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Montes Claros/MG - 2014 Carlos Caixeta de Queiroz Cristina Andrade Sampaio Lucíola Paranhos 2ª edição atualizada por Carlos Caixeta de Queiroz Antropologia II 2ª EDIÇÃO 2014 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Humberto Velloso Reis EDITORA UNIMONTES Conselho Editorial Prof. Silvio Guimarães – Medicina. Unimontes. Prof. Hercílio Mertelli – Odontologia. Unimontes. Prof. Humberto Guido – Filosofia. UFU. Profª Maria Geralda Almeida. UFG. Prof. Luis Jobim – UERJ. Prof. Manuel Sarmento – Minho – Portugal. Prof. Fernando Verdú Pascoal. Valencia – Espanha. Prof. Antônio Alvimar Souza - Unimontes. Prof. Fernando Lolas Stepke. – Univ. Chile. Prof. José Geraldo de Freitas Drumond – Unimontes. Profª Rita de Cássia Silva Dionísio. Letras – Unimontes. Profª Maisa Tavares de Souza Leite. Enfermagem – Unimontes. Profª Siomara A. Silva – Educação Física. UFOP. CONSELHO EDITORIAL Ana Cristina Santos Peixoto Ângela Cristina Borges Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Jânio Marques Dias Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Karen Torres C. Lafetá de Almeida Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Fernando Guilherme Veloso Queiroz Magda Lima de Oliveira Sanzio Mendonça Henriiques Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner veloso Rocha Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Sandra Ramos de Oliveira Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Andréa Lafetá de Melo Franco Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes Rogério Othon teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Ângela Cristina Borges Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Antônio Maurílio Alencar Feitosa Chefe do Departamento de História/Unimontes Francisco Oliveira Silva Jânio Marques dias Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Helena Murta Moraes Souto Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Maria da Luz Alves Ferreira Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior narcio Rodrigues da Silveira Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício Rodrigues neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Jânio Marques dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autores Carlos Caixeta de Queiroz Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Graduado em Ciências Sociais – Antropologia pela UFMG. Cristina Andrade Sampaio Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Mestre em Epidemiologia pela Unifesp e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Lucíola Paranhos Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Graduada em Ciências Sociais pela Unimontes. Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 A tradição evolucionista na antropologia e a primeira reação ao evolucionismo social 11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 O contexto de formação do evolucionismo cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 O conceito de evolução: a reconstrução da linha evolutiva numa sequência de progresso a partir do estágio primitivo ao mais civilizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 1.4 Morgan e o progresso humano a partir de estágios evolutivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 1.5 Tylor e a definição formal da cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18 1.6 Frazer: magia, religião, ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20 1.7 Difusionismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.8 Franz Boas e a crítica ao evolucionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 O culturalismo americano em sua fase clássica e o funcionalismo de Malinowski. . . . . .27 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 2.2 Culturalismo e história cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 2.3 O funcionalismo de Malinowski e as novas bases da Antropologia . . . . . . . . . . . . . . . .35 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 A antropologia da escola sociológica Francesa: Durkheim e Mauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.2 A escola sociológica Francesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.3 A origem social dos sistemas lógicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.4 As representações coletivas e a sociologia do conhecimento . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .47 3.5 Uma teoria geral da religião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49 3.6 Noção de pessoa e a dádiva ou dom em Marcel Mauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 Referências básicas e complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Atividades de Aprendizagem – AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59 9 Ciências Sociais - Antropologia II Apresentação A disciplina Antropologia II faz parte do segundo módulo do Curso de Ciências Sociais – Licenciatura, da Universidade Aberta do Brasil da Universidade Estadual de Montes Claros – Uni- montes. Na disciplina Antropologia II será abordado um conjunto (específico) de questões sobre al- gumas perspectivas do pensamento clássico na Antropologia. Iniciar-se-á com a apresentação e discussão crítica do pensamento evolucionista na antropologia a partir de três autores clássicos: Lewis Henry Morgan, Edward Burnett Tylor e George Frazer. Em seguida, apresentaremos o di- fusionismo e as contribuições de Franz Boas para o conhecimento antropológico. As discussões sobre esse autor estarão centradas nas suas principais críticas ao método e à teoria evolucionista na antropologia. Será apresentada e discutida, em seguida, a perspectiva do culturalismo ame- ricano em sua fase clássica a partir de autores como Ruth Benedict e Margaret Mead. Continu- ando a discussão sobre a antropologia clássica, será apresentada a perspectiva funcionalista na antropologia a partir de Bronislaw Malinowski. A disciplina terminará com a discussão sobre dois representantes do que ficou conhecida como a Escola Sociológica Francesa: Èmile Durkheim e Marcel Mauss. Os objetivos a serem alcançadas serão: • Propiciar a reflexão teórica e metodológica sobre conceitos fundamentais da antropologia clássica; • Possibilitar ao aluno uma incursão na constituição histórica da antropologia e um aprofun- damento de instrumentos teóricos e metodológicos da reflexão antropológica produzidos sob as rubricas do Evolucionismo, da antropologia clássica americana, do funcionalismo e da Escola Sociológica Francesa. A disciplina estará organizada a partir das seguintes unidades temáticas: • Unidade 1 – A tradição evolucionista na antropologia e a primeira reação ao evolucionismo social Esta Unidade está voltada, primeiramente, para uma apresentação dos autores conhecidos como evolucionista na antropologia social. Apresentaremos o contexto histórico de surgimento da perspectiva evolucionista e uma análise de suas linhas gerais. Pretende-se, portanto, apresen- tar o método e a teoria da evolução social. Em seguida, apresentaremos as críticas de Franz Boas ao evolucionismo social e suas contribuições para a consolidação da antropologia moderna. • Unidade 2 – O culturalismo americano em sua fase clássica e o funcionalismo de Malinowski Nesta parte da disciplina será abordada a antropologia americana em sua fase clássica, ou como ficou mais conhecido o culturalismo americano a partir de autores como Margaret Mead e Ruth Bendict. Essa perspectiva na antropologia foi grandemente influenciada pelas ideias de Franz Boas e propôs como foco central a compreensão da relação entre cultura e personalidade, os processos de configuração cultural e de contato intercultural. Nesta unidade apresentaremos e discutiremos, também, a perspectiva funcionalista na antropologia a partir de um de seus ex- poentes máximos: Malinowski. Discutiremos a teoria funcional de cultura desse autor e revisita- remos a perspectiva metodologia proposta por ele, ou seja, a observação participante como fun- damento da pesquisa etnográfica. • Unidade 3 – A Antropologia da Escola Sociológica Francesa: Durkheim e Mauss Esta última unidade da disciplina será dedicada a uma discussão de dois autores perten- centes a “Escola Sociológica Francesa”, termo usado para indicar um movimento teórico na an- tropologia que teve seu centro na França a partir de Émile Durkheim e Marcel Mauss. Esses dois autores têm sido considerados os primeiros teóricos das Ciências Sociais. Portanto, abordaremos as principais questões teóricas desenvolvidas por eles, principalmente a elaboração sobre repre- sentação coletiva, fato social total e a ideia maussiana sobre a troca e a reciprocidade como fun- damento da vida social. 11 Ciências Sociais - Antropologia II UnIdAde 1 A tradição evolucionista na antropologia e a primeira reação ao evolucionismo social Carlos Caixeta de Queiroz 1.1 Introdução Apresentaremos, inicialmente, a abordagem evolucionista na antropologia a partir de três autores clássicos: Henry Morgan, Edward Tylor e James Frazer. Em seguida, discutiremos algumas questões relacionadas ao pensamento de Franz Boas, um dos primeiros críticos da tradição evo- lucionista na antropologia. O objetivo aqui é, então, apresentar algumas características ou pro- posições marcantes do pensamento evolucionista e as reações de Franz Boas à teoria e ao méto- do evolucionista. Primeiramente, situaremos minimamente o contexto histórico de surgimento do pensamento evolucionista, que constitui a primeira síntese teórica na antropologia social, sin- tetizando as principais ideias de teoria e método característicos do evolucionismo cultural. Em seguida, focalizaremos as proposições teóricas e metodológicas apresentadas por Boas. Procu- raremos acentuar que Boas reagiu criticamente ao método evolucionista, propondo o método histórico como uma nova orientação para a antropologia em sua fase clássica. É importante salientar que embora Morgan, Tylor e Frazer tenham sido considerados expo- entes do evolucionismo, há outros autores representantes dessa corrente de ideias que não se- rão tratados aqui, como Spencer (1854-1914), Maine (1822-1888), Mclennan (1827-1881), Bastian (1826-1905), entre outros. Ressaltamos, ainda, que os autores que estamos tratando aqui como representantes do evolucionismo cultural nem sempre podem ser encaixados ao rótulo de evo- lucionistas. Suas contribuições aos diversos campos do conhecimento como parentesco, magia, religião, os tornaram “pais fundadores” da antropologia e, embora eles próprios tenham assumi- do posições que os identifiquem como representantes da tradição evolucionistas, às vezes eles podem ser considerados autores que transitaram em outras tradições do pensamento antropo- lógico. O objetivo desta Unidade é apresentar aos alunos as linhas gerais do evolucionismo cultural em sua fase clássica e a perspectiva teórica metodológica inaugurada por F. Boas, que acabou sen- do o construtor de uma tradição no pensamento antropológico, influenciando vários autores que ficaram conhecidos como os fundadores da “escola Culturalista”, nos Estados Unidos da América. Espera-se, portanto, possibilitar aos alunos uma introdução à história teórica da antropologia e ainda pensar em questões colocadas pela antropologia clássica que são permanentemente atuais. 1.2 O contexto de formação do evolucionismo cultural Como vocês já tiveram a oportunidade de observar a partir da leitura do Caderno Didático da disciplina Antropologia I, a antropologia social institui-se no espaço do Ocidente e inicialmen- te tomou como foco de análise as sociedades ditas não ocidentais. Tivemos a oportunidade de ver, também, que falar da formação da antropologia é entender como se constituíram as várias 12 UAB/Unimontes - 2º Período percepções sobre as diferenças sociais e culturais. Portanto, a formação do conhecimento antro- pológico pode ser entendidaa partir dos grandes encontros que marcaram as várias etapas da história da humanidade. Podemos nos referir, por exemplo, aos encontros entre gregos e bárba- ros, cristãos e não cristãos, colonizadores e colonizados. Esses grandes encontros marcaram as relações entre “Nós” e os “Outros”, a relação entre o igual e o diferente. É dessa relação que nasce a formulação de um conhecimento sobre as diferenças. Primeiramente, uma atitude que ia do es- tranhamento, do questionamento, da recusa, da negação à perplexidade e ao fascínio pelo dife- rente até se chegar a uma reflexão sistemática, uma ciência, a antropologia. Portanto, é razoável argumentar que a antropologia: Emana de um impulso tão antigo quanto a humanidade, da curiosidade so- bre os outros povos combinada com a introspecção a nosso próprio respeito, quem quer que acreditamos ser. Ela deriva da especulação sobre a natureza humana, sobre o que significa ser mulher ou homem, e de um desejo de enten- der a variedade da cultura humana (MAYBURY-LEWIS, 2002, p. 15). Laplantine (2000, p. 62) diz que “o século XVI descobre e explora espaços até então desconhe- cidos e tem um discurso selvagem sobre os habitantes que povoam esses espaços”. O século XVIII é “iluminado à luz dos filósofos, e a viagem é filosófica”. O século XIX “é a época durante a qual se constitui verdadeiramente a antropologia enquanto disciplina: a ciência das sociedades primitivas em todas as suas dimensões (biológica, econômica, política, religiosa, linguística, psicológica [...])”. Vejam bem, inicialmente, o “Outro”, o diferente ou como estamos nos referindo o não oci- dental é o “selvagem”, aquele que está fora da cultura e próximo da natureza, ou seja, recusava-se o caráter de humano nos habitantes que povoavam espaços não ocidentais. Na perspectiva evo- lucionista do pensamento antropológico, os selvagens passaram a ser nomeados os “primitivos” que se contrastavam com os “civilizados”. Pois bem, a primeira grande síntese teórica da antropologia foi o evolucionismo cultural, que se formou nos meados e se consolidou nos finais do século XIX. Essa abordagem formou-se em um contexto histórico marcado por transformações econômicas, políticas e intensos e con- trovertidos debates intelectuais. A Europa, no final do século XVIII, já começava a sentir as trans- formações provocadas pela revolução industrial na Inglaterra e a revolução política francesa. Já o século XIX foi marcado pelo contexto geopolítico que caracterizaria o processo da con- quista colonial. Como diz Laplantine (2000, p. 64), a “África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser povoadas de um número considerável de emigrantes europeus, não se trata mais de alguns missionários apenas, e sim de administradores”. Começou-se a produzir, nesse contex- to, uma vasta historiografia, relatos e crônicas sobre os mais diferentes povos que habitavam o planeta. Todas as variadas informações sobre parentesco, religião, modos de subsistências, for- mas de governo seriam posteriormente tomadas como dados pelos primeiros teóricos evolucio- nistas na antropologia. Aliás, é nesse momento que os debates sobre a diversidade cultural se intensificam, fortalecendo a consolidação de um discurso antropológico. Mas é preciso ressaltar melhor o contexto social europeu para ampliarmos nosso entendimen- to sobre o momento de formação do discurso evolucionista na antropologia. Segundo Stocking (1987), a abordagem evolucionista estava imer- sa nos debates de fins do século XIX. Esse autor mostra, em seu livro Victorian Anthopology, que em 1851 foi realizada, no Palácio de Cristal, uma exposição que tinha o intuito de simbolizar a união da humanidade e a divisão do trabalho. Para esse autor, tal evento marcou o início de uma mentalidade de superioridade da socie- dade vitoriana. Na interpretação de Stocking, a exposição no Palácio de Cristal estava permeada pela ideia de progresso e evolução humana e mostrava o interesse na época pelas sociedades chamadas de primitivas. A ideologia cultural forjada na época vi- toriana sobre os povos não ocidentais era a de considerá-los, em determinados momentos, como selvagens, ignorantes e inconsequentes; e, em outros, como observadores e lógicos. Os Figura 1: Interior do Palácio de Cristal em Londres onde foi realizada exposição em 1851 com amostras culturais e tecnológicas de vários povos, de forma a simbolizar a superioridade do mundo europeu ocidental em relação aos outros povos Fonte: Disponível em <http://omundopreepos- torreeiffel.blogspot.com/> Acesso em fev.2009. ▼ 13 Ciências Sociais - Antropologia II estudos evolucionistas socioculturais que con- tribuíam para a formação de uma imagem dos selvagens tinham como foco de análise princi- pal as instituições da religião e do casamento. Suas abordagens implicavam na análise de pro- cessos psicológicos, sociais e culturais, confron- tando com frequência o cristianismo da época que concebia a origem humana a partir da cria- ção de Deus (STOCKING, 1987, p. 186-196). A humanidade era percebida como um todo, mas com estágios evolutivos diferentes, tanto moral como intelectualmente, o que re- metia ao tema do progresso moral, da razão e do instinto. Dentro da perspectiva evolucionis- ta vitoriana, ocorria na humanidade uma tran- sição gradual do instinto à razão. Em um ex- tremo da escala evolutiva tinha-se o selvagem movido por estímulos imediatos do ambiente externo e da natureza interna. No outro extremo, tinham-se os intelectuais da classe média ingle- sa em um estágio civilizado, tanto moral como intelectual. O evolucionismo configurava-se, para a classe média inglesa, como uma ideologia, que comparava os selvagens com os criminosos, as mulheres e as crianças, incluindo camponeses, trabalhadores, vilões, mendigos, indigentes, loucos e irlandeses. Essa ideologia também servia de justificativa para o domínio nas colônias inglesas, ao considerar os selvagens moralmente delinquentes, espiritualmente enganadores e racialmente incapazes (STOCKING, 1987, p. 225-237). O evolucionismo clássico refletia os “valores do colonialismo vitoriano, cheio de certezas racistas e superioridades políticas, econômicas e in- telectuais” (DA MATTA, 1990, p. 89). Outro aspecto importante a ser ressaltado é que a emergência do evolucionismo clássico provocou um contundente questionamento na concepção bíblica da humanidade. O evolucio- nismo, portanto, postulava outra lógica de explicação para os fenômenos sociais e culturais, rom- pendo com a perspectiva teológica. Da mesma forma, no campo da biologia, a teoria de Darwin sobre as origens das espécies provocou um incisivo impacto na perspectiva filosófica religiosa sobre a origem do homem, bem como um alargamento do tempo histórico da espécie huma- na. As teorias evolucionistas biológica e cultural, portanto, foram decisivas para a instauração de um questionamento sobre a cosmologia cristã com as doutrinas da criação e da degenerescência das culturas humana. Operou-se uma transição da visão teológica e criacionista para o ponto de vista científico e evolucionista (WHITE, 1948). No entanto, ressalte-se que o evolucionismo biológico e o cultural se desenvolveram parale- lamente. Nesses termos, as ideias de Darwin não influenciaram diretamente os teóricos evolucio- nistas na antropologia. Poder-se-ia mesmo afirmar que a perspectiva da evolução cultural na an- tropologia antecedeu o próprio evolucionismo darwiniano. A ideia de evolução como explicação para a diversidade cultural humana não é decorrência direta da ideia de evolução biológica, ten- do como marco a publicação do livro do naturalista inglês Charles Darwin (CASTRO, 2005, p. 24). Mas os teóricos do evolucionismo social ou cultural, principalmente Morgan, do qual esta- remos falando mais adiante, foram influenciados pelas ideiasdo filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903). Spencer foi o responsável pela difusão e popularização da palavra evolução. O avanço do simples para o complexo, através de um processo de sucessivas diferenciações, é igualmente visto nas mais antigas mudanças do Universo que podemos conceber racionalmente e indutivamente estabelecer; ele é visto na evolução geológica e climática da Terra, e de cada um dos organismos sobre a superfície; ele é visto na evolução da Humanidade, quer seja contemplada no indivíduo civilizado, ou nas agregações de raças; ele é igualmente visto na evo- lução da Sociedade com respeito a sua organização política, religiosa e econô- mica; e é visto na evolução de todos os infindáveis produtos concretos e abs- tratos da atividade humana (SPENCER citado por CASTRO, 2005, p. 26). Dessa forma, como argumenta Castro (2005, p. 26), “as ideias filosóficas de Spencer levaram à disposição de todas as sociedades conhecidas, segundo uma escala evolutiva ascendente, atra- vés de vários estágios. Essa se tornaria a ideia fundamental do período clássico do evolucionismo na antropologia”. ▲ Figura 2: Visão externa do Palácio de Cristal na grande exposição de 1851. Fonte: Disponível em: http://1.bp.blogspot.com. Acessado em fev. 2009. 14 UAB/Unimontes - 2º Período Pois bem, entendido minimamente este contexto histórico, passemos agora a comentar so- bre as linhas gerais do evolucionismo cultural em sua fase clássica, o esforço para se estabelecer uma escala evolutiva da humanidade. 1.3 O conceito de evolução: a reconstrução da linha evolutiva numa sequência de progresso a partir do estágio primitivo ao mais civilizado A preocupação central do evolucionismo ou a questão crucial que os evolucionistas pro- puseram como postulado teórico foi explicar o processo de evolução da humanidade como um todo. Tratava-se em compreender os estágios de evolução. Assim, o conceito de evolução e a ideia evolucionista de progresso tornaram-se o esquema por meio do qual se tencionava explicar a linha evolutiva das sociedades humanas. Na perspectiva evolucionista, a humanidade era percebida como um todo, mas com está- gios evolutivos diferentes. Toda cultura deveria passar pela mesma sucessão de fases de desen- volvimento na sua marcha evolutiva. Nesse esquema, a antropologia evolucionista procurou abordar a história da humanidade como única, mas dividida em estágios evolutivos. Segundo Laplantine, o pensamento antropológico evolucionista pode ser caracterizado as- sim: Existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve (tanto em suas formas tecnoecônomicas como nos seus aspectos sociais e culturais) em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o nível final que é o da “civilização” (LAPLANTINE, 2000, p. 65). O postulado central no pensamento teórico da antropologia evolucionista era que a socie- dade humana em todas as partes teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, numa trajetória unilinear ascendente (CASTRO, 2005, p. 28). A partir da comparação de dados etnográficos recolhidos em várias sociedades, os evolucio- nistas procuravam reconstruir a história da humanidade. Postulavam, assim, que a humanidade tinha uma única origem, mas que evoluiria, necessariamente e linearmente, passando pelos mes- mos estágios. Assim, a partir da verificação da diversidade cultural das sociedades que existiram no passado e que conviviam contemporaneamente no espaço, os evolucionistas reduziram as di- ferenças a estágios históricos de um mesmo caminho evolutivo. Nesse raciocínio, as sociedades evoluíram e evoluiriam dos estágios mais simples para o mais complexo, do primitivo até o civili- zado. Essa evolução seria necessária e contínua, todas as sociedades passariam pelos mesmos ca- minhos evolutivos. Dessa forma, os antropólogos procuraram fazer a reconstituição da sequência de fases de desenvolvimento de técnicas, dos modos de subsistência, das instituições sociais, das formas de governo, formas de casamento e de família e de manifestações religiosas. O caminho da evolução seria natural e necessário na percepção evolucionista. Note-se bem que a diversidade cultural humana era percebida dentro dessa tradição da an- tropologia como diferenças de estágios evolutivos. Havia sociedades que estavam em um está- gio inferior de evolução se comparado com as sociedades dos próprios pesquisadores, que eram postuladas como as mais avançadas. Observemos, ainda, que a cultura Ocidental, a cultura da qual pertenciam os antropólogos evolucionistas, era colocada no topo da escala de evolução, as outras sociedades eram escalonadas de acordo com as suas semelhanças e diferenças em rela- ção à cultura Ocidental. Enfim, os evolucionistas apresentavam a sua cultura como o estágio mais elevado de um desenvolvimento geral da cultura. 15 Ciências Sociais - Antropologia II Outro princípio básico evolucionista era o da unidade psíquica de toda a espécie humana, a uniformidade de seu pensamento (CASTRO, 2005, p. 28). Partindo desse postulado e da verifica- ção da semelhança de costumes e instituições sociais de várias sociedades em espaços geográfi- cos variados, os antropólogos evolucionistas estabeleceram que a evolução cultural fosse regida por leis uniformes. Em outros termos, a constatação da existência de instituições, costumes ou crenças similares em duas ou mais sociedades, ou seja, aspectos sociais similares que aparecem em sociedades diferentes, no presente ou no passado, foram tomados como prova contundente da existência de leis uniformes na ordenação da evolução cultural. Por isso, a evolução seria uni- forme para toda a humanidade. Em consonância com essa formulação, postulava-se que todas as sociedades passariam pelos mesmos estágios de evolução. É também importante ressaltar que um dos conceitos centrais cunhados pelos evolucionis- tas para explicar a passagem de uma etapa de evolução para outra foi o de “sobrevivência”. São os costumes que permaneceram e possibilitaram aos evolucionistas apreender o sentido das eta- pas de evolução das sociedades. Nesse sentido, as “sobrevivências” constituem uma prova evi- dente do processo de evolução unilinear para os antropólogos evolucionistas na antropologia. Como forma de mostrar a evolução social, os evolucionistas procuravam mostrar as seme- lhanças entre fenômenos sociais existentes em várias sociedades que estariam em graus diferen- tes de evolução. A partir desse postulado, enfatizavam a existência de uma unidade do pensa- mento humano e afirmavam que causas semelhantes produziriam efeitos semelhantes. Assim, os antropólogos evolucionistas procuraram reconstruir uma linha evolutiva, numa sequência de progresso técnico do mais “primitivo” ao mais “civilizado”, a partir dos conceitos de sobrevivência e de cultura. Como argumenta Jean Copans: [...] o progresso técnico econômico é prova incontestável de uma certa evolu- ção histórica. Decalcando o modelo do evolucionismo biológico, buscam-se os estádios da evolução humana e, em consequência, as sociedades primitivas aparecem como os antepassados naturais das sociedades ocidentais atuais. Trata-se de um evolucionismo unilinear, quer dizer, tal sucessão de estádios é necessária e obrigatória: por uma série de transformações passa-se do inferior ao superior (s/d, p. 19). 1.4 Morgan e o progresso humano a partir de estágios evolutivos Procuremos ver mais de perto em que consiste a abordagem evolucionista a partir de um de seus principais representantes, Lewis Henry Morgan. A formulação mais sistemática da abor- dagem evolucionista pode ser encontrada em seu trabalho intitulado Ancient Society (A Socie- dade Antiga), publicado em 1877. Morgan nasceu nos Estados Unidos, em 1818, em uma família de proprietários rurais de Nova York. Formou-se em direito, em 1842.Envolveu-se com temas antropológicos a partir de seus contatos diretos com o povo iroquês da tribo de Sêneca. Um dos temas centrais com que Morgan se envolveu foi o estudo de sistemas de parentesco. Como mostra Castro, em 1858, na reunião da American Association for the Advancement of Science (Associação Americana para o Progresso da Ciência), Morgan apresentou um trabalho sobre as características essenciais da sociedade iroquesa, destacando-se seu sistema de parentesco com suas leis de consanguinidade e descendência (...) Morgan acreditava que o sistema classificatório de parentesco dos iroqueses era similar ao encontrado entre várias outras tribos norte-americanas (o que poderia provar sua origem comum) e talvez mesmo em várias partes do mun- do (o que a seu ver, se também fossem encontradas no Oriente, estabelece- ria cientificamente a origem asiática dos nativos norte-americanos) (CASTRO, 2005, p. 11). Como resultado de informações coletadas a partir de vários “questionários enviados a deze- nas de missões religiosas, agências governamentais e instituições científicas nos Estados Unidos e em todos os continentes, perguntando sobre a organização social de povos nativos e sobre o AtIvIdAde O antropólogo Eduardo Vi- veiros de Castro, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista a Revista E, diz: “Ao estudar as comuni- dades indígenas, aprendi que existe uma ideia muito comum entre nós, antropó- logos, de que os problemas humanos são todos os mesmos, em toda parte sempre foram os mesmos e o que varia são as soluções que cada sociedade dá a eles. Ou seja, é a ideia de que no fundo somos todos iguais, o que varia são as soluções de cada socieda- de. Acho que está claro que isso não é verdade: o que varia são os problemas, as sociedades têm problemas muito diferentes entre si, e elas são diferentes por causa dos problemas que têm e não por causa das soluções que dão a eles. A fração mais urbanizada e industrializada do planeta, e com consumo energético mais elevado – como os Estados Unidos e alguns países da Europa –, co- meçou a lidar com outros problemas. A questão hoje é: “Vamos chegar ao século 22?”. Se sim: “Com quantas pessoas a Terra vai chegar lá?” Por isso falo que é como se estivéssemos em uma nova Idade Média. De repente, as possibilidades do fim do mundo estão novamente no horizonte, evidentemente não mais no mesmo sentido. Essa ideia de que a tecnologia é a chave para resolver os problemas da humanidade me parece que hoje está posta em dúvida. Isso não quer dizer que se possa, ou se queira, voltar um estágio. Não sou neoprimi- tivista, que é uma corrente que diz que devemos voltar ao Paleolítico. Até porque, se não tomarmos cuidado, voltaremos. Acho que temos de começar a imaginar que a tecnologia não é o modo de o homem controlar a natureza, mas é o modo de o homem controlar as suas relações com a natureza. O homem pode ficar certo de uma coisa: se ele for brigar com a natureza, vai perder”. Reflitam sobre o que Vivei- ros de Castro diz, tomando como referências as ideias dos evolucionistas sobre progresso e desenvolvi- mento tecnológico como uma evolução e melhoria constante das sociedades humanas. 16 UAB/Unimontes - 2º Período sistema de parentesco” (CASTRO, 2005, p. 11) e a partir de rápidas pesquisas de campo a missões e reservas in- dígenas nos estados de Kansas e Nebraska, Morgan es- creveu sua monumental obra, em 1871, publicada com o título de Systems of Consanguinity and Affinity of the Human Family (Sistema de Consanguinidade e Afinida- de da Família Humana). Em 1873, Morgan passa a se ocupar de outro pro- jeto: interpretar a história passada a partir da aplica- ção do conhecimento antropológico contemporâneo. O resultado desse projeto intelectual foi a publicação, em 1877, do livro Ancient Society (A Sociedade Antiga). Nesse livro, Morgan “estudou os estágios de progresso da sociedade humana através da análise de cinco casos exemplares: os aborígines australianos, os índios iro- queses, os astecas, os gregos e os romanos” (CASTRO, 2005, p. 13). Para Morgan, a história da humanidade séria única, mas dividida em estágios evolutivos. Postulava, assim, que a sociedade humana teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obri- gatórios, numa trajetória unilinear. Como argumenta Morgan: Como a humanidade foi uma só na origem, sua trajetória tem sido essencial- mente uma, seguindo por canais diferentes, mas uniformes, em todos os conti- nentes, e muito semelhantes em todas as tribos e nações da humanidade que se encontram no mesmo status de desenvolvimento. Segue-se daí que a histó- ria e a experiência das tribos indígenas americanas representam, mais ou me- nos aproximadamente, a história e experiência de nossos próprios ancestrais remotos, quando em condições correspondentes. Sendo uma parte do registro humano, suas instituições, artes, invenções e experiências práticas possuem um grande e especial valor que alcança muito mais do que apenas a raça indí- gena (MORGAN, 1973). De acordo com a perspectiva teórica apresentada por Morgan, a humanidade teria sua ori- gem na “selvageria”, passando para a “barbárie” e, posteriormente, para a “civilização”. Tomando como tema central o progresso humano do estado selvagem ao da civilização, Morgan utilizou para sua análise “quatro categorias de fatos” que, em linhas paralelas, acompanhavam o progres- so humano. Assim, as instituições, as invenções e as descobertas; as gens, as fratrias e as tribos; a família e a propriedade dividem-se em diversas fases evolutivas capazes de permitir ao autor visualizar a história da humanidade (MORGAN, 1973, p. 8). No esquema de evolução apresentado por Morgan, as invenções, descobertas e o desen- volvimento das ideias de família, propriedade e governo seriam as vias principais do progresso humano. Em sua análise sobre o progresso da humanidade, Morgan vai enfatizar as formas de governo, pois estas têm um vínculo com a família e a propriedade. Para esse autor, as formas de governo evoluíram da societas para a civitas, ou seja, inicialmente a societas era uma forma de governo baseada nas pessoas e nas relações pessoais, cuja unidade dessa organização é a gens. Posteriormente, no processo de evolução e progresso humano, apareceria outra forma de gover- no: a civitas. A civitas seria baseada no território e na propriedade, cuja unidade de organização é a cidade ou o aglomerado. A societas conduz à “sociedade gentílica” e a civitas à “sociedade políti- ca” (MORGAN, 1973, p.13-17). Para analisar a evolução da sociedade gentílica para a política, Morgan faz uma distinção en- tre períodos de estágios étnicos. Cada estágio seria, no argumento desse autor, delimitado pelas invenções e descobertas, e suas subdivisões. O esquema evolutivo morganiano distingue três es- tágios principais: a selvageria, a barbárie e a civilização. O período do estado selvagem conteria o germe da civilização e estaria dividido em antigo, médio e recente. A cada um destes subperí- odos corresponde um estado da sociedade considerado como fase inferior, média e superior do estado selvagem. O mesmo ocorre para o período da barbárie, enquanto no estado civilizado há apenas a classificação de “fase da civilização”. Mesmo ciente da dificuldade de estabelecer as deli- mitações precisas entre um estágio e outro, Morgan afirma que a passagem do estado selvagem para a barbárie, relacionado com as invenções e descobertas, ocorreu com a invenção e o uso da cerâmica, enquanto a passagem da barbárie à civilização com a invenção do alfabeto fonético e o uso da escrita (MORGAN, 1973, p. 13-24). Figura 3: foto de Morgan. Fonte: Disponível em http://www.jornallivre. com.br/images_enviadas/ lewis-henry-morganmor- gan-jpg.jpg.Acessado em fev. 2009. ► GLOSSÁRIO Iroquês: “tribo que, na chegada dos europeus, vivia no vale de São Lou- renço e nas margens dos lagos Erie, Huron e On- tário (Canadá e E.U.A.). Era a mais poderosa das tribos índias da América do Norte. Por motivos militares, essa tribo ti- nha-se organizado numa vasta confederação que agrupava 6 ou 7 grupos linguísticos diferentes, mas que, ainda assim, pertenciam à mesma fa- mília. Os Iroqueses eram sedentários e praticavam a agricultura e, apenas a título acessório, a caça e a pesca”. Sistema classificatório de parentesco: um “ter- mo de parentesco diz-se classificatório quando se aplica a pessoas que pertencem a duas ou mais categorias distintas de parentes. A presença de termos classificató- rios diminui considera- velmente o número de categorias de parentesco logicamente possíveis. Por exemplo, no nosso sistema de parentesco, o termo avô, que confun- de o pai do pai e o pai da mãe, é classificatório. O mesmo acontece com tio, cunhado, primo, etc.” (PNOFF e PERRIN, 1973, p. 44) 17 Ciências Sociais - Antropologia II No quadro a seguir se pode perceber a perspectiva evolucionista sobre o progresso técnico da humanidade: Quadro 1 – Estágios Evolutivos proposto por Morgan Períodos Condições desenvolvimento I. Período inicial de selvageria Status inferior de selva- geria Da infância da raça humana até o começo do próximo período. II. Período interme- diário de selva- geria Status intermediário de selvageria Da aquisição de uma dieta de subsistência à base de peixes e de um conhecimento do uso do fogo etc. Ex.: Australianos III. Período final de selvageria Status superior de selva- geria Da invenção do arco e flecha etc. Ex.: Polinésios IV. Período inicial da barbárie Status inferior da bar- bárie Da invenção da arte da cerâmica etc. Ex.: Iroqueses V. Período interme- diário da barbárie Status intermediário da barbárie Da domesticação de animais no hemisfério oriental e, no ocidental, do cultivo irrigado de milho e plantas, com o uso de tijolos de adobe e pedras etc. Ex.: Zunis VI. Período final de barbárie Status superior de bar- bárie Da invenção do processo de fundir minério de ferro, com o uso de ferramentas de ferro etc. Ex.: Gregos homéricos VII. Status de civili- zação Status de civilização Da invenção do alfabeto fonético, com o uso da escrita, até o tempo presente. Fonte: MORGAN, L. H. A Sociedade Primitiva. In: CASTRO, C. Evolucionismo Cultural/textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 60. Segundo Morgan, a verdadeira história do homem está contida na história do crescimento e desenvolvimento das instituições, das quais a gens é apenas um exemplo. Esta representa, no entanto, a base de todas aquelas que maior influência prática exerceram sobre a história humana (MORGAN, 1973, p. 118). Assim, a base para o progresso humano percebido a partir dos perío- dos étnicos encontra-se no aparecimento das invenções e descobertas e, principalmente, no pro- gresso das instituições. Focalizando as instituições sociais como forma de teorizar sobre o progresso humano, Mor- gan argumenta que no início as sociedades humanas se organizavam a partir das diferenças en- tre os sexos. Essa organização seria, na perspectiva de Morgan, anterior à sociedade gentílica e representaria o tipo mais primitivo de instituições. As classes de homens e mulheres seriam, por- tanto, a forma de organização mais próxima do “tipo primitivo de instituições”, as gens. As classes, de acordo com o autor, contêm, em germes, as gens, entretanto, estão fundadas sobre o sexo e não sobre o parentesco, como na sociedade gentílica (MORGAN, 1973. p. 63-68). Para Morgan, a sociedade gentílica estaria fundamentada na organização social das gens, das fratrias, das tribos e das confederações de tribos, exemplificada por Morgan através dos ín- dios iroqueses. No entanto, os iroqueses não realizaram a passagem do estado de barbárie para o da civilização, permaneceram com filiação matrilinear, organizados em confederações e com uma base territorial estabelecida sobre a propriedade coletiva. A civilização teria surgido entre os gregos da Ásia e entre os gregos da Europa (MORGAN, 1973, p. 257). Os gregos, portanto, reali- zaram a passagem da sociedade gentílica para a política, baseada no território e na propriedade particular e estatal. Além de terem se organizado em nações, as filiações gregas tornaram-se pa- trilineares na transformação da sociedade gentílica para a política. Assim, da perspectiva de Mor- gan, os gregos e romanos realizaram a transformação da organização gentílica para a política; os iroqueses e astecas permaneceram com uma organização gentílica. Como pudemos ver, enfim, Morgan, através do método comparativo, ou seja, através da comparação entre as diferentes culturas passadas e presentes, procurou elaborar um esquema GLOSSÁRIO Gens: Grupo formado pelos indivíduos que se reclamam de um antepassado comum em linha masculina. Historicamente, essa palavra designa uma instituição da Roma antiga, mas, sob a influência de Morgan, acabou por servir para designar, em diver- sos autores, o grupo chamado patriclã, na Inglaterra, ou patri-sib, nos Estados Unidos. Patriclã, patrisib: “Clã ou sib cujo recrutamen- to é assegurado por uma regra de filiação patrilinear ou cujos membros têm uma residência patrilocal”. CLÃ ou SIB: “Grupo formado por uma ou várias linhagens. Pode ser localizado ou não, exógomo ou não, mas para ser considerado como tal, deve estar animado de um espírito de corpo bem marcado e deve ser o quadro de uma solidariedade ativa entre os seus mem- bros”. Fratria: “Grupo for- mado pela reunião de vários clãs ou sibs e cujos membros se con- sideram ligados uns aos outros por uma regra de filiação unilinear. Esses laços são, em muitos casos, perfeita- mente convencionais e bastante vagos. O sen- tido do termo, tal como os etnólogos o utilizam, deve ser distinguido daquele que alguns psicanalistas lhe atribuem; para estes, a fratria é o grupo forma- do, no quadro familiar europeu , pelos irmãos e pelas irmãs, face aos seus progenitores” (PA- NOFF e PERRIN, s/d). 18 UAB/Unimontes - 2º Período unilinear de evolução cultural. Analisou e ordenou em termos de uma teoria social evolucionis- ta dados de várias partes do planeta vindos através de escritórios coloniais, museus, sociedades científicas, organizações missionárias e instituições oficiais e não oficiais que tivessem interesse nos povos das colônias (MAYBURY-LEWIS, 2002, p. 16). Classificou as sociedades não ocidentais como as menos civilizadas por comparação às ocidentais. Nesses termos, estudando o parentesco como fundamento da organização social e política, Morgan formulou a ideia de que a sequência evolutiva da organização familiar foi: promiscuida- de à matriarcado à patriarcado. Nesse entendimento haveria, inicialmente, uma forma de filia- ção matrilinear, que evoluirá no estágio de civilização para a patrilinear. Da mesma forma, Morgan concluiu que, no estágio da selvageria, o homem sobreviveu da caça, pesca e coleta; no estágio da barbárie, o homem criou a agricultura e a irrigação; e, no es- tágio de civilização, o homem desenvolveu instrumentos, máquinas e indústrias. Assim, Morgan postulou que a evolução social significou uma melhoria constante da humanidade. O desenvol- vimento tecnológico, o progresso técnico representaria, na perspectiva teórica evolucionista, uma chave para se resolver os problemas da humanidade. Consideramos com mais vagar a perspectiva de Morgan por ser esse autor um dos mais ex- pressivos representantes da perspectiva teórica evolucionistana antropologia. Passemos a foca- lizar a seguir, de forma mais breve, as contribuições de outro autor pertencente à tradição evolu- cionista: Edward Burnett Tylor. 1.5 Tylor e a definição formal da cultura Tylor nasceu em 1832, na Inglaterra. Publicou seu primeiro livro em 1861 com o título Anahuac: or, México, Ancient and Modern [Anahuac: ou, México, antigo e moderno]. Em 1865, publicou Researches into the Early History of Mankind and the Development of Civilization [Pes- quisas sobre a antiga história da humanidade e o desenvolvimento da civilização]. Em seguida, escreveu seu mais importante livro: Primitive Culture: Researches into the Development of Mytho- logy, Philosophy, Religion, Language, Art and Custom [Cultura primitiva; pesquisas sobre o de- senvolvimento da mitologia, filosofia, religião, linguagem, arte e costume], publicado em 1871. Publicou, ainda em 1881, um pequeno manual sobre antropologia: Anthropology: an Introduc- tion to the Study of Man and Civilization [Antropologia: uma introdução ao estudo do homem e da civilização]. Tylor tem sido considerado um dos ancestrais da antropologia por ter formulado pela pri- meira vez uma definição de cultura. Esse antropólogo inicia seu livro Cultura Primitiva com a se- guinte afirmação: Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aque- le todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade. (TYLOR, 1971, p. 01). Tylor sintetizou na sua definição de cultura o termo ger- mânico de Kultur (“utilizado para simbolizar todos os aspec- tos espirituais de uma comunidade”) e a palavra francesa Ci- vilization (que se refere às realizações materiais de um povo). A grande contribuição de Tylor ao definir cultura foi destacar o caráter de “aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos” (LA- RAIA, 2003, p. 25), Dessa perspectiva, cultura passa a ser en- tendida como tudo aquilo que aprendemos como membro de uma determinada sociedade através de mecanismos de socialização. Mas é importante destacar que a definição de cultura dada por Tylor permanece dentro de uma concepção hierar- GLOSSÁRIO Matrilinear: Diz-se de uma regra de filiação que determina que o indivíduo adquire os principais elementos do seu estatuto, e nomeadamente, a sua inclusão num determi- nado grupo de paren- tesco, tendo exclusi- vamente em vista os laços genealógicos que passam pelas mulheres. Por extensão, diz-se igualmente matrilinear um grupo (linhagem, clã etc.) cujo recruta- mento é determinado pela aplicação dessa regra de filiação. Patrilinear: Regra que determina que o indivíduo receberá au- tomaticamente do pai os principais elementos do seu estatuto e, no- meadamente, que esse indivíduo pertencerá ao mesmo grupo de filiação (linhagem, clã etc.) que o seu pai e o pai do seu pai” (PANOFF e PERRIN). Figura 4: foto de Tylor Fonte: Disponível em: http://www.d.umn. edu/cla/faculty/troufs/ anth3618/images/ Tylor_EB.jpg. Acesso em fev. 2009. ► 19 Ciências Sociais - Antropologia II quizada, não relativista e não pluralista. “Cultura, para Tylor, era palavra usada sempre no singu- lar, e essencialmente hierarquizada” (CASTRO, 2005, p. 17). Configurando, assim, um postulado crucial da perspectiva evolucionista na antropologia. Atado a uma visão evolucionista de cultura, Tylor afirma que a cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois se trata de um fenômeno natural que possui causas e regularida- des, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução (LARAIA, 2003, p. 30). Formulando certos postulados que orientariam implicitamente seus trabalhos, Tylor argumentou: A situação da cultura entre as várias sociedades da humanidade, na medida em que possa ser investigada segundo princípios gerais, é um tema adequa- do para o estudo de leis do pensamento e da ação humana. De um lado, a uniformidade que tão amplamente permeia a civilização pode ser atribuída, em grande medida, à ação uniforme de causas uniformes; de outro, seus vá- rios graus podem ser vistos como estágios de desenvolvimento ou evolução... (Tylor, 1871, In: CASTRO, 2005, P. 69). Assim, amparando-se nas Ciências Exa- tas, Tylor, como todos os autores evolucio- nistas, procurou mostrar que os fenômenos culturais e sociais ou os fenômenos etnoló- gicos poderiam ser interpretados a partir de um processo natural ou de uma evolução. Assim, a evolução pode ser descrita por meio de leis gerais que, de acordo com seus supos- tos, é possível deduzir da observação de um processo histórico real. Como ressalta Tylor, a história da humanidade é parte da história natural e são as causas naturais que deter- minam a ação do homem (1970, p.2-3). Esse autor ainda acrescenta que o etnógrafo deve classificar os costumes na sua distribuição ge- ográfica e histórica, observando as relações existentes entre eles, tarefa essa que pode ser feita como se faz a classificação das plan- tas (TYLOR, 1970, p. 8). Tylor procurou, dessa forma, estabelecer uma comparação entre as sociedades a partir das suas instituições sociais e costumes como forma de teorizar sobre a escala evolutiva da humanidade. Nessa perspectiva, as socieda- des humanas poderiam ser estratificadas des- de as mais “simples” até as mais “complexas” ou, como aparece no discurso evolucionista, do “primitivo” ao “civilizado”. Focalizando as representações sociais Tylor chegou à seguin- te conclusão: a manifestação religiosa mais primitiva é a crença de que almas e espíritos animam todas as coisas e todos os seres vivos do universo. Esse chamado estágio religioso primitivo foi denominado por Tylor de animis- mo. Para esse autor, as manifestações religio- sas apareceriam na seguinte escala evolutiva: animismo à magia à idolatria à politeísmo à monoteísmo. Essa sequência aparecia para a perspectiva evolucionista tyloriana como uma história unilinear. Todas as sociedades evoluíram e evoluiriam de uma representação animistas até a última escala em que predomi- naria a manifestação monoteísta. Tylor formulou assim seus pressupostos: as instituições humanas, tal como as rochas estratificadas, se sucedem em séries bastante uniformes em todo o mundo, independente- mente do que parecem ser diferenças superfi- ciais de raças e línguas, já que estão conforma- das por uma natureza humana similar. Pode-se dizer que Tylor trata a humani- dade como um conjunto de natureza homo- gênea, mas situada em diferentes graus de civilização. Dessa perspectiva, opera-se uma abstração, pois o que se compara não são so- ciedades humanas tal como funcionam no conjunto, mas aspectos dessas sociedades. Não se compara cultura, mas elementos ou traços culturais deslocados de seus contex- tos. Como pudemos ver, nesse ponto Morgan é mais atento, pois toma como objetivo não a evolução das instituições individuais isola- das de seus contextos sociais, mas a evolução como um todo. Assim, estabelece uma ordem de sucessão de evolução dos grupos sociais – o que ele chama de “períodos étnicos” – “o sel- vagem”, o “bárbaro” e o “civilizado”. No entanto, tanto em Morgan quanto em Tylor fica implícito que a sequência evolutiva implica a ideia de aperfeiçoamento gradual das sociedades humanas. Em outras palavras, o aperfeiçoamento da cultura, na perspectiva evolucionista desses autores, significa o pro- gresso ou o melhoramento da humanidade. Enfim, Morgan e Tylor, partindo da veri- ficação da semelhança de fenômenos sociais em várias sociedades, estabeleceram uma escala evolutiva do simples ao complexo. En-fatizaram a existência de uma unidade do pensamento humano e afirmaram que causas semelhantes produzem efeitos semelhantes em qualquer sociedade humana. Por isso mes- mo, concluíram que todas as sociedades em qualquer tempo e espaço evoluiriam passan- do pelos mesmos estágios de evolução. Como vimos, Morgan, tomando como foco de estudo o parentesco, a família, as for- mas de propriedade e de governo elaborou GLOSSÁRIO Animismo: “Teoria ilustrada por Tylor e que postulava que o primeiro estádio da evolução da huma- nidade consistia na crença de que tudo na natureza possui uma alma. Essa posição foi criticada pelos autores posteriores, nomeada- mente Frazer e Mauss, que se esforçaram por mostrar que a religião era muito diferente do culto dos espíritos e não podia historica- mente derivar desse culto. De fato, esse tipo de problemas e de in- terpretações provém da história conjetural que, com base em dados mal identificados e mal observados, se fazia passar por etnologia no fim do século XIX e no início do século XX. Atualmente, a palavra e a ideia de animismo desapareceram da lite- ratura antropológica” (PANOFF e PERRIN, s/d, p. 18). 20 UAB/Unimontes - 2º Período um esquema linear de evolução da humanida- de. De outro modo, Tylor centrou seu interesse na religião e elaborou uma escala evolutiva so- bre o pensamento religioso. Mas foi Frazer que dedicou de forma insofismável ao estudo dos mitos, da magia e da religião. Passemos, então, a comentar brevemente como Frazer triangula magia/religião/ciência. 1.6 Frazer: magia, religião, ciência Fragmentos de uma biografia de Fra- zer. James George Frazer “nasceu em Glas- gow, Escócia, em 1854, numa família de classe média, filho de um farmacêutico. Matriculou- -se em 1869 na Universidade de Glasgow, graduando-se em 1874. Para completar sua formação, seguiu para o Trinity College em Cambridge, ao qual estaria ligado por quase todo o resto de sua vida. Dedicou-se com im- pressionante energia aos estudos clássicos (isto é, aos autores gregos e romanos, lidos no original) e, devido a seu desempenho, ganhou uma bolsa-prêmio da universidade com dura- ção de seis anos. A bolsa não exigia que desse aulas nem tivesse qualquer tipo de produção acadêmica e seria renovada seguidamente até 1895, quando se tornou vitalícia. Ou seja, apesar de relativamente modesta, sem nenhu- ma exigência de contrapartida, por toda a sua vida. Em 1885, Frazer deu uma palestra no An- thropological Institute, “On Certain Burial Cos- tumes as Ilustrative of the Primitive Theory of the Soul” [Sobre certos costumes funerários como ilustrativos da teoria primitiva da alma]. Na audiência estavam, entre outros, [...] dward Tylor e o autor por quem Frazer na época mais nutria admiração, Herbert Spencer. Naquele tempo, no entanto, seu interesse predominan- te continuava sendo pelos estudos clássicos. Em 1884, Frazer acertou com o editor George MacMillan (...) a preparação de uma nova tra- dução de Pausânias, geógrafo e antiquário do século II d. C. que viajou extensamente pela Grécia e escreveu aquele que é geralmente reconhecido como o primeiro guia de viagem: Descrição da Grécia. Em 1898, após mais de 13 anos de trabalho, que incluíram viagens à Gré- cia para conhecer in loco as recentes descober- tas arqueológicas e ver em que elas ajudariam a compreender o texto de Pausânias, projeto resultou numa tradução comentada que veio público com não menos que seis volumes [...] e mais de três mil páginas [...]. Na mesma época em que começou a tra- dução de Pausânias, Frazer conheceu William Robertson Smith (1846-1894), antropólogo es- pecializado no estudo histórico das religiões do Oriente Médio, em especial do Antigo Tes- tamento, autor de The Religion of the Semites. Os dois tornaram-se amigos inseparáveis até a morte de Robertson Smith, que foi o gran- de responsável pela conversão de Frazer para a antropologia, embora nunca o tenha feito abandonar os estudos clássicos. Bem antes de completar sua edição de Pausânias, Frazer já tinha um novo projeto, que resultaria na sua maior obra [...]. Em 1889, [...] Frazer resumiu o argumento do livro que estava escrevendo paralelamente, The Golden Bough [O Ramo de Ouro]. O propósito explíci- to seria explicar um tema da mitologia clássi- ca: a regra para a sucessão do sacerdócio no templo do bosque de Nemi, perto de Roma. Qualquer um poderia se tornar sacerdote a rei do bosque, dede que primeiro arrancasse um ramo – o ramo de ouro – de uma certa árvore sagrada daquele bosque e, em seguida, ma- tasse o sacerdote. Frazer concluiu, num estilo semelhante ao da trama de uma história de detetive: ‘através de uma aplicação do méto- do comparativo, creio poder demonstrar ser provável que o sacerdote representou em sua pessoa o deus do bosque – Virbius – e que seu sacrifício foi visto como a morte do deus. Isso levanta a questão sobre o significado do difundido costume de se matar homens e ani- Figura 5: foto de Frazer. Fonte: Disponível em: http://www.nndb.com/ people/600/000099303/ sir-james-frazer-1.jpg. Acessado em: fev. 2009. ► 21 Ciências Sociais - Antropologia II mais vistos como divinos... O Ramo de Ouro, creio poder demonstrar, era o visco, e toda a lenda pode, creio, ser posta em conexão, por um lado, com a reverência druística pelo vis- co e os sacrifícios humanos que acompanha- vam seu culto; e, por outro lado, com a lenda nórdica da morte de Balder. O que quer que se pense das teorias [do livro], descobrirão que ele contém um grande estoque de costu- mes muito curiosos, muitos dos quais podem ser novidade mesmo para antropólogos re- conhecidos. A semelhança de muitos desses costumes e ideias selvagens com as doutrinas fundamentais da Cristandade é admirável. Mas não faço referência a esse paralelismo, deixan- do que meus leitores tirem suas próprias con- clusões, de uma maneira ou de outra’. A primeira edição de O Ramo de Ouro foi publicada em 1890, em dois volumes e com um total de 800 páginas. A segunda edição, de 1900, ampliava a obra em um volume [...] A ter- ceira edição, publicada entre 1911 e 1915, tinha 13 volumes e um total de 4.568 páginas, levan- do o leitor através de uma vertiginosa viagem por todas as províncias etnográficas e mito- lógicas do mundo. Em 1922, Frazer preparou uma versão condensada em um volume que se tornou um best seller... Ao longo do meio século decorrido en- tre a primeira edição de O Ramo de Ouro (1890) e sua morte, Frazer desfrutou de uma dupla reputação: à medida que seu reconhe- cimento e sucesso cresciam junto ao público leigo – provavelmente Frazer foi o autor mais conhecido junto ao “grande público” de toda a história da antropologia – e a profissionais de outras disciplinas – como, por exemplo, os estudiosos da mitologia, da literatura e mes- mo Freud, que se baseou na obra de Frazer para escrever Totem e Tabu, publicado em 1913 –, sua influência decrescia junto aos an- tropólogos profissionais. Seu estilo, a partir da década de 1920, era considerado demasia- damente literário por uma geração de antro- pólogos que se considerava científicos, por mais que o público em geral continuasse gos- tando de ler sue livros”. Esse trecho de uma biografia de Frazer escrita pelo antropólogo Celso de Castro, no seu livro Evolucionismo Cultural: textos de Mor- gan, Tylor e Frazer, nos permite perceber e ava- liar a importância de Frazer para o pensamen- to social da época. Mas, acima de tudo, nos revela o impacto dos estudos de Frazer sobre mito, magia e religião. E, também, a gigan- tesca dimensão de sua obra O Ramo de Ouro e sua difusão ou repercussão entre um vasto público, não apenas entre profissionais da an- tropologia. Nesta imensa obra,belíssima pelo seu estilo literário, Frazer introduz e analisa um ri- tual de rebelião e o compara com narrativas míticas de várias sociedades. Discute o apa- recimento da política a partir da religião. Para Frazer, o poder político originou-se dos reis sacerdotes tal como a religião constitui uma forma de pensamento que evoluiu da magia. No início, religião e política se misturavam, o rei sacerdote cumpria ao mesmo tempo o pa- pel de mediador político e intercessor entre o mundo terreno e espiritual, entre o sagrado e o profano. Mas o que nos interessa mais de perto nesse momento é entender como Frazer faz a triangulação entre magia, religião e ciência, como forma de compreendermos a análise in- telectualista que esse autor elaborou sobre as formas e a evolução do pensamento humano. Em seu magistral livro O Ramo de Ouro, Frazer argumenta que o pensamento humano seguiu etapas sucessivas, da magia à religião, e depois da religião à ciência. No argumento desse autor, no inicio da humanidade prevale- ceu um pensamento mágico que evolui para o religioso que, por sua vez, na etapa mais avan- çada de evolução, foi substituído pelo pensa- mento científico. Em outras palavras, a sequ- ência evolutiva seguiria o seguinte caminho: em um primeiro estágio, o pensamento ope- rava através da magia, no estágio subsequen- te, a magia desaparecia e passava a vigorar o pensamento religioso, e em seguida, caracteri- zando o mundo ocidental, o pensamento cien- tífico substituiria o religioso. Como argumenta Frazer, (1982): “a magia representa uma fase anterior, mais grosseira da história do espírito humano, pela qual todas as raças da humani- dade passaram, ou estão passando, para diri- gir-se para a religião e a ciência”. Percebe-se, assim, que para Frazer o estágio mais remoto da evolução do pensamento era mágico, o se- gundo, religioso, e o terceiro, científico. A perspectiva que Frazer apresenta sobre a evolução do pensamento humano revela uma inquietação dominante do seu tempo: a de que a humanidade fazia parte da natureza. Revelava, portanto, uma forma de percepção sobre as diferenças entre as sociedades: os oci- dentais estavam na cultura, na civilização, no pensamento racional, e os não ocidentais na natureza, na irracionalidade, na magia. Como escreve Darcy Ribeiro no prefácio a edição brasileira de O Ramo de Ouro de 1982: o tem- po de Frazer “é o tempo europeu imperial de antes da decadência, ainda cheio de orgulho de si mesmo. Ser europeu, então, se possível inglês ou francês, era a única forma alta de ser gente verdadeiramente humana” (RIBEIRO, 1982, p. 7). Em consonância com essa ideolo- gia, Frazer escreveu: 22 UAB/Unimontes - 2º Período Um selvagem dificilmente concebe a distinção, feita habitualmente pelos po- vos mais adiantados, entre o natural e o sobrenatural. Para ele, o mundo é, em grande medida, regido por agentes sobrenaturais, isto é, por seres pessoais que agem por impulsos e motivos idênticos aos dele próprio, e que, como ele, podem ser movidos por apelos que lhes mobilizem a piedade, as esperanças ou os receios (RIBEIRO, 1982, p. 33). Assim, Frazer argumenta que a magia foi o mais antigo sistema de superstição que predomi- nou sobre o espírito humano em todas as épocas e em topos os países (1982, p. 33). Mas em que constitui os princípios da magia? Frazer mostra que toda magia funciona segundo um princípio simpático. Como comenta Mary Douglas, Frazer distinguiu dois princípios de simpatia: a simpatia das partes orgânicas e a simpatia das semelhanças observadas. A primeira supunha que as coisas antes reunidas e depois separadas conser- vavam permanente poder uma sobre as outras: assim quando dois amigos be- biam mutuamente os respectivos sangues, cada um deles, a partir de então, entrava em comunicação física direta com o outro, podendo saber quando perigos ameaçavam a este ou até definhando ou morrendo quando o outro era atacado. Já o segundo tipo de simpatia é bastante diverso do primeiro. Se, por exemplo, o ouro é considerado sendo de um amarelo positivo e a icterí- cia como de um amarelo negativo, então o ouro será usado na cura desta, para subjugar o tipo negativo de cor amarela. Esses dois princípios de contágio e similaridade devem ser considerados como uma influência poderosa no pen- samento primitivo (DOUGLAS, 1982, p. 12). Podemos perceber, assim, que a magia por contágio, as coisas ou pessoas, uma vez em con- tato, permanecem para sempre em contato, e a magia por similaridade, o semelhante produz o semelhante, constituíam a forma como o pensamento dos chamados “primitivos” ou “selvagens” operava. No entanto, essa forma de pensamento tenderia a desaparecer com a evolução das so- ciedades humanas. Frazer argumenta que a magia constituía em uma associação errônea de ideias, portanto, tenderia a perder a legitimidade. As pessoas começariam a desconfiar da legitimidade do mago e, sem a crença no seu poder, a magia poderia desaparecer. Por outro lado, Frazer mostra que a magia é um processo que liga um indivíduo a um mago ou xamã, um consultor a um cliente, da mesma forma em que na nossa sociedade um indivíduo procura um psicólogo ou um psica- nalista. Mas, à medida que várias pessoas começam a procurar simultaneamente o consultor (o mago), a sua prática deixa de ser particular e torna-se pública. Nesse caso, pode surgir um fenô- meno coletivo, que pode resultar em um fenômeno religioso. Note-se bem, para Frazer, a magia perderia sua legitimidade e daria lugar à religião que, por sua vez, cederia lugar para a ciência. Essa era a sequência evolutiva do pensamento humano na perspectiva frazeriana. Pode-se resumir essa perspectiva assim: as sociedades aparecem hierar- quizadas a partir de formas de pensamento, seguindo a sequência da magia, passando pela reli- gião até a última escala de evolução, a sociedade científica, racional. Nesta concepção, a magia seria uma forma primeva da ciência que, fracassan- do por precoce e temporã, deu lugar ao desvario descabelado da conduta re- ligiosa. Com ela a humanidade entraria no carreirão sombrio e sangrento do sacrifício que só pouco a pouco, lentissimamente, se apura e espiritualiza. A solução final viria com a ascensão às concepções e às práticas fundadas na ci- ência (RIBEIRO, 1982, p. 8). No entanto, e isso vale como uma crítica que se pode fazer a Frazer, magia e religião coexis- tem em todas as sociedades em qualquer tempo e espaço. Ou, como diz Ribeiro, ontem como hoje, é a conduta mágica que guia o selvagem australiano ou o feiticeiro londrino (ibidem). Já temos condições agora de perceber que Morgan, Tylor e Frazer, ao apresentarem seus es- quemas evolutivos unilineares, deixaram de lado a questão do relativismo. Mas a posição desses autores não poderia ser outra, porque a ideia de relativismo cultural está implicitamente associa- da à de evolução multilinear. “A unidade da espécie humana, por mais paradoxal que possa pare- cer tal afirmação, não pode ser explicada senão em termos de sua diversidade cultural” (LARAIA, 2003. p. 34). A principal reação ao esquema de evolução unilinear tem sido atribuída por muitos ao an- tropólogo Franz Boas. Boas elabora uma nova perspectiva na antropologia, o relativismo cultural. 23 Ciências Sociais - Antropologia II No entanto, antes de passarmos a comentar a perspectiva de Boas, falaremos sobre outra tradi- ção antropológica: o difusionismo. 1.7 Difusionismo A corrente difusionista conviveu com a corrente evolucionista da antropologia, sendo, no entanto, crítica aos seus pressupostos. No final de séc. XIX e início do séc. XX, defendia que as diferenças e semelhanças entre as socie- dades não se davam em função de avanço ou atraso de algumas sociedades, numa linha evo- lutiva comum a todas. Acreditavam, sim, que a evolução de cada sociedade nãose dava inde- pendentemente das outras, mas que as mudan- ças e o progresso se davam com a apropriação de traços de uma cultura pela outra, traços es- tes que seriam aperfeiçoados e retransmitidos. O progresso ou evolução das culturas se daria, então, por difusão de traços culturais. O mecanismo de empréstimo cultural, fruto da tendência humana para imitar e absorver tra- ços culturais, seria então fundamental nesse processo de evolução cultural. Os difusionistas apresentavam, assim, uma alternativa para compreender a diversidade cultural que, segundo eles, seria resultado da difusão de alguns traços culturais vindos de um único centro. Assim como quando uma pequena pedra é jogada na água e provoca deslocamentos em forma de ondas circulares, da mesma forma seria a difusão de traços culturais que partem de um ponto formando ondas que vão se expandindo. Cada onda tem suas características e amplitu- des. Ou seja, os traços culturais que conhecemos no presente teriam nascido em locais e mo- mentos distanciados entre si, mas, na verdade, eram resultado da difusão a partir de uma origem comum. Difusionistas mais radicais no início do séc. XX, como Rivers e seu discípulo Elliot Smith, de- fendiam, por exemplo, que o inventário cultural da humanidade se originou no Egito e a partir daí se irradiou para todo o mundo. As ideias difusionistas foram posteriormente derrubadas pelas comprovações arqueológicas que mostraram que as ideias originais em diferentes culturas no mundo antigo eram mais fre- quentes do que atualmente, não podendo, portanto, ter a mesma origem. A corrente difusionista foi, no entanto, muito importante para a compreensão da diversida- de cultural e seus conceitos foram retomados nos estudos de história cultural. As pesquisas sobre fenômenos de contato cultural e de empréstimo abriram caminho para os futuros estudos de aculturação e trocas culturais dos quais falaremos mais adiante. 1.8 Franz Boas e a crítica ao evolucionismo Franz Boas, alemão naturalizado america- no, pode ser considerado um dos pais da an- tropologia americana do século XX e da antro- pologia moderna de forma geral. Grande crítico das teorias difusionistas e evolucionistas, afirmava que a cultura devia ser estudada em sua totalidade e, consideran- do o seu desenvolvimento histórico próprio, uma postura mais funcionalista com forte viés histórico. Franz Boas foi o primeiro antropólogo a fazer pesquisas em campo para observação ▲ Figura 6: A ideia de difusão representada em ondas na água Fonte: Disponível em <http://flickr.com/photos/ brautigam/610756388/ Acesso em jan. 2009. 24 UAB/Unimontes - 2º Período direta, institucionalizando a etnografia como fundamental para a antropologia. Antes de tudo, buscava pensar a diferen- ça como fundada em questões culturais e não raciais. Sua formação acadêmica era em Física, Matemática e Geografia, mas sua carreira an- tropológica se inicia após ter sido muito in- fluenciado pelo contato íntimo com os esqui- mós (povo Inuit) em viagem realizada à Ilha Baffin, entre 1883-1884, que fez aumentar seu interesse pela Geografia Cultural e vai levá-lo a interessar-se pelo papel da tradição social como causa determinante da cultura e dos comportamentos humanos. Boas se destacou por seu rigor científico e cuidado nas afirmações, mais do que a rea- lização de pesquisa de campo e coleta deta- lhada de dados. Boas defendia que estas eram tão ou mais importantes que as teorizações e defendia que a construção de afirmações et- nográficas só deveriam ser feitas sobre provas, sendo imperdoável a falta de atenção aos da- dos e às conclusões precipitadas. Deu enorme contribuição ao elevar o nível dos métodos da investigação antropológica e seus critérios de verificação. Era conhecido pelo rigor de seus relató- rios, sempre objetivos e austeros, qualidades certamente trazidas de sua formação em Físi- ca e Matemática. Evitava ao máximo as gene- ralizações, julgando mesmo que estas seriam demasiado simplistas para serem úteis à An- tropologia. Questionava fortemente os pesquisado- res que, com base em evidências fragmen- tadas, construíam generalizações acerca das culturas. Afirmava, assim, a impossibilidade de identificar leis gerais sobre o condicionamento social, fenômeno tão complexo e determinado historicamente. Tornou-se assim muito conhecido por suas afirmações sobre o particularismo históri- co. Segundo ele, a vida cultural de cada povo só pode ser compreendida sob as condições únicas de configuração dos acontecimentos históricos vividas por ele. Questionava a uniformidade da história presente nas teorias evolucionistas. Argumen- tava ferozmente contra a sua definição de es- tágios de evolução da cultura e questionava a validade do método comparativo, conforme aplicado na época, que ele classificava de im- prudente, por justificar as reconstruções evo- lucionistas ingênuas, repletas de imprecisões teóricas e metodológicas, que não passavam de preconceito disfarçado na forma de experi- ência científica. Afirmava que a existência de objetivos, fenômenos e conceitos semelhantes em luga- res distantes, por si, não prova que exista uma uniformidade da história, ou seja, que todos os povos se desenvolveram a partir de um mes- mo ponto, mesmo que através da difusão. Não acreditava que todos os traços comuns desen- volvem-se sempre a partir das mesmas causas. Para ele, faltavam dados coletados que permi- tissem essa conclusão. Para Boas, era impossível afirmar a exis- tência de um sistema de evolução da socieda- de sem a prova de que os fenômenos comuns tiveram a mesma origem. Sem essa prova só se poderia pensar, por outro lado, que o de- senvolvimento histórico das sociedades se deu, na verdade, por caminhos diversos. Boas afirmava que os fatos devem ser observados para que sejam compreendidos, então, para compreender a história não basta- va saber como as coisas são, mas também era preciso saber como elas chegaram a ser como são. Dizia então que deveria ser feita a compa- ração das histórias culturais individuais e que daí poderiam surgir as leis gerais do desenvol- vimento humano. Ao invés do método comparativo puro e simples, utilizado pelos evolucionistas, Boas propunha investigações históricas de culturas simples para descobrir a origem de traços cul- turais e interpretar seu lugar numa determina- da cultura. A partir de Boas, construiu-se nos antro- pólogos americanos uma preocupação com a PARA SABeR MAIS Para mostrar que a va- riação do tipo físico hu- mano não estava ligada somente a questões raciais, mas também se alteravam devido à influência ambiental, Boas utilizou dados da forma da cabeça de 17.821 indivíduos nos Estados Unidos, já que a cabeça geralmente é vista como o traço da figura humana menos mutável. Considerando um espaço de tempo decorrido a partir da chegada dos pais imigrantes de várias na- cionalidades aos EUA, os resultados demons- traram que a forma da cabeça dos indivíduos de um grupo pode sofrer mudança com o tempo, mesmo sem ter havido mudança de descendência e no caso dos indivíduos estudados tendiam com o tempo para o formato típico predo- minante nos Estados Unidos. (SILVA, 2006). Nesse caso, reflita sobre as noções de raça e cul- tura como forma de se entender as sociedades humanas. Figura 7: Franz Boas entre os Inuit Fonte: Disponível em http://www.amazon. ca/Franz-Inuit-Baffin- -Island-1883-1884/ dp/0802041507 Acesso em jan. 2009. ► 25 Ciências Sociais - Antropologia II história e a reconstrução das culturas. Parado- xalmente, Boas acreditava que, através da aná- lise profunda de uma cultura única, pode-se conhecer todo o seu sentido, mesmo sem
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