, onde o paciente se encontra ainda mais vulnerável), pois são locais marcados por aspectos bastante negativos como a despersonalização, o isolamento, a ansiedade. Para fins didáticos, nesse momento iremos falar sobre a humanização da assistência, apresentar definições importantes e conceitos relacionados ao cuidado humanizado. Na próxima seção, nossa reflexão irá mudar um pouco de foco, pois iremos nos referir especificamente à Política Nacional de Humanização, ou seja, a política de saúde. 14 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Diversas definições buscam conceituar humanização, tais como expresso nas citações a seguir. Optamos por transcrever várias citações diretas, pois todas buscam definir humanização, porém cada uma enfatizaum aspecto. Humanização como valorização do ser humano enquanto pessoa única dotada de aspectos biopsicossociais e espirituais: A humanização no hospital é importante, pois o paciente passa a ser tratado como pessoa que é, com todos os tipos de sentimento que a interação pode suscitar, e não mais como apenas um doente (DUARTE, 2005 apud MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.326). Humanização é atentar-se às individualidades de cada um e respeitá-las: Humanizar na atenção à saúde é entender cada pessoa em sua singularidade, tendo necessidades específicas, e, assim, criando condições para que tenha maiores possibilidades para exercer sua vontade de forma autônoma (FORTES, 2004, p.31). (...) é tratar as pessoas levando em conta seus valores e vivências como únicos, evitando quaisquer formas de discriminação negativa, de perda da autonomia, enfim, é preservar a dignidade do ser humano (RECHE, 2003 apud FORTES, 2004, p.31). Mais autores reforçam a necessidade de um atendimento humanizado respeitar a individualidade do paciente: Humanizar não é uma técnica, uma arte e muito menos um artifício; é um processo vivencial que permeia toda a atividade do local e das pessoas que ali trabalham, dando ao paciente o tratamento que merece como pessoa humana, dentro das circunstâncias peculiares em que cada um se encontra no momento de sua internação (GUANAES; SOUZA, 2004, p.1). Humanização enquanto resgate da dignidade do ser humano: A preocupação com a humanização hospitalar tem como principal meta a dignidade do ser humano e o respeito por seus direitos, visto que a pessoa humana deve ser considerada em primeiro lugar. A dignidade da pessoa, sua liberdade e seu bem-estar são todos fatores a serem ponderados na relação entre o doente e o profissional da saúde (MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.327). Humanização enquanto política de saúde: 15 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. A proposta de humanização da assistência à saúde visa à melhoria da qualidade de atendimento ao usuário e das condições de trabalho para os profissionais. Sabemos que visa, também, ao alinhamento com as políticas mundiais de saúde e à redução dos custos excessivos e desnecessários decorrentes da ignorância, do descaso e do despreparo que ainda permeiam as relações de saúde em todas as instâncias (BRASIL, 2005 apud MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.326). Articulação entre atendimento humanizado e tecnologia: Humanizar é, então, ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais (BRASIL, 2004, p.6). Humanizar não é apenas curar doenças, é cuidar do paciente que já não possui mais condições de ser curado: É a pessoa doente que deve ser o principal foco de atenção, e não a sua enfermidade. Ainda quando a cura não é mais possível, quando a ciência se acha incapaz de resolver o problema trazido pela doença, continuamos diante do doente, na sua dignidade, na sua fragilidade e na sua necessidade de ser amparado, cuidado e amado (PESSINI; BERTACHINI, 2004 apud MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.327). Em linhas gerais, humanização relaciona-se com a ética, com o respeito, com a individualização da assistência frente às necessidades de cada um, com a comunicação: [...] humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética; ou seja, para que o sofrimento humano e as percepções de dor ou de prazer no corpo sejam humanizados, é preciso tanto que as palavras expressas pelo sujeito sejam entendidas pelo outro quanto que este ouça do outro palavras de seu conhecimento. Pela linguagem, fazemos as descobertas de meios pessoais de comunicação com o outro, sem o que nos desumanizamos reciprocamente. Sem comunicação não há humanização. A humanização depende de nossa capacidade de falar e ouvir, do diálogo com nossos semelhantes (BUSS, 2000 apud MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.325). A relação profissional-paciente é essencial no que diz respeito à humanização da assistência. A Política Nacional de Humanização enfatiza a importância dessa relação terapêutica. Em nossa cultura é comum criar-se um distanciamento entre o médico dos demais membros da equipe de saúde e da comunidade e geral, o que reforça a manutenção de relações mais frias e desumanas. Segundo Mota, Martins e Véras (2006), para que a humanização 16 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. hospitalar aconteça médicos, enfermeiros, diretores, pacientes e toda a equipe de saúde devem estar interligados de maneira harmônica. Não iremos aqui definir ética de maneira mais aprofundada, nesse momento, cabe apenas nossa compreensão de que a ética e a humanização andam lado a lado, como expresso a seguir: A ética surge quando alguém se preocupa com a consequência de sua conduta sobre o outro. Para que exista ética, é necessário perceber o outro; e se para a assistência humanizada também é preciso ver o outro, conclui- se então que a assistência humanizada e a ética caminham juntas (MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.326). A humanização também preconiza os direitos essenciais do paciente: de autonomia, justiça, beneficência, não maleficência, os quais devem ser garantidos através da promoção do cuidado numa perspectiva biopsicossocial. Segundo Mota, Martins e Véras (2006), o direito à autonomia é uma forma de humanizar a assistência quando é garantido ao paciente o direito de participar, por exemplo, das decisões sobre o tratamento ao qual o mesmo será submetido. O princípio da beneficência encontra-se respeitado quando se busca a promoção da saúde em seu sentido mais amplo, ou seja, biopsicossocial e espiritual, fazendo o bem ao paciente de todas as formas. O direito à justiça aparece quando se busca, através de uma postura humanizada, estabelecer um padrão mínimo de atendimento para todas as pessoas. Barbosa e Silva (2007) elucidam também um outro ponto de vista: no sentido dos cuidados prestados ser justo não é direcionar o mesmo tipo de cuidado a todos os pacientes, já que a necessidade de cuidados também varia individualmente. Ser justo seria direcionar a cada paciente o cuidado que ele necessita, não mais e nem menos. Os autores enfatizam que os direitos outrora citados são respeitados quando o profissional adota uma postura humanizada que visa ao respeito do paciente. Como temos reforçado, a tecnologia é essencial à área da saúde, porém pode acarretar a desumanização a partir do momento em que o profissional se resume à técnica e deixa de lado o falar, o ouvir. Ressaltaremos isso num outro momento, mas é comum nos depararmos com hospitais-modelo de recursos tecnológicos, mas desumanos no atendimento ou; ao contrário, hospitais cujo quadro de funcionários conta com profissionais que desenvolvem um trabalho 17 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. baseado na humanização, na escuta, porém faltam condições técnicas, seja de capacitaçãoou de materiais (MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006). A humanização hospitalar traz uma série de benefícios, não apenas para pacientes e acompanhantes, mas também para a equipe de saúde e para a instituição como um todo, que, através de um clima organizacional mais favorável e da satisfação dos funcionários, acaba por reduzir gastos: [...] quando se trabalha com humanização a melhora do ambiente hospitalar traz benefícios como a redução do tempo de internação, aumento do bem- estar geral dos pacientes e funcionários e diminuição das faltas de trabalho entre a equipe de saúde, e, como consequência, o hospital também reduz seus gastos, trazendo benefícios para todos (MOTA; MARTINS, VÉRAS, 2006, p.326). Ao longo desta apostila, iremos reforçar a importância da humanização – seja para o paciente/usuário, familiares/acompanhantes, equipe de saúde e instituições, mas, como ressalta Feitosa (2001), sabemos que a humanização não é a solução para todas as doenças, nem acaba com o medo e a dor, porém, se estiver presente, auxiliará a minimizar esses sentimentos. Entretanto, com todas essas definições que deixaram explícito o que é humanização, Souza e Moreira (2008) fazem uma importante reflexão que nos auxiliará a fechar essa seção e reflete de maneira transparente uma situação que ainda ocorre nos cenários da saúde. Segundo os autores, observa-se que o tema “humanização” se encontra diluído na sociedade como se fosse uma “grife”, uma marca, que garantiria ou pretenderia garantir qualidade de atendimento. A Política Nacional de Humanização vem justamente romper esse paradigma de que a humanização é algo a mais que é “oferecido” aos usuários, acompanhantes, equipe de saúde e gestores, mas sim uma proposta transversal, que precisa ser garantida a todos os envolvidos. 18 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. UNIDADE 3 – POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PNH – HUMANIZASUS) Conforme temos adiantado na seção anterior, a Política Nacional de Humanização instituída pelo Ministério da Saúde, em 2004, elucida a necessidade do atendimento em saúde no Brasil, nos diversos níveis de atenção, ser embasado nos princípios da humanização. Porém, ao contrário do que possa parecer, a humanização não deve ser compreendida apenas como um ato de solidariedade para com o usuário dos serviços de saúde (aqui não se faz menção ao paciente, já que a Política não é voltada apenas para o paciente hospitalizado), mas uma construção que inclua gestores, profissionais e usuários dos serviços de saúde. Souza e Moreira (2008) sintetizam que a HumanizaSUS preocupa-se em articular transformações com impactos positivos para todos os envolvidos na saúde: gestores, trabalhadores e usuários: Na PNH, atribui-se ao termo humanização um sentido positivo que engloba as seguintes perspectivas: 1 valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores; 2 fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos; 3 aumento do grau de co-responsabilidade na produção de saúde e de sujeitos. A PNH tem como eixo norteador a construção de relações mais horizontais entre profissionais e usuários, enfatizando estes últimos como sujeitos que precisam ter os seus direitos garantidos. Destacamos, na PNH, a consideração de que os serviços de saúde teriam três objetivos básicos: a produção de saúde, a realização profissional e pessoal de seus trabalhadores, e a reprodução do próprio serviço como política democrática e solidária, colocando a participação dos trabalhadores em saúde, gestores e usuários em um pacto de co-responsabilidade (BRASIL, 2004 apud SOUZA; MOREIRA, 2008, p.332). Temos ressaltado que a Política Nacional de Humanização é uma política transversal, o que compreende um conjunto de princípios e diretrizes que se caracterizam numa construção coletiva de ações, serviços, práticas de saúde e instâncias do sistema. A humanização apregoa que as fronteiras dos diferentes núcleos de poder e saber que se ocupam da produção de saúde devem ser transpostas. A humanização deve caminhar na direção de se constituir como vertente orgânica do SUS (BRASIL, 2004a). A partir da Política Nacional de Humanização observa-se que o conceito de humanização torna-se bem mais complexo que o exposto na seção anterior: 19 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. É neste ponto indissociável que a Humanização se define: aumentar o grau de co-responsabilidade dos diferentes atores que constituem a rede SUS, na produção da saúde, implica mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho. Tomar a saúde como valor de uso é ter como padrão na atenção o vínculo com os usuários, é garantir os direitos dos usuários e seus familiares, é estimular a que eles se coloquem como atores do sistema de saúde por meio de sua ação de controle social, mas é também ter melhores condições para que os profissionais efetuem seu trabalho de modo digno e criador de novas ações e que possam participar como co-gestores de seu processo de trabalho (BRASIL, 2004a, p.7). A humanização apregoa a troca de saberes, não comente entre a equipe multiprofissional, mas também entre pacientes e familiares – sujeitos sociais que, quando mobilizados, podem transformar a realidade na qual estão inseridos e a si próprios. Há necessidade de se trabalhar em equipe, conforme já foi elucidado anteriormente. A Política Nacional de Humanização também relaciona humanização e ética, além de deixar explícito que a humanização é uma estratégia para se alcançar a qualidade na atenção e gestão do SUS, como ilustra claramente a citação a seguir: A Humanização, como um conjunto de estratégias para alcançar a quali- ficação da atenção e da gestão em saúde no SUS, estabelece-se, portanto, como a construção/ativação de atitudes ético-estético-políticas em sintonia com um projeto de co-responsabilidade e qualificação dos vínculos inter- profissionais e entre estes e os usuários na produção de saúde. Éticas porque tomam a defesa da vida como eixo de suas ações. Estéticas porque estão voltadas para a invenção das normas que regulam a vida, para os processos de criação que constituem o mais específico do homem em relação aos demais seres vivos. Políticas porque é na pólis, na relação entre os homens que as relações sociais e de poder se operam, que o mundo se faz (BRASIL, 2004a, p.8). Fortes (2004) enumera alguns pontos importantes da PNH, os quais estão expressos abaixo: • direitos dos usuários; • “cuidar do cuidador”; • melhorias dos aspectos organizacionais do sistema e serviços de saúde; • resgate de princípios e diretrizes da construção do SUS (universalidade, integralidade, hierarquização e regionalização dos serviços, controle social); 20 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. • resolver dificuldades de acesso dos usuários (redução do tempo de espera, das filas, ampliação dos mecanismos de informação, incentivoàs formas de acolhimento que levem os usuários a todos os níveis de atenção); • na atenção básica, criação de projetos terapêuticos e coletivos para usuários e sua rede social; • instalação dos conselhos gestores nas unidades hospitalares. A humanização deve ser uma política transversal, uma das dimensões fundamentais da atenção à saúde, ou seja, não deve ser compreendida como mais um programa dentre vários outros como, por exemplo, a atenção à saúde da mulher, do idoso, da criança. A humanização é direito de todos: usuários, gestores, equipe: O risco de tomarmos a Humanização como mais um programa seria o de aprofundar relações verticais em que são estabelecidas normativas que ‘devem ser aplicadas e operacionalizadas’, o que significa, grande parte das vezes, efetuação burocrática, descontextualizada e dispersiva, por meio de ações pautadas em índices a serem cumpridos e em metas a serem alcançadas independentemente de sua resolutividade e qualidade (BRASIL, 2004a, p.6). Um ponto que merece destaque na PNH é o acolhimento. Como diz o ditado popular que “a primeira impressão é a que fica”, compreende-se que a porta de entrada do usuário aos serviços de saúde deve ser marcada pela humanização por parte dos diferentes profissionais que farão o contato inicial – sejam profissionais da área de saúde ou administrativos. Segundo a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS, 2008), o acolhimento é uma diretriz da Política Nacional de Humanização. Não há hora ou lugar específico para acontecer, não há um profissional específico para realizar o acolhimento, que faz parte de todos os encontros que acontecem nos serviços de saúde. O acolhimento pode ser compreendido como a postura ética do profissional que escuta as queixas do usuário, reconhece o mesmo como protagonista em seu processo de saúde / doença, na responsabilização pela resolução dos problemas com ativação de redes de compartilhamento de saberes. “Acolher é um compromisso de resposta às necessidades dos cidadãos que procuram os serviços de saúde” (s.p.). Vale a pena destacar que, para que haja mudanças no sentido do acolhimento, faz-se necessária a qualificação profissional – para que todos se tornem capacitados a ouvir de 21 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. maneira solidária equipe, cidadãos e comunidade – e modificações na organização e nas instalações físicas dos ambientes – para que se tornem mais funcionais, adequados e humanizados. Feitosa (2001) refere-se ao termo “acesso” de forma a enfatizar a importância de um acolhimento humanizado e funcional para o paciente. Ao reforçar que a resolutividade do acesso é responsabilidade do Estado acaba por reforçar pontos da PNH: A palavra acesso diz respeito ao número de leitos, consultas e exames complementares oferecidos em relação à demanda. Humanizar é adequar, aumentar, organizar o número de atendimentos para que a pessoa doente tenha resolutividade. Toda essa parte é de obrigação do Estado. (FEITOSA, 2001, p. 21) Convém destacar que a PNH é bastante complexa e não haveria condições do tema ser esgotado numa apostila, propusemo-nos apenas a discorrer sobre os principais pontos da política e sua importância no cenário da saúde brasileira de forma a garantir melhorias para usuários, familiares, equipes multiprofissionais de saúde e gestores. Como acabamos por direcionar significativa parte do foco desse material para a humanização hospitalar, será apresentado a seguir o GTH – grupo de trabalho de humanização – parte integrante da Política Nacional de Humanização. 3.1 Grupo de Trabalho de Humanização: GHT O Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) é um espaço onde todos – equipe de saúde, técnicos, funcionários, coordenadores, gestores e até mesmo usuários – podem discutir o próprio serviço em que trabalham ou que utilizam, com vistas a promover uma atitude humanizada e a aprimorar as relações que ali se estabelecem (BRASIL, 2004b). Participam todos os interessados na construção de propostas para promover tanto ações humanizadoras, que melhorem o cuidado em saúde, quanto as inter-relações das equipes e a democratização institucional na unidade de prestação de serviço ou nos órgãos das várias instâncias do SUS. A participação dos gestores nos GTH mostra que dão grande importância à construção coletiva da política pública de saúde (BRASIL, 2004b, p.5). 22 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Nesse espaço, é possível aproximar pessoas, compartilhar tensões do trabalho, debater diferenças e propostas de mudanças para melhor. Sabe-se que o contexto de saúde gera uma série de tensões, daí uma das relevâncias desse grupo de discussão. Além disso, muitos profissionais da saúde já estão tão acostumados ao seu trabalho, à sua rotina, que não consegue pensar em diferentes estratégias e mudanças que poderiam ser benéficas para todos os envolvidos (BRASIL, 2004b). Diferentes visões sobre o mesmo problema ajudam a ampliar a percepção das diversas dimensões implicadas. Trata-se de um exercício de protagonismo, um esforço de co-gestão na direção das mudanças necessárias (BRASIL, 2004b, p.7) 23 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. UNIDADE 4 – COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL-PACIENTE A comunicação é um ponto decisivo não apenas na humanização da assistência, mas em toda relação terapêutica. Estudos (ORIÁ; MENDES; VICTOR, 2004, SILVA, 1996 apud BARBOSA; SILVA, 2007) mostram a importância da comunicação para o cuidado emocional do paciente, especialmente por parte dos profissionais da enfermagem, que, por permanecerem mais tempo com o paciente, acabam precisando se comunicar de forma mais frequente, cuidadosa e humanizada com pacientes e familiares: Partimos da premissa de que a comunicação é um dos mais importantes aspectos do cuidado de enfermagem que vislumbra uma melhor assistência ao cliente e à sua família que estão vivenciando ansiedade e estresse decorrentes do processo de hospitalização, especialmente em caso de longos períodos de internação ou quando se trata de quadros de doença terminal. Portanto, a comunicação é algo essencial para se estabelecer uma relação entre profissional, cliente e família (ORIÁ; MORAES; VICTOR, 2004, p.294). Entretanto, mesmo com essa justificativa para explicar a importância da comunicação para a equipe de saúde, sabe-se que uma boa comunicação é essencial dentre todos os profissionais que lidam diretamente com pacientes/clientes: sejam da equipe multiprofissional em saúde, sejam de setores administrativos, sejam auxiliares de serviços gerais. 4.1 Vínculo terapêutico A pessoa que está doente busca, no profissional, ajuda para superar suas dificuldades. Quando há, por uma parte, esta busca de auxílio e, da outra parte – do profissional – disposição para compreender o problema e auxílio para que ocorra uma evolução favorável através da comunicação interpessoal ocorre uma relação de ajuda, indispensável na práticados profissonais da área da saúde. Através dessa relação de ajuda, o profissional usa sua própria pessoa como instrumento terapêutico por meio da relação interpessoal que se estabelece entre ambos. Ou seja, os profissionais da saúde que desenvolvem atividade assistencial – médico, assistente social, psicólogo, enfermeiro, odontólogo, nutricionista, fisioterapeuta, dentre outros – desempenham, em sua atividade profissional, ações e 24 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. procedimentos técnicos relacionados à sua profissão, como também estabelecem relações interpessoais com as pessoas que atende. Essa divisão é meramente didática, deve ficar claro que a realização de procedimentos técnicos e as interações interpessoais encontram-se intimamente relacionadas (MARTINS, 2001). A comunicação que se estabelece através da relação profissonal – paciente (e familiares) é indispensável ao sucesso ou ao fracasso do tratamento (STRAUB, 2014). Por outro lado, também não se pode desconsiderar que, nos contextos de saúde (em especial, no hospital), as relações entre profissionais e pacientes não são as únicas formas de interação possíveis. Uma relação saudável entre a equipe multiprofissional em saúde também aparece como decisiva para a qualidade de vida pessoal e profissional das pessoas que estão presentes. Relações interpessoais são processos que têm como premissa a mutualidade, ou seja, o convívio, as trocas entre os indivíduos. Por isso, as relações interpessoais são intensamente mediadas pelos sentimentos, tanto de um como pelo de outro, tanto de um pelo outro. Embora esses sentimentos interfiram nas relações, é importante que os envolvidos no relacionamento mantenham o diálogo franco e exponham suas percepções, para evitar distanciamento, superficialidade e incomunicabilidade (PINHO; SANTOS, 2007, p.380) A falta de informação e pouca compreensão das orientações médicas são fatores que dificultam a comunicação médico-paciente. A falta de informação deriva diretamente do fato de muitos profissionais da saúde, devido a vários fatores que não iremos discutir aqui, disponibilizarem pouco tempo de contato com seus pacientes. A comunicação torna-se incorreta quando o profissional trata o paciente como estudante de medicina (como se devesse entender tecnicamente sua situação) ou criança (como se não dotasse de maturidade suficiente para compreender, de maneira objetiva, o que está acontecendo com ele), além de não dar a ele chances de falar (STRAUB, 2014). Por outro lado, é errôneo atribuir todos os problemas de comunicação aos profissionais. A desinformação, o despreparo para se comunicar sobre questões referentes à sua própria saúde, as informações erradas e diferentes medos fazem com que o paciente comunique-se de forma inadequada, o que também compromete diagnósticos, tratamentos e, acima de tudo, uma boa relação terapêutica (STRAUB, 2014). 25 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Um ponto importante no que diz respeito à comunicação, relaciona-se ao vínculo estabelecido. A qualidade da comunicação depende diretamente do vínculo estabelecido entre profissional e paciente, ou seja, se houve um vínculo saisfatório, a comunicação fluirá com mais facilidade. Ao mesmo tempo, se não foi criado um vínculo estreito, a comunicação pode emperrar. Esse vínculo pode ser importante, por exemplo, para o sucesso de uma coleta de dados (entrevista, anamnese ou questionário), o que influencia diretamente no sucesso do plano terapêutico escolhido (DE MARCO, 2006). Outros autores se refrem a esse vínculo como aliança terapêutica: A ‘aliança terapêutica’ é um elemento fundamental, que deve existir no vínculo profissional-cliente, como propulsora de um bom atendimento. A técnica, por mais aprimorada que seja, tenderá a ser inócua ou alienante, se não for veiculada por uma boa relação profissional-cliente (BALINT, 1988 apud MARTINS, 2001, p.36) Se estudarmos a questão desse vínculo (ou aliança terapêutica) profissional- paciente numa perspectiva psicanalítica, dois conceitos se fazem indispensáveis: a transferência e a contratransferência. Compreende-se por transferência um processo que ocorre por parte do paciente em relação ao profissonal que o assiste. O paciente, de forma inconsciente, desloca sobre o profissional modelos de compotamentos e reações emocionais de sua infância, os quais foram aprendidos com pessoas significativas, como os pais. A transferência pode ser positiva ou negativa e pode variar ao longo do tratamento; mas observa-se que, na maioria das vezes, a transerência é positiva. São comuns, na transferência, o desejo de dependência, competição e até mesmo resistência ao tratamento (uma espécie de ganho secundário para os pacientes que encontram, mesmo de forma incosnciente, benefícios por adoecer) (FEITOSA, 1999; MARTINS, 2001). A transferência é uma manifestação do universo subjetivo do paciente, que encontrou na figura de determinado cuidador a possibilidade de manifestação, pois é compatível com as condições de relação previamente estabelecidas pelo sujeito. É a transferência de sentimentos de amor, raiva e ódio que muitas das vezes os pacientes nos remetem (ALVES; OLIVEIRA, 2010, p.67). 26 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Como temos ressaltado, as relações interpessoais são vias de mão dupla. Mesmo sendo num contexto terapêutico, não apenas o paciente é afetado emocionalmente pela figura do profissional, o profissional também é afetado pela figura do paciente num processo denominado contratransferência. [...] a contratransferência surge como expressão de todos os afetos sentidos pelo terapeuta em relação ao paciente. No caso da enfermagem, todos os afetos sentidos pelos funcionários em relação aos pacientes que cuidam (irritação, impaciência e intolerância às reações dele) (VICENTE, 2005 apud PINHO; SANTOS, 2007, p.380) Segundo Alves e Oliveira (2010), não há contratransferência sem transferência. Assim como ocorre na transferência, as reações de contratransferência relacionam-se à subjetividade do profissional, seus valores, crenças, afetos e inconsciente. Em síntese, o estabelecimento de relações interpessoais entre profissionais e clientes é decisivo para a humanização da assistência em saúde, entretanto, como já ressaltamos no início desTe material, há vários outros fatores em jogo: Vale aqui ressaltar que o aprimoramento da interação profissional-cliente é uma das facetas (somente uma delas!) da humanização da assistência. Para a humanização da assistência, são também importantes: contratação de profissionais suficientes para atender a demanda da população; aquisição de novos equipamentos médico-hospitalares; abertura de novos serviços e recuperação e adequação da estrutura física das instituições; revisão da formação dos profissionais com reestruturação dos currículos das faculdades da área da saúde; capacitação permante dos profissionais(educação cntinuada); melhoria de condições de trabalho; melhoria da imagm do serviço público de saúde (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000 apud MARTINS, 2001, p.24). 4.2 Relações interpessoais e comunicação Se pararmos para pensar, estamos envolvidos nas relações humanas desde que nascemos, e nem sempre nos saímos bem das interações com outras pessoas. O hospital é um espaço onde acontecem inúmeras relações interpessoais essenciais à convivência, ao trabalho e ao cuidado com o paciente. A relação de ajuda – essencial para um bom trabalho da equipe multiprofissional em saúde – é um tipo das muitas relações humanas que irão acontecer no contexto hospitalar. Mas o que são relações humanas? O estudo das relações humanas constitui, hoje, verdadeira ciência 27 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. complementada por uma arte – a de obter e conservar a cooperação e a confiança dos membros do grupo […] Problemas de relações humanas se encontram nas relações do indivíduo com o grupo, dos indivíduos entre si, do grupo com outros grupos, do líder com o grupo, do indivíduo com o líder. Onde se encontram dois indivíduos há problema de relações humanas. (WEIL, 2002, p. 15). Os reacionamentos interpessoais – ou relações humanas – dependendo da denominação do autor são, como afirma Weil (2002), especialidades do psiquiatra, psicólogo, sociólogo, assistente social e educador especializado, porém esses relacionamentos se encontram presentes onde se encontram pessoas reunidas, sejam nas famílias, no trabalho, na educação, nas organizações em geral, enfim, em todos os locais. As relações que acontecem nos contextos de saúde são marcadas por algumas condições peculiares, como, por exemplo, a ansiedade, o medo, a agressividade e a desconfiança por parte do paciente. Com isso, é de se precaver que nem sempre será simples estabelecer uma relação favorável com um paciente ou familiar, visto que, devido à situação que o mesmo está vivenciando no mesmo momento, ele pode se apresentar irritado, impaciente, pouco receptivo, o que compromete o estabelecimento de uma comunicação eficaz. Os relacionamentos interpessoais acontecem em grupo, seja na família, entre amigos, no trabalho. “Relações humanas é a expressão usada para designar os resultados da comunicação entre as pessoas e suas consequências”. Para um estudo eficaz das relações humanas é necessário investigar o relacionamento intrapessoal e interpessoal. “Considera-se interpessoal o relacionamento que se realiza entre duas ou mais pessoas e intrapessoal o que o indivíduo realiza consigo mesmo em seus pensamentos e devaneios” (GARCIA, 2007, p.184). O atendimento humanizado pressupõe uma comunicação eficaz entre todos os envolvidos no processo, do ponto de vista intrapessoal e interpessoal. Se o profissional está bem consigo mesmo, cuida de si do ponto de vista biopsicossocial e espiritual e conhece a si mesmo ele terá melhores condições de desenvolver uma comunicação adequada com seus pacientes, familiares e colegas de equipe, ou seja, a comunicação intra e interpessoal encontram-se intimamente relacionadas. Segundo Oriá, Moraes e Victor (2004), a comunicação precisa permitir uma assistência humanística e personalizada de acordo com as necessidades do cliente, 28 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. ou seja, não se deve buscar estabalecer uma relação de poder, em que o profisional da saúde submete o paciente à sua pessoa, mas sim uma relação marcada por atitudes de sensibilidade, aceitação e empatia por parte de ambas as partes envolvidas no processo. Barbosa e Silva (2007) complementam que uma comunicação adequada auxilia na minimização de possíveis dúvidas, assim como pode minimizar conflitos gerados. Através da comunicação, o profissional pode compreender o paciente como um todo e identificar o significado que determinado problema apresenta para ele. Conforme já ressaltamos, a comunicação se faz essencial para uma atenção humanizada, porém o que é comunicar? É apenas a troca de palavras ou mensagens? A citação a seguir define brevemente o que é comunicação: O termo comunicar provêm do latim communicare que significa colocar em comum. A partir da etimologia da palavra entendemos que comunicação é o intercâmbio compreensivo de significação por meio de símbolos, havendo reciprocidade na interpretação da mensagem verbal ou não-verbal (ORIÁ; MORAES; VICTOR, 2004, p.294). Ou, ainda: Comunicação é o processo de troca de mensagens, que tem como elementos principais o contexto, o emissor, o receptor e a própria mensagem. Este processo é composto, basicamente, de formas verbais e não-verbais, além da paralinguagem, que é a maneira como falamos (STEFANELLI, 2006 apud BARBOSA; SILVA, 2007, .547). Ou seja, para haver comunicação precisa haver sentido. Os envolvidos no processo – emissor e receptor – necessitam compreender a mensagem que está sendo transmitida, a qual pode ser verbal ou não-verbal, o que será apresentado a seguir: 4.3 Comunicação verbal A comunicação verbal é aquela feita através de palavras expressas tanto por meio da linguagem escrita como falada, e deve ser clara a fim de que o outro compreenda o que estamos querendo dizer (BARBOSA, 1992 apud BARBOSA; SILVA, 2007, p.547). 29 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Em nosso dia a dia tendemos a valorizar mais a comunicação verbal, entretanto, não podemos deixar de considerar que muitos pacientes podem ser (ou encontrar-se temporariamente) impossibilitados de lançar mão desse tipo de comunicação com total facilidade. Enquadram-se nessas situações, por exemplo, a criança que ainda não consegue expressar verbalmente o que está sentido, o idoso demenciado, o deficiente mental, o surdo-mudo, o paciente internado em UTI com nível rebaixado de consciência. Se é pressuposto da humanização proporcionar ao paciente atendimento individualizado diante de suas necessidades, como o profissional pode fazer isso se a comunicação verbal não flui naturalmente, se o paciente não tem condições de expressar o que está sentindo ou de pedir aquilo que ele está precisando? Além disso, como já temos reforçado ao longo deste material, o discurso biomédico acaba por privilegiar o saber do médico, do profissional da saúde, assim o discurso do paciente acaba por ficar menosprezado e resumido às respostas aos questionamentos que são feitos a ele. Dentro de uma postura humanizada isso não pode ocorrer. Para uma análise e compreensão mais completa da comunicação verbal do paciente é necessário que o profissional se atente à paralinguagem: A paralinguagem [...] a maneira como falamos, pode demonstrar ‘sentimentos, características de personalidade, atitudes, formas de relacionamento e autoconceito’. O enfermeiro pode também, neste prisma, aprender a reconhecer determinadas reações do doente e compreendê-lo de maneira mais integral. Também é através do paraverbal queo paciente pode identificar no profissional sentimentos diversos, como raiva, desprezo, dúvida, entre outros (SILVA, 2002 apud BARBOSA; SILVA, 2007, p.548). Não basta ouvir a resposta do paciente. Além disso, o profissional da saúde deve levar em consideração a forma como o mesmo responde, já que a paralinguagem traz importantes pistas sobre o estado real do paciente. Nem sempre ele deseja (ou pode) falar determinadas coisas, através desses sinais expressos pela comunicação verbal, o profissional pode captar o que está realmente acontecendo. 4.4 Comunicação não-verbal 30 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Através da linguagem do corpo nós dizemos muitas coisas aos outros, os quais também nos dizem coisas da mesma forma (DAVIS, 1979; WEIL, 1997). Como falamos da comunicação intrapessoal, Weil (1997) reforça que o nosso corpo funciona como um centro de informações também para nós mesmos, ou seja, não se limita à comunicação interpessoal. Importante destacar que essa comunicação expressa pelo corpo – a comunicação não-verbal – não mente, ao contrário do que pode ocorrer na comunicação verbal. A comunicação não-verbal ocorre quando interagimos com outro com ou sem a utilização de palavras, sendo que esta interação possui significados para o emissor e para o receptor. É realizada através de expressões faciais, gestos, pela maneira como os objetos estão dispostos no ambiente ou por posturas corporais, por exemplo (SILVA, 1996 apud BARBOSA; SILVA, 2007, p.548). O profissional da saúde precisa enfatizar a comunicação não-verbal, pois, como começamos a falar anteriormente, em determinadas situações a comunicação verbal pode estar ausente e o paciente pode precisar comunicar algo (como uma dor, por exemplo). Segundo Barbosa e Silva (2007), a comunicação não verbal pode complementar o verbal, contradizê-lo, substituí-lo, ou mesmo demonstrar sentimentos. O profissional da saúde deve ficar atento para não relacionar a dor apenas à comunicação verbal do paciente. A comunicação não-verbal se faz essencial, visto que expressões faciais, choro, contrações musculares, diminuição dos movimentos, humor deprimido, ansiedade, raiva, hostilidade, dependência da família e alterações nos padrões de sono e alimentação são importantes indícios de dor. É essencial ressaltar que a comunicação não-verbal pode ser a única forma de se comunicar a dor em pacientes impossibilitados de falar ou incapazes de demonstrar o que estão sentindo. Existem também os pacientes que não se queixam de dor por temerem possíveis tratamentos para ela ou por não quererem incomodar seus cuidadores. Nesses casos, é importante investigar porque o paciente nega sua própria dor, já que o alívio da dor é um direito seu, que auxilia na manutenção da dignidade da pessoa humana. “Cabe ao profissional incumbido no 31 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. tratamento da dor desenvolver sua percepção, pois a dor humana pode ou não ser manifestada e transmitida por meio de palavras”. (GARCIA, 2007, p.224). Um ponto da comunicação não-verbal que merece destaque relaciona-se ao tato. Esse parece ser o sentido mais primitivo e a sensação que o homem experimenta através da pele é muito importante. O contato pele a pele vai de um simples esbarrão, passando por um cumprimento através de aperto de mão, culminando com carinhos erotizados, ou seja, um toque pode apresentar diferentes significados que podem ser interpretados a partir do contexto, da cultura em que se está inserido, das pessoas envolvidas na relação, dentre outras questões. Muitas pessoas evitam o toque por esse estar muito associado ao erótico, ao sexual (DAVIS, 1979). Ressaltamos o quanto o toque pode ser um importante aliado da humanização, especialmente no paciente em UTI que se encontra com os níveis de consciência rebaixados. O profissional deve orientar e estimular (quando não houver riscos para o paciente e o familiar) o contato físico por parte do cuidador, para que o paciente se sinta acolhido, querido, sinta a presença de alguém. Em momentos difíceis, um simples aperto de mãos ou colocar as mãos sobre os ombros do paciente pode trazer mais conforto do que determinadas palavras. Conhecer a comunicação não-verbal faz-se essencial para que o profissional de saúde realize um trabalho humanizado junto a pacientes, familiares e à equipe de saúde. As ilustrações a seguir mostram como o corpo pode expressar determinadas reações (as quais podem ser confirmadas ou refutadas pela comunicação verbal). Reações bastante comuns no ambiente hospitalar são o receio, o medo e o pavor. Devido a uma série de motivos (como vergonha, medo de incomodar o profissional, tendência a encobrir as emoções, dentre outros), o paciente costuma não manifestar seu medo perante procedimentos ou situações impostas pela realidade hospitalar. A comunicação não-verbal poderá fornecer pistas ao profissional nesse sentido e cabe a este adotar uma postura humanizada frente os sentimentos do paciente. 32 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Na figura a seguir observa-se que: “uma parte MÍNIMA no corpo é conscientemente exposta ao perigo para ‘espantar inimigos’, enquanto o ‘grosso da tropa’ está pronto para uma retirada” (WEIL, 1986, p.140). 33 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Figura 1: Receio Fonte: Weil (1986, p.141). Numa gradação ao receio vêm, respectivamente, o medo e o pavor. O organismo se prepara, mesmo que de maneira inconsciente, para ataque ou fuga. Importante destacar que o profissional deve ficar atento, pois, num auge de pavor, o paciente pode apresentar atitude agressiva contra o profissional (como ilustrado no desenho a seguir, que o paciente “cresce” e dá um soco no dentista). 34 Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas. Figura 2: Medo e pavor Fonte: Weil (1986, p.143). Outra reação bastante comum é a desconfiança. É normal que o paciente demonstre desconfiança frente tudo e todos, já que ele se encontra dependente de pessoas até então desconhecidas, num ambiente diferente, submetido a tratamentos que podem ser invasivos e dolorosos. O profissional não deve se irritar ou se sentir diminuído diante da desconfiança do outro, apenas deve buscar interpretar os sinais da comunicação não-verbal
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